Fim do pacto de desmantelamento nuclear Japão-Rússia tornará mais difícil reparar os laços, alertam analistas
Analistas dizem que a decisão unilateral da Rússia está ligada ao apoio do Japão à Ucrânia, após outras ‘microagressões’ em meio ao declínio dos laços bilaterais
O Japão ajudou a Rússia a desmantelar submarinos nucleares ao abrigo do pacto de 1993, mas o último movimento na deterioração dos laços mostra “muito pouco para reconstruir”
Publicado: 18h30, 13 de novembro de 2023
O Japão expressou desapontamento com a decisão unilateral da Rússia de pôr fim a um pacto de 30 anos ao abrigo do qual Tóquio prestou assistência técnica no desmantelamento de submarinos nucleares russos, enquanto analistas alertam que a erosão dos acordos bilaterais tornará difícil reparar os laços no futuro.
Tóquio só tomou conhecimento da decisão através de uma mensagem no site do governo russo, no final do dia 9 de novembro, afirmando que Moscovo estava a encerrar o projeto. O documento dizia que o primeiro-ministro Mikhail Mishustin havia assinado uma ordem suspendendo o acordo dois dias antes.
Não foram dadas razões para a decisão da Rússia, embora os analistas digam que é quase certamente a mais recente reacção retaliatória ligada ao apoio do Japão à Ucrânia no conflito em curso na Europa.
A declaração acrescentava que a Rússia “informaria” o Japão da sua decisão.
Hirokazu Matsuno, secretário-chefe de gabinete japonês, disse na sexta-feira que Tóquio acaba de saber que o acordo foi cancelado.
Matsuno disse que era “lamentável que tal anúncio unilateral tenha sido feito [pela Rússia] sem aviso prévio ao Japão”, informou a Jiji Press. Acrescentou que o Japão solicitou mais informações sobre a decisão de Moscovo através dos canais diplomáticos.
James Brown, professor de relações internacionais especializado em assuntos Japão-Rússia no campus de Tóquio da Universidade Temple, disse que parecia haver duas motivações principais para o anúncio da Rússia.
“A Rússia está claramente à procura de formas de retaliar contra o Japão e já pôs fim às conversações sobre um tratado de paz para encerrar formalmente a Segunda Guerra Mundial, e pôs fim às visitas isentas de visto dos habitantes de ilhas que anteriormente faziam parte da Japão até serem ocupados no final da guerra”, disse ele.
“Houve uma série de outras microagressões, e tudo isto foi concebido para fazer o Japão hesitar antes de fornecer mais assistência à Ucrânia.
“Também se enquadra na narrativa de que a Rússia se está a retirar de todos os acordos sobre questões nucleares, como o CTBT [o Tratado de Proibição de Testes Nucleares Convencionais], com a intenção de comunicar que está a pensar em usar armas nucleares na esperança de que isso dissuada a EUA, Japão e outros de apoiarem a Ucrânia”, disse Brown.
“Tudo isto poderia ser apenas um barulho de espada, é claro, mas pensámos o mesmo quando as forças russas se concentraram nas fronteiras da Ucrânia em 2022.”
O acordo bilateral datava de 1993 e viu o Japão prometer uma ajuda inicial de 100 milhões de dólares – aumentando mais tarde para 208 milhões de dólares – à antiga União Soviética para ajudar a desactivar reactores de submarinos nucleares descartados.
Para a Rússia, que herdou numerosos submarinos nucleares envelhecidos, mas não investiu em formas de tornar os seus reactores seguros no final da vida operacional dos navios, o problema era em grande parte financeiro, mas também havia questões técnicas.
Em agosto de 1985, 10 engenheiros morreram e a radioatividade foi liberada na atmosfera quando as hastes de controle foram removidas incorretamente do reator a bordo de um submarino da classe Victor no estaleiro naval da Baía de Chazma, perto de Vladivostok, no Extremo Oriente russo. Acredita-se que muitos submarinos russos que não estão mais em condições de navegar estão atracados em portos esperando para serem desativados.
O Japão interveio depois de o governo russo ter admitido, num relatório publicado em Março de 1993, que oito reactores de navios da Frota do Norte tinham sido descartados entre 20 e 40 metros de profundidade no Golfo de Abrosimov, ao largo de Murmansk, entre 1965 e 1988. Pelo menos três dos reatores foram relatados como danificados e vazando.
Em Outubro de 1993, a Rússia também lançou 900 toneladas de resíduos nucleares de baixa actividade no Mar do Japão, provocando alarme entre os pescadores japoneses e o público.
O Japão também ficou preocupado com relatos de marinheiros russos presos tentando vender urânio altamente enriquecido a partir de barras de combustível, enquanto autoridades russas no ano seguinte detiveram dois agentes norte-coreanos que tentavam comprar informações sobre submarinos russos.
Iniciado pelo ex-primeiro-ministro Junichiro Koizumi, o projeto foi intitulado “Estrela da Esperança” e contou com a ajuda de especialistas japoneses no desmantelamento seguro dos reatores de seis submarinos russos. A assistência subsequente incluiu a construção, com fundos japoneses, de instalações em terra para armazenar com segurança compartimentos de reatores removidos de submarinos desmantelados.
Ryo Hinata-Yamaguchi, professor assistente de relações internacionais na Universidade de Tóquio, disse que a decisão russa não surpreendeu, mas que o declínio contínuo nos laços bilaterais deveria ser motivo de maior preocupação, dado que as instalações de desmantelamento já estavam instaladas nos portos russos. .
“Estamos a assistir a um declínio lento e constante em todas as áreas de comunicações e ligações entre o Japão e a Rússia, o que significa que resta muito pouco para reconstruir”, disse ele.
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