GNR combate fogos e vigia floresta
Os novos bombeiros
Começa hoje, 1 de Julho, a época mais perigosa dos incêndios florestais. A grande novidade deste ano está nos Grupos de Intervenção Protecção e Socorro, constituídos por militares da GNR – os novos bombeiros. Eles são largados de helicóptero na floresta e têm a missão de combaterem o fogo à nascença.
D.R.
Quando a Beira Alta amanhece com nevoeiro e humidade, o alferes Adriano Fortes, oficial da GNR, comandante do Centro de Meios Aéreos, sabe que vai ter um dia descansado: com o tempo assim, húmido, é escasso o risco de fogos florestais. Nas últimas semanas tem sido assim. Mas hoje, 1 de Julho, começa para os bombeiros a temida ‘Fase Charlie’ – a época em que os fogos mais castigam a floresta.
Este ano, pela primeira vez, a GNR tem várias companhias envolvidas na prevenção e combate primário aos incêndios florestais. São os Grupos de Intervenção Protecção e Socorro (GIPS)– os guardas da floresta que tanta polémica geraram em alguns sectores dos bombeiros.
O objectivo é que os GIPS consigam intervir, já a partir de hoje e até final de Agosto (‘Fase Charlie’) – em 90 por cento do território nacional, para atacarem os fogos à nascença.
No último mês, em Santa Comba Dão, durante a ‘Fase Bravo’, os 32 militares da GNR que compõem as três secções do GIPS só actuaram três vezes: duas por terra e uma por ar. “Felizmente isto tem andado muito calmo”, diz o alferes Adriano Fortes. “Será por causa da chuva que caiu ou é fruto das nossas patrulhas?”, interroga-se. “A verdade é que este ano não tem havido incêndios nesta região”, confirma Rui Santos, comandante dos Bombeiros de Santa Comba Dão.
O GIPS é responsável pelo primeiro ataque a um incêndio que deflagre num raio de 30 quilómetros e está instalado no edifício dos bombeiros. Num compartimento está ordenado o material necessário ao combate aos fogos: ancinhos, sacholas, foices, batedores e extintores que se transportam às costas com capacidade para 20 litros de água. Têm uma sala de estar, onde ocupam o tempo de descanso e esperam pelo toque aflito da sirene que os alerta para o fogo. Nessa altura, já sabem que em três minutos têm de estar fardados e a postos para levantar voo no helicóptero. “A rapidez é uma das nossas imagens de marca. Temos de ser os primeiros a chegar à frente de fogo para fazer o ponto de situação. Depois, chegam os bombeiros, damos por terminada a nossa missão e abandonamos o teatro das operações”, diz o alferes Adriano Fortes, que durante sete anos foi bombeiro da corporação de Barcelos.
“Passei por momentos muito complicados. Já fui obrigado a fugir à frente das chamas, sob pena de ser comido por elas. É o que eu digo aos meus homens: espero sempre que sejamos nós a dominar o fogo e não ele a nós”, diz. O lema é: segurança máxima, risco mínimo.
O objectivo principal do GIPS é retardar ao máximo o avanço do incêndio até à chegada dos bombeiros florestais.
Na primeira vez que a sirene tocou, o cabo Aníbal Guerra, de 28 anos, natural de Espinho, sentiu aquele nó no estômago de quem vai pôr em prática a teoria aprendida nos quatro meses do curso de formação. “Foi memorável”, recorda. “Entrámos no helicóptero bastante empolgados e determinados. Durante a viagem, olhámos uns para os outros, mas não dissemos palavra. O helicóptero ainda não tinha tocado no chão e nós já tínhamos saltado para a frente de fogo. Demos-lhe tanta porrada que em meia hora o fogo estava apagado”, recorda o cabo Guerra. Foi em 27 de Maio deste ano, na zona de Aguieira, Penacova.
Os elementos da GNR destacados para os GIPS tiveram treino específico para o combate a incêndios florestais. Aprenderam técnicas de ataque e defesa, normas de segurança e prevenção. Todos os dias fazem duas patrulhas, por entre serras e vales nos concelhos limítrofes a Santa Comba Dão. Objectivo: dissuadir os incendiários.
“O patrulhamento é importante porque, em primeiro lugar, permite-nos estar mais perto da floresta e, por isso, detectar desde logo um foco de incêndio; e, em segundo, reduzimos o espaço de acção dos provocadores de fogos”, diz o alferes Adriano Fortes.
Os militares que compõem o GIPS de Santa Comba Dão estão “prontos” para actuarem em qualquer cenário de fogo. Para já, é “cedo” para fazer qualquer balanço, mas vão dizendo que até agora “é francamente positivo”. “Por aquilo que nos vão transmitindo, este ano tem havido menos incêndios, o que nos enche de orgulho, porque é um sinal que o nosso trabalho está a surtir efeito”, diz o comandante do Centro de Meios Aéreos.
“Quando nos alistámos no GIPS, sabíamos ao que vínhamos. Por isso não nos podemos lamentar”, diz o soldado Bruno Correia, de 25 anos, natural de Escalhão, em Figueira de Castelo Rodrigo. Não esconde o orgulho de pertencer a um grupo de elite da GNR. “Este é o primeiro passo para se transformar a GNR numa força com capacidade de prevenção e socorro junto das populações. É para isso que eu cá estou”.
Além do patrulhamento diário e dos treinos físicos e aprendizagem, os militares do GIPS têm de estar em grau de prontidão total, porque a qualquer momento entram no helicóptero do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil, estacionado no heliporto dos bombeiros de Santa Comba Dão. Este helicóptero é o único no Centro e Norte do País com capacidade para salvamentos em zonas de difícil acesso.
Desde o dia 15 de Maio que os GIPS estão operacionais em Vidago, Santa Coma Dão, Lousã, Figueiró dos Vinhos e Monchique, mas a partir de Julho estarão em mais concelhos, sobretudo na zona Centro, a região onde é maior o risco de incêndios (ver infografia nesta página). Até agora, o relacionamento existente entre GNR e bombeiros é considerado, por ambas as partes, como “excelente”, até porque o inimigo é comum – o fogo. “Estão aqui também para nos ajudar. Por isso, recebêmo-los da melhor maneira e tentamos não lhes faltar com nada”, diz Rui Santos, comandante dos Bombeiros Voluntários de Santa Comba Dão.
César Fonseca, coordenador do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil de Viseu, é mais cuidadoso: “Ainda é cedo para fazer qualquer observação”sobre o trabalho do GIPS, praticamente não houve incêndios, pelo que ainda não se pode fazer qualquer comentário. No entanto, espero que façam um bom trabalho”.
Este ambiente calmo confirma-se no quartel dos Bombeiros Voluntários da Guarda, onde as conversas ainda giram apenas em volta de pequenas ocorrências. O bombeiro Paulo Fonseca recorda o dia 1 de Agosto de 2003, quando a população de Gonçalo ficou cercada pelas chamas. “Fomos para o incêndio para salvar uma casa que já estava a ser apanhada pelo fogo. A certa altura apareceu à nossa frente a GNR, que transportava no jipe uma senhora em trabalho de parto. Não podíamos retirar a nossa viatura, porque em frente não passávamos e na retaguarda o caminho estava barrado por carros de particulares. Foi no meio daquele cenário que passámos a senhora por cima da nossa viatura. Quando conseguimos, já tínhamos uma ambulância à espera da futura mãe, que acabou por chegar sã e salva à maternidade da Guarda. Soube depois que teve um menino”.
Mas, sem dúvida que o ano de 2003 é aquele que nenhum bombeiro quer ver repetir-se. “Foi um verdadeiro inferno, não me lembro de ano pior, pois tivemos 15 mil hectares ardidos no concelho”, lembra Paulo Fonseca. Foi nesse ano que Joaquim Miguel, de 22 anos, entrou na corporação e apanhou o primeiro grande susto, “Foi em Loriga, subíamos a serra para salvar uma quinta. O fogo passou por cima das nossas cabeças. Pensei que não saía dali vivo!”.
José Rafael, operador da central, também não esquece o Verão de 2003. “Ficámos sem meios e os pedidos de socorro eram constantes. Algumas pessoas gritavam e chamavam-nos de nomes por não acudirmos; outras choravam de desespero”.
Luís Santos, de 51 anos, comandante dos Bombeiros da Guarda, aponta a principal dificuldade: “O problema é haver vários fogos em simultâneo. Para as três equipas, temos três veículos de combate, meios que em 2003 foram insuficientes. Necessitávamos de mais um veículo de combate a incêndios florestais e de um urbano, bem como equipamento de protecção individual”.
Por enquanto, faz-se prevenção. “Há três anos que mando sair todos os dias, nesta altura, uma viatura com uma equipa de combate a incêndios para percorrer zona florestal. No terreno, a patrulha identifica as situações e zonas de risco, os pontos de água e o acesso às comunicações”, diz o comandante.
A partir de hoje, 1 de Julho, os bombeiros contam com a presença de uma brigada helitransportada na Guarda, que se junta às de Seia e de Aguiar da Beira. Esta região, nos últimos anos, viu 70 por cento da área agrícola devastada pelas chamas.
OS GRANDES FOGOS NÃO SE APAGAM DO AR
O combate aéreo resulta quandos os incêndios ainda são de pequena dimensão e constitui ajuda preciosa a partir do momento em que as chamas começam a abrandar. “Os grandes fogos combatem-se em terra”, diz Gil Martins, coordenador nacional de operações de socorro. Grande parte da água lançada dos céus sobre um mar de chamas tende a evaporar-se ainda no ar por acção do calor. A descarga apenas seria eficaz a baixa altitude, mas os grandes fogos obrigam a voar alto. Só um avião de grande capacidade, como o Beriev 200, que pode largar 12 mil litros de água de cada vez, é útil num incêndio de porporções consideráveis. O Governo reforçou este ano a contratação de meios aéreos, precisamente com o objectivo de atacar os fogos na fase nascente.
O DIA EM QUE O FOGO AMEAÇOU MEIJINHOS
No Verão passado, as chamas a entraram no quintal de Cristina Fernandes, em Meijinhos, nos arredores de Lamego, e ameaçaram devorar-lhe a casa construída com anos de trabalho na Suíça. Na altura do fogo, a família Fernandes ainda era emigrante. “O meu marido teve o pressentimento de que alguma coisa errada se passava na nossa aldeia e decidiu ligar ao meu irmão. Ele disse-lhe: ‘Está tudo a arder e o fogo está quase a chegar à tua casa’”, recorda Cristina. Os bombeiros conseguiram travar o fogo e a casa escapou. Agora, de regresso Meijinhos, Cristina Fernandes olha desolada o negro da paisagem em volta. O violento incêndio do ano passado tão cedo não será esquecido. Nem os mais velhos se lembram de uma coisa assim. O fogo marcou os habitantes da região. “Uma sobrinha minha quando vê fumo começa a gritar para o pai que a aldeia está toda a arder”, diz Cristina. “Ainda bem que eu, o meu marido e a nossa filha não estávamos em casa, porque iríamos ficar traumatizados”.
EQUIPAMENTO DO GIPS
BOTAS: botas grotex, idênticas às que usam os bombeiros nos Estados Unidos – leves e confortáveis.
FARDAMENTO: todo ele ignifogo (anti-fogo, apenas passam algumas irradiações de calor).
LUVAS: luvas ignifogo.
CÓGULA: máscara normal; capacete com protecção de nuca; óculos normais; camisola de algodão.
OUTRO MATERIAL: ancinhos, sacholas, foices, batedores e extintores com água, que se transportam às costas.
BLOCO DE NOTAS
INTERVENÇÃO RÁPIDA
A partir de hoje, as brigadas helitransportadas estão de norte a sul do País, preparadas para chegar em 15 minutos à zona nascente do fogo, em 90 por cento do território. Têm 90 minutos para extinguir o fogo. Se não conseguirem, avançam os meios terrestres.
BAIXO ALENTEJO
Os concelhos mais fustigados pelos incêndios no Baixo Alentejo vão dispor de um helicóptero de ataque rápido, preparado para actuar em 10 minutos. A aeronave fica em Ourique (Beja) e abrange também os municípios de Almodôvar, Mértola e Odemira.
REFORÇO DE PESO
O aerotanque russo de combate a incêndios alugado pelo Governo por dois meses chega hoje à Base Aérea n.º 5, em Monte Real. O Beriev 200 transporta 12 mil litros de água ou 12 toneladas de produtos de extinção. Custa cerca de 1,2 milhões de euros.
4648 INCÊNDIOS
Os bombeiros já combateram 4648 fogos florestais, entre 14 de Maio e 29 de Junho deste ano. Estiveram envolvidos 39 289 elementos, com 10 106 viaturas. O pior dia foi o 4 de Junho, com 280 fogos.
Luís Oliveira/Iolanda Vilar
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