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Mensagem
por thelmo rodrigues » Dom Fev 24, 2008 9:05 am
União Brasil-França incita corrida militar entre nações
EUA e Alemanha também querem o mercado de armamento; alemães reagem com carta; americanos enviam Condoleezza Rice
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
O anúncio de "aliança estratégica" entre Brasil e França, que pode significar bilhões de euros em compras e em construção de fábricas na área da defesa, acendeu o sinal de alerta e abriu uma corrida dos EUA e da Alemanha para disputar espaço com os franceses e não perder o mercado mais promissor da América Latina.
Os alemães reagem e até enviaram carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (leia texto nesta página), exigindo o fechamento de um pacote de 1,018 bilhão (cerca de US$ 1,5 bilhão) para reforma dos atuais submarinos e venda de dois novos para a Marinha brasileira.
Os americanos também não perderam tempo. Washington deve enviar a secretária de Estado, Condoleezza Rice, para um almoço com o presidente Lula em Brasília no início de março e convidou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, para ir a Washington entre os dias 18 e 22 do mesmo mês.
O ministro acaba de voltar da França, onde conversou sobre indústria de armamento e de equipamentos militares com a cúpula do governo, inclusive o presidente Nicolas Sarkozy, e visitou estaleiros e fábricas de submarinos e de caças supersônicos, todos eles com participação de capital estatal. Na seqüência, ele foi à Rússia.
Nos EUA, Jobim vai antes de mais nada tentar melhorar o diálogo na área da defesa, questionando a rigidez do país em não transferir tecnologia. Na Alemanha, quando e se for, vai cuidar especificamente do pacote de submarinos.
Veto dos EUA
Em recente visita ao embaixador dos EUA em Brasília, Clifford Sobel, Jobim reclamou do veto norte-americano à venda de aviões Super Tucano da Embraer para a Venezuela, sob alegação de segurança -o modelo contém peças e componentes americanos.
A decisão causou pesados prejuízos à Embraer e feriu os interesses brasileiros, deixando marcas no Planalto, na Defesa e no Itamaraty, que agora os EUA pretendem minimizar.
Segundo dados de 2006 do governo norte-americano, só 1% das licenças para vendas comerciais de produtos, serviços e dados técnicos de produtos militares foram rejeitados. Do restante, 15% não foram aprovados, a grande maioria sob alegações burocráticas, como falta de documentação adequada.
Por esses dados, o Departamento de Estado dos EUA aprovou mais de 41 mil itens nessa área, num valor aproximado de US$ 19,8 bilhões. O comércio com o Brasil nessa área, na expectativa americana, tem muito a crescer.
O problema, como Jobim tem dito insistentemente, é que o Brasil não quer se limitar ao papel de "comprador", mas sim fazer parcerias para ter condições de produzir dentro do próprio país. O Brasil alega que a França oferece essa chance, e os EUA, não.
Tanto americanos quanto alemães rebatem esse argumento dizendo que a liberalidade da França não passa de "balela", como ouviu a Folha de representantes dos interesses desses dois países.
Em Washington, o ministro visitará o secretário de Defesa, Robert Gates, que fez o convite para a viagem, e o Centro de Comando Estratégico, na base aeronaval de Norfolk, a maior da Costa Leste. E poderá conhecer o sistema de controle de tráfego aéreo e a sede da FAA, a agência reguladora norte-americana para aviação.
Projetos
O Brasil planeja implantar um satélite de monitoramento do espaço aéreo e territorial e analisa ofertas da Thales, francesa, e da Raytheon, americana. O projeto tem a sigla SGB (Satélite Geoestacionário Brasileiro) e foi idealizado para atuar em três frentes, inclusive na banda X, de comunicação militar e de defesa estratégica.
Outros projetos são o submarino de propulsão nuclear, a renovação da frota de caças, a compra de helicópteros de ataque e a construção de uma fábrica de helicópteros de carga para as três Forças Armadas.
Jobim deixa claro que a preferência brasileira conflui para a França, mas ainda há muita negociação pela frente.
Grupo alemão reclama de acordo a Lula
DA COLUNISTA DA FOLHA
O grupo alemão ThyssenKrupp enviou carta para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na quinta-feira passada, reclamando o cumprimento de um acordo pelo qual a empresa reformaria cinco submarinos convencionais (diesel-elétricos) e venderia dois novos para a Marinha brasileira, dando em troca a construção de uma siderúrgica em Sepetiba (RJ).
A siderúrgica, investimento de 3,5 bilhões de euros (cerca de US$ 5,20 bilhões), está quase pronta e deverá ser visitada por Lula ainda neste mês, mas o pacote de submarinos empacou. A empresa alemã diz que cumpriu sua parte, mas o Brasil, não. E reclama que soube pela imprensa do interesse brasileiros pelos submarinos Scorpene, da França.
A carta, à qual a Folha teve acesso, foi assinada por Walter Freitag, do Comitê Executivo do ThyssenKrupp. Diz que o fornecimento de submarinos de última geração da classe 214 para a Marinha "tem ligação natural" com o investimento na nova Companhia Siderúrgica do Atlântico. Ou seja: é uma contrapartida.
A carta é uma resposta ao ministro Nelson Jobim (Defesa) que dá preferência à proposta da França alegando que os franceses aceitam transferir tecnologia.
ELIANE CANTANHÊDE
Quem dá mais?
BRASÍLIA - Ao anunciar a intenção de comprar submarinos e caças e de fazer complexas parcerias com a França, o Brasil aguçou o apetite dos maiores fornecedores de armamento no mundo, a começar dos Estados Unidos e da Alemanha.
Por enquanto, os americanos reagem com diplomacia, convidando o ministro da Defesa para fazer um giro parecido com o que fez pela França e pela Rússia e conhecer o que eles estão desenvolvendo por lá. Mas os alemães estão irritados e, nos bastidores, há até a ameaça de ir às vias de direito.
Em carta a Lula, à qual a Folha teve acesso, o grupo alemão ThyssenKrupp cobrou um compromisso brasileiro: o de que fecharia um pacote de submarinos com ele em troca da construção de uma siderúrgica no Rio. Grosso modo, 1,018 bilhão dos submarinos contra 3,5 bilhões da siderúrgica.
Os alemães fizeram a parte deles e reclamam que o Brasil roeu a corda. Pior: que souberam por jornais que Nelson Jobim dá preferência para os submarinos franceses. Sentiram-se apunhalados pelas costas, até porque o programa nuclear Brasil-Alemanha tem décadas.
O que está jogado ao mar, ao ar e à cobiça dos mercados internacionais é um pacote de submarinos convencionais, tecnologia de submarinos de propulsão nuclear e a renovação da frota de caças da FAB, além de helicópteros, blindados e satélites. Jobim não diz quanto, nem quando, nem com quem, mas passa a sensação de ter aberto uma espécie de leilão. Quem dá mais?
A disputa está na fase de saber quem transfere mais e menos tecnologia. O Brasil diz que os franceses são mais compreensivos; os americanos e os alemães gritam que não. Na verdade, ninguém transfere nada nesse leilão.
Enquanto a gente discute a tapioca e os cartões corporativos, o mundo quer saber de armamento, comércio, dólares. Aliás, a coisa caminha mesmo é para euros.
"O dia em que os EUA aportarem porta aviões, navios de guerra, jatos e helicópteros apache sobre o território brasileiro, aposto que muitos brasileiros vão sair correndo gritando: "me leva, junto! me leva, junto!"