A Sérvia e Kosovo
A mídia ocidental difundiu a imagem de que a Sérvia invadiu a província de Kosovo, realizando por conseguinte um ato de agressão contra a população local. Ocorre que Kosovo sempre pertenceu à Sérvia, sendo um lugar sagrado para os de fé cristã-ortodoxa, com grande força simbólica para a maioria dos iugoslavos. Não se tratou, pois, de uma invasão estrangeira seguida de ocupação militar, mas sim de uma guerra civil travada entre o governo central e uma província separatista.
No monastério sérvio de Visoki Decani, em Kosovo, uma vez por semana ocorre um ritual bizarro. Reunidos em frente ao sarcófago do czar Stefan Dekanski, o seu santo padroeiro, os monges cristãos ortodoxos abrem-lhe a tampa. Ao tempo das preces, dizem eles, os sagrados ossos espalham um incrível perfume de rosas. Obedecem, com essa magia branca,
a uma liturgia praticada desde o século 14 para que os restos ilustres lhes inspirem, mediunicamente suponho, como agir na temeridade.
Batalha de Kosovo, 1389
Pelo infeliz retrospecto histórico daquela região da Iugoslávia, quase sempre submersa em tempestades de espadas e tiros, melhor fosse deixarem-nos, os ossos, sempre a descoberto. Kosovo (do pássaro "kos", melro), centro político e religioso do Estado sérvio no medievo, quase nunca soube o que é liberdade. Em 1389, por exemplo, Lazar, um dos seus príncipes, sofreu ali tamanha derrota frente aos turcos otomanos que marcou o início do longo avassalamento do seu povo, obrigado ao tributo fixo e ao serviço militar. Desconfiados da fidelidade deles, dos slavas, os sultões resolveram, durante seu opressivo domínio de cinco séculos, povoá-la com os valsh, albaneses convertidos ao islamismo.
A Jerusalém dos Sérvios
Nada porém arrefeceu a determinação dos sérvios em manterem-se nela. Entre outras razões porque Kosovo, bem antes da ocupação turca, era motivo de peregrinação aos seus santuários e relicários, onde os belos mosteiros de Raska-Priznen, Granica, e tanto outros, fizeram-na não só a Lourdes, como a Jerusalém deles.
Os sérvios somente retomaram o controle sobre ela nas guerras antiturcas de 1912, quando a Sublime Porta Otomana declinava. Oficialmente, ela tornou-se província do Reino da Iugoslávia depois de 1918, não sem antes o exército sérvio sufocar uma rebelião dos albaneses, insatisfeitos com seu status subalterno. A hora da vingança destes soou
quando Mussolini ocupou a Albânia, em 1940. A Balli Combetar, agrupamento de albaneses fascistas, atiçados, desforraram-se nos sérvios de Kosovo.
Ícone de Cristo no mosteiro de Decani e um ícone moderno
Kosovo Socialista
Pouco lhes serviu a baixeza e as atrocidades. Em 1945, os guerrilheiros comunistas de Tito expulsaram os nazi-fascistas, reintegrando-a como província autônoma (pokrajina) na República Socialista Federativa da Iugoslávia. Como os comunistas de Enver Hoxa tomaram também o poder na vizinha Albânia, os kosovares, fossem slavas ou valsh, respiraram aliviados. Imaginaram que por serem ambos governos da mesma fé , obedientes à ideologia marxista-leninista, a pequena região fronteiriça teria descanso. Frustaram-se. Em 1948, Stalin denunciou Tito como um nacionalista pequeno-burguês, hostil à URSS, enquanto o albanês Hoxa, ao contrário, aferrou-se a Moscou.
A Revolta Albanesa
Com o desmantelamento da Iugoslávia comunista a partir de 1989, os albaneses de Kosovo, amplamente majoritários (formam 90% da população de 2,1 milhões de habitantes), a exemplo dos eslovênios, dos croatas e dos bósnios muçulmanos, resolveram também proclamar-se independentes, lançando mão do movimento guerrilheiro do UCK (Exército de Libertação de Kosovo). Ninguém os reconheceu na Europa. Kosovo então mergulhou na guerra civil, na qual a população albanesa foi duramente atingida pela repressão sérvia (estima-se o número dos mortos entre dois a dez mil). Dusan Batakovic, um historiador sérvio da nova geração, defendia, antes da ocupação da província pelas tropas da Otan, no The Kosovo Chronicles, como solução intermediária e distensionante, a cantonização de Kosovo. Ainda que pertecente à Sérvia, ela adotaria o modelo suíço com cinco cantões rurais, havendo um governo misto servo-albanês nas cidades maiores. Durando uns quinze ou vinte anos tal alternativa, acreditou ele, otimista, o sangue esfriaria e a geração futura, distanciada das recentes crueldades, haveria de agir com bom senso. Quer dizer, até a próxima guerra balcânica. No presente, porém, Kosovo acha-se ocupada por tropas do Kfor, desde que Milosevic, quando ainda era presidente da Federação da Iugoslávia (a união da Sérvia com o Montenegro), depois de ter sido submetido a 72 dias de bombardeio aéreo, concordou, em 20 de junho de 1999, em retirar as tropas sérvias da região.
Ironia
O pretexto da intervenção da Otan em Kosovo era evitar que os sérvios comandados por Milosevic orquestrassem uma limpeza étnica, expulsando todos os albaneses da província separatista. A presença militar dos sérvios aumentara desde 1986, quando começaram as primeiras agressões violentas dos albaneses sobre os sérvios kosovares, amplamente minoritários na província. A supressão da autonomia dos albaneses, determinada pelo parlamento iugoslavo em 1986, deu-se exatamente por esse motivo. Agora, apoiados pela tropa de ocupação da Otan, os albaneses estão mais ou menos livres para poderem expulsar os sérvios kosovares dos seus lares, retomando assim as perseguições que eles haviam desencadeado desde 1986. As tropas da Kfor, que vieram para garantir a não perseguição aos albaneses, terminaram sendo, mesmo sem o desejar, a avalista da exclusão dos sérvios kosovares, atacados sem trégua pelos albaneses. Não só isso, a sua presença militar contribuiu para que os albaneses se sentissem suficientemente fortes para irem atacar, com operações de guerrilha, a vizinha Macedônia, alastrando a guerra para mais ao sul dos Bálcãs.
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