Como eu caí com um AT-26 Xavante
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Como eu caí com um AT-26 Xavante
Meus prezados:
COMO EU CAÍ COM UM AT-26 XAVANTE
Gustavo H. Albrecht
Trem baixado e travado, full flap, velocidade de aproximação e manete reduzida, passando o ponto crítico numa aproximação instrumentos para a pista 04 da Base Aérea de Santa Cruz. Imagine-se nesta situação e, subitamente, o avião perde o controle e "vira de dorso"!!
Foi na volta de uma missão de treinamento operacional, quando eu era 2º TEN AV da FAB e servia no 1º Grupo de Aviação de Caça.
Havíamos decolado de Santa Cruz numa esquadrilha (4 aviões) de XAVANTES (aquele jato feito pela EMBRAER), para um ataque com bombas a uma ponte no Rio Paraíba. Fomos em navegação rasante, para "despistar o radar inimigo", o que nos obrigava a voar o mais baixo possível. A atenção era total pois o risco de colisão com obstáculos num vôo deste tipo é grande e o ala deve, além de voar em formação, acompanhar a navegação para, numa emergência, estar plotado no terreno. Lembro que a visibilidade não era das melhores, o que dificultava ainda mais o vôo.
O HSO (hora sobre o objetivo) deveria ser cumprido à risca e o líder era o responsável pela navegação. Os alas ficam mudos pois o silêncio rádio é obrigatório.
Na hora cravada, 13 horas, 47 minutos e 35 segundos estávamos lançando nossas bombas (simuladas, é claro) sobre o objetivo, após acelerar, ganhar a altura de início do bombardeio picado e cair no mergulho num eixo, ao longo da ponte.
Os acertos não podem ser verificados na horas pois não há bomba caindo e destruindo a ponte, até porque ficaria caro o treinamento.
Até a crítica foto feita após a missão cada um tem certeza que "as suas bombas acertaram o alvo", isto se ele estava mergulhando no ângulo certo e com o "pipe" sobre o alvo e lançando a bomba na altura e velocidade certas. Qualquer erro na velocidade para mais manda a bomba além do alvo e para menos, antes do mesmo.
Após o lançamento saímos em evasivas rasantes para "evitar a AAA - artilharia anti-aérea inimiga" e, tão logo deixamos o "território inimigo" para trás, subimos para o FL 340 (34.000 pés) para retornar à Base economizando combustível.
Autorizados pelo controle Santa Cruz iniciamos o procedimento de penetração no FL 200 em formatura básica onde eu era o nº 4, na ala esquerda do 3º que ficava à esquerda do líder. Para quem não sabe a posição das aeronaves numa formatura básica, uma dica. Estique a mão esquerda com a palma para baixo e os dedos juntos: o líder é a unha do dedo médio, o nº 2 é a unha do dedo indicador, o nº 3 a do dedo anular e o nº 4 a do mínimo.
Rebloqueamos a 2.000 pés e iniciamos o procedimento ADF para a pista 04, ainda mantendo a mesma formatura. No rebloqueio, o trem foi baixado e na curva base pela direita já estávamos flapeados.
Na aproximação final, após o ponto crítico, o líder do segundo elemento (nº 3) comandou o escalonamento do nº 4 da esquerda para a direita e eu obedeci pois "o ala cumpre em vôo e discute no chão". Reduzi ainda mais a potência, baixei um avião, passei abaixo do líder livrando sua cauda e subi para a posição à sua direita, ainda com o motor bem reduzido.
Quando subia, percebi um vulto, bem próximo, à minha frente. Era o escapamento do líder. Não deu tempo para nada. O avião virou um meio tunô pela direita enquanto eu tentava evitar dando pé e mão contrário e atacando a manete.
Naquela configuração (trem e flap baixados) e sem motor (mesmo levando a manete à frente um reator só adquire alguma potência, à partir de IDLE, após cerca de 6 a 8 segundos), é muito difícil descomandar e voltar ao vôo normal quando se está à baixa altura.
Toquei na cabeceira da pista 04 com o lado do TPA (tanque de ponta de asa), ali onde fica a luz de navegação, ou seja, com o avião na faca.
Em seguida e talvez em consequência do toque, o XAVANTE endireitou, porém a 45° com o eixo da pista, pulou uma vala, deu um toque no páteo da cabeceira 04 e entrou no matagal.
Eu só via o mato abrindo caminho, até que surgiu um barranco que parou o bicho. Com o impacto, mesmo com o cinto "quatro pontos", quebrei meu capacete contra o painel que ficou afundado. Lembro perfeitamente de ver os pedaços do protetor da viseira caindo nos meus pés.
Em consequência da parada brusca, a manete foi levada toda a frente e o escapamento ateou fogo no mato.
Tão logo avistei a fumaça, abri o canopi, levantei e ia saltar quando lembrei que minhas pernas estavam presas à cadeira de ejeção pela "fita restritora" que existe para evitar que, numa ejeção, as pernas do piloto quebrem ao bater no painel. Por falar em ejeção, em nenhum momento cogitei de ejetar-me. Até bater na pista eu brigava para recuperar e não imaginava que ia cair. Após tocar na pista ainda pretendia voar pois o motor estava a 100% e só o reduzi quando avistei dois gaviões decolando da grama, à frente, e que se chocaram com o avião, um no parabrisas e outro em direção à entrada de ar. Imaginem se eu consigo arremeter e o gavião entrando no compressor me destrói o motor. Eu iria parar espetado na torre de controle que estava na minha trajetória.
A cadeira de ejeção do XAVANTE só garante sucesso numa ejeção a baixa altura se a velocidade da aeronave for superior a 120Kt, e eu, nesta hora, já estava com menos.
Bem, mas como eu ia dizendo, lembrei das "fitas restritoras", sentei novamente e as soltei, arranquei a mangueira que liga a máscara ao sistema de oxigênio e os fios dos rádios e saltei pela direita da aeronave, entre o canopi e o parabrisa.
Os trens de pouso já tinham ficado enterrados lá atrás, quando entrei no mato, e a altura era pouca.
Comecei então a correr para fugir da explosão que, com certeza ocorreria.
O mato na realidade era um capinzal com mais de dois metros de altura e bem denso e enrolava-se nas minhas pernas dificultando a corrida. Estava quase sem fôlego, correndo e tropeçando, quando lembrei de tirar a máscara que ainda estava no rosto, obrigando-me a puxar o ar pela traquéia do oxigênio.
Consegui sair do mato na hora em que os bombeiros chegaram. O avião não explodiu pois já não tinha quase nada de querosene.
Foi um belo susto. Minha mulher soube pela televisão uma hora depois do acidente.
Sofri um arranhão na mão esquerda. Acho que foi na hora de abrir o canopi; Foi o primeiro XAVANTE acidentado da FAB.
No dia seguinte fiz inspeção de saúde e no outro fui escalado para voar de nº 2 na 2ª esquadrilha de um esquadrão de 8 aeronaves (ou seja, o 6º da esquadrilha) "só para não ficar com medo de remu na final".
Este foi o meu único "tombo" de avião. Tiveram outros mas com asa delta, ultraleve e helicóptero, mas isto já é outra história.
Transcrito com autorização por e-mail :
Um abraço e até mais...
COMO EU CAÍ COM UM AT-26 XAVANTE
Gustavo H. Albrecht
Trem baixado e travado, full flap, velocidade de aproximação e manete reduzida, passando o ponto crítico numa aproximação instrumentos para a pista 04 da Base Aérea de Santa Cruz. Imagine-se nesta situação e, subitamente, o avião perde o controle e "vira de dorso"!!
Foi na volta de uma missão de treinamento operacional, quando eu era 2º TEN AV da FAB e servia no 1º Grupo de Aviação de Caça.
Havíamos decolado de Santa Cruz numa esquadrilha (4 aviões) de XAVANTES (aquele jato feito pela EMBRAER), para um ataque com bombas a uma ponte no Rio Paraíba. Fomos em navegação rasante, para "despistar o radar inimigo", o que nos obrigava a voar o mais baixo possível. A atenção era total pois o risco de colisão com obstáculos num vôo deste tipo é grande e o ala deve, além de voar em formação, acompanhar a navegação para, numa emergência, estar plotado no terreno. Lembro que a visibilidade não era das melhores, o que dificultava ainda mais o vôo.
O HSO (hora sobre o objetivo) deveria ser cumprido à risca e o líder era o responsável pela navegação. Os alas ficam mudos pois o silêncio rádio é obrigatório.
Na hora cravada, 13 horas, 47 minutos e 35 segundos estávamos lançando nossas bombas (simuladas, é claro) sobre o objetivo, após acelerar, ganhar a altura de início do bombardeio picado e cair no mergulho num eixo, ao longo da ponte.
Os acertos não podem ser verificados na horas pois não há bomba caindo e destruindo a ponte, até porque ficaria caro o treinamento.
Até a crítica foto feita após a missão cada um tem certeza que "as suas bombas acertaram o alvo", isto se ele estava mergulhando no ângulo certo e com o "pipe" sobre o alvo e lançando a bomba na altura e velocidade certas. Qualquer erro na velocidade para mais manda a bomba além do alvo e para menos, antes do mesmo.
Após o lançamento saímos em evasivas rasantes para "evitar a AAA - artilharia anti-aérea inimiga" e, tão logo deixamos o "território inimigo" para trás, subimos para o FL 340 (34.000 pés) para retornar à Base economizando combustível.
Autorizados pelo controle Santa Cruz iniciamos o procedimento de penetração no FL 200 em formatura básica onde eu era o nº 4, na ala esquerda do 3º que ficava à esquerda do líder. Para quem não sabe a posição das aeronaves numa formatura básica, uma dica. Estique a mão esquerda com a palma para baixo e os dedos juntos: o líder é a unha do dedo médio, o nº 2 é a unha do dedo indicador, o nº 3 a do dedo anular e o nº 4 a do mínimo.
Rebloqueamos a 2.000 pés e iniciamos o procedimento ADF para a pista 04, ainda mantendo a mesma formatura. No rebloqueio, o trem foi baixado e na curva base pela direita já estávamos flapeados.
Na aproximação final, após o ponto crítico, o líder do segundo elemento (nº 3) comandou o escalonamento do nº 4 da esquerda para a direita e eu obedeci pois "o ala cumpre em vôo e discute no chão". Reduzi ainda mais a potência, baixei um avião, passei abaixo do líder livrando sua cauda e subi para a posição à sua direita, ainda com o motor bem reduzido.
Quando subia, percebi um vulto, bem próximo, à minha frente. Era o escapamento do líder. Não deu tempo para nada. O avião virou um meio tunô pela direita enquanto eu tentava evitar dando pé e mão contrário e atacando a manete.
Naquela configuração (trem e flap baixados) e sem motor (mesmo levando a manete à frente um reator só adquire alguma potência, à partir de IDLE, após cerca de 6 a 8 segundos), é muito difícil descomandar e voltar ao vôo normal quando se está à baixa altura.
Toquei na cabeceira da pista 04 com o lado do TPA (tanque de ponta de asa), ali onde fica a luz de navegação, ou seja, com o avião na faca.
Em seguida e talvez em consequência do toque, o XAVANTE endireitou, porém a 45° com o eixo da pista, pulou uma vala, deu um toque no páteo da cabeceira 04 e entrou no matagal.
Eu só via o mato abrindo caminho, até que surgiu um barranco que parou o bicho. Com o impacto, mesmo com o cinto "quatro pontos", quebrei meu capacete contra o painel que ficou afundado. Lembro perfeitamente de ver os pedaços do protetor da viseira caindo nos meus pés.
Em consequência da parada brusca, a manete foi levada toda a frente e o escapamento ateou fogo no mato.
Tão logo avistei a fumaça, abri o canopi, levantei e ia saltar quando lembrei que minhas pernas estavam presas à cadeira de ejeção pela "fita restritora" que existe para evitar que, numa ejeção, as pernas do piloto quebrem ao bater no painel. Por falar em ejeção, em nenhum momento cogitei de ejetar-me. Até bater na pista eu brigava para recuperar e não imaginava que ia cair. Após tocar na pista ainda pretendia voar pois o motor estava a 100% e só o reduzi quando avistei dois gaviões decolando da grama, à frente, e que se chocaram com o avião, um no parabrisas e outro em direção à entrada de ar. Imaginem se eu consigo arremeter e o gavião entrando no compressor me destrói o motor. Eu iria parar espetado na torre de controle que estava na minha trajetória.
A cadeira de ejeção do XAVANTE só garante sucesso numa ejeção a baixa altura se a velocidade da aeronave for superior a 120Kt, e eu, nesta hora, já estava com menos.
Bem, mas como eu ia dizendo, lembrei das "fitas restritoras", sentei novamente e as soltei, arranquei a mangueira que liga a máscara ao sistema de oxigênio e os fios dos rádios e saltei pela direita da aeronave, entre o canopi e o parabrisa.
Os trens de pouso já tinham ficado enterrados lá atrás, quando entrei no mato, e a altura era pouca.
Comecei então a correr para fugir da explosão que, com certeza ocorreria.
O mato na realidade era um capinzal com mais de dois metros de altura e bem denso e enrolava-se nas minhas pernas dificultando a corrida. Estava quase sem fôlego, correndo e tropeçando, quando lembrei de tirar a máscara que ainda estava no rosto, obrigando-me a puxar o ar pela traquéia do oxigênio.
Consegui sair do mato na hora em que os bombeiros chegaram. O avião não explodiu pois já não tinha quase nada de querosene.
Foi um belo susto. Minha mulher soube pela televisão uma hora depois do acidente.
Sofri um arranhão na mão esquerda. Acho que foi na hora de abrir o canopi; Foi o primeiro XAVANTE acidentado da FAB.
No dia seguinte fiz inspeção de saúde e no outro fui escalado para voar de nº 2 na 2ª esquadrilha de um esquadrão de 8 aeronaves (ou seja, o 6º da esquadrilha) "só para não ficar com medo de remu na final".
Este foi o meu único "tombo" de avião. Tiveram outros mas com asa delta, ultraleve e helicóptero, mas isto já é outra história.
Transcrito com autorização por e-mail :
Um abraço e até mais...