Brincando com fogo
por Graça Salgueiro em 27 de maio de 2007
Resumo: Entenda os porquês da diferença do tratamento que é dispensado pelo governo Lula ao Paraguai e Bolívia.
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Quando no início do mês de maio o presidente Lula cedeu aos caprichos do presidente da Bolívia Evo Morales, entregando a preço de banana duas refinarias da Petrobras naquele país com prejuízos financeiros de mais de US$ 40 milhões, houve quem visse no gesto uma lassidão na política do Itamaraty e uma submissão do presidente brasileiro que “se deixava levar” pelo cocalero boliviano. A benevolência foi tão grandiosa que no 12 de maio Morales liderou o chamado “Dia do Júbilo” ocupando simbolicamente as duas refinarias que acabara de ganhar do Brasil.
O Brasil tinha tudo para se impor, uma vez que precisamos do gás fornecido por aquele país mas, se não fossem as refinarias brasileiras que apesar de pequenas são estratégicas (sua capacidade conjunta de processamento de 40 mil barris diários cobre quase toda a demanda interna de derivados de petróleo), a Bolívia não teria como extrair seu produto e tampouco teria a quem vendê-lo. Era, portanto, um privilégio para eles ter-nos lá trabalhando em suas terras e como seus compradores, e não o contrário.
Inversamente a esta estranha submissão, o comportamento adotado pelo sr. da Silva no Paraguai, onde esteve por rápidas 24 horas, entre os dias 20 e 21 de maio para tratar de assuntos relativos à hidrelétrica binacional de Itaipu, demonstrava visível arrogância que foi sentida e criticada por políticos, imprensa e a própria sociedade. A pouca disposição do mandatário brasileiro para com seu sócio na hidrelétrica tornou-se mais evidente quando dias antes negou-se a conceder entrevista ao diário ABC Color – embora tivesse concedido a dois outros jornais paraguaios -, por este fazer permanentes reivindicações sobre Itaipu.
Dos 100% da energia produzida no Paraguai o Brasil consome 95%, porém paga preço de custo, cujo valor anual é US$ 300 milhões. O Paraguai queixa-se de que, se vendesse seu excedente de energia a terceiros países a preço de mercado, alcançaria 2 bilhões de dólares anuais e recuperaria sua soberania hidrelétrica como vários setores da sociedade reclamam. Entretanto, nas negociações de exportação de energia do Brasil para a Argentina, regem os preços do mercado brasileiro (59,40 US$/MWh) ou mercado regional. Por que isso, se ambos países fazem parte do Mercosul? Veremos mais adiante.
A indiferença brasileira ao Paraguai vem tornando-se evidente desde há muito. Em janeiro, na reunião do Mercosu, Paraguai e Uruguai ameçaram sair do Mercosul, caso os países líderes do bloco – Brasil e Argentina – não adotassem medidas que trouxessem alguns benefícios necessários ao desenvolvimento econômico de seus países. Meses mais tarde, na primeira Cúpula Energética ocorrida na ilha Margarita, Venezuela, os jornais criticaram declarações de Lula quando ele falou da complementação energética sul-americana omitindo o Paraguai, como se aquele país não fosse um dos donos da maior hidrelétrica do mundo.
Diante da declaração de Lula de que “o Brasil pode contribuir com energia elétrica, a Bolívia com gás e a Venezuela e o Peru com petróleo”, o diário ABC Color teria interpretado como “nosso país é praticamente ignorado no tema energético da região, mesmo quando figuramos ao lado do Brasil como dono da Itaipú Binacional”.
A situação tornou-se mais desconfortável agora, na última visita, quando um Lula visivelmente de má vontade recusou-se a falar com a imprensa e não deu qualquer esperança de que iria tratar da renegociação do Tratado de Itaipu, afirmando que “não estava nos planos do Governo brasileiro discutir sobre o Tratado”. Durante um breve encontro com os jornalistas Lula declarou: “O que interessa mais é contribuir para que a economia do Paraguai possa crescer e assim possamos utilizar toda a energia que Itaipu produz”, omitindo que a maior parte da produção da hidrelétrica é aproveitada por seu país a um preço irrisório. Quando se insistiu acerca da renegociação, Lula não respondeu; a entrevista coletiva à imprensa com ele e Nicanor limitou-se a duas perguntas e imediatamente após ambos agradeceram, levantaram-se e foram embora.
Para alguns deputados do “Partido Patria Querida” “a visita de Lula é uma perda de tempo” porque o Brasil nunca vem discutir questões fundamentais como a renegociação do Tratado, o problema da tríplice fronteira e o uso transparente do dinheiro da binacional, aumentando o descontentamento das pessoas, o que faz com que as relações com o Brasil sejam hipócritas.
Um jornal paraguaio diz que “Lula leva apenas espelhinhos ao Paraguai”, enquanto o ABC Color, no editorial de sua edição de domingo diz no título: “Brasil: país imperialista e explorador”, acusando-nos de praticar uma “exploração vil”.
Presidentes Nicanor e Lula: divergências.
O descontentamento dos paraguaios é crescente e há quem anuncie uma disposição do presidente Nicanor em nacionalizar várias empresas, como vêm fazendo a Bolívia e a Venezuela, inclusive a hidrelétrica de Itaipu. Até o momento ele vem engolindo sapos e ouriços do Brasil mas um dia a paciência acaba. Lula está brincando com fogo, menosprezado o presidente paraguaio por não fazer parte do Foro de São Paulo, daí a diferença de tratamento: “de pai para filho” com o cocalero Morales quando tinha tudo para se impor; com preços mais rentáveis, à Argentina do montonero Kirchner, mas com total endurecimento e crueza para com o Paraguai, a quem devia tratar pelo menos com mais cordialidade e justeza.
É bom lembrar que, quem brinca com fogo pode se queimar, e oxalá não venhamos a perder nossa parte em Itaipu, por causa de atitudes inconseqüentes de um escravo das ordens do Foro de São Paulo.
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