https://rusi.org/explore-our-research/p ... ns-2022-23
Preliminary Lessons from Ukraine’s Offensive Operations, 2022–23
https://static.rusi.org/lessons-learned ... 022-23.pdf
Este é o relatório recente do RUSI sobre as ofensivas ucranianas de 2022 e a contraofensiva ucraniana de 2023, foi escrito em colaboração com o Estado-Maior da Ucrânia.
No capítulo 1, discutindo sobre a operação de libertação de Kherson, havia-se já discutido a operação ao sul para avançar sob o eixo de Zaporizhzhia para alcançar Melitopol, envolvendo as forças russas em dois eixos na tentativa de bloquear o território contínuo terrestre do Donbas para Zaporizhzhia/Kherson e isolar as forças russas na península da Crimeia, o que seria adequadamente o próximo passo ofensivo estratégico ucraniano. Em novembro, os ucranianos conseguiram avançar sob Kherson, com os russos sendo obrigados a recuarem através do rio Dnipro para a outra margem, realizando uma operação de transposição retrógrada de um curso de água. Como eu já postei aqui nesse tópico, os ucranianos poderiam ter continuado a operação e atravessado o rio Dnipro conquistando uma cabeça de ponte no lado esquerdo da margem, entretanto, como os russos controlavam ainda as duas margens do rio, esse controle permitiu os russos a minarem os eixos de avanços ucranianos, o que deu uma vantagem russa na operação retrógrada, pois obrigou os ucranianos a desminagem desses eixos antes de realizarem a tentativa de translado, o que efetivamente encerrou a ofensiva ucraniana nessa linha de frente, a captura de alguns veículos MLRS que lançavam minas foram capturados pelos ucranianos assim que consolidaram os avanços, o que claramente demonstra que os russos realmente fizeram valer o manual nesse tipo de operação retrógrada, pois uma das etapas para essa operação é a ação retardadora que antecede os translados, trocando espaço por tempo - permitindo assim a operação ordenado até o fim.
Ainda sobre a ofensiva no ano de 2022, o avanço sobre Kharkiv não tenho muito o que dizer, pois o avanço foi executado brilhantemente, o próprio relatório enfatiza o efeito político que teve nos parceiros da Ucrânia, com os ganhos superando as expectativas ucranianas e eu acho que da maioria também. Destaca-se essas duas operações em que a Ucrânia foi muito vitoriosa, no que diz respeito a condução até aquele momento da guerra. Até aqui, a Ucrânia estava conduzindo a guerra de maneira muito superior à Rússia, mas os erros de excesso de confiança começaram a minar a capacidade de análise imparcial e começaram os problemas operacionais ucranianos, aqui destaco a ofensiva em Kremmina/Svatove, após os sucessos dessas duas batalhas, a Ucrânia definitivamente nunca mais conseguiu obter qualquer sucesso operacional na guerra, desde então, os ucranianos começaram a entrar em batalhas que, ou ainda estão em andamento (
https://simple.wikipedia.org/wiki/Battl ... minna_line) ou efetivamente já perdeu (
https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Bakhmut ou
https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of ... 80%932024)).
Uma das batalhas que perdeu foi Bakhmut. Como o relatório afirma e confirmado pelos ucranianos, Bakhmut era de pouco valor, mas poderia servir de base para o próximo objetivo que era Chasiv Yar. Entretanto, a altura da cidade não propiciava uma defesa adequada para uma prolongada taxa de atrito, com a cidade situado em terreno baixo, além do controle das linhas de comunicações que o ZSU usava para rotacionar as unidades, o atrito não favorecia a Ucrânia. Enfatiza-se que as baixas do Wagner eram extremamente elevados, mas foram os condenados que foram mobilizados que eram descartáveis para a Rússia correspondeu a maior parte dessas baixas, enquanto que as baixas ucranianas eram de combatentes experientes, o que efetivamente foi uma campanha desfavorável para a Ucrânia, condenando toda a contraofensiva posterior. A Ucrânia trocou combatentes experientes nessa batalha para formar novas unidades para coordenar o esforço principal da ofensiva mais importante da guerra desde o início. Não preciso afirmar que essa decisão foi uma estupidez colossal, uma vez que, como provado na contraofensiva ucraniana, as unidades mais antigas e experientes foram as que efetivamente tiveram os maiores sucessos nessa operação, com as novas unidades com equipamentos ocidentais lamentavelmente produzindo resultados negativos.
O relatório ainda descreve a tentativa de coordenar o esforço de mobilização e atenuar as ofensivas russas de inverno-primavera, utilizando para isso unidades experientes e deixando as unidades em formação em reserva para constituir a força de avanço na contraofensiva que sucedeu no verão de 2023, isso deixou um número insuficiente de unidades experientes nos primeiros combates na contraofensiva. Esse erro foi a continuidade exasperada da tarefa de incumbir o planejamento de guerra ucraniano e seus aliados antes da contraofensiva, a Ucrânia poderia ter gerido melhor essa mobilização, enviando unidades recém-formadas com MEM para a frente na tentativa de prover experiência aos mobilizados, movendo-se as unidades experientes para a retaguarda, promovendo o descanso e a reconstituição das baixas de cada unidade, treinando e colocando-as novamente na linha de frente, o que permitiria rotacionar grande parte das unidades que estavam em guerra há um ano sem nenhum descanso, isso teria um efeito moral enorme na capacidade de combate da Ucrânia e seria uma situação muito diferente de quando a Ucrânia iniciou a contraofensiva.
No capítulo dois sobre a ofensiva ucraniana no ano de 2023, demonstrando os erros acometidos - dede a falta de coordenação das unidades levando a incidentes de fogo-amigo, falta de veículos de desminagem, a faixa estreita planejado para violação da brecha, entre outros tipos de erros táticos cometidos. O mais interessante do relatório é afirmar que todo o 9th Strategic Reserve Corps só detinha aproximadamente 10 veículos de desminagem, isso é um número extremamente baixo e eu certamente desconfiaria desses números, como o próprio relatório enfatiza, essas análises são imparciais e eu duvido que eles cometeriam o erro de divulgar precisamente esses detalhes, por exemplo, hoje já se sabe que o envio de M777 é maior do que o anunciado publicamente, considerando a quantidade dessa Pç Art destruída pelos russos, o que era muito superior ao relatado.
Prosseguindo no relatório, foi afirmado que os ucranianos poderiam já ter encerrado a contraofensiva ainda em julho, quando a maioria de suas unidades ainda estavam comprometidas e poderiam cancelar a operação no esforço principal, de modo a economizar tempo, material e recursos humanos, o que efetivamente não foi uma escolha certa continuar a tentativa de violação, quando já estavam empregando unidades de três C Ex no principal esforço ao sul.
Uma outra coisa interessante no relatório é a suposição dos ataques de profundidade com mísseis ocidentais na retaguarda russa, atacando pontos C2, logística, defesa aérea e afins, esperando que isso poderia contribuir com a ofensiva terrestre em andamento, o que foi uma estimativa muito realista da parte tanto dos ucranianos quanto dos aliados da OTAN. Eles enfatizam que foi enviado mais de 300 mísseis de cruzeiro Storm Shadow e SCALP para a Ucrânia realizar essa campanha, considerando os ataques realizados, não creio que eles utilizaram todos esses mísseis, acho muito difícil de crer que eles usaram 2/3 desse inventário total, mesmo que usassem, ainda assim não creio que faria muita diferença, porque as campanhas aéreas de bombardeios não funcionam na maioria das vezes em que se tenta conseguir atingir esse objetivo, principalmente com essa crônica restrição de mísseis. Usando o exemplo da Guerra do Golfo, a campanha aérea de um mês antes do início da campanha terrestre, a coalização desgastou as divisões de infantaria do Exército Iraquiano que guarneciam a Linha Saddam em mais de 50%, quase cortaram totalmente suas linhas de suprimento, estavam fazendo bombardeios de B-52 sobre eles, lançando enormes bombas Daisy Cutter em campos minados bem na frente deles, cortaram suas comunicações da retaguarda e lançando milhões de panfletos dizendo para eles desertarem na campanha opsec. As divisões da retaguarda blindada e mecanizada e da Guarda Republicana foram reduzidas em cerca de 75% das capacidades de combate antes do início da campanha terrestre. Não tinha como a Ucrânia sequer reproduzir isso em menor escala, seria uma capacidade fora da realidade para o ZSU, o que complicaria ainda mais a contraofensiva se tentasse fazê-lo. Por isso, essa campanha teve efeito nulo no avanço terrestre ao sul, com o efeito mais importante se sentindo sobre a Frota do Mar Negro.
Uma coisa que eu havia já reparado durante a condução da contraofensiva é o uso de GMLRS para o apoio direto aos avanços realizados no sul, o relatório enfatiza que os ucranianos decidiram se concentrar precisamente em Tokmak, abandonando os ataques em profundidade contra C2 russo e a logística, principalmente visando atacar Pç Art russas e dispositivos de DAAe de curto alcance na linha de frente.
Aqui:
https://defesabrasil.com/forum/viewtopi ... 1#p5638461
Mais aqui:
https://defesabrasil.com/forum/viewtopi ... 8#p5636668
E aqui:
https://defesabrasil.com/forum/viewtopi ... 6#p5638246
Eles enfatizam que o fogo direto com outras Pç Art foi impossibilitado pelo uso massivo de Lancet, entretanto, isso só foi possível devido a faixa estreita da operação de abertura de brecha que tentaram violar em Zaporizhzhia, o que diminuiu a faixa de atuação desses drones russos a uma pequena área restrita para caçar equipamentos ucranianos.
Uma outra coisa que eu também já havia reiterado aqui é com relação a divisão das brigadas de artilharia em três eixos diferentes, com apenas uma única brigada responsável pelo esforço principal, o que acabou produzindo poucos esforços de apoio de fogo para o eixo ao sul, destacando as demais brigadas em apoio ao eixo oriental e colocado em reserva.
No capítulo três, eles descrevem as falhas demonstradas pela Ucrânia, como todos já sabem, a Ucrânia e os seus aliados viram os militares russos de 2022 no ano de 2023, acreditando que eles não se adaptaram e mudaram a sua estratégia e planejamento, ainda mais com uma mobilização em andamento, momentos em que a ofensiva já estava sendo planejado, o excesso de otimismo acabou provocando avaliações totalmente questionáveis, isso tem uma validação, se chama Doença da Vitória(
https://en.wikipedia.org/wiki/Victory_disease), a propaganda ucraniana nas redes sociais teve um forte impulso para isso, se convenceram de sua própria propaganda.
A parte da falta de surpresa do capítulo três é digno de risos, claramente chamando a atenção para os discursos políticos da liderança ucraniana em torno da contraofensiva, Zelensky e seu gabinete foram os maiores aliados dos russos no período que antecedeu a operação, o que mais me chama atenção é que isso deveria ser particularmente abordado por Budanov, da qual é muito capacitado para opsec como ninguém na Ucrânia, nem ele mesmo foi capaz de seguir a tendência do silêncio e dissimulação em torno dessa contraofensiva, o que explica muita coisa sobre a cadeia de erros de planejamento e execução da operação.
Outro problema agravado pelos militares ucranianos foram a falta de oficiais competentes dentro dos QGs das U e GU do ZSU, o que explica a incapacidade de sincronizar as operações e escalar para manobras a nível GU. Os oficiais ucranianos nunca forem competentes o suficiente para conseguir realizar esse tipo de operação, na verdade, mesmo os oficiais superiores e generais jamais tiveram alguma experiência com isso e nunca treinaram adequadamente para tal. Não seria um treinamento de meses que poderia conseguir solucionar isso.
Eu já havia reiterado isso aqui:
https://defesabrasil.com/forum/viewtopi ... 1#p5638461
Na parte da deficiência de planejamento, fica bem evidente que o excesso de otimismo exagerado levaram a conclusões totalmente superestimadas de suas capacidades e uma subestimação grosseira da capacidade dos russos. Não há desculpa para tamanha conclusão errônea, enquanto que no planejamento prévio, se esperava um colapso russo assim que os primeiros disparos de artilharia caíssem nas unidades russas, atribuir qualquer isenção de erro aqui é uma desculpa esfarrapada para tamanha incompetência jamais vista.