Risco inerente ao uso de equipamento militar estrangeiro
Enviado: Ter Dez 27, 2005 4:22 pm
Olá pessoal,
Criei esse tópico para relatar um fato que julgo interessante de relato. Fato como esse que vou falar acontecem às dezenas com a maioria dos países do mundo, e o nosso não é exceção.
Enfim, estou lendo um livro sobre a pouco conhecida Guerra da Lagosta, que acredito que vocês devem saber do que se trata. Enfim, para situá-los: Após uma disputa juridica entre Brasil e França sobre a pesca de Lagosta no Nordeste Brasileiro, em 1963, o Governo do Brasil decidiu, após pressão popular e baseado em argumentos considerados(ao menos por mim) sólidos, proibir a pesca de Lagosta em nossa Plataforma Continental por navios lagosteiros franceses.
Em represália, a França envia às nossas costas o ContraTorpedeiro(Destróier) Tartu, que estava na costa da África realizando o exercício naval Croisière Noire. O Tartu estava integrado a um Grupo-Tarefa(GT) composto pelo Nae Clemenceau, o Cruzador De Grasse, os Contratorpedeiros Cassard, Jaureguiberry, Piccard e Vedeen(além do próprio Tartu), Contratorpedeiros de Escolta Gascon, Agenais, Bernais, o Navio-Tanque Baise e o Navio-Tender Paul Goffeny. Uma força Naval considerável, provavelmente por si só com mais poder de fogo que toda a MB.
Em resposta ao envio desse navio, a MB cria o GT 12.2, que inicialmente seria composto por 1 Cruzador e 4 Contratorpedeiros, e posteriormente seria acrescido de mais belonaves. Os primeiros Navios do GT a saírem do Rio de Janeiro e se dirigirem ao Recife foram os CT Paraná e Pernambuco. E aí começa o relato, que transcrevo do livro para vocês, espero que seja do seu interesse.
Pouco antes das 02:00h o CEMA(Chefe do Estado-Maior da Armada) tomou o conhecimento da mensagem que continha a "Parte de Saída" do Grupo-Tarefa 12.2, lida pelo seu Ajudante-de-ordens, tendo suspendido os Contratorpedeiros Paraná e Pernambuco.
Nessa ocasião, ocorreu um fato muito interessante que segue relatado abaixo:
"Cerca das 02:30h da madrugada o Adido Naval do EUA, alegando ter assunto de extrema urgência e importância solicitou audiência ao Chefe do Estado-Maior da Armada. A audiência foi curta e muito obetiva sendo presenciada pelo Ajudante-de-ordens, por determinação do CEMA.
O CEMA, tomando a iniciativa, indagou o Adido Naval sobre o motivo de sua solicitação nessa hora da madrugada. De forma pausada e com palavras que pareciam ter sido ensaiadas ele disse:
"O Sr. Embaixador dos EUA mandou informar a V. Exa que recebeu ordens do Departamento de Estado para comunicar ao Comandante Militar da MB(na época era o CEMA) que os dois Contratorpedeiros que suspenderam do porto do Rio de Janeiro, com destino ao Nordeste, deveriam regressar imediatamente, porque a Lei do Senado americano, que concedeu o empréstimo desses navios, proíbe o uso dos mesmos contra qualquer aliado dos EUA".
O CEMA, com o mesmo ritmo pausado, respondeu:
"Peço ao Captain para solicitar ao Exmo Sr. Embaixador dos EUA que comunique ao seu Governo, em Washington, que, inspirado nos fundamentos do pan-americanismo, que tem como uma das principais fontes a Doutrina Monroe, formulada por um Presidente dos EUA há 140 anos, o Brasil cortou relações diplomáticas, e depois, manteve o estado de beligerância com o Japão, em virtude da agressão ao território americano sofrido com o ataque a Pearl Harbor. O Brasil honrou o seu compromisso assumido por ocasião da Conferência de Havana em 1940, onde se declarou que um ataque por um Estado não americano contra qualquer Estado americano é considerado um ataque contra todos os Estados americanos. Sabemos que os EUA tem compromissos políticos e militares com a França em virtude do Tratado do Antlântico Norte(OTAN/NATO), firmado em 1949. Entretando antes desse Tratado, os EUA em 1947, nesta cidade do Rio de Janeiro, lideraram a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca(TIAR), que teve como propósito prevenir e reprimir as ameaças e os atos de agressão a qualquer dos países da América, baseado nos princípios de solidariedade e cooperação interamericanas. Assim sendo, configurando a agressão militar francesa, como anunciado em Paris, o Brasil espera que os EUA honrem seus compromissos na defesa coletiva do continente americano declarando guerra à França, como o Brasil honrou seus compromissos declarando guerra contra os Japoneses na Segunda Guerra Mundial, sem nunca ter sido agredido por eles. E está dispensado...... e pode se retirar."
Parecia que os EUA haviam esquecido do TIAR. Logicamente, aquele país tinha mais interesse, naquele momento, em preservar as suas relações com a França."
"da Costa Braga, CLÁUDIO; A Guerra da Lagosta. Serviço de Documentação da Marinha, 2004, Rio de Janeiro. pp 96-97)
É um fato interessante por se configurar em uma tentativa de restrição de equipamento militar nosso pelo fato de ele ser de procedência estrangeira. Isso é comum e casos como esse são legais para serem debatidos. Peço a todos, Brasileiros e usuários de outros países, que comentem aqui algum caso de restrição de uso de equipamento militar pelo país construtor desse armamento.
É isso aí.
Abraços!
César
Criei esse tópico para relatar um fato que julgo interessante de relato. Fato como esse que vou falar acontecem às dezenas com a maioria dos países do mundo, e o nosso não é exceção.
Enfim, estou lendo um livro sobre a pouco conhecida Guerra da Lagosta, que acredito que vocês devem saber do que se trata. Enfim, para situá-los: Após uma disputa juridica entre Brasil e França sobre a pesca de Lagosta no Nordeste Brasileiro, em 1963, o Governo do Brasil decidiu, após pressão popular e baseado em argumentos considerados(ao menos por mim) sólidos, proibir a pesca de Lagosta em nossa Plataforma Continental por navios lagosteiros franceses.
Em represália, a França envia às nossas costas o ContraTorpedeiro(Destróier) Tartu, que estava na costa da África realizando o exercício naval Croisière Noire. O Tartu estava integrado a um Grupo-Tarefa(GT) composto pelo Nae Clemenceau, o Cruzador De Grasse, os Contratorpedeiros Cassard, Jaureguiberry, Piccard e Vedeen(além do próprio Tartu), Contratorpedeiros de Escolta Gascon, Agenais, Bernais, o Navio-Tanque Baise e o Navio-Tender Paul Goffeny. Uma força Naval considerável, provavelmente por si só com mais poder de fogo que toda a MB.
Em resposta ao envio desse navio, a MB cria o GT 12.2, que inicialmente seria composto por 1 Cruzador e 4 Contratorpedeiros, e posteriormente seria acrescido de mais belonaves. Os primeiros Navios do GT a saírem do Rio de Janeiro e se dirigirem ao Recife foram os CT Paraná e Pernambuco. E aí começa o relato, que transcrevo do livro para vocês, espero que seja do seu interesse.
Pouco antes das 02:00h o CEMA(Chefe do Estado-Maior da Armada) tomou o conhecimento da mensagem que continha a "Parte de Saída" do Grupo-Tarefa 12.2, lida pelo seu Ajudante-de-ordens, tendo suspendido os Contratorpedeiros Paraná e Pernambuco.
Nessa ocasião, ocorreu um fato muito interessante que segue relatado abaixo:
"Cerca das 02:30h da madrugada o Adido Naval do EUA, alegando ter assunto de extrema urgência e importância solicitou audiência ao Chefe do Estado-Maior da Armada. A audiência foi curta e muito obetiva sendo presenciada pelo Ajudante-de-ordens, por determinação do CEMA.
O CEMA, tomando a iniciativa, indagou o Adido Naval sobre o motivo de sua solicitação nessa hora da madrugada. De forma pausada e com palavras que pareciam ter sido ensaiadas ele disse:
"O Sr. Embaixador dos EUA mandou informar a V. Exa que recebeu ordens do Departamento de Estado para comunicar ao Comandante Militar da MB(na época era o CEMA) que os dois Contratorpedeiros que suspenderam do porto do Rio de Janeiro, com destino ao Nordeste, deveriam regressar imediatamente, porque a Lei do Senado americano, que concedeu o empréstimo desses navios, proíbe o uso dos mesmos contra qualquer aliado dos EUA".
O CEMA, com o mesmo ritmo pausado, respondeu:
"Peço ao Captain para solicitar ao Exmo Sr. Embaixador dos EUA que comunique ao seu Governo, em Washington, que, inspirado nos fundamentos do pan-americanismo, que tem como uma das principais fontes a Doutrina Monroe, formulada por um Presidente dos EUA há 140 anos, o Brasil cortou relações diplomáticas, e depois, manteve o estado de beligerância com o Japão, em virtude da agressão ao território americano sofrido com o ataque a Pearl Harbor. O Brasil honrou o seu compromisso assumido por ocasião da Conferência de Havana em 1940, onde se declarou que um ataque por um Estado não americano contra qualquer Estado americano é considerado um ataque contra todos os Estados americanos. Sabemos que os EUA tem compromissos políticos e militares com a França em virtude do Tratado do Antlântico Norte(OTAN/NATO), firmado em 1949. Entretando antes desse Tratado, os EUA em 1947, nesta cidade do Rio de Janeiro, lideraram a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca(TIAR), que teve como propósito prevenir e reprimir as ameaças e os atos de agressão a qualquer dos países da América, baseado nos princípios de solidariedade e cooperação interamericanas. Assim sendo, configurando a agressão militar francesa, como anunciado em Paris, o Brasil espera que os EUA honrem seus compromissos na defesa coletiva do continente americano declarando guerra à França, como o Brasil honrou seus compromissos declarando guerra contra os Japoneses na Segunda Guerra Mundial, sem nunca ter sido agredido por eles. E está dispensado...... e pode se retirar."
Parecia que os EUA haviam esquecido do TIAR. Logicamente, aquele país tinha mais interesse, naquele momento, em preservar as suas relações com a França."
"da Costa Braga, CLÁUDIO; A Guerra da Lagosta. Serviço de Documentação da Marinha, 2004, Rio de Janeiro. pp 96-97)
É um fato interessante por se configurar em uma tentativa de restrição de equipamento militar nosso pelo fato de ele ser de procedência estrangeira. Isso é comum e casos como esse são legais para serem debatidos. Peço a todos, Brasileiros e usuários de outros países, que comentem aqui algum caso de restrição de uso de equipamento militar pelo país construtor desse armamento.
É isso aí.
Abraços!
César