LeandroGCard escreveu:Luiz Bastos escreveu:Penso como você, que alias devo parabenizar por seus posts sempre muito equilibrados. Recentemente fiz um questionamento em outra lista acerca da compra de projetos estrangeiros . Para que se compra tanto projeto se jamais se repetem. Por exemplo. Compraram o projeto das fragatas (lindas por sinal). Fizeram algumas e só. Me parece que nossos engenheiros navais não aprenderam muito pois agora há pouco compraram um outro da França para navios patrulha. Neste ponto cabe a seguinte pergunta. Será que a engenharia naval não aprendeu ainda a projetar um navio com tanta transferência ainda? Me parece que as ultimas embarcações projetadas e construída aqui foram as da Guerra do Paraguai. Na minha opinião isto é uma vergonha para a 8a economia do mundo. Foram construir um barco de madeira seguindo o projeto português e foi um tremendo fracasso. Já os portugueses construíram um barco da mesma categoria pela metade do custo do brasileiro e vieram navegando com ele do Rio Tejo até a Bahia para a comemoração dos 500 anos, enquanto o nosso virava com a menor brisa no traves. Hoje ele encontra-se apodrecendo em Niterói, segundo soube. Assim penso que a carreira de engenheiro naval deveria ser extinta na MB. Ganha-se bem sem muito ou quase nada pra fazer. Me parece mais um abide de empregos na MB. Fui :wink:
Pois é Luiz, sou engenheiro especializado em projetos (mecânicos, não navais) e com grande prática no treinamento de outros engenheiros (isto faz parte do meu dia-a-dia de trabalho), e sei bem como a coisa funciona.
Uma etapa do aprendizado é realmente estudar o que já foi feito, verificar as soluções adotadas e os procedimentos seguidos em um projeto já pronto na área que se deseja aprender. Isto a MB fez durante o programa das fragatas Niterói, na década de 70, e com os Tupi na década seguinte.
O passo seguinte é a realização de um ou mais projetos similares, geralmente ainda sob orientação dos idealizadores do primeiro projeto e baseados neste, mas incorporando modificações originais importantes, que caracterizem um novo projeto com novas decisões a serem tomadas. No caso da MB o programa das corvetas Inhaúma foi o exemplo típico. O submarino Tikuna não se enquadra nesta categoria, pois as alterações com relação ao projeto original não o caracterizam como um projeto novo.
O último passo é a realização de um novo projeto totalmente do zero, com apoio apenas distante da equipe mais experiente, baseado em requisitos e/ou conceitos distintos do original. Nesta etapa já se esperam inovações nas soluçoes de projeto e nos procedimentos de produção, em função do avanço técnico natural e do aumento da confiança dos engenheiros envolvidos. Por vários motivos esta etapa jamais foi realizada na MB.
O grande problema é que mesmo após a execução das etapas anteriores o conhecimento adquirido tem um certo "prazo de validade". Se as atividades de projeto e contrução são interrompidas por um período muito longo, o conhecimento se perde, seja porque os engenheiros e técnicos envolvidos se afastam para outras atividades (ou se aposentam), seja porque a tecnologia avança e o conhecimento se torna obsoleto.
Além disso, não se pode realisticamente esperar que todos os projetos desenvolvidos por um determinado grupo sejam sempre um grande sucesso. Existem diversos casos em todas as áreas da engenharia mostrando que para cada projeto bem sucedido existem um ou mais que não o foram tanto assim, e até hoje não se descobriu uma forma de garantir sucesso absoluto sempre. Portanto, é de se esperar que alguns projetos sejam realmente melhores do que outros, não importa qual seja a experiência da equipe de desenvolvimento responsável. A experiência ajuda a evitar os erros mais básicos, mas não garante o sucesso absoluto sempre.
Estes dois últimos pontos é que tornam a filosofia da MB incompatível com o domínio da tecnologia de construção de meios navais. Desde que passei, ainda criança, a acompanhar os projetos executados por nossa marinha, eles sempre foram caracterizados por séries relativamente numerosas de uma quantidade pequena de projetos (6 Niterói, 4+1 Tupis, 12 Inhaúmas nos planos originais!). Esta filosofia causa dois problemas graves:
Primeiro - grande ociosidade da área de projetos enquanto uma série de um determinado projeto está em execução. Um navio demora anos para ficar pronto, e um número grande deles demora ainda mais. E depois de prontos não sobra muito espaço na força para a aquisição de outros navios, e assim podem-se passar ( e de fato se passam) décadas entre a realização de um projeto e outro.
Segundo - Se por qualquer razão o projeto não for um grande sucesso, toda uma série de navios pode ficar comprometida, e é muito difícil mudar a programação para incluir um novo projeto depois de constatado algum problema. Isto aconteceu no caso das Ihaúma, e o resultado da detecção dos problemas foi o cancelamento da maior parte da série (8 unidades!) e a aquisição de emergência das fragatas classe Garcia nos EUA. Só muitos anos depois a MB está finalmente conseguindo lançar a Barroso.
Agora é novamente anunciado o re-início do processo, com a aquisição de um projeto estrangeiro e suporte técnico para novas grandes fragatas. Mas o mesmo erro é cometido de novo, fala-se em não menos que 8 unidades, o que reproduzirá exatamente a situação que coloquei acima.
Outras marinhas do tamanho da nossa ou até maiores (Alemanha, Holanda, França, etc...) executam seus projetos em números pequenos, de 2, 3 ou 4 unidades, e estão o tempo todo lançando modelos mais e mais aperfeiçoados, mantendo suas equipes de projeto ativas e atualizadas. Caso um projeto se mostre particularmente bem sucedido ele pode até ter uma segunda série encomendada, mas no caso do projeto se revelar menos promissor do que no papel o programa não afeta de forma sensível a operacionalidade da força. E em qualquer caso a capacidade de seguir projetando e desenvolvendo é sempre mantida atualizada.
Vamos ver se alguém na nossa marinha irá e pensar no assunto antes de fechar a compra das 8 fragatas novas, ou se a história irá se repetir, o que indicará claramente que a MB não tem interesse em se capacitar para projeto, quer apenas adiquirir os navios e no máximo ter a capacidade de atualizá-los.
Abraços,
Leandro G. Card