#282
Mensagem
por PQD » Seg Nov 05, 2007 9:45 am
"Apenas substituímos armas dos EUA"
General venezuelano nega planos de operação militar fora das fronteiras e justifica compra de armas como reposição
Alberto Müller Rojas critica novas milícias e diz que seu país não tem capacidade para fazer uma intervenção militar efetiva na Bolívia
FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS
Um dos principais conselheiros militares do presidente Hugo Chávez nos últimos anos, o general Alberto Müller Rojas, 72, diz que as recentes compras de armas feitas pela Venezuela foram a solução para o embargo imposto pelos EUA e seguem a lógica de uma guerra assimétrica defensiva. Para ele, as preocupações do senador José Sarney (PMDB-AP) sobre o assunto são "ridículas".
Em julho, Müller Rojas teve uma divergência pública com Chávez ao afirmar que as Forças Armadas do país estão "politizadas" e foi repreendido. Com isso, se afastou da cúpula do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), em processo de criação, embora continue filiado. Leia a entrevista que concedeu à Folha:
FOLHA - As preocupações do senador Sarney sobre as compras de armas da Venezuela procedem?
ALBERTO MÜLLER ROJAS - É simplesmente ridículo. Quando se examinam os gastos militares na Venezuela, o país ocupa o sexto lugar. O país que mais gasta é o Chile, seguido do Brasil. A Venezuela não está em nenhuma corrida armamentista. O ex-presidente Sarney deve estar louco ou é simplesmente um farsante. Ele conhece perfeitamente, por sua experiência de chefe de Estado, qual é o tamanho da força do Brasil e qual é o tamanho da força venezuelana. É uma diferença abismal.
FOLHA - A Venezuela já comprou US$ 4 bilhões em armamentos da Rússia, e a expectativa é que o montante triplique. Qual é o motivo?
MÜLLER - A Venezuela nunca usou as Forças Armadas em relações internacionais. Isso não mudará, não é do espírito venezuelano. A compra que a Venezuela está fazendo é, em parte, originada do fato de que uma boa proporção de equipamento militar venezuelano, como os F-16, é americana, e os EUA bloquearam a compra de peças de reposição. As compras são simplesmente para substituir material americano e europeu, porque o bloqueio inclui não apenas a indústria americana, já que a maior parte dos equipamentos fabricados na Europa tem tecnologia americana. O mesmo que a indústria brasileira, nós íamos comprar aviões Tucano, mas não pudemos porque os EUA impediram. Estamos simplesmente mantendo nosso nível de defesa.
FOLHA - As compras seguem a tese da "guerra assimétrica" contra uma invasão?
MÜLLER - Claro, claro. Não podemos equipar as Forças Armadas com equipamentos convencionais. Primeiro, seria um gasto inútil, porque a guerra convencional deixou de existir. É de caráter defensivo, estamos comprando principalmente material antiaéreo e sistemas de vigilância para evitar uma surpresa. Inclusive, na área naval, os submarinos não são armas de ataque, não se pode invadir um país com submarinos, é uma arma defensiva mais barata do que corvetas. Por isso é que esse senador Sarney está especulando ou seguindo os interesses do Pentágono.
FOLHA - A proposta de reforma constitucional de Chávez traz mudanças na área militar, sobretudo a criação de uma quinta Força, a das milícias. O que mudará caso a reforma seja aprovada em referendo?
MÜLLER - Em geral, a reforma não é essencial, está dentro dessa tradição latino-americana do fetichismo pelas leis. Na área militar, a reforma é mais retórica do que efetiva. As milícias existem na Venezuela desde 1811. Originalmente, se chamavam milícias, depois reserva, estamos recuperando o nome histórico do compromisso da sociedade e de seus cidadãos na defesa do país. Isso não tem finalidade agressiva, com uma milícia desse tipo não há capacidade de choque nem mobilidade. Isso é para defesa territorial. E é justamente uma das contradições da reforma, porque se está colocando a milícia como parte de uma força burocratizada, que são os Exércitos convencionais. É uma das contradições das quais discordo.
FOLHA - Chávez disse que interviria militarmente na Bolívia para defender o governo Evo Morales. É um foco potencial de confronto regional?
MÜLLER - Dada a capacidade das Forças Armadas venezuelanas, não há a possibilidade de atuar na Bolívia de forma eficaz em nenhuma circunstância. O raio de ação de nossas forças militares não permite a projeção de contingentes importantes fora do espaço venezuelano. E, caso isso ocorresse, seria uma violação flagrante da Constituição venezuelana.
Militares contam com reaproximação dos EUA
Expectativa é que Brasil seja aliado preferencial
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Um dos subprodutos mais curiosos que a divisão na América Latina promovida pela retórica chavista pode render é uma reaproximação das áreas militares dos EUA e do Brasil.
Há uma expectativa na cúpula militar brasileira de que haja até negócios decorrentes da necessidade de Washington em ter o Brasil como aliado preferencial na região -título hoje da Colômbia e do Chile.
A Venezuela de Chávez, ao adotar a retórica antiamericana e lucrando fortemente com a subida do preço do petróleo, recebeu um veto explícito a negócios com fornecedores bélicos americanos. Assim, Chávez não pôde comprar Super Tucanos brasileiros com peças americanas, já que a Embraer seria retaliada pelos EUA se os fornecesse. O mesmo ocorreu com aviões espanhóis de transporte. Com sua frota de caças F-16 americanos caindo aos pedaços, a solução óbvia foi buscar na Rússia do "neoczar" Vladimir Putin o que necessitava.
Resultado: US$ 4,3 bilhões de compras anunciadas desde 2005. Antes, apenas o Peru operava grande quantidade de material russo na região. E a Venezuela ainda busca equipamento no Irã e na China, não exatamente confiáveis para os interesses dos EUA. Para os russos, foi ótimo negócio. Eles já vinham tentando emplacar os Sukhoi, e agora helicópteros, em compras brasileiras.
Dificilmente os EUA assistiriam a esse movimento de dominação de mercado impassíveis. Não por acaso, a concorrência para caças F-X, na qual a Rússia era favorita, acabou, entre outros motivos, por pressão dos concorrentes ocidentais.
Além disso, Chávez amealhou muitos aliados por meio do favorecimento energético. A Bolívia, o Equador e, em menor escala, a Argentina, estão sob sua influência. Os EUA temem que isso cause um futuro rearmamento do "eixo bolivariano" com equipamento russo (e chinês, e talvez iraniano), para o que Chile e Colômbia não serviriam de anteparo estratégico. A expectativa dos militares brasileiros de que Washington namore o Brasil segue essa lógica.
Resta saber como o governo agirá se isso acontecer. Depois de somar muitas derrotas e algumas vitórias com sua política "altiva" e antiamericana em dados momentos, o Itamaraty parece ter adotado um tom mais sóbrio no segundo mandato de Lula. Haveria um embate entre pragmatismo e ideologia curioso de ser assistido. (IGOR GIELOW)