CENSURA MINISTERIAL
Enviado: Sex Mar 16, 2007 6:43 pm
Ministério da DEFESA
Defesanet 16 Março 2007
FSP/ 14/15 Março 2007
Pires diz que vetou artigo de Casoy
por considerá-lo "inadequado"
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em nota divulgada ontem, o ministro da Defesa, Waldir Pires, admitiu que impediu a publicação de um artigo do jornalista Boris Casoy sobre o levante comunista de 1935 na revista "Informe Defesa", da Assessoria de Comunicação Social do ministério.
A informação foi divulgada ontem na coluna de Elio Gaspari na Folha.(Nota Defesa @ Net a íntegra do artigo de Elio Gaspari está abaixo)
Na nota, Pires afirma que "toda a vida, sem nenhuma transigência" lutou pelas liberdades, "inclusive a de imprensa", mas que considerou o texto "inadequado" à revista.
"O "Informe Defesa" é um veículo informativo oficial do Ministério da Defesa, para a comunicação dos seus atos e notícias. Não é uma publicação de natureza, ou missão, polêmica". O ministro afirmou também que a finalidade da revista é transmitir "a necessidade de um conceito de que as Forças Armadas são uma instituição essencial da Nação".
"Os equívocos da história não são seu objetivo [da publicação]. Mas, ao contrário, a idéia de transmitir ao país a necessidade de um conceito de que as Forças Armadas são uma instituição essencial da Nação, para sua segurança e seu destino democrático, em meio aos riscos do mundo contemporâneo."
Pires conclui dizendo que não sabia que o ministério havia encomendado o artigo a Casoy. "Não sabia, nem o meu gabinete, do convite ao jornalista Boris Casoy, para sua contribuição. Suas convicções respeito-as e delas divergi, desde sempre, com apreço e cordialidade pessoal. Mas a página que escreveu está desenganadamente inadequada ao conteúdo de um informe oficial."
Resposta do ministro da Defesa, Waldir Pires,
ao jornalista Elio Gaspari
Meu caro Elio Gaspari,
Li seu artigo de hoje. Sei que a história política recente do nosso país lhe deve uma contribuição importante, para o conhecimento de alguns dos seus acontecimentos e descaminhos. Tenho, sempre tive, apreço por seu trabalho. Devo-lhe, pois, uma informação, a propósito da opinião que adotou, no artigo mencionado.
O " Informe Defesa" é um veículo informativo oficial do Ministério da Defesa, para a comunicação dos seus atos e notícias. Não é uma publicação de natureza, ou missão, polêmica. Os equívocos da história não são seu objetivo. Mas , ao contrário, a idéia de transmitir ao país a necessidade de um conceito de que as Forças Armadas são uma instituição essencial da Nação, para sua segurança e seu destino democrático, em meio aos riscos do mundo contemporâneo.
Pela democracia e por uma sociedade mais justa, lutei toda a vida, sem nenhuma transigência. E pelas liberdades, inclusive a de imprensa.
Não sabia, nem o meu gabinete, igualmente, do convite ao jornalista Boris Casoy, para sua contribuição. Suas convicções respeito-as e delas divergi, desde sempre, com apreço e cordialidade pessoal. Mas a página que escreveu está desenganadamente, inadequada, ao conteúdo de um informe oficial.
Cordialmente,
Waldir Pires
Leia abaixo a íntegra do artigo de Boris Casoy.
Em sua obra "1984", o notável escritor inglês George Orwell trilha os caminhos de um regime autoritário num futuro remoto. Nessa ditadura predomina a figura de "Grande Irmão", na verdade uma imagem crítica do ditador soviético Stálin. Num cenário sombrio, o autor faz desfilar os instrumentos utilizados pelo regime para sufocar as liberdades. Um deles é o Ministério da Verdade, cuja função, entre outras "nobres" tarefas, é apagar ou reescrever a história ao talante do regime.
Há fatos deste imenso país que nos remetem a Orwell; por exemplo, a tentativa de relegar ao esquecimento a Intentona Comunista. Sob os mais diversos pretextos, a história é reescrita. A evocação do episódio de novembro de 1935 é tida como meio de buscar a cizânia entre brasileiros. Ai de quem evoca as vítimas da fracassada tentativa comunista de tomada do poder! Imediatamente sofre a censura e os ataques das "patrulhas", dispostas a levar adiante seus propósitos que, apesar dos fracassos, agora sob nova roupagem ainda motivam -por volúpia de poder ou ignorância- parcelas de nossa sociedade. E mais: há todo um movimento pela deificação do executor da Intentona, Luiz Carlos Prestes.
Com o desmantelamento do socialismo real, os documentos dos arquivos soviéticos gritaram a verdade: a tentativa de golpe foi urdida e coordenada pela 3ª Internacional, de cuja Comissão Executiva Prestes era membro. No Brasil, preparando a revolução estavam 22 estrangeiros pertencentes ao Serviço de Relações Internacionais do Komintern, como mostra o livro "Camaradas", do jornalista William Waak, que pesquisou os arquivos do Komintern. E mais: o livro -que derrubou diversos mitos históricos- comprova que a ordem para a eclosão do movimento não partiu do PCB ou de Prestes, mas sim foi mandada de Moscou por telegrama, pelo Komintern.
A ação comunista produziu 33 vítimas, cujas famílias nunca reivindicaram nada do governo brasileiro!
A história é a grande mestra da política. A Intentona de novembro de 1935 não pode ser esquecida sob nenhum pretexto. É um exemplo.
Waldir Pires censurou Boris Casoy
O jornalista meteu-se a relembrar o levante
comunista de 1935 e tomou uma tesourada
ELIO GASPARI
PELA PRIMEIRA vez em 51 anos de profissão, o jornalista Boris Casoy teve um texto expressamente censurado por um ministro. O censor foi o titular da Defesa, Waldir Pires, no episódio que aqui vai narrado.
No dia 5 de outubro, Casoy recebeu uma mensagem do encarregado da edição da revista "Informe Defesa", uma publicação trimestral da Assessoria de Comunicação Social do Ministério da Defesa. Pediam-lhe um artigo para a seção "Abre Aspas", sobre qualquer assunto que julgasse relevante. Ofereciam-lhe o espaço para que opinasse "de forma livre e transparente".
Nove em dez jornalistas que recebem esse tipo de solicitação argumentam que estão atarefados, agradecem e seguem em frente, mas Casoy decidiu atender ao pedido. Escreveu pouco mais de 20 linhas, relembrando o levante comunista de 27 de novembro de 1935.
Disse coisas assim: "Ai de quem invoca as vítimas da fracassada tentativa comunista de tomada do poder! Imediatamente sofre a censura e os ataques das "patrulhas" dispostas a levar adiante seus propósitos, que apesar dos fracassos, agora sob nova roupagem, ainda motivam -por volúpia de poder ou ignorância- parcelas de nossa sociedade. E mais: há todo um movimento pela deificação do executor da Intentona, Luiz Carlos Prestes. (...) A ação comunista produziu 33 vítimas, cujas famílias nunca reivindicaram nada do governo brasileiro".
Proféticas palavras. No dia 27 de dezembro, o jornalista recebeu uma mensagem informando que seu texto fora mandado às urtigas. Nas seguintes palavras, de um assessor de Waldir Pires: "Ao ser levada a prova gráfica à consideração do ministro (como de praxe) ele solicitou-me retirar o "Abre Aspas". O argumento do ministro é o de evitar-se a reabertura de feridas do passado. Ele chegou a conversar com o Comandante do Exército sobre isso".
O ministro, no caso, é um cidadão que, em 1964, teve os direitos políticos suspensos pela ditadura militar. Tornou-se um "cassado", nome que se dava à época aos malditos da política. Durante anos a mazorca dos generais proibiu a imprensa de "veicular declarações, opiniões ou citações de cassados ou seus porta-vozes".
Censura não fecha "feridas do passado". Elas são cicatrizes da história, com as quais é necessário conviver. A grandeza da França convive com a degola de Luís 16 e com o encarceramento do octogenário marechal colaboracionista Philippe Petain, mandado em 1945 para uma enxovia de pedra no meio do oceano. (Está lá até hoje.) Na história do Brasil, os comunistas de 1935 matando colegas de farda, e os generais de 1974, ordenando o extermínio de guerrilheiros presos no Araguaia, são feridas que não têm remédio pela ação da censura. Elas pedem debate em vez de silêncio.
Dá vontade de chorar quando se sabe que, em novembro do ano passado, no meio do apagão aéreo, o ministro da Defesa, um advogado, ocupava-se conferindo "a prova gráfica" de um boletim de sua assessoria. Devia estar sob a influência de um ex-estudante de direito da universidade de Kazan que lia os editoriais do Pravda antes que circulassem. Com uma diferença: Lênin lendo o Pravda rendeu uma bonita fotografia. Waldir Pires lendo o "Informe Defesa" não dá xilogravura de feira.
Defesanet 16 Março 2007
FSP/ 14/15 Março 2007
Pires diz que vetou artigo de Casoy
por considerá-lo "inadequado"
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em nota divulgada ontem, o ministro da Defesa, Waldir Pires, admitiu que impediu a publicação de um artigo do jornalista Boris Casoy sobre o levante comunista de 1935 na revista "Informe Defesa", da Assessoria de Comunicação Social do ministério.
A informação foi divulgada ontem na coluna de Elio Gaspari na Folha.(Nota Defesa @ Net a íntegra do artigo de Elio Gaspari está abaixo)
Na nota, Pires afirma que "toda a vida, sem nenhuma transigência" lutou pelas liberdades, "inclusive a de imprensa", mas que considerou o texto "inadequado" à revista.
"O "Informe Defesa" é um veículo informativo oficial do Ministério da Defesa, para a comunicação dos seus atos e notícias. Não é uma publicação de natureza, ou missão, polêmica". O ministro afirmou também que a finalidade da revista é transmitir "a necessidade de um conceito de que as Forças Armadas são uma instituição essencial da Nação".
"Os equívocos da história não são seu objetivo [da publicação]. Mas, ao contrário, a idéia de transmitir ao país a necessidade de um conceito de que as Forças Armadas são uma instituição essencial da Nação, para sua segurança e seu destino democrático, em meio aos riscos do mundo contemporâneo."
Pires conclui dizendo que não sabia que o ministério havia encomendado o artigo a Casoy. "Não sabia, nem o meu gabinete, do convite ao jornalista Boris Casoy, para sua contribuição. Suas convicções respeito-as e delas divergi, desde sempre, com apreço e cordialidade pessoal. Mas a página que escreveu está desenganadamente inadequada ao conteúdo de um informe oficial."
Resposta do ministro da Defesa, Waldir Pires,
ao jornalista Elio Gaspari
Meu caro Elio Gaspari,
Li seu artigo de hoje. Sei que a história política recente do nosso país lhe deve uma contribuição importante, para o conhecimento de alguns dos seus acontecimentos e descaminhos. Tenho, sempre tive, apreço por seu trabalho. Devo-lhe, pois, uma informação, a propósito da opinião que adotou, no artigo mencionado.
O " Informe Defesa" é um veículo informativo oficial do Ministério da Defesa, para a comunicação dos seus atos e notícias. Não é uma publicação de natureza, ou missão, polêmica. Os equívocos da história não são seu objetivo. Mas , ao contrário, a idéia de transmitir ao país a necessidade de um conceito de que as Forças Armadas são uma instituição essencial da Nação, para sua segurança e seu destino democrático, em meio aos riscos do mundo contemporâneo.
Pela democracia e por uma sociedade mais justa, lutei toda a vida, sem nenhuma transigência. E pelas liberdades, inclusive a de imprensa.
Não sabia, nem o meu gabinete, igualmente, do convite ao jornalista Boris Casoy, para sua contribuição. Suas convicções respeito-as e delas divergi, desde sempre, com apreço e cordialidade pessoal. Mas a página que escreveu está desenganadamente, inadequada, ao conteúdo de um informe oficial.
Cordialmente,
Waldir Pires
Leia abaixo a íntegra do artigo de Boris Casoy.
Em sua obra "1984", o notável escritor inglês George Orwell trilha os caminhos de um regime autoritário num futuro remoto. Nessa ditadura predomina a figura de "Grande Irmão", na verdade uma imagem crítica do ditador soviético Stálin. Num cenário sombrio, o autor faz desfilar os instrumentos utilizados pelo regime para sufocar as liberdades. Um deles é o Ministério da Verdade, cuja função, entre outras "nobres" tarefas, é apagar ou reescrever a história ao talante do regime.
Há fatos deste imenso país que nos remetem a Orwell; por exemplo, a tentativa de relegar ao esquecimento a Intentona Comunista. Sob os mais diversos pretextos, a história é reescrita. A evocação do episódio de novembro de 1935 é tida como meio de buscar a cizânia entre brasileiros. Ai de quem evoca as vítimas da fracassada tentativa comunista de tomada do poder! Imediatamente sofre a censura e os ataques das "patrulhas", dispostas a levar adiante seus propósitos que, apesar dos fracassos, agora sob nova roupagem ainda motivam -por volúpia de poder ou ignorância- parcelas de nossa sociedade. E mais: há todo um movimento pela deificação do executor da Intentona, Luiz Carlos Prestes.
Com o desmantelamento do socialismo real, os documentos dos arquivos soviéticos gritaram a verdade: a tentativa de golpe foi urdida e coordenada pela 3ª Internacional, de cuja Comissão Executiva Prestes era membro. No Brasil, preparando a revolução estavam 22 estrangeiros pertencentes ao Serviço de Relações Internacionais do Komintern, como mostra o livro "Camaradas", do jornalista William Waak, que pesquisou os arquivos do Komintern. E mais: o livro -que derrubou diversos mitos históricos- comprova que a ordem para a eclosão do movimento não partiu do PCB ou de Prestes, mas sim foi mandada de Moscou por telegrama, pelo Komintern.
A ação comunista produziu 33 vítimas, cujas famílias nunca reivindicaram nada do governo brasileiro!
A história é a grande mestra da política. A Intentona de novembro de 1935 não pode ser esquecida sob nenhum pretexto. É um exemplo.
Waldir Pires censurou Boris Casoy
O jornalista meteu-se a relembrar o levante
comunista de 1935 e tomou uma tesourada
ELIO GASPARI
PELA PRIMEIRA vez em 51 anos de profissão, o jornalista Boris Casoy teve um texto expressamente censurado por um ministro. O censor foi o titular da Defesa, Waldir Pires, no episódio que aqui vai narrado.
No dia 5 de outubro, Casoy recebeu uma mensagem do encarregado da edição da revista "Informe Defesa", uma publicação trimestral da Assessoria de Comunicação Social do Ministério da Defesa. Pediam-lhe um artigo para a seção "Abre Aspas", sobre qualquer assunto que julgasse relevante. Ofereciam-lhe o espaço para que opinasse "de forma livre e transparente".
Nove em dez jornalistas que recebem esse tipo de solicitação argumentam que estão atarefados, agradecem e seguem em frente, mas Casoy decidiu atender ao pedido. Escreveu pouco mais de 20 linhas, relembrando o levante comunista de 27 de novembro de 1935.
Disse coisas assim: "Ai de quem invoca as vítimas da fracassada tentativa comunista de tomada do poder! Imediatamente sofre a censura e os ataques das "patrulhas" dispostas a levar adiante seus propósitos, que apesar dos fracassos, agora sob nova roupagem, ainda motivam -por volúpia de poder ou ignorância- parcelas de nossa sociedade. E mais: há todo um movimento pela deificação do executor da Intentona, Luiz Carlos Prestes. (...) A ação comunista produziu 33 vítimas, cujas famílias nunca reivindicaram nada do governo brasileiro".
Proféticas palavras. No dia 27 de dezembro, o jornalista recebeu uma mensagem informando que seu texto fora mandado às urtigas. Nas seguintes palavras, de um assessor de Waldir Pires: "Ao ser levada a prova gráfica à consideração do ministro (como de praxe) ele solicitou-me retirar o "Abre Aspas". O argumento do ministro é o de evitar-se a reabertura de feridas do passado. Ele chegou a conversar com o Comandante do Exército sobre isso".
O ministro, no caso, é um cidadão que, em 1964, teve os direitos políticos suspensos pela ditadura militar. Tornou-se um "cassado", nome que se dava à época aos malditos da política. Durante anos a mazorca dos generais proibiu a imprensa de "veicular declarações, opiniões ou citações de cassados ou seus porta-vozes".
Censura não fecha "feridas do passado". Elas são cicatrizes da história, com as quais é necessário conviver. A grandeza da França convive com a degola de Luís 16 e com o encarceramento do octogenário marechal colaboracionista Philippe Petain, mandado em 1945 para uma enxovia de pedra no meio do oceano. (Está lá até hoje.) Na história do Brasil, os comunistas de 1935 matando colegas de farda, e os generais de 1974, ordenando o extermínio de guerrilheiros presos no Araguaia, são feridas que não têm remédio pela ação da censura. Elas pedem debate em vez de silêncio.
Dá vontade de chorar quando se sabe que, em novembro do ano passado, no meio do apagão aéreo, o ministro da Defesa, um advogado, ocupava-se conferindo "a prova gráfica" de um boletim de sua assessoria. Devia estar sob a influência de um ex-estudante de direito da universidade de Kazan que lia os editoriais do Pravda antes que circulassem. Com uma diferença: Lênin lendo o Pravda rendeu uma bonita fotografia. Waldir Pires lendo o "Informe Defesa" não dá xilogravura de feira.