FAB Pós-Cancelamento Programa F-X
Entrevista com Tenente-Brigadeiro-do-Ar José Carlos Pereira,
Comandante do Comando-Geral do Ar ( COMGAR), da Força Aérea Brasileira.
Entrevista realizada no dia 24 Fev 05 -Base Aérea de Canoas (BACO).
(
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Nelson F. Düring
Editor
Defesanet: Quais aviões estão sendo analisados em substituição ao cancelamento do Programa F-X BR?
Brig. J. Carlos: A força Aérea Francesa tem aviões usados Mirage 2000, os Emirados Árabes e outros países, os F-16 estão sobrando na Europa, tem também nos Estados Unidos, existe Sukhoi 27 também sobrando da Rússia, existe o Kfir, da Reserva de Guerra de Israel, o Cheetah, da África do Sul, e o nosso F-5, que muitos países estão oferecendo . E daí que vai sair e acho que vai sair rápido.
Defesanet: Com o encerramento do Programa F-X BR, quais as alternativas
Brig. J. Carlos: É possível dar um retardo na desativação dos Mirage III, é possível fazer outras combinações, mas é necessária uma tomada de decisão rápida (compra de um avião usado) .
Eu acredito, que num mês ou dois no máximo, essa decisão tenha que estar tomada. Olha, eu acho que vamos tomar uma decisão tranqüila, muito mais econômica do que se poderia imaginar e uma solução transitória.
Transitória de quanto tempo: é difícil responder - dois, três, quatro anos, no máximo - Não mais do que 4 anos.
Defesanet: Embora esse avião consiga operar por um período maior, em 4 anos haveria uma outra decisão?
Brig. J. Carlos: Isso. Embora possa haver um sobreposição ("over lapping"), entre eles, continuaria sendo feito um trabalho de aquisição de um novo caça, mas sem tanta pressão, pois não haveria, como agora, uma data fatal para os aviões Mirage III pararem. Eu acho que vai dar certo.
Defesanet: Independente de que avião seja escolhido agora, o Senhor crê que será obtida uma boa solução?
Brig. J. Carlos: Nós vamos conseguir uma boa solução, solução aceitável para as condições econômicas do país, aceitável em termos de segurança aérea, segurança de vôo, não vamos colocar um material que possa afetar a segurança, um avião seguro, isso é fundamental, que dê a Força Aérea um "up grade" em algum ponto; é aquilo que digo sempre: é importante ter no nariz do avião um excelente radar e sob as asas mísseis BVR, o resto é luxo.
Os critérios para a escolha são:
Primeiro: a mais segura, que não ofereça nenhum risco à segurança de vôo;
Segunda: a mais econômica, e a
Terceira: que atenda ao critério: um bom radar no nariz e mísseis BVR sob as asas.
Porque comprar alguma coisa, igual ao Mirage III, que não enxerga e não faz nada..., não vale a pena.
Defesanet: O avião não necessitaria ser "multirole"( multifunção)?
Brig. J. Carlos: A função do avião seria muito mais de defesa aérea. O multirole é desejável, mas não é uma condição "si ne qua" , aí entram também outros luxos de aviões modernos, como piloto automático, em vários eixos e isso tudo é dispensável. Realmente precisamos de um excelente radar e capacidade de mísseis BVR. Com isso, a FAB dará um salto à frente, e aí sim dá para esperar uns três, quatro anos tranqüilamente, enquanto isso os outros projetos estão andando.
Defesanet: Outra solução seria deslocar um grupo de F-5 para Anápolis(GO)?
Brig. J. Carlos: É possível sim. O F-5 BR já modernizado. Nós temos um pequeno excedente de aviões F-5. Então, no momento em que eles forem modernizados, os do esquadrão aqui do Sul e lá do Rio de Janeiro, poderão receber os aviões, e terão uma pequena sobra de aviões F-5. Esta sobra de aviões F-5 pode, eventualmente até cobrir o alerta de defesa aéreo, ali na região central. Talvez fosse necessário adquirir mais 5, 6 ou 10 aviões F-5, mas seria também um caminho. O F-5 está barato no mercado internacional. Vários países estão oferecendo aviões F-5 usados em bom estado. É também uma solução. Vamos ter que ver esse caminho.
Estaremos recebendo o primeiro F-5BR em Março, provavelmente entre os dias 15 a 18.
Defesanet: Na manobra Terral, fomos informados de um bom desempenho dos Mirage III com os R-99A. Os Mirage III estavam conseguindo enxergar um pouco mais, embora não fosse orgânico do avião.
Brig. J . Carlos: Nós fizemos agora um exercício usando nossos Mirage III como aviões de ataque ao solo. Foi um exercício muito bom, a precisão dos aviões foi excelente. Ele ficou muito incapacitado, como avião de defesa aérea. Aí nós fizemos uma série de testes com ele, como avião de ataque, empregando armamento real, funcionou maravilhosamente.
Defesanet: Qual foi o exercício Brigadeiro?
Brig. J Carlos: Um exercício que a FAB fez, no país inteiro, em 5 ou 6 locais (stand de tiro), simulamos a Força Aérea atacando 5 posições simultaneamente, muito distantes umas das outras, por exemplo: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Nordeste e Roraima, na mesma hora. Foi muito bonito! Um único comando central, em Brasília, comandou os ataques empregando a inclusão dos Mirage III. Foi um sucesso absoluto.
Defesanet: Podemos dizer que o foco é integrar o futuro caça, ao conceito de operações centradas em rede?
Brig. J. Carlos: Sem dúvida nenhuma. Você não pode raciocinar sem esse tipo de integração. Veja bem: o máximo de integração no estado da arte, isso ninguém conta para ninguém, sabe como as coisas funcionam...mas nós já temos uma capacidade muito boa, muito razoável de chegar a um resultado muito bom nesse campo. Mesmo com dificuldades, nós estamos com domínio tecnológico bem razoável.
Defesanet: Os senhores. são muito seguros na informação. Boa parte do publico desconhece essas conquistas.
Brig. J. Carlos: Você sabe, é que, os militares brasileiros, eu não sei se é por questão de DNA. Acho que o nosso DNA é assim. O pessoal tem até vergonha de falar as coisas. Na verdade agora estou falando em meu nome pessoal. Nos estamos fazendo, não só defesa aérea e perseguindo traficante. Estamos fazendo o CAN (Correio Aéreo Nacional), na Amazônia. Meu amigo, quando recebo o relato dos meus pilotos, de aviões transportando leprosos, tuberculosos, avião sendo contaminado pelo nosso povo, povo brasileiro contaminando os aviões da Força Aérea com suas doenças, por um lado é uma coisa chocante, mas é o trabalho que temos que fazer. Aí nós militares ficamos até com um certo receio - meu Deus, nosso povo está morrendo, precisando de coisas básicas, tipo uma vacina contra Febre Amarela e eu estou pensando em alta tecnologia, em transmissão via datalink - não tem nada a ver uma coisa com a outra. Nós só vamos tirar o povo da miséria quando tivermos uma tecnologia bem lá frente. Mas choca um pouco. A mim choca.
Eu digo para minha gente nós podemos fazer as duas coisas . Estamos fazendo assistência social com aviões Caravan. São aviões de custo operacional extremamente baratos. Empregamos os nossos médicos, porque é uma mão de obra, que já está inserida no orçamento. Estamos fazendo muita coisa.
Tecnologia é cara, mas acho que dá um retorno social grande.
O problema dos militares é esse. Veja o problema do Pará. Estamos transportando o Exército, estamos envolvidos com o Exército naquela operação. Aquela violência, problema da terra, nossos soldados, sargentos, oficiais do Exército estão lá, é um drama. Tem que manter a ordem, manter a disciplina ajudar a polícia.
Por outro lado é um drama, tem aquela miséria, doença tropical é o estado que ficou omisso tanto tempo por ali. Endemias todas que acontecem isso é parte de nossa guerra.
( Nota Defesanet: Cosme Degenar, Diretor de Redação de Tecnologia & Defesa, acompanhou por duas semanas as atividades do CAN.)
Defesanet: Qual o legado da gestão J. Carlos no Comgar?
Brig. J Carlos: No dia 31 de Julho, tiro o time de campo. Foram quatro anos à frente do COMGAR. Nós investimos no desenvolvimento da área de Comando e Controle. Acho que avançamos muito na área de Comando e Controle. Hoje, se a FAB precisar liderar, comandar forças aéreas estrangeiras, inclusive forças de primeiro mundo, não haverá problema, nós temos competência para isso.
Tem pessoal treinado para isso, em condições de comandar, mesmo uma Força Aérea avançada. Foi um salto muito grande, que nós demos. Avançamos também no campo tático. O setor de material não evoluiu muito, devido as limitações naturais do país.
Defesanet: Até Abril sai uma decisão no caça tampão ?
Brig J. Carlos: Acredito que sim. Tem de sair, os Mirage III estão parando.
Defesanet: Quais os mísseis BVR ( Beyond Visual Range- Além do alcance Visual), estão sendo analisados?
Brig. J. Carlos: São poucos os mísseis BVR, que estariam disponíveis para o Brasil . O MICA, os franceses já ofereceram, o Derby( Israel) também foi oferecido, tem o R-Darter( África do Sul), e eu acredito que os russos também venderiam os mísseis para nós, sem nenhum problema. Aí entra a questão de custo. Esses mísseis BVR são muito parecidos entre si. A questão é a integração. Custa caro integrar esses mísseis
Defesanet: A integração poderia ter um prazo diferente da do avião?
Brig. J. Carlos: Sim. A integração teria de ser feita já no Brasil. Não necessariamente teria de ser um avião já integrado. E outra coisa esse processo de integração é questão de tecnologia. Aprenderíamos muito com esse trabalho de integração.
Defesanet: O ganho tecnológico seria nesse processo de integração míssil BVR e o radar ?
Brig. J. Carlos: Sim o ganho seria no processo de integrar: a arma, radar e o datalink, que vai comandar o míssil BVR via radar. Nós não temos isso no momento. Seria o grande ganho tecnológico.
Isso vale qualquer coisa. Se nós pudermos obter essa qualificação de ter um controle de um mísil BVR, via datalink, com o radar de seu avião, isso é que interessa. O resto é perfumaria.
Defesanet: Na CRUZEX 2002 os franceses obtiveram uma grande superioridade com os MICA.
Brig. J Carlos: Temos de sair dessa fossa, e adquirir um novo patamar tecnológico.
O Editor agradece a ACS do V COMAR a possibilidade dessa entrevista.