Esta é uma continuação do meu post anterior, agora com base num artigo do
https://www.zerohedge.com/.
Bueno, embora - como falei antes - esta nova iniciativa ucraniana pareça estar destinada a fracassar e ser vista em retrospectiva como a "Batalha do Bolsão" desta geração, ela ainda ensinou
(ou deveria ter ensinado) à Rússia pelo menos meia dúzia de lições muito importantes, que ela faria bem em considerar a implementação:
1. Chegou a hora de destruir todas as pontes sobre o Dnieper
Até o momento, a Rússia tem relutado em destruir as pontes que cruzam o rio Dnieper, mas talvez seja finalmente a hora de fazê-lo para evitar que armas e equipamentos ocidentais cheguem às suas fronteiras pós-2014, em uma possível preparação de mais ataques-surpresa. Continuar a
priorizar os objetivos políticos em detrimento dos militares, como,
por exemplo, permanecer avesso a perturbar o dia-a-dia da população civil
por meio dos meios propostos apenas em busca de "normalidade" provou ter mais desvantagens do que benefícios: perder umas pontes é meio chato para a Moral mas ser atacado assim do nada e ter que dar no pé só com a roupa do corpo deve ser bem mais.
2. Melhor ISR e maior flexibilidade de pensamento podem reduzir os pontos vulneráveis da Rússia
A OTAN provou que tem capacidades impressionantes de percepção tática, após dissimular com grande sucesso o ataque sorrateiro de seu proxy, mas a Rússia é o grande rival/alvo do bloco e, portanto, não deveria ter sido enganada com tanta facilidade (exceto se, como falei no outro post, for mais uma finta, tentando atrair o máximo de forças para depois serem imobilizadas ante linhas de defesa impenetráveis, então cercadas num movimento de pinças e
por fim destruídas - uma vaga lembrança, resguardadas as proporções, de Stalingrado). Uma melhor inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR) poderia ter evitado isso, assim como a otimização (ou seja, maior frequência e precisão na permuta de infos) dos ciclos de
feedback do front. Em relação a esse último aspecto, os altos escalões podem não ter levado a sério os possíveis relatos de um aumento de meios militares ucranianos na região, pois podem tê-los considerado "irrazoáveis", mas deveriam ter ouvido, se foi este o caso.
3. O reassentamento preventivo e mais defesas físicas na fronteira teriam ajudado muito
Em retrospecto, poderia ter sido sensato reassentar preventivamente as pessoas que estavam vivendo nas proximidades da fronteira com a Ucrânia e transformar essas áreas em uma zona de segurança com muito mais defesas físicas. Dois motivos pelos quais isso não foi feito podem ter sido o medo de que os inimigos considerassem a criação de uma
"buffer zone" dentro da Rússia como demonstração de insegurança e o fato de, outra vez, não querer atrapalhar os habitantes locais. O primeiro nunca deve influenciar os formuladores das políticas em tempos de guerra, enquanto o segundo pode ser atenuado
por meio de planejamento e financiamento adequados, talvez até com possíveis "contribuições" dos oligarcas de sempre, que lucram com a guerra.
4. As milícias de fronteira podem não ser uma má ideia se forem supervisionadas pelo governo
O agora
"reabilitado" Godfather da Wagner, Prigozhin, já havia proposto a criação de uma milícia de fronteira na região de Belgorod, mas na época poderia ter sido uma péssima ideia, se ele tivesse conseguido. Sem demérito no entanto, milícias de fronteira devidamente supervisionadas podem, de fato, ser uma boa ideia,
por exemplo, se houver agentes do FSB (tipo uma versão atual dos Zampolits da URSS) incorporados a elas para garantir a lealdade contínua desses atores para-estatais ao governo: uma coisa é passar
por cima de chechenos entediados em posições defensivas fixas, eis que conhecidos (e temidos) pelo exato oposto, o gosto pela ofensiva e pelo constante movimento; já outras forças para-estatais como os "músicos", embora com vocação similar, lembram mais os AZOV da Ucrânia, temidos tanto
por quem deles se defende quanto
por quem os ataca; não deixa de ser impressionante que o AC russo tenha "esquecido" o terrível preço que os
"SS da Ucrânia" cobraram
por Mariupol.
5. A "defesa ativa" é melhor do que a "defesa passiva"
Mesmo na ausência de um ISR adequado às necessidades russas, a Ucrânia ainda teria tido dificuldades para reunir as forças necessárias para seu ataque-surpresa e, em seguida, atravessar a fronteira e seguir na ofensiva, se a Rússia estivesse envolvida em uma política de "defesa ativa" (ataques regulares de baixo nível e pouca profundidade) em vez de "defesa passiva" (ficar de braços cruzados esperando
por um ataque). No futuro, a Rússia deveria considerar os méritos da implementação da "defesa ativa" em toda a frente de batalha (me parece que isto tem sido parcialmente implementado, ao menos nas "zonas quentes", onde todos os dias há noticias de "estocadas" russas), o que manteria a Ucrânia no limite e possivelmente a forçaria a criar voluntariamente suas próprias
"buffer zones".
As cinco lições enumeradas acima poderiam remodelar a forma como os formuladores de políticas percebem a
"operação militar especial" (
uma sexta lição seria sobre parar de usar eufemismos e chamar a coisa pelo que realmente é,
GUERRA*) e, portanto, melhorar a maneira como ela está sendo conduzida. A manutenção da mesma mentalidade leva ao risco de mais ataques deste tipo.
É somente
por meio da evolução pragmática dos pontos de vista dos políticos e seus generais em resposta aos eventos dos últimos dois anos e meio que o sucesso pode ser alcançado.
(*) - Notar que o Pentágono começa a evidenciar cada vez menos resistência ao emprego de armas e munições US
dentro da Rússia, um tabu que está a se desfazer rapidamente (pelo menos um Bradley foi destruído em solo russo na contraofensiva ora em andamento); não creio que irá demorar muito para que as versões de maior alcance de coisas como o ATACMS comecem a testar até a DA de Moscou. E me parece justo, afinal, se a capital de um proxy da OTAN tá levando com ISKANDER, KINZHAL e até AVANGARD no lombo,
por que não pode retaliar à altura?