Reflexões sobre a Guerra e os Militares

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Re: Reflexões sobre a Guerra e os Militares

#31 Mensagem por Clermont » Sex Abr 25, 2008 7:04 pm

GATES CELEBRA A DISSENSÃO – Os generais a debelam.

Por Fred Kaplan – 23 de abril de 2008.

Quem quer que seja o próximo presidente, seu primeiro(a) secretário de defesa deveria passar umas poucas horas debruçado sobre os discursos de Robert M. Gates.

Desde que assumiu o Pentágono, quase um ano e meio atrás, Gates tem pronunciado uma série de críticas mordazes das políticas e práticas de seu departamento. Nessa última segunda-feira, somente, ele proferiu dois discursos – na Escola de Guerra do Ar e em West Point – que instaram os oficiais de amanhã da Força Aérea e do Exército a ultrapassarem os fundamentos de suas culturas burocráticas.

Mas discursos são uma coisa. Não está, completamente claro, que os oficiais superiores de hoje estejam escutando. Eles sabem que, em nove meses, Gates terá ido, e eles ainda estarão no poder. O truque, eles aprenderam com os anos, é se pendurar firmes até que a tempestade passe.

Pegue, por exemplo, o caso de Paul Yingling, o tenente-coronel do Exército que, quase exatamente um ano atrás, publicou um artigo, amplamente lido, no Jornal das Forças Armadas, que comparava o Iraque ao Vietnam e culpava, ambos as debacles, numa “crise de toda uma instituição, o corpo de oficiais-generais da América”, que ele acusou de carecer de “caráter profissional”, “coragem moral”, e “inteligência criativa”. Yingling não era nenhum porra-louca. Ele estava com 41 anos, um veterano de ambas as guerras no Iraque, e na época, o subcomandante do 3º Regimento de Cavalaria Blindada do Exército, a unidade que – muito antes de o general David Petraeus assumir as forças americanas no Iraque – trouxe ordem à cidade de Tal Afar através de métodos clássicos de contra-insurgência.

Gates não mencionou Yingling pelo nome, em seus discursos na segunda-feira, mas, com certeza, o tinha em mente quando disse em West Point, “tenho ficado impressionado pelo modo como os jornais profissionais do Exército permitem que alguns dos oficiais mais brilhantes e mais inovadores critiquem – algumas vezes cegamente – o modo como a corporação cumpre seu negócio, incluindo julgamentos sobre a liderança superior.”

Ele foi além, “encorajo vocês a assumirem o manto da destemida, ponderada, porém leal, dissensão, quando a situação pedir por ela. E, concordem ou não com os artigos, os oficiais superiores devem incorporar tal dissensão como um saudável diálogo e proteger e avançar esses, consideravelmente mais modernos, que estão assumindo esse manto.”

Portanto, o que aconteceu à Yingling no passado ano? Que lições podem os cadetes de West Point tirar sobre suas próprias perspectivas de futuro, caso escolham seguir as pegadas de Yingling?

Todo oficial do Exército com quem tenho falado – subalternos e superiores – leram o artigo de Yingling. Mas, para dizer o mínimo, os oficiais superiores não o “incorporaram” como “saudável diálogo”. Ninguém deu um passo à frente para “proteger e avançar” Yingling por sua ousadia. Muito pelo contrário.

Logo após o artigo ser publicado, Yingling foi posto no comando do I Batalhão do 21º Regimento de Artilharia de Campanha, mas esse processo já estava programado meses antes. A história real está no que aconteceu a seguir. Seu batalhão foi designado não, digamos, para enfrentar insurgentes, mas de preferência para missão de guarda de prisão. Yingling, em pessoa, acabou de ser redesdobrado para o Iraque, onde ele irá assistir na reabilitação de detidos iraquianos. Esse pode ser um interessante e, potencialmente importante, trabalho, mas, dificilmente no centro das coisas, e é o próprio oposto a um aperfeiçoamento da carreira.

É digno de notar que, uma semana antes da aparição de Gates em West Point, o Secretário do Exército Pete Geren, pronunciou um discurso similar na George Marshall Awards na Universidade de Washingon e Lee. “Recentemente,” disse Geren no seu discurso, “o ten-cel Paul Yingling escreveu um artigo que apareceu no Jornal das Forças Armadas e detonou um acalorado debate por todo o Exército – arrepiando algumas penas – arrepiando um bocado de penas. Isso é uma coisa boa. Nós precisamos de mais, não de menos, Paul Yinglings.” (itálicos do autor.)

Gates e Geren saberão de que Yingling foi designado para operações penitenciárias? Terá algum deles perguntado ao chefe do estado-maior do Exército o que se passa aqui – se isso é o uso mais sábio de escasso talento do Exército?

Em seu discurso na Escola de Guerra do Ar, na Base da Força Aérea de Maxwell, Gates instou aos jovens oficiais para emular a carreira de John Boyd, um coronel da Força Aérea e antigo piloto de caça. Como Gates observou, Boyd (que morreu de câncer em 1997) reescreveu o manual para combate ar-ar, ajudou a desenhar os aviões de caça F-16 e F-15, e – acima de tudo – divisou uma teoria de guerra (exposta numa palestra de seis horas, intitulada “Padrões do Conflito”) que influenciou reformas significativas na doutrina de combate do Exército e do Corpo de Fuzileiros Navais – reformas que ainda ressoam hoje.

Gates descreveu Boyd como “um brilhante, excêntrico e obstinado personagem [que] sobrepujou uma grande medida de resistência burocrática e hostilidade institucional.” Essa subestimação importa; Boyd nunca “sobrepujou” seus muitos adversários. Eu conhecia bem a Boyd quando era auxiliar congressual no fim dos anos 1970 e um repórter de jornal através dos anos 1980, e deixem-me contar-lhes uma coisa: os chefões da Força Aérea odiavam Boyd e trabalharam tão duro quanto podiam para desmantelar as reformas que ele, brevemente, havia posto em movimento. (O Corpo de Fuzileiros Navais foi a corporação que adotou suas idéias. O general Alfred Gray, o comandante dos Fuzileiros durante a Guerra do Golfo de 1991, explicitamente, baseou sua estratégia de guerra terrestre na palestra de Boyd. Quando Boyd morreu, a Universidade do Corpo de Fuzileiros Navais em Quantico – não a Escola de Guerra do Ar em Maxwell – implorou para ter sua documentação.)

Em seu discurso, Gates volta, repetidas vezes, à Boyd como um “exemplar histórico”, mesmo recitando, extensivamente, um texto de aconselhamento que Boyd passou para muitos de seus colegas e acólitos:

”Boyd diria dizer – e eu cito – ‘Um dia você irá pegar uma bifurcação na estrada, e irá ter de tomar uma decisão a respeito de qual direção rumar. Se você for por um caminho, poderá ser “alguém”. Você terá de assumir compromissos e... dar as costas para seus amigos, mas irá ser um membro do clube, e será promovido e conseguirá boas designações. Ou você poderá ir pelo outro caminho, e poderá fazer alguma coisa, alguma coisa por seu país e por sua Força Aérea e por si mesmo... Você poderá não ser promovido, e poderá não conseguir boas designações, e, certamente, não irá ser um favorito de seus superiores, mas você não terá de se compromissar. ... Na vida há, com freqüência, uma chamada. É quando você tem de tomar uma decisão: ser ou fazer.’ ”


Gates prosseguiu: “Para os tipos de desafio que a América confronta e irá confrontar, as Forças Armadas irão precisar de líderes de princípios, criativos e orientados para reforma, homens e mulheres que, seguindo Boyd, irão querer fazer alguma coisa, não ser alguém. Uma era de guerra não-convencional requer pensadores não-convencionais.”

Esse é um nobre sentimento que, por acaso, é verdadeiro. Mas Boyd era um homem inusitado. Incansável, fanaticamente de princípios, e sempre bem-humorado, ele cresceu na pobreza, viveu muito modestamente e era, genuinamente, indiferente a patentes, incentivos externos ou conforto material. A maioria dos oficiais – a maioria das pessoas – não é assim. Isso não é uma crítica; é, simplesmente, um fato. E, enquanto os jovens oficiais assistirem (como Gates coloca) “líderes de princípios, criativos e orientados para reforma” como Paul Yingling, designados para posições baixas, os militares não irão nutrir muitos mais Yinglings ou Boyds.




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Re: Reflexões sobre a Guerra e os Militares

#32 Mensagem por Clermont » Sáb Jun 07, 2008 4:22 pm

AS ORIGENS DO GOLPE MILITAR AMERICANO DE 2012.

Por Charles J. Dunlap Jr. – PARAMETERS, US Army War College Quarterly - Winter 1992. http://www.carlisle.army.mil/usawc/para ... dunlap.htm

A carta que se segue nos leva a uma sombria excursão de faz-de-conta ao futuro. Um golpe militar ocorre nos Estados Unidos – o ano é 2012 – e o general Thomas E. T. Brutus, Comandante-Chefe das Forças Armadas Unificadas dos Estados Unidos, agora ocupa a Casa Branca, como Plenipotenciário Militar. Sua posição foi ratificada por um referendo nacional, embora desordens dispersas ainda ocorram e detenções por atos de sedição ocorram, por baixo dos panos. Um oficial superior reformado das Forças Armadas Unificadas, conhecido aqui, simplesmente, como Prisioneiro 222305759, é um desses detidos, tendo sido condenado por uma corte-marcial por se opor ao golpe. Antes de sua execução, ele foi capaz de mandar para fora da prisão uma carta para um velho companheiro de classe da Escola de Guerra, discutindo as “Origens do Golpe Militar de 2012.” Nele, ele argumenta que o golpe foi o produto de tendências visíveis, tão distante quanto 1992. Essas tendências eram pelo massivo desvio das Forças Armadas para usos civis, a unificação monolítica das Forças Armadas, e a insularidade da comunidade militar. Sua carta sobrevive e está apresentada, aqui, verbatim.

Não é preciso dizer (espero) que o cenário do golpe acima é, puramente, um artifício literário com a intenção de dramatizar minha preocupação com certos desenvolvimentos contemporâneos afetando as Forças Armadas, e, enfaticamente, não é uma previsão.


Caro velho amigo,

É difícil acreditar que, vinte anos se passaram desde que nos graduamos na Escola de Guerra! Lembra das grandes discussões, as viagens, as festas, o povo? Aqueles eram grandes dias!!! Não estou mais tendo muita diversão. Você ouviu sobre os Julgamentos da Sedição? Sim, eu fui um dos detidos – condenado por “declarações desleais”, e “por usar linguagem desdenhosa para com seus oficiais.” Desleal? Não. Desdenhoso? Pode apostar! Com o general Brutus no comando não é difícil ser desdenhoso.

Mas tenho de reconhecer isso no Brutus, ele é engenhoso. Depois de o presidente morrer, ele, de algum modo, “persuadiu” o vice-presidente a não prestar o juramento de cargo. Então, nós tínhamos um presidente ou não? Um real “Enigma Constitucional”, os jornais o chamaram. Brutus criou ambigüidade o bastante para convencer todo mundo de que, sendo o oficial militar mais antigo, ele podia – e devia – declarar-se Comandante-Chefe das Forças Armadas Unificadas. Lembra o que ele disse? “Tenho de preencher o vácuo de poder.” E Brutus mostrou que, realmente, sabia como usar o poder: ele declarou lei marcial, “adiou” as eleições, fez com que o vice-presidente se “exonerasse”, e até mesmo, se mudou para a Casa Branca! “É mais eficiente trabalhar de lá,” ele disse. Lembra disso?

Quando o Congresso se reuniu pela última vez e conseguiu aprovar o Ato de Referendo, realmente, fiquei com esperanças. Mas, quando o Referendo aprovou a tomada de Brutus, eu sabia que estávamos em sérios problemas. Eu causei uma bagunça tentando organizar um protesto. Então as Forças de Segurança me pegaram. Meu rápido “julgamento” foi uma piada. A sentença? Bem, vamos dizer que não precisam guardar uma cerveja pra mim, na reunião do ano que vem. Já que não parece provável que eu volte a ver você, de novo, achei que devia escrever tudo e tentar enviar-lhe.

Estou chamando esse documento de as “Origens do Golpe Militar de 2012.” Eu penso que é importante ter a verdade registrada antes que eles reescrevam a história. Se queremos, algum dia, ter nossa liberdade de volta, precisamos compreender como entramos nessa bagunça. As pessoas precisam entender que as Forças Armadas existem para apoiar e defender o governo, não para serem o governo. Confrontados por problemas nacionais intratáveis de um lado, e com Forças Armadas enérgicas e capazes, de outro, pode se mostrar sedutor demais começar a ver os militares como uma solução de baixo-custo. Nós cometemos um erro terrível quando permitimos que as Forças Armadas fossem desviadas de seu propósito original.

Eu encontrei uma caixa com minhas anotações e resenhas de nossos dias de Escola de Guerra – eu contei aos meus guardas que precisava delas para escrever a confissão que eles queriam. É impressionante. Olhando esses velhos papéis faz-me compreender que, mesmo de volta a 1992, isso já estava se aproximando. As raízes deste ultraje estavam todas lá; apenas não percebíamos como elas iriam crescer. Mas não é sempre assim com coisas desse tipo? Alguém, certa vez, disse que “as verdadeiras marcas d’àgua nos assuntos humanos, raramente são divisadas em meio ao tumulto das manchetes exibidas a cada hora.” E nós tivemos um bocado de manchetes nos anos 90, para nos distrair: a economia estava em cacos, o crime crescia, as escolas deterioradas, o uso de drogas era disseminado, o meio-ambiente estava em risco, e os escândalos políticos ocorriam quase diariamente. Mesmo assim, haviam algumas boas novas: o fim da Guerra Fria tanto como a recente vitória da América sobre o Iraque.

Tudo isso e mais contribuíram para a situação na qual nos encontramos hoje: militares que controlam o governo e que, por ironia, não podem lutar. Não foi uma única causa que nos levou a este ponto. Ao contrário, foi uma combinação de vários diferentes desenvolvimentos, os inícios dos quais eram evidentes em 1992. Eis aqui o que penso que aconteceu:

Os americanos se tornaram exasperados com a democracia. Nós estávamos desiludidos com a aparente inabilidade do governo eleito em resolver os dilemas da nação. Estávamos buscando por alguém ou alguma coisa que pudesse produzir respostas funcionais. A única instituição de governo na qual o povo retinha sua fé eram as Forças Armadas. Seduzidos pela óbvia competência dos militares na Primeira Guerra do Golfo, o público, cada vez mais se voltou para eles em busca de soluções para os problemas do país. Os americanos pediam por uma aceleração de tendências que se iniciaram nos anos 1980: encarregar os militares com uma variedade de novas e não tradicionais missões, e escalando, vastamente, seu empenho em deveres auxiliares.

Embora não fosse óbvio na época, o efeito cumulativo de tais novas responsabilidades foi incorporar os militares ao processo político a um grau sem precedentes. Essas funções adicionais, também, tiveram o efeito de desviar o foco e recursos da missão central dos militares de treinamento para o combate. Finalmente, mudanças organizacionais, políticas e societárias, serviram para alterar a cultura militar americana. Os militares de hoje não são aqueles que conhecíamos quando nos graduamos da Escola de Guerra.

Deixe-me explicar como cheguei a tais conclusões. Em 1992, não eram muitas as pessoas que pensassem que um golpe militar, algum dia, pudesse acontecer. Certo, existiam excêntricos teóricos de conspiração que viam a mão do Pentágono no assassinato do presidente Kennedy, na queda do presidente Nixon e eventos similares. Mas, até mesmo o mais ávido dos crentes tinha de admitir que nenhuma tomada do poder pelos militares jamais havia ocorrido antes. Dando ouvidos aos conselhos de Washington no discurso de Despedida sobre os perigos de estabelecimentos militares excessivamente grandes, os americanos, geralmente, contemplavam suas forças armadas com uma judiciosa mistura de respeito e precaução. Por mais de dois séculos essa vigilância foi recompensada, e a maioria dos americanos veio a considerar a própria noção de golpe militar como absurda. O historiador Andrew Janos capturou o ponto de vista convencional da última metade do século XX neste fichamento que eu guardei:

“Um coup d’etat nos Estados Unidos seria fantástico demais para se levar em consideração, não só porque poucos, realmente, tem tal idéia, mas também porque o grosso do povo é, fortemente, ligado ao sistema político prevalecente e iria se levantar na defesa de um líder político, mesmo embora possa não gostar deste. O ambiente mais propício para golpes de estado é aquele no qual a apatia política prevalece como o estilo dominante.


Entretanto, quando Janos escreveu isso, lá atrás em 1964, os eleitores que votavam eram 61,9 %. Desde então, a participação eleitoral declinou, firmemente. Por volta de 1988, apenas 50,1 % dos votantes elegíveis, dava seu voto. Simples extrapolação destes números para o Referendo da primavera última, poderia prever, quase com exatidão, o comparecimento eleitoral. Foi, precisamente, o reverso daquele de 1964: de todo o eleitorado, 61,9 % não votou.

A doença societária da América já era bem aparente em 1992. Setenta e oito porcento dos americanos acreditavam que o país estava “na trilha errada”. Um pesquisador declarou que os indicadores sociais estavam no seu índice mais baixo em vinte anos e insistiu “alguma coisa [estava] ficando frouxa na infraestrutura social.” A nação estava frustrada e zangada com seus problemas.

A América queria soluções e o governo, democraticamente eleito, não as estava dando. O país padecia de “profundo pessimismo quanto aos políticos e ao governo após anos de promessas quebradas.” David Finkle observeou no The Washington Post Magazine que, para a maioria dos americanos “a percepção do governo é a de que ele evoluiu de alguma coisa que fornecia a estrutura da democracia para alguma coisa que criava obstáculos, de alguma coisa para celebrar em alguma coisa para ignorar.” Da mesma forma, os políticos e suas propostas pareciam estagnados e repetitivos. Milhões de eleitores abriram mão da esperança de encontrar respostas. O “ambiente de apatia”, que Janos caracterizava como o precursor para um golpe, tinha chegado.

Ao contrário do restante do governo, os militares apreciavam notável e firme subida na popularidade por todos os anos 1980 e inícios dos 1990. E, na verdade, tinha merecido a admiração do público. Debilitados pela Guerra do Vietnam, os militares dos Estados Unidos resolveram se reinventar. Tão cedo quanto 1988, o U.S. News & World Report saudava o resultado: “Em contraste com as forças armadas cada-um-por-si dos anos 70 e início dos 80, sem espírito, devastadas pelas drogas, os militares dos Estados Unidos se transformaram numa força combatente de atitude gung-ho (jargão militar americano, querendo indicar alguém ou alguma coisa, dotada do mais alto grau de iniciativa) de disciplina cuspa-e-limpe, e moral ten-hut (jargão militar americano que significa “sempre atentos”). Após as Forças Armadas americanas imporem uma esmagadora derrota ao Iraque, na Primeira Guerra do Golfo, a ignomínia do Vietnam tinha evaporado.

Quando nos graduamos da Escola de Guerra, em 1992, as Forças Armadas eram as mais vibrantes, melhor educadas e melhor disciplinadas forças na história. Enquanto as pesquisas mostravam que o público, invariavelmente, dava ao Congresso baixos índices, uma pesquisa de fevereiro de 1991 demonstrava que “a confiança pública nos militares alcançou os 85 %, de longe suplantando qualquer outra instituição em nossa sociedade.” As Forças Armadas tinham se tornado ramo mais confiável do governo - talvez a único.

Certezas sobre o papel dos militares na sociedade também começaram a mudar. Vinte anos antes de nos graduarmos, a Suprema Corte, confiantemente, declarou em Laird versus Tatum que os americanos tinham uma “tradicional e forte resistência a qualquer intromissão militar em assuntos civis.” Mas os americanos estavam, agora, repensando se esta resistência era desejável e necessária. Eles comparavam a competência e os princípios com a inépcia e comportamento chicaneiro de muitos funcionários eleitos, e os últimos saíam perdendo.

O comentarista James Fallows expressou o novo pensamento num artigo de agosto de 1991 na revista Atlantic. Meditando sobre as contribuições dos militares para a sociedade americana, Fallows escreveu: “Estou começando a pensar que o único modo para que o governo nacional faça alguma coisa de valor é inventar uma ameaça à segurança e entregar o trabalho para os militares.” Ele elaborou sobre seu raciocínio:

De acordo com nossas teorias econômicas e políticas, a maioria das agências do governo não tem uma posição especial para tratar sobre o bem-estar geral da nação. Cada uma representa uma certa clientela; os grupos de interesses lutam entre si. Os militares, estranhamente, são a única instituição governamental que tem legitimidade para agir dentro da noção de bem coletivo. “Defesa nacional” pode nos levar a fazer coisas – treinar engenheiros, construir estradas – que senso comum, ou o bem da nação não podem.


Cerca de uma década antes de o artigo de Fallows aparecer, o Congresso iniciou a utilização da “defesa nacional” como razão para reforçar a participação militar numa atividade historicamente de domínio exclusivo do governo civil: a imposição da lei. O Congresso concluiu que a “crescente onda de drogas sendo traficadas para dentro dos Estados Unidos ... representa uma grave ameaça para todos os americanos.” Considerando insatisfatório o desempenho das agências de imposição da lei civis, em conter esta ameaça, o Congresso aprovou o Ato de Cooperação Militar com as Agências Civis de Imposição da Lei de 1981. Ao fazer isso, o Congresso, especificamente, tencionava forçar relutantes comandantes militares a colaborar ativamente no trabalho policial.

Essa foi uma mudança histórica de política. Desde a aprovação do Posse Comitatus Act em 1878, os militares tinham se distanciado das atividades de imposição da lei. Enquanto a lei de 1981 impunha certos limites sobre a autoridade legal de elementos militares, seu efeito foi, dramaticamente, expandir a participação militar nos esforços anti-drogas. Por volta de 1991, o Departamento de Defesa estava consumindo $ 1,2 bilhão em cruzadas anti-narcóticos. Aeronaves de vigilância da Força Aérea eram enviadas para rastrear contrabando aéreo; navios da Marinha patrulhavam o Caribe, atrás de embarcações carregadas de drogas; e guardas nacionais estavam vasculhando em busca de depósitos de maconha, próximo às fronteiras. Por volta de 1992, o “combate” ao tráfico de drogas foi, formalmente, declarado uma “missão de alta segurança nacional”.

Não foi muito tempo antes do século XXI que os legisladores estavam pedindo por mais envolvimento militar em trabalho policial. O crime parecia fora de controle. Mais perturbador, a incidência de crime violento continuou a subir. Os americanos estavam horrorizados e desesperados: um terço, até mesmo, acreditava que o vigilantismo era justificável. A crescente falta da lei era visto como mais outro exemplo de incapacidade da liderança civil em cumprir o mais básico dever do governo de assegurar a segurança pública. As pessoas, mais uma vez, queriam que os militares ajudassem.

Indícios de uma expandida missão de polícia estavam começando a vir à tona, enquanto ainda estávamos no Escola de Guerra. Por exemplo, os guardas nacionais do Distrito de Colúmbia estabeleceram uma presença militar regular em áreas de crime elevado. Eventualmente, as pessoas se acostumaram a ver elementos militares uniformizados patrulhando suas vizinhanças. Agora, a tropa era um adjunto de quase todas as forças policiais no país. Em muitas áreas, onde boa parte de nossa crescente população de americanos idosos vivia – Brutus as chama de “Zonas de Segurança Nacional” – os militares são, com freqüência, a única agência de imposição da lei. Por conseguinte, os militares estavam, idealmente, posicionados em milhares de comunidades para apoiar o golpe.

Preocupação com o crime foi uma grande razão porque as ações do general Brutus foram aprovadas no Referendo. Embora a participação eleitoral do público em geral fosse baixa, os americanos mais velhos votaram em índices muito maiores. Além disso, com o envelhecimento da geração do baby boom, o bloco de eleitores americanos, de mais de 45 anos, cresceu para quase 53 % dos eleitores, por volta de 2010. Esse eleitorado mais rico, mais velho, deu boas-vindas a uma organização que podia garantir sua segurança física. Quando isso ainda contava, eles apoiaram Brutus no Referendo – provavelmente, os últimos votos que eles irão dar.

A clientela militar era maior do que apenas os idosos. Americanos pobres de todas as idades tornaram-se dependentes dos militares, não só para proteção contra o crime, mas também para cuidados médicos. De novo, nós vimos as raízes disso em 1992. Primeiro foi a proposta, derrotada por pouco, para utilizar hospitais dos veteranos para fornecer tratamento para pobres não-veteranos. A seguir foram os apelos para desdobrar elementos médicos militares para aliviar os fortemente pressionados hospitais urbanos. Enquanto o número daqueles sem seguro médico ou quase, crescia, a pressão para fornecer tratamento se tornou inexorável. Agora, os hospitais militares serviam à milhões de novos pacientes, não-militares. Similarmente, uma proposta para utilizar a assim chamadas, bases militares “subutilizadas” como centros de reabilitação de drogados, foi implementada em escala massiva.

Até mesmo os mais jovens cidadãos foram cooptados. Durante os anos 1990, o público tomou consciência de que os oficiais das Forças Armadas possuíam fundamentos matemáticos e científicos, desesperadamente necessários para revitalizar a educação dos Estados Unidos. De fato, programas envolvendo elementos militares já estavam à caminho enquanto estávamos na Escola de Guerra. Agora, temos uma geração inteira de jovens que cresceram confortáveis com a visão de elementos militares patrulhando suas ruas e ensinando em suas salas de aula.

Como você sabe, não foram, apenas, crises na segurança pública, no tratamento médico e na educação que os militares foram encarregados de remendar. As Forças Armadas também foram chamadas a administrar a limpeza dos perigos ambientais da nação. Por volta de 1992, elas estavam profundamente envolvidas nesta arena, e este envolvimento se multiplicou. Uma vez que os militares tinham demonstrado sua especialização, não demorou muito antes que os problemas ambientais fossem declarados “ameaças à segurança nacional” e a total responsabilidade entregues às Forças Armadas.

Outros problemas foram transformadas em questões de “segurança nacional”. Enquanto mais linhas aéreas comerciais entravam em bancarrota e rotas aéreas não-lucrativas eram descartadas, os militares foram convocados a fornecer transporte aéreo “essencial” para regiões afetadas. Em nome da defesa nacional, os militares, a seguir, se viram envolvidos no negócio do transporte marítimo. Navios adquiridos pelos militares para contingências foram alugados, completos com tripulações militares, à preços de custo, para os exportadores americanos, para ajudar a solucionar o déficit comercial. A decadente infraestrutura da nação, também, foi declarada uma “ameaça à segurança nacional”. Como já tinha sido proposto anteriormente, em 1991, a tropa reabilitou a habitação pública, reconstruiu pontes e estradas, e construiu novos edifícios governamentais. Pelo fim de 1992, vozes, tanto no Congresso quanto nas Forças Armadas, tinham crescido no apelo por envolvimento militar por todo um amplo espectro de, até aquele momento, atividades puramente civis. Em breve, tornou-se comum, em praticamente cada comunidade, ver turmas de soldados trabalhando em projetos locais. A farda militar deixou de chamar a atenção.

A revisão de contrato para as Forças Armadas não estava confinada aos empreendimentos domésticos. Designações além-mar humanitárias e de construção de nações proliferaram. Embora tais projetos sempre tivessem sido desempenhados pelos militares em base ad hoc, em 1986, o Congresso formalizou tal processo. Ele declarou atividades além-mar humanitárias e de assistência cívica, serem “missões militares válidas” e, especificamente, as autorizou por lei. Alimentado pelo noticiário favorável às operações no Iraque, Bangladesh e as Filipinas, durante o início dos anos 1990, missões humanitaristas foram alardeadas como “modelo para o futuro” dos militares. Essa previsão se tornou realidade. Quando vários governo africanos entraram em colapso sob a epidemia da AIDS e fomes na virada do século, tropas americanas – primeiramente introduzidas ao continente nos anos 1990 – foram convocadas para restaurar serviços básicos. Eles nunca mais saíram. Agora, as Forças Armadas americanas constituem-se no governo de fato em muitas destas áreas. De novo, os primeiros sussurros sobre tais deveres podiam ser ouvidos em 1992.

Por volta do ano 2000, as Forças Armadas tinham penetrado muitos aspectos vitais da sociedade americana. Mais e mais oficiais buscavam o tipo de autonomia nesses assuntos civis que eles esperavam receber de seus superiores militares na execução de operações tradicionais de combate. Assim, começou a inevitável politização dos militares. Com tanta responsabilidade por, virtualmente, tudo aquilo que se esperava que um governo fizesse, os militares, cada vez mais, exigiam uma maior papel na construção da política. Mas, numa democracia, a construção da política é uma tarefa melhor deixada para estes responsabilizáveis diante do eleitorado. Apesar disso, oficiais bem-intencionados, acostumados a estrutura hierárquica, ordenada da sociedade militar, tornavam-se impacientes com os retardos e ineficiências, inerentes num processo democrático. Por conseguinte, eles, cada vez mais, buscavam evitá-lo. Eles convenceram a si mesmos de que poderiam servir mais eficientemente à nação, na consecução de suas novas designações, se eles atribuíssem à si mesmos, poder irrestrito para implementar seus programas. Eles esqueceram o aviso de Lord Acton de que “todo poder corrompe, e poder absoluto corrompe, absolutamente.”

O Congresso tornou-se o aliado inconsciente deles. Devido à popularidade dos novos programas militares – e a crescente dependência sobre eles – o Congresso aprovou o Ato Plenipotenciário Militar de 2005. Esta legislação foi o legado do Ato de Reorganização da Defesa Goldwater-Nichols de 1986. Entre as muitas revisões, Goldwater-Nichols reforçou o cargo de Presidente dos Chefes-Combinados de Estado-Maior e determinou numerosas mudanças para aumentar a “combinação” nas Forças Armadas. Apoiadores do Ato Plenipotenciário Militar argumentaram que a unidade de comando era crítica para a administração bem-sucedida das numerosas atividades agora consideradas como “operações militares”. Além disso, muitos congressistas, erroneamente, acreditavam que Goldwater-Nichols foi uma das principais razões para o sucesso militar na Primeira Guerra do Golfo. Eles viam o Ato Plenipotenciário Militar como um aperfeiçoamento dos pontos fortes de Goldwater-Nichols.

Ao passar tal legislação, o Congresso acrescentou, ainda, maior autoridade à principal posição de liderança militar. Tranqüilizados pelas experiências favoráveis com presidentes como o general Colin Powell, o Congresso viu pouco perigo em converter o cargo de Presidente dos Chefes Combinados de Estado-Maior no ainda mais poderoso Plenipotenciário Militar. Não mais um mero conselheiro, o Plenipotenciário Militar tornou-se um autêntico comandante de todas as Forças Armadas dos Estados Unidos, supostamente porque esta posição poderia debelar os efeitos das intrigas percebidas entre as forças. Apesar dos avisos encontrados na história legislativa de Goldwater-Nichols e em outras partes, enorme poder foi concentrado nas mãos de um único e não-eleito funcionário. Infelizmente, o Congresso presumiu que pessoas de princípios iriam, sempre, ocupar o cargo. Ninguém esperava que um general Brutus pudesse ascender.

O Plenipotenciário Militar não foi a única mudança estrutural do Congresso na governança militar. Por volta de 2007, as forças foram combinadas para formar as Forças Armadas Unificadas. Relembre que, ao nos graduarmos da Escola de Guerra, ainda maior unificação estava sendo, seriamente, sugerida como uma medida de economia. Eventualmente, esta consideração e a convicção de que “combinação” era uma virtude militar completa, levou à unificação. Mas a unificação acabou com a tensão criativa entre as forças. Além de rejeitar a lógica operacional de forças separadas, ninguém pareceu reconhecer a função de impedimentos-e-equilíbrios que a independência das forças fornecia à uma democracia, forçada a manter um grande e profissional estabelecimento militar. Os Patriarcas Fundadores sabiam da importância dos impedimentos e equilíbrios no controle das agências do governo: “Ambição precisa ser forçada a conter ambição... A experiência ensinou à espécie humana a necessidade de controles auxiliares... [incluindo] garantindo interesses rivais e opostos.”

Ambição é um traço natural das organizações militares e seus líderes. Quaisquer que possam ter sido as ineficiências das forças armadas separadas, sua própria existência servia para contrapor os desejos impróprios de cada uma das forças individuais. Os debates sobre papéis e missões e outros argumentos, antes vistos como intrigas militares menores, também forneciam um valioso fórum para a análise competitiva da doutrina militar. Adicionalmente, eles serviam para assegurar que objetivos inescrupulosos por um segmento do estabelecimento militar fossem, inapelavelmente, expostos. Uma vez que as forças foram unificadas, o ímpeto para fazer isso desvaneceu, e a autoridade militar, em relação às outras instituições do governo, cresceu. Expandido por seus difusos novos deveres, o militarismo monolítico acabou por dominar o ambiente político darwiniano da América do século XXI.

Por quê a liderança fardada de nossa época aquiesceu à esta transformação das Forças Armadas? Muito da resposta pode ser traçada nas discussões orçamentárias dos inícios dos anos 1990. O colapso da União Soviética deixou os militares dos Estados Unidos sem um razão articulada para grandes orçamentos de defesa. Bilhões em cortes eram buscados. O jornalista Bruce Auster colocou, secamente: “Ganhar uma fatia das guerras orçamentárias... exigia que os militares encontrassem novas missões para um mundo pós-guerra fria que é privado de ameaças militares claras.” Capitulando, os líderes militares abraçaram antigamente desdenhadas missões. Como um comentarista, cinicamente, observou, “as forças estão ansiosas para assumir papéis não-tradicionais, que justifiquem o orçamento.” O aforismo da era do Vietnam, “É uma guerra suja, mas é a única que temos,” foi ressuscitado.

Ainda assim, isso não explica, completamente, por quê em 2012 a liderança militar iria sucumbir ao golpe. Responder esta questão, plenamente, exige um exame do quê estava acontecendo ao corpo de oficiais, enquanto as Forças Armadas entravam nos anos 1980 e 1990. Desde que grandes estabelecimentos militares de tempo de paz tinham se tornado características permanentes após a Segunda Guerra Mundial, o grande nivelador do corpo de oficiais era o constante influxo de oficiais do programa do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva. Produto de diversas faculdades e universidades, por todos os Estados Unidos, estes oficiais eram uma fonte vital de liberalismo nas Forças Armadas.

Pelo fim dos anos 1980 e inícios dos 1990, no entanto, isso estava mudando. Reduções da força diminuíram o número de graduados do CPOR que as forças aceitavam. Embora o general Powell chamasse o CPOR de “vital para a democracia”, 62 programas de CPOR foram fechados em 1991 e outros 350 foram considerados para encerramento. Os números de oficiais produzidos pelas academias das forças também caíram, mas à um passo significativamente mais lento. Por conseguinte, a proporção de graduados da academia no corpo de oficiais subiu. Os graduados da academia, juntamente com os graduados de escolas militares tais como a Citadel, o Virginia Military Institute, e a Norwich University, tendiam a produzir uma maior homogeneidade de perspectiva do que, digamos, o fundo de graduados do CPOR, em grande medida com o resultado de que, enquanto a proporção de tais graduados crescia, a diversidade de perspectiva, no total, diminuía em alguma parcela.

E mais, os oficiais do CPOR que permaneceram, cada vez mais se originavam de uma variedade mais estreita de escolas. Focando na política dos militares de excluírem homossexuais do serviço, advogados do “politicamente correto” tiveram sucesso em expulsar o CPOR de algumas das nossas melhores universidades. Em muitos casos, eles também prevaleciam ao barrarem os recrutadores militares nas universidades. Pouco atenção foi dada às conseqüências de longo prazo de limitar o fundo do qual nossa liderança militar era tirada. O resultado foi uma elite militar muito mais uniformemente orientada, cuja perspectiva era, cada vez mais, conservadora.

E mais ainda, tentativas bem-intencionadas de aperfeiçoar a vida no serviço levou a uma não-intencional insularidade da sociedade militar, representando um retorno a vida enclausurada das Forças Armadas pré-Segunda Guerra Mundial. As bases militares, completas com escolas, igrejas, depósitos, centros maternais e áreas recreacionais, tornaram-se ilhas de tranqüilidades para nunca serem abandonadas, removidas do ambiente caótico, dominado pelo crime, fora dos portões. Como um repórter colocou em 1991: “Cada vez mais isolados da vida da América, os soldados de hoje tendem a contemplar o mundo civil com suspeição e, alguma vezes, hostilidade.” Desta forma, uma corpo de oficiais, fisicamente isolado e intelectualmente alienado foi emparelhado com uma força de praças, da mesma forma, isolada da sociedade que ela, supostamente, deveria servir. Em resumo, os militares evoluíram para uma força suscetível de manipulação por um líder autoritário de suas próprias seletas fileiras.

O que fez isso tudo ainda mais desencorajador foi o deplorável desempenho de nossas forças na Segunda Guerra do Golfo. Consumidos com missões auxiliares e não-tradicionais, os militares negligenciaram sua raison d’etre fundamental. Como a Suprema Corte, sucintamente, expôs, mais de meio século atrás, “o negócio primordial de exércitos e marinhas [é] lutar ou estar pronto para lutar nas guerras, se a ocasião surgir.” Quando os exércitos iranianos começaram a se despejar para dentro dos pequenos estados do Golfo, em 2010, as Forças Armadas dos Estados Unidos estavam prontas para qualquer coisa, exceto para lutar.

A preocupação com deveres humanitários, combate aos narcóticos e todo as restantes missões periféricas, deixaram os militares inaptos para engajar um autêntico oponente militar. Desempenhar as novas missões solapou os recursos para aquilo que a maioria dos especialistas concordavam ter sido um dos ingredientes vitais para a vitória na Primeira Guerra do Golfo: treinamento. O treinamento é, muito literalmente, uma jogo de soma zero. Cada momento dispendido executando uma missão não-tradicional é um momento indisponível para exercícios militares ortodoxos. Nós devíamos ter reconhecido o grave risco. Em 1991, o Washington Post relatou que em “entrevista após entrevista, por todas as forças, líderes superiores e sargentos salientam que não podem estar prontos para lutar, sem ensaios freqüentes de habilidades perecíveis.”

As atividades anti-drogas dos militares eram uma grande parte deste problema. Oh, certo, eu lembro das declarações fáceis dos expoentes do envolvimento das forças armadas contra os narcóticos, de como ele forneceria “valioso” treinamento. Alguém, realmente, pensava que a tripulação de um AWACS – uma aeronave desenhada para rastrear em combate aviões militares de alta-desempenho – aperfeiçoaria, significativamente, suas habilidades de combate, passando horas rastreando aviões leves de movimento lento? Eles, seriamente, imaginavam que os soldados aperfeiçoariam suas habilidades combativas, procurando maconha debaixo dos assentos de carros? Eles, realmente, acreditavam que as tripulações dos sofisticados navios anti-submarino e anti-aéreos da Marinha, receberiam treinamento útil indo atrás de escunas de madeira, por todo o Caribe? Tragicamente, acreditavam.

O problema foi exacerbado quando pressões políticas isentaram a Guarda e as Reservas dos mais duros efeitos dos cortes orçamentários dos inícios dos anos 1990. A Primeira Guerra do Golfo demonstrou que armas e táticas modernas eram, simplesmente, complexas demais para soldados de tempo parcial dominarem, durante seus períodos de adestramento disponíveis, independente do quão bem-motivados fossem. Ainda assim, criativos defensores da Guarda e da Reserva engendraram numerosas designações de ação cívica e humanitária e as venderam como “treinamento”. O que ficou sem explicação foi como tal treinamento se supunha adequar-se com as estratégias militares que contemplavam guerras expedicionárias do tipo, “vá do jeito que estiver”, breves e violentas. Programas orientados para apoio do tipo “legal de se ter” para a Guarda e a Reserva, prevaleceram às custas das capacidades críticas de combate da ativa.

Talvez ainda mais danificador do que o desvio de recursos, foi o assalto contra o ethos da missão militar. Ao invés de manter em mente a admoestação da Suprema Corte para se manter o foco na capacidade de combate, aos militares foi dito que alterassem seu propósito. O antigo Secretário de Estado James Baker tipificou o novo tom desta tendência com suas observações sobre o transporte aéreo de alimentos e remédios para as antigas repúblicas soviéticas no início de 1992. Ele disse que o transporte aéreo iria “vividamente mostrar às populações das antigas repúblicas soviéticas que estes, uma vez preparados para a guerra contra elas, agora tinham a coragem e a convicção para utilizarem suas forças armadas para dizerem, ‘iremos preparar uma nova paz’ “.

Na verdade, as Forças Armadas deveriam se “preparar para a guerra” e deixar a “preparação para a paz” para aquelas agências governamentais cuja missão é, justamente, esta. Apesar disso, tais pronunciamentos – secundados pelos líderes militares – tornaram-se a filosofia da moda. O resultado? Os elementos nas Forças Armadas não mais se consideravam como guerreiros. Ao invés, eles viam a si mesmos como policiais, assistentes sociais, educadores, enfermeiros, políticos – qualquer coisa, menos como combatentes. Quando estes filantropos encontraram o X Corpo Blindado iraniano, próximo a Daharan, durante a Segunda Guerra do Golfo, eles foram, brutalmente aniquilados por militares que não tinham esquecido daquilo que se espera que um militar faça ou do que a guerra se trata.

A devastação do espírito marcial das Forças Armadas foi exemplificado por seu envolvimento em atividades policiais. Inexplicavelmente, nós ignoramos os efeitos deletérios na motivação de combate sofrida pelas Forças de Defesa israelenses, como resultado de seus esforços para policiar a Margem Ocidental e Gaza. Poucos pareciam apreciar a diferença fundamental entre a profissão policial e a profissão militar. Como Richard J. Barnet observou no The New Yorker, “A linha entre a ação policial e uma ação militar é real. A polícia deriva seu poder de sua aceitação como ‘oficiais da lei’; autoridade legítima, não poder de fogo, é o elemento essencial.”

Organizações policiais são, compreensivelmente, orientadas para estudada e necessária restrição ao fim que procuram: uma condenação judicial. Como um agente da Drug Enforcement Administration observou: “Os militares podem matar pessoas melhor do que nós [mas] quando vamos até um laboratório na selva, não estamos lá para nos movimentarmos contra o alvo através de fogo e movimento, para destruir o inimigo. Nós estamos lá para deter suspeitos e apreender evidências.” Se as forças militares forem inculcadas com o mesmo espírito de contenção, o desempenho em combate fica ameaçado. Além disso, a imposição da lei também não é, apenas, uma forma de conflito de baixa-intensidade. Em conflito de baixa-intensidade, o objetivo militar é conquistar a boa-vontade das pessoas, uma tarefa virtualmente impossível com criminosos “motivados por dinheiro, não por ideologia”.

Missões humanitárias, da mesma forma, solapam o sentido militar de si mesmos. Como um oficial da Marinha disse, entusiasmado, durante a operação de socorro em Bangladesh, em 1991, “É sensacional estar aqui fazendo o oposto de um soldado.” Enquanto nenhum soldado de verdade deseje a guerra, o fato permanece de que a essência de ser militar é o combate e a preparação para o mesmo. O que o jornalista Barton Gellman disse do Exército pode ser extrapolado para as forças armadas como um todo: ele é “uma organização cuja espírito de luta repousa... fortemente, na tradição.” Se esta tradição se tornar imbuída com uma preferência por “fazer o oposto de um soldado”, o espírito de luta, obrigatoriamente, sofre. Quando ouvimos falar, pela primeira vez, de editoriais pedindo para “pacificar os militares” envolvendo-os em projetos cívicos, nós devíamos ter-lhes dado a resposta que mereciam.

O analista militar Harry Summers preveniu, lá atrás, em 1991, de que, os militares, quando perdem de vista seu propósito, a catástrofe resulta. Citando um estudo da política canadense pré-Segunda Guerra Mundial, que a relacionava com os subseqüentes desastres de campo de batalha, ele observou que:

”Ao invés de usar o intervalo de tempo de paz para aguçar suas habilidades militares, os oficiais superiores das Forças Armadas canadenses buscaram missões civis para justificar sua existência. Quando veio a guerra, eles estavam, dolorosamente despreparados. Ao invés de proteger as vidas de seus soldados, eles os lideraram para suas mortes. No ambiente de paz atual pós-Guerra Fria, esta armadilha, mais uma vez, aparece... Alguns, hoje, dentro das Forças Armadas americanas, também estão em busca de relevância, com manuais doutrinários dando a tocantes operações civis pré e pós-guerra, peso igual ao combate. Este é um equívoco insidioso.


Precisamos relembrar que a posição da América no fim da Guerra Fria não tinha precedente histórico. Pela primeira vez, a nação – em tempo de paz – se encontrou com um estabelecimento militar profissional, ainda considerável, e que não estava preocupado com uma avassaladora ameaça externa. Ainda assim, as incertezas do período posterior à Guerra Fria limitaram a extensão na qual estas forças poderiam ser, com segurança, reduzidas. Quando as Forças Armadas foram, então, obrigadas a engajarem em um espantoso conjunto de missões não-tradicionais, para justificarem suas existências, pouco é de se admirar que seu tradicional profissionalismo apolítico tenha sido erodido.

Claramente, a curiosa mescla militar de autoritarismo e ineficiência em combate que vemos hoje, não foi produzida em 1992. Mas as tendências estavam lá. Sabendo o que eu sei, agora, aqui vai o conselho que eu teria dado à Classe de 1992 da Escola de Guerra, se eu tivesse sido seu porta-voz da graduação:

. Exijam que as Forças Armadas mantenham o foco, exclusivamente, em deveres, inequivocamente, militares. Nós não devemos dissipar nossas energias afastando-nos de nossa responsabilidade fundamental de combate. Enviar soldados mal-treinados para o combate nos torna cúmplices de homicídio.

. Reconhecer que a segurança nacional tem dimensões econômicas, sociais, educacionais e de meio-ambiente, mas insistir que isso, necessariamente, não quer dizer que os problemas nestas áreas são da responsabilidade dos militares, para corrigirem. Recursos estilísticos de denominar os esforços para solver os males nacionais, como “guerras”, não irá convertê-los em alguma coisa apropriada para o emprego de forças militares.

. Ceder, prontamente, recursos orçamentários para aquelas agências cujo negócio é lidar com estas questões não-militares que as Forças Armadas são, presentemente, solicitadas em consertar. Nós não somos o DEA, o EPA, o Corpo de Paz, o Departamento de Educação, ou a Cruz Vermelha – nem devemos ser. Nunca foi fácil abrir mão de recursos, mas, no longo prazo, nós – e a nação – iremos ser mais bem servidos por Forças Armadas, menores, porém, mais apropriadamente focadas.

. Livrem o orçamento da defesa de despesas que distorcem a percepção. Combate aos narcóticos, proteção do meio-ambiente, socorro humanitário e outros custos tangenciais à real capacidade de combate devem ser transferidos para os orçamentos do DEA, do EPA, dos estados, por aí vai. Enquanto esses dispendiosos programas forem ocultos no orçamento de defesa, o contribuinte, compreensivelmente – mas de forma equivocada – irá continuar acreditando que seu imposto está comprando prontidão militar.

. Continuar pressionando pela eliminação de unidades da Guarda e da Reserva, supérfluas e drenadoras de recursos. Aumentem o tempo de treinamento, responsabilidades e compensações para as que restarem.

. Eduquem o público para as sofisticadas exigências de treinamento, resultantes da complexidade da guerra moderna. É imperativo que livremos o público da errônea percepção de que os soldados, em tempo de paz, são, essencialmente, uns desempregados e, portanto, livres para assumirem novas funções.

. Resistam à unificação das forças, não apenas sob argumentos operacionais, mas, também, porque a unificação irá ser inimiga dos impedimentos e equilíbrios que sustentam o governo democrático. Desacelerem o passo da consolidação, dirigida por considerações fiscais, para que o impacto sobre aspectos, menos quantificáveis, da eficiência operacional possam ser escrutinizados.

. Assegurar que as ascensões de oficiais das academias das corporações correspondam com as reduções totais dos contingentes (mas, manter academias separadas das corporações) e manter o CPOR numa ampla variedade de universidades. Se necessário, recorrer a processo judicial para manter a diversidade de CPOR em universidades.

. Orientar recursos e campanhas de recrutamento para assegurar que todos os escalões da sociedade estejam representados nas Forças Armadas, sem comprometer os padrões. Aceitar que esse tipo de recrutamento pode aumentar os custos. Mas vale a pena.

. Trabalhar para moderar a síndrome “base igual a ilha” ao fornecer melhores incentivos para os membros militares e suas famílias se integrem nas comunidades civis. Dentro dos programas de informação para nossa força de profissionais totalmente voluntários (cada vez mais, baseada nos Estados Unidos), reforcem a ênfase sobre temas, tais com a inviolabilidade da Constituição, ascendência de nossa liderança civil sobre as forças armadas, e as responsabilidades da cidadania.

Finalmente, eu iria dizer aos nossos colegas de classe que a democracia é uma instituição frágil que precisa ser, continuamente, nutrida e, escrupulosamente, protegida. Eu também lhes diria que eles devem se pronunciar, ao verem a instituição ameaçada; em verdade, é dever deles fazer isso. Richard Gabriel, apropriadamente, observou em seu livro, To Serve with Honor que:

Quando alguém discute dissidência, lealdade, e os limites das obrigações militares, o problema central é de que os militares representam uma ameaça à ordem civil, não porque irão usurpar a autoridade, mas porque não se pronunciam a respeito de decisões políticas críticas. O soldado falha ao honrar seu juramento de servir ao país, se ele não se pronuncia quando vê seus superiores civis e militares, executando políticas que ele sente serem erradas.


Gabriel estava errado quando desconsiderou o potencial militar para ameaçar a ordem civil, mas estava correto quando descreveu nossas responsabilidades. A catástrofe que ocorreu sob nossas vistas, teve lugar porque nós falhamos em nos pronunciar contra políticas que sabíamos serem erradas. É tarde demais para mim fazer mais qualquer coisa. Mas não para você.

Considerações,

Prisioneiro 222305759.




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Re: Reflexões sobre a Guerra e os Militares

#33 Mensagem por Piffer » Dom Jun 08, 2008 10:42 am

É sempre um prazer encontrar as traduções do Clermont aqui no fórum. Sempre bastante pertinentes.

Abraços,




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Re: Reflexões sobre a Guerra e os Militares

#34 Mensagem por Clermont » Ter Set 09, 2008 8:59 am

PRINCÍPIOS DE GENERAL – Enquanto outras altas-patentes bancavam os agentes de imprensa para a guerra da administração, William Odom contou a verdade sobre o Iraque, embora poucos tenham escutado.

Por Ron Unz – The American Conservative – 8 de setembro de 2008.

Muito embora, a capital ame cerimônias, Washington não irá parar em 8 de setembro, quando o tenente-general William Odom for colocado para descansar no Cemitério de Arlington. Embora ele seja digno dos lauréis, ele não cortejou o favor da classe política. Ao invés, ele desdenhou a cegueira dela para com a história, suas fixações partidárias, sua mentalidade de rebanho. Homens bravos, com freqüência, resistem sozinhos.

Aqueles com conhecimento de assuntos militares, reconhecem diferentes tipos de coragem. Existe a coragem de combate – a vontade para assaltar uma posição ou manter uma trincheira contra todas as circunstâncias. Há a coragem de comando – a disposição de oficiais em assumir ação decisiva e sustentar pesadas baixas para assegurar a vitória. E há uma terceira variedade, crucial nas patentes mais altas do corpo de oficiais da América, só que, cada vez mais rara – a coragem política, a disposição para falar a verdade ao poder político. Bill Odom, a quem eu grandemente admirava e respeitava, exemplificou esta última, e mais esquiva, espécie de coragem, pela que sua morte de ataque cardíaco, em 30 de maio, deixa um tal vácuo no debate sobre a política externa da América.

Ele faleceu cedo demais, mas, de certa maneira, Odom já tinha vivido além de sua época, a era do internacionalismo liberal da Guerra Fria. Após se graduar em West Point, em 1954, ele serviu na Alemanha e Vietnam e foi, mais tarde, postado na embaixada de Moscou. Seguindo-se vários anos de ensino em West Point, ele chegou em Washington como auxiliar de Zbigniew Brzezinski, o conselheiro de segurança nacional do presidente Carter. Ali, ele ganhou a reputação de “superfalcão de Zbig” por sua obstinada oposição à détente e suas prescientes especulações sobre a possível dissolução da União Soviética, antes do fim do século. Ele passou a servir como assistente de inteligência do chefe do estado-maior do Exército e diretor da Agência de Segurança Nacional sob o presidente Reagan.

Na onda do 11 de Setembro, esse general três-estrelas reformado, de há muito um pilar da comunidade de política externa, parecia especialmente qualificado para ser ouvido. Na verdade, ele foi uma das primeiras figuras militares de alto-escalão a lançarem avisos públicos enquanto o impulso histérico para invadir o Iraque, eventualmente, transformou-se numa calamitosa ocupação, um resultado que ele, mais tarde, descreveu como “o maior desastre estratégico na história dos Estados Unidos.”

Mas, desde a chegada de Odom na capital. – e, especialmente, depois da queda da União Soviética – a cidade se tornou, mais e mais, uma Cidade Imperial, cuja Corte Imperial, governa um império global, ainda que, crescentemente acossado e falido. A competência é, de longe, menos importante para a progressão que superficialidade, intriga midiática e a bajulação de patrões ricos. Visões sóbrias dos limites militares e geopolíticos tem pouco espaço numa administração cujos cortesãos ridicularizam seus oponentes como membros da comunidade do “reality-show”. Assim sendo, depois do 11 de Setembro, os mais prestigiosos jornais da América – o New York Times, Washington Post e o Wall Street Journal – virtualmente, fecharam suas páginas para as visões discordantes de Odom.

Reduzido a publicar em pequenos websites, como o Nieman Watchdog.org, ele se recusou a aparar suas críticas. As colunas de Odom na web tinham títulos como “Seis verdades brutais sobre o Iraque,” “Iraque através do prisma do Vietnam”, e “O que há de errado em romper contato e correr?” Outros colunistas nacionais disseram coisas similares – com mais cautela – porém, a maioria era de especialistas liberais, com credenciais militares irrisórias. Odom tinha servido como um dos funcionários de segurança nacionais de posto mais alto, e suas palavras carregavam peso enorme.

Porém, quem a mídia principal seleciona para informar o público americano? Uma infindável corrente de jovens neocons, quase nenhum dos quais, jamais, vestiu um uniforme americano, mas que, ao invés disso, escolheram fazer carreira no casulo dourado dos centros de pensamento “conservadores”. Ironicamente, alguns dos mais barulhentos podem ter tido seu encontro mais próximo com o serviço militar quando assistiram aos cursos de Odom sobre estratégia em Yale, embora, é óbvio, nada tenham aprendido.

Aqui jaz outro contraste gritante. Odom era um militar de carreira. Seu ancestral, coronel George Waller serviu com George Washington em Yorktown; dois de seus bisavôs lutaram pela Confederação. Seu único filho, Mark, liderou perigosas operações de campo no Irauqe, antes de ser ferido, ano passado, num ataque à bomba dos insurgentes. Odom também era um acadêmico sério, com um Ph.D. por Colúmbia, em ciência política, uma longa lista de livros acadêmicos e artigos em jornais, e um cargo de professor-adjunto em Yale.

Mas para os editores dos maiores diários, os especialistas apropriados eram escribas neocons, cujos únicos livros eram diatribes ocas sobre assuntos indo do aborto até a política de impostos para a defesa, todos escritos com alegre ignorância. Eles sabiam pouco sobre Oriente Médio, ou as Forças Armadas, mas possuíam graus avançados em trabalho de redes, doutorados em auto-promoção e pagavam seus honorários cortejando cada editor no circuitos de festas e coquetéis. Afinal de contas, se a realidade não existe, por quê não contratar seus amigos para analisá-la?

Porém, com a América em guerra, alunos da Heritage, de trinta e poucos anos, de caras empalidecidas, escrevendo infindáveis colunas de jornal sobre grande estratégia – e casamento gay – não iriam inspirar confiança alguma na televisão. O público precisava ver veteranos de alta-patente, solenes e de cara dura, validando as ações da administração Bush.

Isto é, exatamente, o que eles tiveram. Do momento em que os aviões atingiram o World Trade Center, as redes e os canais à cabo, em particular, desenvolveram uma insaciável fome por comentaristas militares, ex-generais grisalhos, carregados de fitas e medalhas. Seus julgamentos não podiam ser, facilmente, desconsiderados, dada as suas experiências profissionais e tempo de serviço, e, quase invariavelmente, eles apoiavam os pontos de vista da Casa Branca. O público confiava neles e seguiam para onde eles levavam – para o Afeganistão e, então, o Iraque.

Nós descobrimos o quanto valia a credibilidade deles, em 20 de abril, quando o New York Times – finalmente – publicou uma reportagem, baseada em 8 mil páginas de e-mails do Pentágono e transcrições, sobre as atividades comerciais e laços financeiros desses, supostos especialistas imparciais. A CNN os pagava tanto quanto $ 1 mil dólares por aparição, mas a maioria estava, simultaneamente, recebendo somas vastamente superiores de seus trabalhos sob contrato com o governo e os militares. Por exemplo, o general James Marks apareceu regularmente nos noticiários à cabo, por todo 2006, mesmo enquanto estava envolvido em negócios, através de seu trabalho com a McNeil Technologies, para um contrato de 4,6 bilhões de dólares para fornecimento de tradutores no Iraque.

Poderia se dizer, cruamente, que o governo era dono de 99 porcento desses homens, enquanto os os canais de noticiários alugavam 1 porcento – e, então, pediam a opinião deles sobre o governo. Seus futuros financeiros estavam nas mãos dos funcionários da administração que eles estavam avaliando na televisão.

A Casa Branca tirou vantagem total deste relacionamento. Os funcionários de Bush, rotineiramente, organizavam apresentações para fornecer informações internas para esses especialistas e para moldar seus comentários. O New York Times revelou os documentos do Pentágono descrevendo os generais comentaristas de televisão como “multiplicadores de força de mensagens” ou “representantes”, com os quais se podia contar para propagarem a mensagem da administração, “na forma de opiniões próprias”. O Pentágono até mesmo contratou a Omnitec Solutions, uma companhia de consultores, para assistir as aparições na televisão e dar nota aos desempenhos desses comentaristas, supostamente neutros. As análises eram, então, passadas para o pessoal de Bush no Pentágono, que controlava o fluxo dos fundos de contratos.

Há exemplos documentados de generais reformados acreditando que a situação no Iraque era, em absoluto, desastrosa, mas fornecendo, tão somente, boas novas para os milhões de americanos que buscavam a sabedoria deles na televisão. Após retornar de uma viagem ao Iraque, patrocinada pelo governo, o general Paul Vallely, um analista da Fox News, contou a Alan Colmes, “Você nem pode acreditar no progresso,” prevendo que a insurgência iria ser reduzida “a uns poucos elementos” dentro de meses. Porém, depois, ele contou ao New York Times, “Imediatamente, eu vi que as coisas iam afundar em 2003.”

Muitos destes antigos oficiais americanos de alta-patente deveriam ter todo o direito de exigir ingresso no sindicato de atores e, em alguns casos, seu desempenho teatral lhes renderia um alto salário em Hollywood. Há uma palavra para oficiais das Forças Armadas que jogam fora os interesses de segurança nacional de seu próprio país, em troca de um grande pagamento financeiro, e esta palavra não é bonita.

Bill Odom, ao contrário, se apegava ao código da tradicional honra militar. Ele não ingressou nas Forças Armadas, na esperança de conseguir uma enorme mansão em London County. Quando ele deixou sua casa nos Apalaches rurais, para ingressar em West Point, suas razões eram patriotismo e serviço público – como era, quase que univesalmente, verdadeiro entre os membros de sua geração.

Esses motivos altruístas persistem nas Forças Armadas de hoje – mas, talvez, em grau menor. A corrupção social e financeira, com freqüência, começa no topo, e quando os generais rebaixam suas carreiras militares para se tornarem multimilionários, muitos coronéis, majores e capitães podem começar a pensar em linhas semelhantes.

Em verdade, a doutrina explícita da América de substituir espírito público e integridade pessoal por pagamento, alcançou níveis absurdos em nossas políticas iraquianas. Um quinto – cerca de 100 bilhões de dólares – de nosso gasto militar no Iraque, tem ido para contratados particulares. Esta categoria inclui as muitas dezenas de milhares de “contratados de segurança” – mercenários particulares – que constituem uma importante fração das forças de ocupação.

Muitos destes são sul-africanos, brasileiros ou franceses, os tradicionais “cães-de-guerra”, que de há muito viajam pelo mundo em busca de lucrativas guerras para lutar. Mas, um perturbadoramente elevado número é de americanos. Quando soldados experimentados podem sair do Exército e, imediatamente, retornar ao Iraque como pistoleiros contratados, ganhando cinco ou seis vezes seus antigos soldos, eles podem, com facilidade, concluir que o serviço das armas prestado à nação é, simplesmente, para otários. Portanto, uma fração do inchado orçamento atual do Pentágono é, na verdade, gasto para levar os melhores soldados da América a abandonarem suas carreiras militares, por conseguinte, esvaziando nossas forças terrestres.

Alguns comentaristas aventureiros neocons, até mesmo sugeriram a abertura das Forças Armadas para quaisquer estrangeiros ansiosos para se alistarem. Em troca de elevado pagamento e cidadania automática, eles precisariam, apenas, marchar na direção de qualquer lugar para onde seus oficiais mandassem marchar, e atirar em qualquer um em quem seus oficiais mandassem atirar. Há um longo registro de feios precedentes para países que escolhem substituir suas forças armadas nacionais por mercenários estrangeiros, porém, especialistas em história, que nunca leram um livro de história, podem permanecer ignorantes disso.

Embora uma tal maciça corrupção seja sem precedentes modernos na América, os paralelos da Guerra do Iraque com a do Vietnam são óbvios. Os comentaristas liberais são relutantes em observar as similaridades, para não serem denunciados como “antipatriotas” por seus belicosos colegas conservadores. Mas Bill Odom não padecia de tais escrúpulos. Quando ele viu o retorno do Vietnam, ele disse isso – e ninguém se atreveu a contradizê-lo.

Como oficial de estado-maior em Saigon, ele presenciou, em primeira mão, a total futilidade e as conseqüências desastrosas daquela guerra, tanto para aquele país, quanto para a coesão das Forças Armadas americanas. Anos mais tarde, ele apontou que, se a razão estratégica tinha sido conter a China, nossa guerra contra Hanói não fazia sentido algum, dado que os vietnamitas eram, tradicionalmente, os mais fortes adversários locais dos chineses e, na verdade, travaram uma sangrenta guerra de fronteiras com a China, quase que imediatamente depois da saída da América. E também, a Rússia Soviética era o grande antagonista da América durante aquele período, e conter a China era um objetivo-chave russo, portanto, nossa guerra foi, na verdade, travada em nome de nosso principal adversário internacional. A verdadeira razão porque gastamos tantos anos sacrificando vastas quantidades de sangue, dinheiro e credibilidade americanos nas selvas do Sudeste Asiático, foi que, acabar com a guerra teria sido uma admissão dos líderes americanos de que tinham cometido um horrível engano, ao dar início a ela.

Seguindo-se ao 11 de Setembro, nossa estratégia no Oriente Médio tornou-se, de forma similar, irracional. Odom observou que Saddam Hussein, um nacionalista árabe secular, tinha, durante décadas, sido o maior inimigo regional, tanto dos iranianos, quanto dos radicais islâmicos do tipo Osama bin Laden. Portanto, nossa Guerra do Iraque estava servindo aos interesses desses poderes hostis e anti-americanos. E, por vários anos, agora, tem sido óbvio que a única grande razão pela qual a América não ser retira do Iraque é o temor de reconhecer nosso erro.

Quando, pela primeira vez, eu encontrei Bill Odom, no início dos anos 1990, logo após a Guerra Fria acabar, e ele se tornar diretor do Programa de Segurança Nacional, no Instituto Hudson, ele estava esperançoso de que a América iria se tornar mais como um “país normal”. Seu último livro, iniciado no final de 1990, com Robert Dujarric, um de meus colegas de quarto na universidade, foi intitulado “America’s Inadvertent Empire”. Ele analisava o enorme poder militar, econômico, tecnológico e cultural dos Estados Unidos,mas nunca considerou que estes meios pudessem ser voltados para guerras de conquista e ocupação imperial.

Naturalmente, o 11 de Setembro mundo tudo. Desde esta data, a América começou a se comportar como um país excepcionalmente anormal, e o desaparecimento de Odom significa que o perigoso curso de nossos líderes, provavelmente, irá receber ainda menos análise honesta. Dias antes de sua morte, Odom tinha sido co-autor de um artigo no Washington Post com Brzezinski, pedindo por uma imediata aproximação estratégica com o Irã, como meio de estabilizar o Iraque, visando uma retirada americana. O Post, finalmente, tinha se disposto a publicar os pontos-de-vista de Odom, mas seu conselho parece ter caído em ouvidos moucos. O perigo de um ataque americano ao Irã pode ter se dissipado – presumivelmente, estar enredado em duas guerras faz o Pentágono ficar cauteloso de começar outra – mas a retórica beligerante continua a ser proferida por todos os grandes candidatos políticos. A América tem 200 mil soldados, no outro lado do mundo, ocupando o Iraque, e já provocou as mortes de mais de 1 milhão de civis iraquianos, mas os líderes americanos ainda denunciam o Irã por sua “interferência” no seu vizinho da porta ao lado. Bill Odom sorria diante de políticos que demonstravam tal cegueira política.

O mais arrepiante de seus pronunciamentos públicos tem recebido pouca atenção, embora ele possa ser considerado como sua última vontade e testamento ao país que ele amava. No início de abril, ele e certo número de outros proeminentes críticos militares da Guerra do Iraque, foram chamados para prestar testemunho ao Congresso. Todos criticaram a ocupação e pediram por uma rápida retirada americana, mas Odom foi mais longe. Ele disse que sem pronta ação, Bagdá poderia se tornar a Dien Bien Phu da América, onde superiores forças francesas forarm cercadas, encurraladas, isoladas de suprimentos e, por fim, destruídas por guerrilhas vietnamitas.

A comparação não é absurda como pode parecer. A América possui uma força poderosa no Iraque, mas, como o analista militar William Lind tem, repetidamente, enfatizado, esta força é quase inteiramente dependente de uma longa e tênue linha de suprimento vinda do Kuwait, que corre através de território controlado por forças xiitas amistosas ao Irã. Cerca de 500 caminhões-tanque precisam alcançar o exército americano, todo dia, para manter sua mobilidade operacional. Se ampla ação guerrilheira reduzir, substancialmente, o número ou a velocidade de tráfego destes comboios, a vantagem da América em equipamento avançado – nossa força primordial – iria se tornar, cada vez mais, irrelevante.

Sob um tal cenário, qualquer presidente americano que, finalmente, emitisse uma ordem para retirada, seria forçado a abandonar vastas quantidades de equipamento militar, formalizando deste modo, publicamente, a maior derrota na história americana. Mas, qualquer presidente que não emitisse uma tão humilhante ordem de retirada, iria arriscar a perda total da enorme força expedicionária da América. Esse resultado iria emparelhar com os maiores desastres militares em toda a história – enormemente maior do que Dien Bien Phu, e comparável, em escala, à condenada Expedição Siciliana dos atenienses.

Como um acadêmico sério, Bill Odom conhecia Tucídides. Mas o país que ele deixou para trás, não.




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Re: Reflexões sobre a Guerra e os Militares

#35 Mensagem por Clermont » Seg Set 29, 2008 8:02 am

TECNOLOGIA VERSUS IDEOLOGIA NA CONDUTA DA GUERRA.

Por Ron Shirtz – 27 de setembro.

A América é a casa da invenção. Nós somos uma nação de inventores, pensadores e mecânicos. De humildes porões, garagens, cozinhas e quartos tem surgido carros, aviões, computadores e outras tecnologias inovadoras. Hank Morgan, personagem de Mark Twain de “A Connecticut Yankee in King Arthur’s Court” captura a essência do espírito “podemos fazer” da América, ao tentar, literalmente, substituir a idade das trevas de Camelot, pela iluminada era industrial ianque.

Este é um dos muitos dividendos de uma sociedade livre, onde o mercado encoraja novos produtos, premia o inventor e beneficia o consumidor com escolhas e confortos.

Nós somos, como Sting cantou, certa vez, espíritos num mundo material. Aqui repousa a contradição. Como o Apóstolo Paulo, uma vez, escreveu:

”Pois o nosso combate não é contra o sangue nem contra carne, mas contra os Principados, contra as Autoridades, contra os Dominadores deste mundo de trevas, contra os Espíritos do Mal que povoam as regiões celestiais.” (Efésios 6:12.)


Alguns inimigos não podem ser derrotados por meios físicos. Subjugar uma nação ou povo destruindo sua infraestrutura e matando grande número deles, nem sempre derrota seu espírito, ou assegura que a paz será, permanentemente, conquistada. Que a Segunda Guerra Mundial resultou da vitória na Grande Guerra, “A Guerra Para Acabar Com Todas as Guerras”, deixa isto claro.

As Forças Armadas dos Estados Unidos gozam dos mais modernos e eficazes equipamentos no mundo. Nós temos uma tradição americana de trocar tesouro por sangue, confiando no equipamento na guerra para poupar as vidas de nossos soldados. Não há nada, inerentemente, errado com isto – mostra o valor que damos à vida humana, para poupar e salvar, tantos dos nossos soldados quanto possível, da morte e dos perigos do combate.

Mas o risco começa quando igualamos a eficácia de avançados sistemas de armas, dominando o inimigo no campo de batalha, com a obtenção da vitória. Vitória e paz duradouras, não podem ser obtidas com altos índices de mortes e contagem de corpos, apenas. A não ser que o objetivo seja, abertamente, o genocídio, e não a subjugação de uma nação. Em seu livro, “Street without Joy”, uma relato da guerra francesa na Indochina, Bernard Fall argumenta que o maior erro estratégico na guerra contra os comunistas vietnamitas, foi o conceito de que tecnologia pode derrotar ideologia. Por volta de 1952, 80 porcento do esforço militar francês na Indochina era subsidiado pelos Estados Unidos, sob Eisenhower. Os franceses gozavam de completa superioridade aérea e transporte pelo ar para o rápido desdobramento de seus batalhões de pára-quedistas de elite. Eles tinham tanques, meias-lagartas, carros blindados e viaturas de tranporte, enquanto o Viet Minh, não tinha, virtualmente, nada, exceto, bicicletas e um caminhão ocasional. Os franceses, até mesmo, tinham uma frota fluvial para patrulhar os rios. Mesmo assim, eles perderam. Seguindo-se outros oitos anos de intervenção militar no Vietnam, com um aumento de dez vezes, na quantidade de tropas, equipamentos, e eficácia bélica, os Estados Unidos perderam, também. O mesmo resultado ocorreu na Guerra da Coréia; na colônia francesa da Argélia e com os soviéticos no Afeganistão.

Apologistas justificam estas derrotas, normalmente, citando a falta de disposição do lado perdedor para exercitar a guerra total, ao utilizar todos os meios militares necessários para derrotar a oposição, incluindo o desdobramento de armas nucleares. Isto, com freqüência, é referido com o eufemismo, “todas as opções estão na mesa”.

O ponto que eles pecam, ao recomendarem a escalada de forças, é que isto leva a uma Caixa de Pandora, de conseqüências e resultados imprevisíveis. No caso das guerras da Coréia e do Vietnam, a escalada poderia ter levado a uma desastrosa guerra com a China. No Afeganistão e Argélia, isto levou a um ultraje de protestos em casa e no mundo, porque, enquanto os povos, em ambos estes países, que soviéticos e franceses buscavam subjujgar, podiam ser mortos, eles não podiam ser derrotados. E se você tiver de matar seu inimigo, até o último homem, mulher e criança, para vencer, isso não é mais uma guerra de conquista, mas de aniquilação. Guerras totais cortam dos dois lados, especialmente, quando os defensores estão dispostos a sacrificar tanto, quanto os invasores estão dispostos a fazer o que for preciso. Isto se torna um jogo de gato-e-rato, e a história tem, de há muito, provado que o país invadido, tem a vantagem doméstica. Avançada tecnologia militar é soberba para ganhar batalhas táticas convencionais, em curto prazo. Mas, se os defensores engajam em guerra total, com toda a cidadania do país, desejosa de trocar corpos e sangue, para embotar a dispendioso tecnologia, por tempo infinito. A tecnologia sai perdendo na troca.

Exércitos de ocupação nunca descansam. Eles dispendem tremenda quantidade de esforço para manter linhas de suprimento, projetar força, por meio de patrulhas e comboios, e manter a fachada de controle sobre os habitantes. Com o tempo, seu moral se degrada por combater e morrer numa terra estranha, contra pessoas que, freqüentemente, são consideradas subumanas, pelos soldados de ocupação, que se referem a elas com termos pejorativos, tais como “cabeças-de-pano”, “Hajis”, “Gooks”, “Slopes”, “Krauts” ou “Nips”. Esses soldados suspiram pelo dia quando irão ser mandados de volta para casa, abandonando a condenada zona de guerra para trás.

Para compensar a desvantagem numérica de enfrentar o inimigo em sua terra natal, os ocupantes confiam em superioridade tecnológica. Manter essas sofisticadas ferramentas, exige modernos exércitos mecanizados, que se tornam dependentes de estradas para suas linhas de suprimentos – linhas que estendem por centenas de milhares de quilômetros de terra e mar. Como uma metáfora visual, pense na extensão da haste de uma lança, comparada com a ponta desta. A haste representa a proporção no tamanho do suprimento necessário para a ponta da lança ser eficaz. O custo e o esforço de manter essas linhas de suprimento, é enorme. É preciso mais gasolina para transportar a gasolina que, realmente, é utilizada em campanha. As linhas de suprimento podem prender quase tantos soldados, para guardar as bases e patrulhar as linhas, quanto os soldados que, realmente, travam a luta.

Um familiar clichê militar diz: “Amadores falam de tática, profissionais falam de logística.” Um exemplo perfeito da importância da logística e dos suprimentos ocorreu, recentemente, para as forças da OTAN, no Afeganistão. Em resposta a uma violação de sua soberania, o Paquistão ameaçou cortar as linhas de suprimento para as forças da OTAN, no Afeganistão.

”The International News - Numa importante ocorrência, o governo federal, na sexta-feira, anunciou a interrupção das linhas de suprimento das forças aliadas, no Afeganistão, através do Paquistão, numa aparente reação a um ataque terrestre contra a aldeia de fronteira, na agência do Waziristão do Sul, por forças da OTAN.

Autoridades políticas na Agência Khyber, afirmaram terem recebido diretivas verbais para, imediatamente, deter o transporte de todo tipo de bens, destinados às forças da OTAN, lideradas pelos EUA, no Afeganistão, por tempo indefinido”.


Mesmo estando equipada com drones “Predator”, visores noturnos, blindagens corporais, sistemas de comunicação computadorizados, sofisticados apoios de artilharia, blindados e aéreos, nada gela mais a espinha de uma força militar do que ser isolada de seu cordão umbilical de suprimentos, em país hostil. Foi desta maneira que o 6º Exército alemão, em Stalingrado, os russos nos mottis (bolsões) finlandeses, e os franceses em Dien Bien Phu, todos, encontraram seus fins. Equipamento militar no estado da arte se torna lixo inútil, sem combustível, munição e sobressalentes, para mantê-los nas duras condições da guerra. Para não mencionar que um exército marcha sobre seu estômago, e necessita de alimento e suprimentos médicos, também.

Isso não é nada novo sob o sol. Os antigos israelitas, foram, uma vez, intimidados por seus inimigos, os cananeus e os filisteus, que movimentavam-se sobre charretes de ferro. Apesar de toda a avançada tecnologia militar que seus inimigos possuíam, o Senhor disse à Israel:

”mas terás uma montanha; é verdade que é uma floresta, porém, tu a desmamtarás e os seus limites te pertencerão. Além disso, expulsarás os cananeus, não obstante possuam carros de ferro e sejam fortes. (Josué, 17:18)”


Em uma épica batalha, 900 das temíveis charretes de ferro atolaram na lama, após uma repentina tempestade, vinda da divina providência, provocou a cheia de um rio próximo, inundando as planícies. Os israelitas, liderados pelos insurgentes Barak e Débora, derrotaram sua nêmesis, Sisera, e seu imobilizado exército de charretes. Em outro exemplo bíblico de baixa tecnologia batendo alta tecnologia, nós temos o jovem Davi - um simples menino, com uma funda de pastor, declinando de usar a armadura de Saul -, derrotando um oponente superior, equipado com o melhor equipamento militar na época.

A fé em tecnologia militar leva a uma perigosa miopia. Ela substitui ética e sólida estratégia por vantagens e conveniências táticas de curto-prazo, que irão vencer batalhas, mas não a guerra. Um sofisticado míssil de um milhão de dólares pode ter capacidade de “dispare-e-esqueça”, mas os familiares e amigos dos inocentes que ele mata, nunca irão esquecer quem o disparou. Os assim chamados “sistemas de armas inteligentes”, não são inteligentes o bastante para discernir a diferença entre um terrorista portando um AK e uma mulher carregando um bebê, antes do impacto final. Portanto, tecnologia impessoal cria novos inimigos a partir da morte de outros – e um ciclo de guerra que se auto-perpetua.

O crescente custo da tecnologia militar irá quebrar a capacidade financeira de nosso país de lutar, tanto como as baixas de soldados quebram nossos corações e moral. A União Soviética foi à falência tentando disputar com os EUA durante a corrida armamentista da Guerra Fria. Graças à vantagem tecnológica que nós mantemos, os insurgentes no Iraque e Afeganistão, sofrem mais perdas de combate em proporção aos nossos soldados, mas, em troca por elevadas contagens de corpos, eles tem sucesso em exaurir nossa economia, que mantém um dispendioso exército tecnológico. O que os terroristas não podem fazer, fisicamente, atacando propriedades e vidas americanas em solo dos Estados Unidos, eles estão fazendo, ao provocarem nossa ruína financeira, ao nos atraírem para esvaziar nosso tesouro nacional e entrar em débito com bancos estrangeiros, num esforço para produzir “armas-maravilha” que derrotem os insurgentes. Essa mesma falsa esperança de salvação, por meio de tecnologia, levou os alemães a acreditarem que poderiam virar a mesa, no final da Segunda Guerra, contra o avanço aliado. Ao invés, ela prolongou uma guerra perdida, levando ao Götterdämmerung, que deixou o país deles em cinzas. Nós precisamos parar de ficar apaixonados por nossos “terrores tecnológicos”, como salvadores da nação. A tecnologia militar é uma espada de dois gumes, sangrando nosso modo de vida, nossa liberdade e nossas almas, tanto como sangra os inimigos, contra os quais, nós a empregamos.




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Re: Reflexões sobre a Guerra e os Militares

#36 Mensagem por Clermont » Seg Dez 08, 2008 11:48 am

O PLANO DE GATES PARA CONSERTAR O PENTÁGONO.

Por Fred Kaplan – 5 de dezembro de 2008.

É inusitado para um funcionário de gabinete declarar uma agenda precisa ou definir os padrões pelos quais seu desempenho deva ser julgado, antes que o presidente tenha, até mesmo, sido empossado. Mas isto é, exatamente, o que o atual e futuro Secretário de Defesa, Robert Gates, acabou de fazer, com um artigo no próximo número da Foreign Affairs.

Gates, provavelmente, não planejou isso, quando escreveu o artigo, que foi baseado num discurso pronunciado na Universidade de Defesa Nacional, em setembro, antes que a eleição tivesse ocorrido.

Mesmo assim, o artigo, intitulado “Uma Estratégia Equilibrada: Reprogramando o Pentágono para uma Nova Era,” incita seu sucessor no Pentágono a tomar ações particulares. Agora, que ele deverá ser o seu sucessor, poderemos observar o quão aproximadamente ele seguirá seu conselho.

Seu primeiro teste virá no início de fevereiro, quando ele submeterá o orçamento do Departamento de Defesa para o ano fiscal de 2010. Muito de seu artigo lida com as maneiras de reestruturar este orçamento. Tivesse Obama escolhido alguém mais, como secretário de defesa, teríamos de aguardar outro ano por sinais de mudança, mas Gates tem estado no leme, já há dois anos: ele sabe o que deseja fazer, sabe como conseguir (ele já fez um pouco, até agora), e conhece os obstáculos que restam. Se ele estiver inclinado a mergulhar fundo, irá fazê-lo desde o início, enquanto a lua-de-mel de Obama ainda continua e o clima para mudanças é forte.

O principal ponto do artigo é que, dados recursos limitados, as Forças Armadas precisam alterar suas prioridades, afastando-se das armas de alta-tecnologia “barrocas” desenhadas para ameaças do futuro distante (ou resquícios das premissas da Guerra Fria) e na direção de armas de baixo-custo que são eficientes para as guerras que estamos travando, agora, e iremos travar no futuro previsível.

Gates concede que deve haver um equilíbrio entre estes dois objetivos, mas observa que não há, atualmente, nenhum grupo de apoio, no Pentágono ou alhures, para estes últimos tipos de armas. Ele relembra que foi necessário buscar fora do processo burocrático para construir e desdobrar, rapidamente, a viatura blindada de transporte de tropas MRAP – que fornece muito maior proteção contra bombas de estrada no Iraque – ou para fazer uso mais efetivo dos drones porta-câmeras, como o “Predator”, para localização de insurgente. (Não é dito que foi ele quem empurrou esses programas, goela abaixo, das burocracias resistentes do Exército e da Força Aérea.)

Mais amplamente, ele escreve que há limites para o poder militar dos Estados Unidos e que o Pentágono deve devotar mais recursos e atenção – e promover mais de seus oficiais – para treinar, aconselhar e equipar as forças de segurança dos aliados, antes do que travar, nós mesmos, o grosso da luta.

Em resumo, Gates pede por uma dramática mudança na “estrutura de recompensas” do Pentágono – “os sinais enviados sobre o quê receberá os fundos, quem será promovido – e como o pessoal será treinado.”

Portanto, quais mudanças Gates irá fazer, daqui há dois meses, no orçamento de defesa FY 2010,que irão indicar, para as Forças Armadas, o Congresso e o público, que está fazendo aquilo que ele disse que o próximo secretário deveria fazer?

Cancelar ou cortar, fortemente, os caças “stealth” F-22 e F-35. Um ano atrás, Gates causou celeuma ao paralisar o programa F-22 no seu nível atual de 187 aviões, metade do que a Força Aérea queria. Ele deve se ater a esta decisão. Ele pode conseguir o apoio do seu novo chefe do estado-maior da Força Aérea, general Norton Schwartz, cuja formação de origem não foi nos aviões de caça, mas no transporte aéreo: isto é, nos aviões que transportam tropas terrestres e suas armas para o campo de batalha.

Praticamente falando, o Exército, Força Aérea e Marinha tem de ter uma parcela, aproximadamente igual do orçamento, de outro modo irá ser o diabo. Portanto, cortem, também, alguma coisa no orçamento da Marinha (em seu artigo, Gates diz que a esquadra, mesmo em seu estado reduzido, é maior do que aquela das próximas 13 marinhas combinadas, e 11 destas, aliadas). Coloquem a Força Aérea dentro de outras missões, além do combate ar-ar (para o qual, atualmente, não há ameaça nenhuma); construam mais aviões cargueiros C-17 (a especialidade de Schwartz); comecem a desenvolver um novo bombardeiro (para lançar cargas de “bombas inteligentes” com muita precisão); tragam de volta o avião de ataque A-10.

Formem um corpo de conselheiros do Exército e dos Fuzileiros Navais para adestrar militares que dêem assistência à exércitos estrangeiros. Uns poucos anos atrás, o tenente-coronel John Nagl, um dos mais criativos oficiais do Exército, foi encarregado de uma unidade que fazia, exatamente, isto, mas Nagl, recentemente, deixou as Forças Armadas, em parte, porque os chefões não estavam levando à sério sua unidade, nem sua missão. Gates ficou desgostoso quando Nagl saiu. Em alguns poucos discursos (e no artigo da Foreign Affairs), ele falou, com admiração, de “alguns coronéis dissidentes” fazendo as perguntas corretas; Nagl é um dos coronéis que ele tinha em mente. Portanto, ofereçam a Nagl um serviço no Pentágono para organizar um corpo de conselheiros em nível elevado.

Peçam ao Congresso para suspender o sistema de promoções de tempo de paz no qual capitães e coronéis talentosos são forçados a aguardar muitos anos para obter postos de comando que merecem, e poderiam liderar, agora. (Estamos travando duas guerras, certo? Não temos um serviço militar obrigatório de tempo de guerra e, provavelmente, não iremos ter um, por boas razões. Mas, ao menos, vamos ter um sistema de promoção militar de tempo de guerra). Ano passado, Gates trouxe o general David Petraeus do Iraque para chefiar o comitê de promoções do Exército – precisamente para que um número de coronéis, altamente criativos, que haviam sido ultrapassados antes, pudesse, por fim, avançar ao posto de brigadeiro-general. O truque deu certo. Agora, ele devia ser sistemático sobre isso.

Irá Gates seguir estes passos? Umas poucas horas após o presidente eleito Obama anunciar que Gates iria permanecer como secretário de defesa, este deu uma entrevista ao Aviation Week, na qual dizia que iria focalizar na limpeza do sistema de procuração de armas. Minha opinião é que Obama disse que iria apoiá-lo nisto – não porque eu tenha uma informação lá de dentro (eu não tenho), mas porque duvido de que Gates, que estava desesperado para sair de Washington e se aposentar na sua casa à beira do lago, no Noroeste do Pacífico, praticamente, desde que chegou ao Pentágono, iria concordar em ficar sem o apoio de Obama.

Como tem sido, freqüentemente, relatado, Gates é um patriota da velha escola, mas isto não quer dizer que ele irá fazer qualquer coisa que o presidente lhe peça. Um ano antes de ele substituir Donald Rumsfeld como secretário de defesa, Gates declinou de um apelo de George W. Bush para se tornar o novo diretor de inteligência nacional, porque ele não iria ter permissão para contratar ou demitir qualquer um – isto é, porque ele percebeu que o trabalho não envolvia poder real. Em seus dois anos sob o presidente Bush, Gates tem usado seu poder, principalmente, para limpar a bagunça que Rumsfeld deixou para trás – a desmoralização dos Chefes Combinados, a desconfiança contra o Capitólio, a disfuncionalidade do Conselho de Segurança Nacioanl. Talvez, sob o presidente Obama, Gates vá ter o poder para concretizar as mudanças sobre as quais, até agora, ele apenas falou.




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Re: Reflexões sobre a Guerra e os Militares

#37 Mensagem por Clermont » Qui Out 08, 2009 6:10 pm

INSUBORDINAÇÃO? – o general McChrystal deve parar de falar em público sobre a estratégia da guerra afegã?

Por Fred Kaplan – 6 de outubro de 2009.

O general Stanley McChrystal, comandante dos Estados Unidos no Afeganistão, anunciou os trovões de uma tempestade política, semana passada, ao declarar, publicamente, durante um discurso em Londres, que uma estratégia mais limitada do que aquela que ele estava propondo, levaria ao fracasso na guerra contra o Taliban.

Estaria McChrystal exercitando seu direito à livre expressão, e sua obrigação de emitir um honesto julgamento militar – ou estaria ele, rompendo a cadeia de comando e o princípio constitucional do controle civil sobre as Forças Armadas?

A discussão sobre seu discurso, também, invocou, as memórias de seis generais reformados que, publicamente, criticaram o secretário da defesa do presidente George W. Bush, Donald Rumsfeld, na primavera de 2006, por suas decisões na guerra iraquiana – especialmente, sua falha em enviar tropa suficiente para derrubar Saddam Hussein e impor a ordem após isto.

Alguns saudaram os generais reformados como heróis; outros os criticaram por não oferecer uma resistência mais dura contra Rumsfeld, enquanto ainda estavam na ativa e, portanto, em posição de influenciar – ou por não terem se exonerado, em protesto, e falado em público, antes que a guerra seguisse seu curso.

Estaria McChrystal, simplesmente, fazendo o que alguns dos generais da era iraquiana, desejariam ter feito antes? Ou, haverá importantes distinções a serem feitas?

McChrystal pronunciou seu discurso, logo após o Washington Post publicar uma cópia vazada de seu memorando de 66 páginas, para o presidente Barack Obama, no qual ele recomenda a adopção de uma estratégia completa de contra-insurgência, que exigiria, entre outras coisas, um longo empenho e muitos mais soldados dos Estados Unidos – e salientando que o fracasso em fornecer soldados suficientes, resultaria em derrota. (Embora o memorando não cite números, McChrystal, reportadamente, apela para que Obama mande outros 40 mil soldados, para reforçar os 60 mil já existentes lá.)

O vazamento e o discurso, chegaram na onda do anúncio, pelo presidente Obama, de que está reavaliando a estratégia total para a guerra afegã, incluindo opções que poderão implicar num aumento menor de tropas do que McChrystal está sugerindo, ou talvez, aumento nenhum, afinal de contas. Uma revisão estratégica de todas as opções estava, e ainda está, em andamento, com Obama consultando seus principais conselheiros militares e civis.

Deve ser notado que McChrystal fez o controverso comentário durante o período de perguntas e respostas, não no texto do discurso, propriamente dito (que havia sido aprovado em níveis mais elevados). Não é de todo claro – de fato, antes é muito duvidoso – de que, quanto a este ponto, de qualquer forma, McChrystal seja um dissidente de consciência.

Porém, o momento-chave veio quando alguém, na audiência, perguntou-lhe se uma estratégia de contra-terrorismo de desescalada, funcionaria no Afeganistão – uma estratégia, meramente, de caçar e abater os combatentes Taliban, antes do que uma estratégia de contra-insurgência, que enfocaria na proteção da população afegã. McChrystal declarou: “A resposta curta é: não.”

Ele não mencionou quaisquer autoridades, mas é bem-conhecido que o vice-presidente Joe Biden, tem pressionados por uma tal estratégia de desescalada, e que esta opção, entre outras, tem sido discutida nas sessões de revisão estratégica de Obama.

Como sinal do quão seriamente esta brecha na cadeia de comando está sendo levada, o secretário da defesa Robert Gates, disse, na segunda-feira, no meio de uma, de outra forma, rotineira declaração para a Associação do Exército dos Estados Unidos:

É imperativo que todos nós, tomando parte nestas deliberações – civis e militares da mesma forma – forneçamos nosso melhor conselho para o presidente, francamente, mas em particular. E, falando pelo Departamento de Defesa, uma vez que o comandante-chefe tome suas decisões, nós prestaremos continência e executaremos estas decisões, lealmente, e com o melhor de nossas capacidades.


(O porta-voz de Gates, Geoff Morrel, mais tarde, disse que o comentário não visava McChrystal, especificamente, mas a mensagem foi clara.)

Alguns oficiais ou autoridades, estão, claramente, tentando pressionar Obama para enviar mais tropas. (Esta foi, quase certamente, a intenção pode detrás do vazamento do memorando de McChrystal.) Se Obama rejeitar este conselho, que opções eles terão diante de si?)

Dois princípios são martelados nas mentes e reflexos de todo oficial das Forças Armadas americanas, e, em certos momentos, eles colidem e irradiam tensão. Ambos são derivados da premissa do controle dos civis sobre os militares, uma premissa levada muito à sério por todo mundo.

O primeiro princípio é a obrigação de prover estes civis, tomadores de decisões, de aconselhamento militar, sem verniz.

O segundo é a exigência, sacramentada no Código Uniforme de Justiça Militar, de que todo o pessoal militar obedeça “ordens legais”. De fato, é um crime, punível com corte-marcial, não obedecer. O qualificador – “ordens legais” – é importante: ele previne a defesa nazista de crimes de guerra, e é uma forma legítima para soldados de consciência, que não querem tomar parte em atrocidades, como My Lai ou sessões de tortura, como Abu Ghraib.

O que deve fazer um oficial se as autoridades civis rejeitam seu aconselhamento, e, então, emitem ordens que sejam legais, mas, na opinião profissional do oficial, imprudentes ou prejudiciais à segurança nacional?

Há três tipos de discordância, levantando três questões separadas.

Primeiro, pela avaliação de todo mundo, estando certo ou errado, um oficial das Forças Armadas não tem nada que falar em público, a respeito de questões mais amplas de política, enquanto uma revisão presidencial desta política esteja em andamento. Quando o general McChrystal foi perguntado sobre a questão, em Londres, ele deveria se abster de ter respondido.

Segundo, se, depois da revisão, o presidente Obama decidir perseguir uma estratégia menos ambiciosa do que a contra-insurgência, e, caso seus conselheiros calculem que esta estratégia alternativa não requer tantas tropas, então, o papel do general é prestar continência e levar à cabo a estratégia, o melhor que for capaz. Há razões pelas quais Obama pode tomar tal decisão (a impossibilidade de manter um regime que o povo afegão considera como ilegítimo; um cálculo de que os custos de uma contra-insurgência são altos demais e a chance de sucesso, pequena demais; uma conclusão de que a derrota do Taliban no Afeganistão não impedirá a al-Qaida de atuar, alhures). Talvez, sejam boas razões, talvez sejam ruins; o ponto é, esta é uma decisão para presidentes, não para generais.

Mas, o terceiro tipo de questão, é mais delicado. Se Obama decidir ir atrás de uma estratégia total de contra-insurgência, mas, enviar muito menos tropa do que McChrystal considerar necessário para obter sucesso, então, o general e outros oficiais superiores que concordam com ele, estarão numa situação difícil. Isto será análogo à posição dos generais em 2002-2003, que aconselharam Rumsfeld de que ele estava enviando muito pouca tropa para o Iraque; o questionamento deles não se tratava da missão (uma decisão política), mas, antes, sobre os meios para cumpri-la (uma questão de julgamento militar profissional).

A maioria dos oficiais leu Dereliction of Duty, um livro de 1997, pelo então major (agora brigadeiro-general) H. R. McMaster, que argumenta que os Chefes Combinados de Estado-Maior fugiram de suas responsabilidades durante a Guerra do Vietnam, por não reagirem contras as políticas equivocadas do presidente Lyndon Johnson e do secretário de defesa Robert McNamara. Quando os chefes dobraram-se sob a pressão de Rumsfeld, na preparação para a Guerra do Iraque, muitos oficiais modernos admiraram-se de que seus superiores tenham ignorado as lições de McMaster.

Uma crise de consciência criou raízes em alguns círculos do Exército, com oficiais perguntando-se o que teriam feito no lugar dos chefes, e o que devem fazer se, algum dia, se encontrarem na mesma posição.

Em julho de 2007, dois coronéis reformados, Leonard Wong e Douglas Lovelace, escreveram um artigo lidando com esta questão, no boletim do Instituto de Estudos Estratégicos da Escola de Guerra do Exército. Intitulado “Knowing When To Salute”, ele estabeleceu nove opções, exceto a desobediência, que um oficial superior pode seguir, quando os líderes políticos resistem ao aconselhamento militar – incluindo, requisitar transferência; pedir reforma antecipada; testemunhar perante o Congresso, e, se tudo o mais falhar, exonerar-se.

À propósito, há uma enorme distinção entre reformar-se e exonerar-se. Quando oficiais se reformam [retire], eles o fazem com plenos benefícios, plano de saúde, e permanência continuada na fraternidade do Corpo de Oficiais – e plena obediência ao código de justiça militar. Quando eles se exoneram [resign], eles estão livres das restrições deste código – mas, também, abrem mão de todos os benefícios. Em parte, por esta razão, nenhum oficial-general dos Estados Unidos se exonerou, em mais de 40 anos.

Nem todo oficial concorda com todas as nove opções de Wong e Lovelace. Alguns traçam uma linha entre disputas que envolvam política e aquelas que envolvam tática e estratégia militares. Alguns observam que a linha entre política e estratégia, é tênue, e se perguntam, onde traça-la. Em parte por esta razão, alguns oficiais acreditam que não devem, publicamente criticar as políticas de um presidente, sob nenhuma circunstância.

Uma diferença entre as administrações de Bush e Obama, é que, quando Rumsfeld administrava o Pentágono, quase toda espécie de dissensão era desencorajada e, em alguns casos, punida. Pelo menos, a revisão estratégica de Obama está ouvindo todas os pontos-de-vista. Este fato, somente, pode aliviar a frustração daqueles que discordem da decisão que ele está atingindo.

Enquanto isto, o pronunciamento público de McChrystal e a reprimenda indireta de Gates, de forma nenhuma se aproximam de uma crise constitucional. Mas, elas fornecem uma indicação dos tipos de tensões que a guerra pode despertar e que Obama e Gates terão de debelar.




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Re: Reflexões sobre a Guerra e os Militares

#38 Mensagem por Clermont » Dom Out 11, 2009 4:11 pm

SABENDO QUANDO PRESTAR CONTINÊNCIA.

Leonard Wong e Douglas Lovelace – Instituto de Estudos Estratégicos / Escola de Guerra do Exército dos Estados Unidos.

Outra manhã dessas, cerca de 100 coronéis e um punhado de civis reuniram-se para nossa foto anual do estado-maior e da faculdade da Escola de Guerra do Exército. Estávamos dispostos nos degraus externos de um dos muitos edifícios históricos na guarnição e perante o mastro da bandeira, que domina o campus inteiro. Ao contrário de outras guarnições do Exército, a bandeira na Escola de Guerra é iluminada, dia e noite, tremulando continuamente – eliminando-se a necessidade de praças (que são raros na Escola) para hastear e arriar a bandeira, durante as cerimônias diárias de alvorada e recolher.

Enquanto o fotógrafo dava as instruções finais sobre posicionamento, para a turma, as notas agudas de um toque de corneta varavam o ar. A Escola de Guerra do Exército, como outras guarnições militares, regula o ritmo da vida militar com toques de corneta gravados. Neste caso, o toque era o de Recolher, que sinaliza o fim das atividades do dia. Isto era estranho, pois ainda nem eram oito da manhã. O sistema automatizado de toques de corneta estava funcionando de forma errática, na semana anterior, portanto, isto parecia ser outro defeito. O toque de Recolher foi seguido, imediatamente, pelo de Em Continência à Bandeira, que é executado quando a bandeira é arriada, ao fim do dia.

Neste ponto, algo interessante ocorreu. Alguém, próximo aos degraus, chamou o grupo à atenção. A conversinha cessou. Após uma pausa, o comando “Apresentar Armas!” seguiu-se. Com isto, 100 oficiais superiores ergueram seus braços em continência. Não importava que a bandeira na Escola de Guerra nunca fosse arriada, ou que ainda não fosse o término do dia, ou, mesmo, que o sistema automatizado de cornetas não estivesse funcionando, apropriadamente, por mais de uma semana. Ao invés disso, nós todos ficamos lá, num silêncio desconfortável, desajeitado. Sem dúvida, uns poucos oficiais não prestaram continência, mas nem uma só alma (nós, incluídos) pensou em apontar o fato de que estávamos indo pela trilha errada. No meio do toque de corneta, as notas de Em Continência à Bandeira, pararam. Houve uma coletiva risadinha embaraçada, braços erguidos em continência, caíram, e retomamos a sessão de fotos.

Embora muitos de nós, tenham preferido esquecer o incidente inteiro, ele levanta algumas questões interessantes sobre a cultura militar. Por quê tantos oficiais superiores, silenciosamente, prestaram continência, quando tantos indicadores estavam sinalizando para uma decisão falha? Por quê ninguém falou em desafio da decisão, ou, pelo menos, para informar o grupo dos fatos relevantes, envolvidos na situação, que poderiam ter levado a um julgamento diferente?

Há vários aspectos da cultura militar que podem ajudar a explicar esta tendência rumo a quieta obediência. Primeiro, prestar continência, sem questionamentos, exemplifica a atitude militar “Nós Podemos” que pode transformar num otimista, mesmo o mais céptico negativista. Muitos oficiais relembraram que, embora soubessem das muitas razões para não prestar continência, sempre havia a mais ínfima das possibilidades de que houvesse alguma coisa que eles não sabiam – talvez, aquele dia fosse diferente, talvez houvessem fatores envolvidos na tomada de decisão que não fossem do conhecimento deles. Em qualquer caso, a solução era prestar continência e tirar o melhor disto.

Segundo, a cultura militar se curva à autoridade. Quando alguém assume e dá uma ordem, a reação militar natural é apoiar a decisão. O adágio de “Lidere, Siga, ou Saia do Caminho!” deixa pouca margem para discussão ou debate sobre a solidez da decisão. Militares adoram firmeza, portanto, o foco está em executar, não em construir um consenso.

Por conseqüência, a resposta militar instintiva a uma decisão – mesmo quando há dúvidas sobre a exatidão desta decisão – não é discutir os méritos desta, mas curvar-se à autoridade, prestar continência e, então, tirar o melhor da situação. Naturalmente, a reticência de oficiais superiores, em meio a uma questionável tomada de decisão não está restrita às sessões de fotos na Escola de Guerra.

No último abril, um punhado de generais do Exército e dos Fuzileiros Navais, recentemente reformados, criou comoção, quando, publicamente, criticaram o método da nação para a guerra no Iraque. Embora suas críticas ao secretário de defesa e suas estratégia de guerra, rendessem a maior parte da atenção do público, foi digno de nota que parte da mensagem dos generais fosse apelar para os líderes militares superiores, ainda na ativa, para se pronunciarem. Por exemplo, o tenente-general fuzileiro naval (reformado) Greg Newbold salientou:

Eu ofereço um desafio para estes ainda em uniforme: a responsabilidade de um líder é dar voz a estes que não podem – ou não tem a oportunidade para – falar... É tempo para os líderes militares superiores descartarem a cautela em expressar seus pontos de vista e assegurar que o presidente os ouça, claramente.


O major-general do Exército (reformado) John Batiste, ecoou o chamado e disse,

”Penso que os princípios de guerra são fundamentais, e nós os violamos ao nosso próprio custo. E os líderes militares de todas as patentes, particularmente, os superiores, tem uma obrigação, numa democracia, de dizer algo sobre isto.”


A ironia de generais, seguramente, abrigados na reforma, apelando para seus pares da ativa, para se pronunciar, ilumina o grau no qual os oficiais das Forças Armadas – em particular, os oficiais-generais – tem reservas sobre expor suas idéias sobre questionáveis tomadas de decisão. Cínicos são rápidos em proclamar que a causa desta relutância é deslavado carreirismo. De acordo com esta linha de pensamento, as fileiras do oficialato superior estão cheias de arrivistas em busca de posição, que farão qualquer coisa para manter suas estrelas. Embora o ar rarefeito da cultura dos oficiais-generais possa ser intoxicante e sutis pressões dos amigos e família para conseguir mais uma estrela sejam palpáveis para muitos generais de duas ou três estrelas, na “bica”, há muitos outros oficiais-generais sem nada para perder, no final de carreiras já plenamente bem-sucedidas, para fazer do carreirismo a razão principal pela qual os líderes superiores estão relutantes para debater política, publicamente.

Outra razão, com freqüência citada, para os líderes militares superiores permanecerem em silêncio, é que o ex-secretário de defesa, de propósito ou não, criou um corpo de oficiais-generais, obediente, submisso. Proponentes desta perspectiva afirmam que o secretário suprimiu a franqueza dentro das fileiras superiores dos oficiais, através do envolvimento pessoal na aprovação das ações pessoais de oficiais-generais, e a percebida desconsideração no tratamento de oficiais que contrariassem as posições do Escritório do Secretário da Defesa, tais como o general Eric Shinseki. Com mais de 300 oficiais-generais, somente no Exército, entretanto, pode-se questionar se pretenso efeito intimidatório teria permeado o corpo de oficiais-generais inteiro.

Ouve-se, com freqüência, outra razão para os oficiais superiores não fornecerem aconselhamento contestador para a liderança civil. Tradicionalmente, os oficiais superiores tem considerado como necessário, distanciarem-se da política. Eles oferecem duas razões para esta crença: (1) os militares precisam permanecer acima da política, se pretendem manter sua posição de prestígio dentro da sociedade mais ampla e (2), as Forças Armadas dos Estados Unidos precisam ser capazes de apoiarem, igualmente, as políticas de qualquer administração, independente de partido político. Ironicamente, a primeira razão procede da suposição de que a política – o sangue vital de uma democracia liberal – é algo de ruim, ou, pelo menos, abaixo da dignidade de um militar profissional, devendo ser afastada. A segunda razão é, simplesmente, sem sentido. As Forças Armadas dos Estados Unidos servem à política da administração no cargo. As nomeações presidenciais e a confirmação pelo Senado de oficiais superiores são atos políticos. A participação de oficiais superiores na formulação de política é um ato político. E, quando um oficial superior lida com o público, por meio da mídia, para apoiar e reforçar a posição política de uma administração, isto é, inerentemente, um ato político.

Ao invés de carreirismo, submissão patológica, ou noções apolíticas constituindo-se na raiz da relutância dos oficiais superiores para se pronunciarem, as mais prováveis razões são as mesmas que compeliram 100 coronéis da Escola de Guerra do Exército a prestar continência contra seu melhor julgamento – uma prevalecente atitude “Nós Podemos” e uma duradoura deferência à autoridade. Nos níveis estratégicos das Forças Armadas, entretanto, a deferência à autoridade muda de ceder a qualquer um que assuma para um profundamente enraizado senso de lealdade que encoraja aquiescência às autoridades civis nomeadas sobre as Forças Armadas.

A inquestionável aceitação do conceito de controle civil sobre as Forças Armadas desenvolve-se cedo na carreira dos oficiais. Como cadetes, lhes é ensinado que os militares profissionais estão obrigados a prestar sua opinião especializada para seus superiores civis. Após seu aconselhamento especializado ter sido dado, entretanto, os oficiais são preparados para acreditarem que estão presos por juramento a executar decisões civis dentro da lei, tão eficientemente quanto possível, ou devem solicitar afastamento de seus deveres, ou abandonar o serviço inteiramente, seja pela demissão ou reforma.

Interessantemente, como a maioria dos oficiais nunca entra em contato com um superior civil nomeado, e, ao invés, interage com uma cadeia de comando militar, de muito afastada do debate político, o conceito de controle civil torna-se um ideal acadêmico abstrato, ao invés de uma realidade profissional. Estudos de casos de personagens quase míticos, tais como o general Douglas MacArthur ou o general George C. Marshall, chocando-se contra políticas presidenciais, reforçam a crença de que o controle civil das Forças Armadas trata-se de uma escolha entre a obediência ou lançar-se sobre a própria espada, por meio da demissão ou da reforma.

Na realidade, a escolha está sujeita a debate. Para oficiais-generais, demitir-se envolve abrir mão de tudo que é importante para um militar – patente, benefícios militares, pensão, e o mais importante, a qualidade de membro da profissão. Demitir-se é uma tão drástica medida que já se passaram mais de 40 anos, desde que um oficial-general demitiu-se do Exército (e ele, mais tarde, requisitou readmissão). A reforma, por outro lado, é inevitável e ubíqua nas fileiras superiores. Qualquer um servindo, pelo menos 20 anos, eventualmente, se reforma.

Como resultado, quando confrontados com uma formulação política falha, há uma tendência para contemplar o controle civil sobre as Forças Armadas em termos de três opções muito simples: (1) executar, em silêncio, a política, (2) demitir-se – o que não tem acontecido na história recente, ou (3) reformar-se – o que todo mundo, eventualmente, faz, de qualquer maneira. A noção romantizada de lançar-se sobre sua própria espada é substituída pela dura realidade de que velhos soldados não morrem; eles, realmente, apenas desaparecem (embora, alguns possam esperar reaparecer na posição de reformados, como comentaristas da televisão). Se a demissão não é uma opção viável, exceto, talvez, na mais extraordinária das circunstâncias, e a simples reforma é, relativamente, ineficaz, o que podem os oficiais superiores fazer, para assegurar que, de modo eficaz, forneçam o melhor aconselhamento militar possível?

Com um forte espírito “Nós Podemos” e uma entranhada, ainda que simplista, noção de controle civil sobre as Forças Armadas, não é surpreendente que os líderes superiores da profissão militar não estejam inclinados a compartilhar seus pontos de vista, publicamente. Mesmo assim, o militar profissional negligencia sua responsabilidade para com a nação, ao proclamar que sua única obrigação é prestar aconselhamento militar quando requisitado, e, de outro modo, executar o que sabe ser uma política falha. Certamente, a obrigação para fornecer aconselhamento militar às autoridades civis, logicamente, implica na obrigação de assim proceder, efetivamente.

A solução não é desconsiderar as diretrizes das autoridades civis. O militar profissional, sempre, executará, da forma mais eficiente possível, a ordem que for emitida. A solução repousa na compreensão de que alternativas existem, além da aquiescência, demissão, ou reforma. A figura 1 ilustra algumas das opções disponíveis para os líderes militares superiores, quando confrontados com a formulação de política que, em suas opiniões profissionais, eles acreditam ser falhas. O eixo vertical é o grau em que as autoridades civis resistem ao aconselhamento militar. O eixo horizontal lida com a extensão da ameaça para a segurança nacional, envolvida na política.

Naturalmente, a determinação do grau da resistência ao aconselhamento militar e a extensão em que a política em questão irá ameaçar a segurança nacional é subjetiva. A intenção da figura não é descrever, precisamente, ações definitivas em variadas situações. A figura tenciona, simplesmente, introduzir opões para oficiais superiores, outras que apenas executar, demitir-se ou reformar-se, quando confrontados com más formulações políticas. Apenas a consciência de um oficial superior determinará a ação apropriada. Deve ser observado que a intenção é de que as opções apresentadas sejam consideradas antes de uma diretriz ser emitida. Uma vez que a decisão seja alcançada, oficiais superiores – como todos os outros oficiais – estão obrigados a executar. Isto não quer dizer, entretanto, que oficiais superiores não possam perseguir uma ou mais das opções para buscar a modificação da decisão, à luz do desdobramento dos eventos.

Imagem

Os quadrantes de baixo representam o conflito entre os principais líderes militares e seus superiores civis, quando a resistência ao aconselhamento militar é, normalmente, mínimo. No quadrante esquerdo de baixo, a política deficiente resultará numa ameaça, relativamente menor, para a segurança nacional e, assim, as opções disponíveis incluem, quieta aquiescência à política ou, talvez, a tentativa de obter um compromisso. No quadrante direito de baixo, como as implicações políticas terão um impacto maior sobre a segurança nacional, o papel da liderança superior militar é continuar educando os nomeados civis através de uma interação na tomada de decisões.

Os quadrantes elevados representam um relacionamento civil-militar caracterizado por freqüente resistência ao aconselhamento militar. No quadrante esquerdo de cima, a política deficiente terá impacto menor sobre a segurança nacional. Neste caso, as opções para os líderes superiores militares que compreendem que seu aconselhamento militar não será levado em conta, incluem solicitar transferência, ou reforma. A mensagem enviada estas opções é, em essência, “Eu não quero tomar parte nesta decisão.”

O quadrante superior direito preocupa-se com aquelas raras ocasiões quando o aconselhamento militar está sendo desconsiderado, e os riscos para a segurança nacional são extremos. Observe que a reforma não deve ser uma opção quando a ameaça para a segurança nacional é alta. Reformar-se remove o oficial de uma posição de influência, durante um momento crítico para a nação. Pode ser satisfatório, pessoalmente, largar os aspectos desagradáveis da batalha política, mas isto ignora a responsabilidade, para com a nação e a profissão, de se fazer o que é certo.

Juntos, os quatro quadrantes servem para elevar o nível da discussão sobre o tópico do controle civil sobre as Forças Armadas, além das noções simplistas de permanecer acima da política e “bater continência e executar” uma vez que a decisão tenha sido tomada. Como uma área de discussão, o controle civil está aninhado dentro de um corpo mais amplo de relações civil-militares. Infelizmente, o diálogo nacional das relações civil-militares tem estado, em grande medida, silencioso, pelo último meio século. Muito coisa mudou desde que Samuel Huntington escreveu “The Soldier and the State”, em 1957 (”O Soldado e o Estado”, Bibliex, 1996). Similarmente, The Professional Soldier de Morris Janowitz, é, somente, três anos mais recente. O controle civil das Forças Armadas e outras, igualmente importantes, questões das relações civil-militares, clamam por uma análise contemporânea, de profundidade. Os reconhecidamente provocativos pontos levantados neste documento são oferecidos na esperança de iniciar-se um novo diálogo sobre tais questões.

Finalmente, é fácil para estes, dentro e fora, da profissão das Armas, lançar a culpa sobre os oficiais-generais por não questionarem o que eles deveriam ter percebido serem más decisões políticas. Os generais devem arcar com muito da responsabilidade, porém, uma centena de coronéis da Escola de Guerra do Exército prestando continência à bandeira, contra seu melhor julgamento, sugere que o ponto crucial da questão jaz na cultura que envolve todas as patentes nas Forças Armadas – não, apenas, os generais.




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Re: Reflexões sobre a Guerra e os Militares

#39 Mensagem por Enlil » Seg Out 12, 2009 6:11 am

Interessante este tópico Clermont. Marcado para leitura :wink:. [ ], até mais...




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Re: Reflexões sobre a Guerra e os Militares

#40 Mensagem por Clermont » Qui Ago 05, 2010 2:49 pm

O FIM DA HISTÓRIA (MILITAR?) - Estados Unidos, Israel e o fracasso do Modo Ocidental de Guerrear.

Por Andrew J. Bacevich - 30 de julho de 2010.

"Ao observar o fluxo dos eventos na década passada se tanto, é difícil evitar a sensação de que alguma coisa muito fundamental aconteceu na história mundial". Este sentimento, introduzindo o ensaio que transformou Francis Fukuyama num nome familiar, demanda renovada atenção, hoje, ainda que de uma perspectiva diferente.

Desenvolvimentos durante os anos 1980, acima de tudo o ocaso da Guerra Fria, convenceram Fukuyama de que o "fim da história" estava à vista. "O triunfo do Ocidente, da idéia ocidental", escreveu ele, em 1989, "é evidente... na total exaustão de alternativas sistemáticas viáveis para o liberalismo ocidental".

Hoje, o Ocidente não parece mais tão triunfante. Na verdade, eventos durante a primeira década do presente século levaram a história a outra espécie de beco sem saída. Embora o liberalismo ocidental possa reter considerável apelo, o modo ocidental de guerrear chegou ao fim da linha.

Para Fukuyama, a história implicava competição ideológica, uma disputa colocando o capitalismo democrático contra o fascismo e o comunismo. Quando ele escreveu seu famoso ensaio, esta disputa estava alcançando, aparentemente, uma conclusão definitiva.

Na verdade, do começo ao fim, o poder militar tinha determinado o curso da competição, tanto como a ideologia. Através de muito do século XX, as grandes potências tinham competido uma com a outra para criar novos e mais eficazes instrumentos de coerção. A inovação militar assumiu muitas formas. Mais obviamente, os armamentos: "dreadnoughts" e porta-aviões, foguetes e mísseis, gás venenoso e bombas atômicas - a lista é extensa. Neste esforço para ganhar uma vantagem, entretanto, as nações devotaram igual atenção a outros fatores: doutrina e organização, sistemas de treinamento e esquemas de mobilização, coleta de informações e planos de guerra.

Toda esta furiosa atividada, fosse empreendida pela França ou Grã-Bretanha, Rússia ou Alemanha, Japão ou Estados Unidos, derivavam da crença comum na plausibilidade da vitória. Expressa em termos simples, a tradição militar ocidental podia ser reduzida a esta proposição: a guerra permanece um instrumento viável de estadística, a parafernália da modernidade servindo, quando mais, para aumentar sua utilidade.

Grandes Ilusões.

Esta era a teoria. A realidade, acima de tudo, as duas guerras mundiais do último século, contou uma história, decididamente, diferente. O conflito armado na era industrial alcançou novos ápices de letalidade e destrutividade. Uma vez iniciadas, as guerras devoraram qualquer coisa, infligindo estarrecedores danos, materiais, psicológicos e morais. O sofrimento, vastamente, excedeu o ganho. A este respeito, a guerra de 1914-1918 tornou-se emblemática: mesmo os vencedores terminaram derrotados. Quando a luta, eventualmente, parava, os vitoriosos não tinham nada para celebrar, apenas para lamentar. Por conseqüência, muito antes de Fukuyama compor seu ensaio, a fé na capacidade de resolução de problemas da guerra, tinha começado a ser erodida. Tão cedo quanto 1945, entre várias grandes potências - graças à guerra, agora, grandes somente no nome - esta fé desapareceu, totalmente.

Entre as nações classificadas como democracias liberais, apenas duas resistiram a esta tendência. Uma foram os Estados Unidos, o único grande beligerante a emergir da Segunda Guerra Mundial mais forte, rico e mais confiante. A segunda foi Israel, criado como conseqüência direta dos horrores liberados por este cataclismo. Por volta de 1950, ambos os países subscreviam esta convicção comum: a segurança nacional, (e, possivelmente, a sobrevivência nacional) exigiam inequívoca superioridade militar. No léxico da política americana e israelense, "paz" era a palavra-chave. O pré-requisito essencial para a paz era que, qualquer e todos os adversários, reais ou potenciais, aceitassem uma condição de permanente inferioridade. Desta forma, as duas nações - não ainda aliadas íntimas - mantinham-se à parte do restante do mundo ocidental.

Mesmo enquanto professam sua devoção à paz, as elites militares e civis nos Estados Unidos e Israel preparam-se, obsessivamente, para a guerra. Elas não viam nenhuma contradição entre retórica e realidade.

E na verdade, a crença na eficácia do poder militar, quase inevitavelmente, provoca a tentação de colocar este poder para trabalhar. "Paz pela força", facilmente, se torna "paz pela guerra". Israel sucumbiu a esta tentação em 1967. Para os israelenses, a Guerra dos Seis Dias mostrou-se um ponto de virada. O valente Davi derrotou e, então, transformou-se em Golias. Enquanto os Estados Unidos estavam apanhando no Vietnam, Israel tinha, evidentemente, obtido sucesso em dominar, magistralmente, a guerra.

Um quarto de século depois, forças americanas, aparentemente, alcançaram o passo. Em 1991, a Operação DESERT STORM, a guerra de George H. W. Bush contra o ditador iraquiano, Saddam Hussein, mostrou que as tropas americanas, como os soldados israelenses, também sabiam como vencer de forma rápida, barata e humanamente. Generais como H. Norman Schwarzkopf, persuadiram a si mesmos que sua breve campanha no deserto contra o Iraque replicou - mesmo, eclipsou - os feitos de campo de batalha de guerreiros israelenses famosos tais como Moshe Dayan e Yitzhak Rabin. O Vietnam desapareceu na irrelevância.

Para ambos, Israel e Estados Unidos, entretanto, as aparências mostraram-se ilusórias. Além de forjar grandes ilusões, as esplêndidas guerras de 1967 e 1991, decidiram pouca coisa. Em ambos os casos, a vitória mostrou-se mais aparente do que real. Pior, o triunfalismo forjou maciços erros de cálculo no futuro.

Nas Colinas de Golan, em Gaza e por toda a Margem Ocidental, os proponentes de um Grande Israel - desconsiderando as objeções de Washington - rumaram para estabelecer controle permanente sobre territórios que Israel havia tomado. Mesmo assim, "os fatos no terreno" criados por sucessivas ondas de colonos judeus fez pouco para aumentar a segurança israelense. Eles conseguiram, principalmente, acorrentar Israel a uma população palestina, ressentida e em rápido crescimento, que nem podia ser pacificada, nem assimilada.

No Golfo Pérsico, os benefícios colhidos pelos Estados Unidos após 1991, da mesma forma, mostraram-se efêmeros. Saddam Hussein sobreviveu e tornou-se, aos olhos de sucessivas administrações americanas, uma ameaça iminente para a estabilidade regional. Esta percepção, causou (ou forneceu um pretexto) para uma radical reorientação da estratégia em Washington. Não mais se contentando em impedir uma potência externa hostil de controlar o Golfo Pérsico, rico em petróleo, Washington, agora, buscava dominar a totalidade do Grande Oriente Médio.A hegemonia tornou-se o objetivo. Ainda assim, os Estados Unidos não se mostraram mais bem-sucedidos do que Israel, ao impor sua vontade.

Durante os anos 1990, o Pentágono embarcou, apressadamente, naquilo que se tornou sua própria variante de uma política de assentamentos. Apesar disto, as bases americanas pontilhando o mundo islâmico e as forças americanas operando na região, dificilmente mostraram ser mais benvindas do que os assentamentos israelenses pontilhado os territórios ocupados e os soldados das Forças de Defesa Israelenses designados para protegê-los. Em ambos os casos, a presença provocou (ou forneceu um pretexto) para a resistência. Da mesma forma que os palestinos ventilaram sua ira contra os sionistas em seu meio, islamistas radicais visaram americanos a quem consideravam como infiéis neo-coloniais.

Atolados.

Ninguém duvida que os israelenses (regionalmente) e os americanos (globalmente) gozam de inquestionável predominância militar. Por todo o exterior próximo de Israel, seus tanques, caças-bombardeiros e belonaves operam à vontade. Da mesma forma, os tanques, caças-bombardeiros e belonaves americanas, onde quer que sejam enviados.

E então? Os eventos deixam, cada vez mais evidente, que a predominância militar não se traduz em vantagem política concreta. Antes do que reforçar as perspectivas de paz, a coerção produz, sempre, mais complicações. Não importa o quão duramente batidos e espancados, os "terroristas" (um rótulo aplicado em qualquer um que resista à autoridade israelense ou americana) não estão intimidados, permanecendo impenitentes e continuando a retornar atrás de mais.

Israel colidiu com este problema durante a Operação PEACE FOR GALILEE, sua intervenção de 1982 no Líbano. As forças americanas encontraram-no, uma década depois, durante a Operação RESTORE HOPE, a gloriosamente intitulada incursão do Ocidente na Somália. O Líbano possuía um diminuto exército, a Somália, nenhum. Ao invés de produzir paz ou restaurar a esperança, entretanto, ambas as operações terminaram em frustração, embaraço e fracasso.

E estas operações mostraram ser presságios do pior que estava por vir. Por volta de 1980, os dias de glória das FDI eram passado. Antes do que ataques-relâmpago no fundo da retaguarda inimiga, a narrativa da história militar israelenses tornou-se um depressivo recital de guerras sujas - conflitos não-convencionais contra forças irregulares, rendendo resultados problemáticos. A Primeira Intifada (1987-1993), a Segunda Intifada (2000-2005), uma segunda Guerra do Líbano (2006) e a Operação CAST LEAD, a notória incursão de 2008-2009 em Gaza, todas conformaram-se a este padrão.

Enquanto isto, o diferencial entre as taxas de natalidade palestinas e de judeus israelenses emergiu como uma ameaça iminente - uma "bomba demográfica", Benjamin Netanyahu a chamou. Aqui estavam os novos fatos no terreno que as forças militares, a menos que fossem empregadas para uma política de limpeza étnica, pouco podiam fazer para resolver. Mesmo enquanto as FDI tentavam, repetida e futilmente, martelar o Hamas e o Hezbollah até a submissão, as tendências demográficas continuaram a sugerir que, dentro de uma geração, uma maioria da população dentro de Israel e dos territórios ocupados será árabe.

Caminhando uma década ou mais, atrás de Israel, as forças armadas dos Estados Unidos, apesar disto, conseguiram duplicar a experiência das FDI. Permaneceram momentos de glória, mas eles se mostraram fugidios. Após o 11 de Setembro, os esforços de Washington para transformar (ou "libertar") o Grande Oriente Médio chegaram ao auge.No Afeganistão e Iraque, a Guerra Global ao Terror de George W. Bush começou, impressionantemente o bastante, enquanto as forças americanas operavam com uma velocidade e élan que, uma vez tinham sido a marca-registrada israelense. Graças ao "choque e espanto", Cabul caiu, seguida, menos de um ano e meio depois, por Bagdá. Como um general do Exército explicou ao Congresso, em 2004, o Pentágono tinha decifrado a guerra, totalmente:

"Agora, nós estamos capacitados a criar superioridade de decisão, que é permitida por sistemas centrados em redes, novos sensores e capacidades de comando e controle que estão produzindo consciência situacional, quase em tempo real, sem precedentes, crescente disponibilidade de informações e uma capacidade de lançar munições de precisão por toda a extensão e profundidade do espaço de batalha.... Combinadas, estas capacidades da futura força centrada em redes, alavancará a predominância de informações, velocidade e precisão e resultará em superioridade de decisão."


A frase-chave nesta massa de "nhém-nhém-nhém" tecnológico ocorreu duas vezes: "superioridade de decisão". Neste momento, o Corpo de Oficiais, como a administração Bush, ainda estava convencido de que sabia como vencer.

Tais proclamações de sucesso, entretanto, provaram-se, obscenamente, prematuras. Campanhas, propagandeadas para durarem semanas, arrastaram-se por anos, enquanto as tropas americanas lutavam contra suas próprias intifadas. Quanto se tratou de obter decisões, que, realmente durassem, o Pentágono (como as FDI) permaneceu sem saber o que fazer.

Sem vitória.

Se alguma conclusão geral emerge das guerras do Afeganistão e do Iraque (e de suas equivalentes israelenses), é esta: a vitória é uma quimera. Contar que o inimigo dos dias de hoje, ceda, em face de força superior, faz tanto sentido quanto comprar um bilhete de loteria para pagar uma hipoteca: você precisa ser, realmente, sortudo.

Enquanto isto, a economia dos Estados Unidos entra em parafuso e os americanos contemplam o seu equivalente da "bomba demográfica" de Israel - uma "bomba fiscal". Hábitos entranhados de extravagância, tanto individuais quanto coletivos, oferecem a perspectiva de estagnação de longo prazo: sem crescimento, sem empregos, sem diversão. Gasto fora de controle, em guerras infindáveis exacerbam esta ameaça.

Por volta de 2007, o próprio Corpo de Oficiais americano desistiu da vitória, embora, sem desistir da guerra. Primeiramente, no Iraque, então, no Afeganistão, as prioridades mudaram. Generais de alto posto, reduziram suas expectativas de vencerem - pelo menos, como Rabin e Schwarzkopfr poderiam ter compreendido tal termo. Eles buscavam, ao invés, não perderem. Em Washington, como nos postos de comando militares americanos, evitar a derrota escancarada emergiu como o novo padrão-ouro de sucesso.

Por conseqüência, as tropas americanas, hoje, incursionam a partir de seus campos-base, não para derrotar o inimigo, mas para "proteger o povo", consistente com a mais recente moda doutrinária. Enquanto isto, comandantes americanos, em meio a taças de chá, entabulam acordos com senhores da guerra e chefes tribais, na esperança de persuadirem as guerrilhas a deporem as armas.

Uma nova sabedoria convencional consolidou-se, endossada por todos, do novo comandante da Guerra do Afeganistão, general David Petraeus, o mais celebrado soldado desta era americana, até Barack Obama, comandante-chefe e Prêmio Nobel da Paz. Para os conflitos nos quais os Estados Unidos se acham enredados, "soluções militares" não existem. Como o próprio Petraeus tem enfatizado, "não podemos abrir, matando, o caminho para fora" da difícil situação na qual estamos. Deste modo, ele pronunciou o panegírico da conceção ocidental de guerrear dos últimos dois séculos.

A Questão Não Indagada.

Quais, então, as implicações da chegada ao fim da história militar ocidental?

Em seu famoso ensaio, Fukuyama acautelou contra pensar que o fim da história ideológica, anunciava a chegada da paz e harmonia globais. Povos e nações, previa, ainda achariam uma enormidade de coisas pelas quais discordar.

Com o fim da história militar, uma expectativa semelhante se aplica. Violência, politicamente motivada, persistirá e poderá, em casos específicos, até manter uma utilidade marginal. Ainda assim, a perspectiva de Grande Guerras resolvendo Grandes Problemas, provavelmente, se foi, para sempre. Certamente, ninguém em seu juízo perfeito, israelense ou americano, pode acreditar que um recurso continuado à força remediará quaisquer que sejam os fatores que alimentam o antagonismo anti-israelense e anti-americano, em boa parte do mundo islâmico. Esperar que a persistência produza algo diferente ou melhor é ilusão.

Permanece em aberto se Israel ou os Estados Unidos poderão se adequar ao fim da história militar. Outras nações de há muito já o fizeram, acomodando-se aos ritmos cambiantes da política internacional. Que elas tenham feito isto é evidência, não de virtude, mas de sagacidade. A China, por exemplo, mostra pouca disposição para se desarmar. Ainda assim, enquanto Pequim expande seu alcance e influência, ela enfatiza comércio, investimento e assistência desenvolvimentista. Enquanto isto, o Exército de Libertação Popular fica em casa. A China roubou uma página do velho manual americano, tendo tornado-se o praticante proeminente de hoje, da "diplomacia do dólar".

O colapso da tradição militar ocidental confronta Israel com escolhas limitadas, nenhuma delas atraente. Dada a história do judaísmo e a história do próprio Israel, uma relutância dos judeus israelenses em confiar sua segurança e bem-estar à boa vontade de seus vizinhos ou a elevada consideração da comunidade internacional, é compreensível. Em meras seis décadas, o projeto sionista produziu um estado vibrante, florescente. Por quê botar tudo isto em risco? Embora a bomba demográfica possa estar ativada, ninguém, realmente, sabe quanto tempo ainda tem o relógio. Se os israelenses estão inclinados a continuar colocando sua confiança nas armas israelenses (fornecidas pelos americanos) enquanto esperam pelo melhor, quem poderá culpá-los?

Em teoria, os Estados Unidos, livres das restrições demográficas e geográficas de Israel e, de longe, mais ricamente dotado, deveria gozar de uma liberdade muito maior de ação. Infelizmente, Washington tem interesses investidos na preservação do status quo, não importa o quanto custe e para onde leve. Para o complexo industrial-militar, há contratos a serem conquistados e baldes de dinheiro a serem ganhos. Para estes residindo nos intestinos do estado de segurança nacional, há prerrogativas a proteger. Para autoridades eleitas, há contribuidores de campanha a satisfazer. Para autoridades nomeadas, civis e militares, há ambições a perseguir.

E sempre há o bando ululante de militaristas, clamando por jihad e insistindo, sempre, em maiores esforços, enquanto permanecendo em alerta para qualquer indício de recuo. Em Washington, os membros deste campo militarista, de forma alguma por coincidência, incluem muitas das vozes que defendem, mais insistentemente, a belicosidade israelense Por conseqüência, o que passa por debate sobre questões relativas à segurança nacional é uma fraude. Deste modo, somos convidados a acreditar, por exemplo, que a nomeação do general Petraeus como o último comandante americano da série, no Afeganistão, constitue um marco no caminho para a vitória final.

Quase vinte anos atrás, uma queixosa Madeleine Albright exigiu saber: "Qual o sentido em termos estas magníficas forças armadas da qual vocês falam, se não podemos usá-las?" Hoje, uma questão, totalmente distinta, merece atenção: qual o sentido em, constantemente, usar nossas magníficas forças armadas, se isto não dá nenhum resultado prático?

A recusa de Washington em encarar esta questão fornece uma medida da corrupção e desonestidade permeando nossa política.

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Andrew J. Bacevich é um professor de história e relações internacionais na Boston University.




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Re: Reflexões sobre a Guerra e os Militares

#41 Mensagem por Clermont » Dom Ago 29, 2010 2:18 pm

DESFAZENDO UM HOMEM DA COMPANHIA - Uma educação começa nas sombras do Portão de Brandemburgo.

Por Andrew Bacevich - 27 de agosto de 2010.

Esta é a introdução do novo livro de Andrew Bacevich, Washington Rules: America's Path to Permanent War.

Ambições mundanas inibem o verdadeiro aprendizado. Pode me perguntar. Um jovem com pressa é, quase sempre, deseducado: ele sabe o que quer e para onde está rumando; quando se trata de olhar para trás, ou entreter pensamentos heréticos, ele nem tempo tempo, nem a inclinação. Tudo o que conta é que ele está indo para algum lugar. Apenas quando a ambição se desvanece, a educação se torna uma possibilidade.

Minha própria educação não começou, até eu alcançar a meia-idade. Eu posso fixar esta data com precisão: para mim, a educação começou em Berlim, numa noite de inverno, no Portão de Brandemburgo, não muito depois do o Muro de Berlim cair.

Como um oficial do Exército dos Estados Unidos, eu passei considerável tempo na Alemanha. Até aquele momento, entretanto, minha família e eu nunca tínhamos tido ocasião de visitar as mais famosas cidades alemãs, ainda juncadas com artefatos de uma história profundamente repelente. Ao fim de um longo dia de exploração, nos encontramos no que havia sido, até poucos meses antes, o Leste comunista. Estava tarde e estávamos famintos, mas insisti em caminhar toda a extensão da Unter den Linden, do rio Spree até o próprio portão. Uma chuva fria estava caindo e o pavimento brilhava. Os edifícios alinhados com a aveninda, datando da era dos reis prussianos, eram sombrios, sujos e esburacados. Poucas pessoas estavam por lá. Dificilmente seria noite para passeios turísticos.

Por tanto quanto podia lembrar, o Portão de Brandemburgo tinha sido o símbolo proeminente da era e Berlim, o epicentro da história contemporânea. Porém, na época em que fui para a antiga e futura capital alemã, a história já tinha se movido. A Guerra Fria tinha, abruptamente, acabado. Uma cidade e uma nação divididas tinham se reunido.

Para os americanos que haviam conhecido Berlim, apenas da distância, a cidade existia, primordialmente, como metáfora. Escolha uma data - 1933, 1942, 1945, 1948, 1989 - e Berlim torna-se um símbolo instrutivo de poder, depravação, tragédia, desafio, persistência ou vingança. Para estes inclinados para verem o passado como uma crônica de parábolas, a moderna história de Berlim oferece abundante material. O maior destes paralelos emergiu dos eventos de 1933 a 1945, uma épica história de mal ascendente, combatido tardiamente, então, heroicamente derrubado. Uma segunda narrativa, costurada dos eventos durante o intenso período imediatamente seguindo a Segunda Guerra Mundial, viu esperanças pela paz esmagadas, gerando amargo antagonismo mas, também, grande força de vontade. O impasse que se seguiu - a "longa luta no crepúsculo", na memorável frase de John Kennedy - formou a característica fundamentel da terceira parábola, seu tema central, coragem obstinada em face do perigo iminente. Finalmente, vieram os estimulantes eventos de 1989, com a liberdade prevalecendo, por fim, não só em Berlim, mas por toda a Europa Oriental.

O que, exatamente, eu estava procurando no Portão de Brandemburgo? Talvez, confirmação que estas parábolas, que eu tinha absorvido e aceitado como verdadeiras, eram simplesmente isto. O que fosse que eu esperasse, o que eu, realmente, achei, foi um punhado de homens jovens, de aparência desleixada, não-alemães, fazendo camelotagem de insígnias, medalhões, chapéus, partes de uniformes e outros artefatos do poderoso Exército Vermelho. Era tudo lixo, de manufatura barata e má-qualidade. Por um punhado de deutsche marks, comprei um relógio de pulso, enfeitado com o símbolo do Corpo Blindado soviético. Em alguns dias, deixou de funcionar.

Amontoados por entre colunas danificadas, estes pedintes - quase certamente soldados russos fora de serviço, aguardando redesdobramento para casa - constituiam uma presença subversiva. Eles eram pontas soltas de uma história que, supostamente, tinha terminado, perfeitamente, quando o Muro de Berlim veio abaixo. Enquanto nos apressávamos para achar calor e uma refeição, este desconcertante encontro ficou comigo, e eu comecei a entreter esta possibilidade: que as verdade que eu havia acumulado pelos vinte anos anteriores como soldado profissional - especialmente, verdades sobre a Guerra Fria e a política externa americana - podiam não serem, inteiramente, verdades.

Por temperamento e formação, eu semprei achei conforto na ortodoxia. Numa vida passada sujeita à autoridade, deferência tornou-se um hábito, profundamente entranhado. Eu encontrei segurança na sabedoria convencional. Agora, começava, ainda de forma hesitante, a suspeitar que a ortodoxia podia ser uma fraude. Eu começei a apreciar que a autêntica verdade nunca é simples e que qualquer versão da verdade vinda de cima para baixo - seja dos presidentes, primeiros-ministros ou arcebispos - é, inerentemente, suspeita. Os poderosos, passei a enxergar, revelam a verdade, somente na extensão que se adequa a eles. Mesmo então, as verdades que eles testemunham vêm envoltas em quase invisíveis filamentos de ocultação, dissimulação e duplicidade. O exercício do poder, necessariamente, envolve a manipulação e é a antítese da franqueza.

Eu cheguei a estes pontos óbvios, embaraçosamente tarde na vida. "Nada é tão impressionante na educação," uma vez escreveu o historiador Henry Adams, "quanto o montante de ignorância que ela acumula na forma de fatos inertes." Até aquele momento, eu tinha, com freqüência, confundido educação com o acúmulo e catalogação de fatos. Em Berlim, ao pé do Portão de Brandemburgo, eu comecei a compreender que eu tinha sido um ingênuo. E, assim, na idade de 41 anos, rumei, de forma descontínua e confusa, para adquirir uma genuína educação.

Vinte anos mais tarde, eu fiz, somente, progressos modestos. O que segue é um relato do que eu aprendi, desde então.


Visitando uma versão de terceiro mundo da Alemanha.

Em outubro de 1990, eu recebi uma dica preliminar de que algo poderia ter sido perdido em minha prévia educação. Em 3 de outubro, a Alemanha Oriental comunista - formalmente, a República Democrática Alemã (RDA) - deixou de existir e a reunificação alemã foi, oficialmente, assegurada. Nesta mesma semana, eu acompanhei um grupo de oficiais americanos para a cidade de Jena, no que antes era a RDA. Nosso propósito era educacional - estudar a famosa batalha de Jena-Auerstädt, na qual Napoleão Bonaparte e seus marechais infligiram uma épica derrota sobre as forças prussianas comandadas pelo Duque de Brunswick. (O resultado desta batalha de 1806, inspirou o filósofo Hegel, então residindo em Jena, a declarar que o "fim da história" estava à vista. A conclusão da Guerra Fria tinha, apenas recentemente, gerado um julgamento, similarmente exuberante, do acadêmico americano Francis Fukuyama.)

Nesta viagem, aprendemos um bocado sobre a conduta daquela batalha, embora, fatos, principalmente inertes, possuam pouco valor educacional real. Inadvertidamente, também ganhamos compreensão da realidade da vida no lado de lá do que os americanos, habitualmente, chamavam a Cortina de Ferro, conhecida no vernáculo dos militares americanos, como "o Traço". A este respeito, a viagem se mostrou nada menos do que reveladora. O conteúdo educacional desta excursão seria - para mim - difícil de exagerar.

Tão logo o ônibus atravessou a velha Fronteira Interna Alemã, entramos num túnel do tempo. Para as tropas americanas aquarteladas por toda a Bavária e Hesse, a Alemanha Ocidental tinha, por décadas, servido com uma espécie de parque temático - cheio de aldeias singulares, cenários atordoantes e soberbas autoestradas, junto com amplos suprimentos de comida decente, excelente cerveja e convidativas mulheres. Agora, estávamos frente-a-frente com uma Alemanha, completamente diferente. Embora, comumente retratada como a mais avançada e bem-sucedida componente do Império Soviético, a Alemanha Oriental, mais parecia componente do mundo subdesenvolvido.

As estradas - mesmo as principais autoestradas - eram estreita e visivelmente em deterioração. O tráfego representava pouco problema. Além de uns poucos e lerdos "Trabants" e "Wartburgs" - automóveis leste-alemães que tendiam ao primitivismo - e um ocasional caminhão cuspindo fumaça, o caminho estava aberto. As aldeias pelas quais passamos estavam abandonadas e as pequenas fazendas eram miseráveis. Para lanchar, paramos numa barraca à beira da estrada. O proprietário aceitou, feliz, nossos D-Marks, oferecendo-nos, em troca, salsichas indigeríveis. Embora todos os sinais nos assegurassem que permanecíamos numa terra de língua alemã, era um país que ainda não havia se recuperado da Segunda Guerra Mundial.

Após a chegada em Jena, examinamos o Hotel Scwarzer Bär, identificado por nosso grupo avançado como o melhor da cidade. Ele mostrou ser um saco de pulgas decrépito. Como o oficial superior presente, eu fui privilegiado com a ocupação de um quarto no qual o encanamento funcionava. Os outros não foram tão felizes.

A própria Jena era uma cidade universitária mediana, com seu principal complexo acadêmico, imediatamente oposto ao nosso hotel. Uma busto muito grande de Karl Marx, montado num pedestal de granito, e muito necessitado de limpeza, permanecia na orla do campus. Briquetes de carvão macio, utilizados para aquecimento doméstico, tornavam o ar, quase irrespirável e manchavam tudo com fuligem. Nas cidades alemãs que conhecíamos, tons pastéis predominavam - casas e blocos de apartamentos pintados em verde pálido, salmão e amarelo suave. Aqui, tudo era marrom e cinza.

Nesta noite, fomos atrás do jantar. Os restaurantes dentro de distância de caminhada, eram poucos e sem atrativos. Escolhemos mal, um pardieiro no qual vegetais frescos estavam indisponíveis e o Wurst (salsichão alemão) era inferior. A adequabilidade da cerveja local fornecia o único consolo.

Na manhã seguinte, no caminho para o campo de batalha, observamos uma significativa presença militar soviética, na maioria na forma de caminhões em trânsito - julgando pela aparência deles, desenhos que datavam dos anos 1950. Para nossa surpresa, descobrimos que os soviéticos tinham estabelecido uma pequena área de treinamento adjacente a onde Napoleão tinha batido os prussianos. Embora tivéssemos ordens para evitar contato com quaisquer russos, a presença de suas tropas blindadas capturou nossa atenção. Eis aqui, algo de muito maior urgência do que Bonaparte e o Duque de Brunswick: "o outro", sobre o qual, por tanto tempo, tínhamos ouvido, mas sabíamos tão pouco. Através de binóculos, observamos uma coluna de viaturas blindadas russas, BMPs no jargão da OTAN - passando pelo que parecia ser um curso de treinamento de motoristas. Repentinamente, uma delas começou a vomitar fumaça. Logo depois, explodiu em chamas.

Aqui estava educação, embora, neste tempo, eu tivesse, somente, o mais vago dos sentidos sua signficação.


Um ambicioso jogador de equipe assolado por dúvidas.

Estas visitas à Jena e Berlim ofereceram vislumbres de uma realidade, radicalmente em oposição com minhas mais fundamentais pressuposições. Sem convite e inesperadamente, forças subversivas tinham começado a infiltrar-se em minha consciência. Ponto por ponto, minha visão de mundo começava a desabar.

Esta visão de mundo derivava desta convicção: que o poder americano manifestava um empenho para a liderança global, e que os dois, juntos, expressavam e afirmavam a duradoura devoção da nação para com seus ideais fundadores. Que o poder, política e propósito, estavam atados juntos, num pacote perfeito, consistente, cada elemento tirando sua força e reforçando os outros, era algo que eu tomava como fato dado. Que, durante toda minha vida adulta, uma inclinação pelo intervencionismo, tivesse tornado-se a assinatura da política dos Estados Unidos, não constituia-se, de forma nenhuma - pelo menos, para mim -, em contradição com as aspirações da América pela paz. Ao invés, a disposição para consumir vidas e dinheiro em lugares distantes, testemunhava a seriedade de tais aspirações. Que, durante este mesmo período, os Estados Unidos emassassem um arsenal de mais de 31 mil ogivas nucleares, pequeno número destas, designadas para unidades nas quais servi, não estava em contradição com nossa crença no inalienável direito à vida e à liberdade; antes, ameaças para a vida e a liberdade tinham compelido os Estados Unidos a adquirir um tal arsenal e mantê-lo, em prontidão, para uso instantâneo.

Eu não era tão ingênuo para acreditar que o registro americano era sem falhas. Porém eu garantia a mim mesmo que quaisquer erros ou maus julgamentos tinham sido cometidos de boa fé. E mais, as circunstâncias permitiam pouca escolha real. No Sudeste Asiático, como na Europa Ocidental, no Golfo Pérsico como no Hemisfério Ocidental, os Estados Unidos, simplesmente, tinham feito o que precisava ser feito. Alternativas viáveis não existiam. Consentir na diluição do poder americano seria abrir mão da liderança global, em decorrência, colocando em risco a segurança, prosperidade e liberdade, não somente nossas, mas também de nossos amigos e aliados.

As escolhas pareciam claras, o suficiente. De um lado estava o status quo: os comprometimentos e hábitos que definiam o globalismo americano, implementados pelo aparato de segurança nacional, dentro do qual eu funcionava como uma pequena engrenagem. De outro lado estava a perspectiva do apaziguamento, isolacionismo e catástrofe. O único curso responsável era aquele ao qual todo presidente, desde Harry Truman, aderiu.

Para mim, a Guerra Fria tinha desempenhado um papel crucial em sustentar esta visão de mundo. Dadas a minha idade, formação e fundo profissional, dificilmente poderia ter sido diferente. Embora a grande rivalidade entre os Estados Unidos e a União Soviética tivesse contido momentos de considerável ansiedade - eu lembro de meu pai, durante a Crise dos Mísseis Cubanos, armazenando água e alimentos enlatados no nosso porão - isto serviu, primordialmente, para clarificar, não para assustar. A Guerra Fria forneceu o quadro que organizou e deu sentido à história contemporânea. Ela oferecia um esquema de jogo. Que existiam alemães maus e alemães bons; os alemães deles e os nossos alemães; alemães totalitaristas e alemães que, igual aos americanos, amavam de paixão a liberdade era, por exemplo, uma proposição que eu aceitava como dogma. Ver a Guerra Fria como uma luta entre o bem e o mal, respondia muitas questões, remetia outras para a periferia e tornava, ainda outras, irrelevantes.

De volta nos anos 1960, durante a Guerra do Vietnam, mais do que uns poucos membros da minha geração tinham rejeitado a concepção da Guerra Fria como uma luta maniqueísta. Aqui, reconhecidamente, também fui um lento aprendiz. Ainda que mantendo a fé, muito depois de outros terem perdido a sua, as dúvidas que, eventualmente, assolaram-me, foram, ainda mais desorientadoras.

É fato, suspeitas ocasionais tinham aparecido, muito antes de Jena e Berlim. Minha própria experiência no Vietnam tinha gerado sua parcela, que eu fiz o melhor para suprimir. Eu era, afinal de contas, um soldado em serviço. Exceto nos mais estreitos dos termos, a profissão militar, naqueles dias pelo menos, não olhava com condescendência, o não-conformismo. Subir a escada do sucesso na carreira exigia o controle de tendências dissidentes. Para ir em frente, você precisavar jogar para a equipe. Mais tarde, ao estudar a história das relações externas dos EUA, na faculdade, eu fui confrontado com desafios à ortodoxia, que eu, vigorosamente, rechaçei. Quando se trata da educação, a faculdade mostrou-se um completo desperdício de tempo - um período de intenso estudo devotado a mais acúmulo de fatos, enquanto eu me esforçava para garantir que eles permanecessem inertes.

Agora, entretanto, minhas circunstâncias pessoas estavam mudando. Logo após a passagem da Guerra Fria, minha carreira militar terminou. A educação, assim, tornando-se, não só uma possibilidade, mas também uma necessidade.

Em doses mensuradas, a mortificação purifica a alma. É o antídoto perfeito para o excesso de amor-próprio. Após 23 anos passados dentro do Exército dos Estados Unidos, aparentemente, indo para algum lugar, agora, achava-me do lado de fora, indo para lugar nenhum, em particular. No autosuficiente e enclausurado universo da vida arregimentada, eu tinha, brevemente, ascendido ao estatuto de ator fazendo ponta. No instante em que despi a farda, este estatuto desvaneceu-se. Logo cheguei a compreensão da minha própria insignificância, uma salutar lição que eu deveria ter absorvido muitos anos antes.

Enquanto iniciava o que, eventualmente, tornou-se uma lenta jornada rumo a uma nova vocação, como professor e escritor - um certo tipo de peregrinação - a ambição, no significado comumente aceito do termo, declinou. Isto não aconteceu de uma vez. Mas sim, gradualmente, deixando de ser uma grande preocupação. Riqueza, poder e celebridade tornaram-se, não aspirações, e sim matérias para análise crítica. História - especialmente, a narrativa familiar da Guerra Fria - não mais oferecia respostas; ao invés, ela apresentava enigmas desconcertantes. Facilmente, o mais instigante era este: como pude analisar tão incorretamente a realidade que se encontrava no lado de lá da Cortina de Ferro?

Teria sido eu, insuficientemente atento? Ou era possível que eu tivesse sido tapeado, o tempo todo? Contemplando tais questões, enquanto, simultaneamente, presenciava o desenrolar dos "longos anos 1990" - o período delimitado por duas guerras contra o Iraque quando a presunção americana alcançou impressionantes novos auges - levou a compreensão de que eu tinha, grosseiramente, interpretado mal a ameaça representada pelos adversários da América. Ainda assim, esta era a parte menor do problema. De longe pior que não perceber bem, a "eles", foi o fato de que eu tinha percebido mal, a "nós". O que eu pensava saber mais, eu realmente sabia menos. Aqui, a necessidade por educação aparecia, especialmente aguda.

A decisão de George W. Bush de desfechar a Operação IRAQI FREEDOM, em 2003, empurrou-me, totalmente, para a oposição. Afirmativas que, uma vez pareceram elementares - acima de tudo, afirmativas relacionadas com os propósitos, essencialmente benignos do poder americano - agora pareciam absurdas. As contradições que achei numa nação, ostensivamente amante da paz, empenhando-se numa doutrina de guerra preventiva, tornaram-se grandes demais para ignorar. A tolice e vaidade dos fazedores de política que, fazendo tão pouco caso lançaram a nação numa indefinida e sem fim "guerra global ao terrorismo" - sem a mais vaga noção sobre o que seria a vitória, como poderia ser conquistada e por qual custo - poderia rivalizar com os, apenas um pouco menos loucos, senhores da guerra alemães. Durante a era da conteção, os Estados Unidos tinham, ao menos, mantido a aparência de uma estratégia com princípios; agora, os últimos vestígios de princípios abriram caminho para fantasia e oportunismo. Com isto, a visão de mundo a qual eu havia aderido, como um adulto jovem e carregado para a meia-idade, dissoveram-se, completamente.


Credo e Trindade.

O que deveria ficar no lugar de tais convicções descartadas? Simplesmente, invertendo a sabedoria convencional, trocando um novo paradigma maniqueísta pela velha versão desacreditada - os Estados Unidos tomando o lugar da União Soviética como a fonte do mal do mundo - não seria suficiente. E mais, até mesmo para chegar a uma aproximação da verdade, implicaria sujeitar a sabedoria convencional, tanto presente quanto passada, a sustentado e meticuloso escrutínio. Cautelosamente, à princípio, mas com crescente confiança, foi isto que votei fazer.

Fazer isto significava descartar hábitos de conformismo adquiridos por décadas. Toda minha vida adulta eu tinha sido um homem da companhia, apenas, levemente consciente da extensão na qual as lealdades institucionais induzem à miopia. Garantir a independência exige, primeiramente, reconhecer a extensão na qual eu tinha sido socializado para aceitar certas coisas como inquestionáveis. Eis aqui os primeiros passos essenciais para tornar acessível a educação. Por um período de anos, um considerável depósito de detritos tinha sido empilhado. Agora, tudo tinha de sair. Tarde, aprendi que, mais freqüentemente do que não, aquilo que passa por sabedoria convencinal é, simplesmente, errôneo. Adotar atitudes da moda para demonstrar a confiabilidade de alguém - o mundo da política está repleto de pessoas assim, esperando, por conseguinte, se qualificar para a inclusão em algum círculo interno - é semelhante a se prostituir em troca de notas promissórias. Não apenas é degradante mas, francamente temerário.

Washington Rules visa colocar sob avaliação a sabedoria convencional em sua mais influente e duradoura forma, nomeadamente, o conjunto de pressuposições, hábitos e preceitos que tem definido a a tradição de estadística a qual os Estados Unidos aderiram, desde o fim da Segunda Guerra Mundial - a era da dominação global, agora, chegando ao fim. Esta tradição pós-guerra combina dois componentes, cada um entranhando-se tão profundamente na consciência coletiva americana, que quase chegaram a desparecer da vista.

O primeiro componente especifica normas de acordo com as quais a ordem internacional devia funcionar e encarrega os Estados Unidos da responsabilidade de impor tais normas. Chamem isto o credo americano. Em seus termos mais simples, o credo convoca os Estados Unidos - e somente os Estados Unidos - para liderar, salvar, libertar e, no fim, transformar o mundo. Num célebre manifesto emitido no alvorecer do que ele denominou "O Século Americano", Henry R. Luce, apresentou esta ampla concepção de liderança global. Escrevendo na Life Magazine, no início de 1941, o influente publicista exortou seus camaradas cidadãos a "aceitarem, de todo o coração, nosso dever de exercer sobre o mundo, o pleno impacto de nossa influência para tais propósitos, e por tais meios, que considerarmos adequados." Luce, portanto, apreendeu o que permanece, ainda hoje, a essência do credo.

O conceito de Luce de um Século Americano, uma era de inquestionável primazia global americana, ressoou, especialmente, em Washington. Sua frase evocativa encontrou um lugar permanente no léxico da política nacional. (Relembre que os neoconservadores, nos anos 1990, fizeram campanha por políticas americanas mais militantes, denominando seu empreendimento de Projeto para um Novo Século Americano). E assim, também, fez a ampla proclamação de Luce por prerrogativas a serem exercidas pelos Estados Unidos. Mesmo hoje, sempre que figuras públicas aludem a responsabilidade da América para liderar, elas assinalam sua fidelidade a este credo; Juntamente com respeitosas alusões à Deus e "aos soldados", a adesão ao credo de Luce tornou-se, de fato, pré-requisito para os altos-cargos. Questione suas proclamações e suas perspepctivas de ser ouvido no burburinho da política nacional se tornam zero.

Entretanto, note que o dever que Luce prescreve aos americanos tem duas componentes. Não apenas cabe aos americanos, escreveu ele, escolher os propósitos para os quais eles imporão sua influência, mas escolher, também, os meios. Aqui, confrontamos o segundo componente da tradição de estadística americana do pós-guerra.

Em relação aos meios, esta tradição enfatiza o ativismo sobre o exemplo, poder duro sobre o suave, e coerção (com freqüência, rotulada "negociar de uma posição de força") sobre o convencimento. Acima de tudo, o exercício da liderança global como prescrito pelo credo obriga os Estados Unidos a manterem capacidades militares, estarrecedoramente, acima daquelas exigidas para a autodefesa. Antes da Segunda Guerra Mundial, os americanos, de longe por maioria, contemplavam o poder e as instituições militares com ceticismo, se não, aberta hostilidade. Na onda da guerra, isto mudou. Uma afinidade pelo poder militar emergiu como central para a identidade americana.

Por meados do século XX, "o Pentágono" tinha deixado de ser, meramente, uma gigantesca construção de cinco lados. Igualmenta a "Wall Street", no fim do século XIX, ele tornou-se Leviatã, suas ações, envoltas em segredo, seu alcance estendendo-se por todo o mundo. E mais, enquanto a concentração de poder em Wall Street tinha, certa feita, evocado profundo temor e suspeita, os americanos, em sua maioria, viam a concentração de poder no Pentágono como benigna. A maioria a achava reconfortante.

Um povo que, de há muito, via os exércitos permanentes como ameaça para a liberdade, agora passava a acreditar que a preservação da liberdade exigia que ele esbanjasse recursos com as forças armadas. Durante a Guerra Fria, os americanos preocupavam-se, incessantemente, sobre ficarem para trás dos russos, mesmo embora o Pentágono, consistentemente, mantivesse uma posição de completa primazia. Uma vez que a ameaça soviética desapareceu, a mera primazia não era mais suficiente. Com um debate nacional reduzido a um sussurro inaudível, a supremacia militar global, perpétua e sem ambigüidades, emergiu como predicado essencial para a liderança global.

Toda grande potência militar teve sua assinatura distintiva. Para a França Napoleônica, foi a levée en masse - o povo em armas, inspirado pelos ideais da Revolução. Para a Grã-Bretanha, no auge do seu império, foi o comando dos mares, sustentado por uma esquadra dominante e uma rede de postos avançados distantes, de Gibraltar e o Cabo da Boa Esperança, até Singapura e Hong Kong. A Alemanha dos anos 1860 até os anos 1940 (e Israel, de 1948 até 1973) seguiu outro método, confiando numa potente mistura de flexibilidade tática e audácia operacional, para conquistar a superioridade no campo de batalha.

A pródiga assinatura do poder militar da América, desde a Segunda Guerra Mundial tem sido de uma ordem, totalmente diferente. Os Estados Unidos não se especializaram em qualquer tipo particular de guerra. Eles não aderiram a um estilo tático fixo. Nenhuma força armada individual, nem armamento, tem gozado de consistente favorecimento. Em certos tempos, as forças armadas se basearam em cidadãos-soldados para preencher suas fileiras; em outros tempos, profissionais de longo tempo de serviço. E mais, um exame dos últimos sessenta anos, da política e práticas militares americanas, revelam importantes elementos de continuidade. Chamem-nos a sagrada trindade: uma pródiga convicção de que a essência mínima da paz e ordem internacionais exige que os Estados Unidos mantenham uma presença militar global, que configurem suas forças para a projeção de poder global, e que contenham as ameaças, existentes ou possíveis, baseando-se numa política de intervencionismo global.

Juntos, credo e trindade - um definindo os propósitos, o outro as práticas - constituem a essência da forma pela qual Washington tem tentado governar e policiar o Século Americano. O relacionamento entre os dois é simbiótico. A trindade fornece a credibilidade para as vastas pretensões do credo. Por sua parte, o credo justifica as vastas exigências e esforços. Juntos, eles fornecem a base para um permanente consenso que fornece consistência para a política externa dos Estados Unidos, independentemente de qual partido político possa estar com a vantagem ou de quem possa estar ocupando a Casa Branca. Da era de Harry Truman, aos tempos de Barack Obama, este consenso tem permanecido intacto. Ele define as regras às quais Washington adere; ele determina os preceitos pelos quais Washington predomina.

Como utilizado aqui, Washington é menos uma expressão geográfica do que um conjunto de instituições interligadas, encabeçadas pelas pessoas que, seja por ação oficial ou não-oficial, são capazes de conduzir o leme do estado. Washington, neste sentido, inclui os altos escalões dos ramos executivo, legislativo e judiciário do governo federal. Emcampa os principais componentes do estado de segurança nacional - os departamentos de defesa, estado e, mais recentemente, o de segurança interna, juntamente com várias agências compreendendo as comunidades de informações e de imposição da lei federais. Suas fileiras estendem-se para selecionar grupos de interesse e centros de pensamento. Advogados, lobistas, manipuladores, ex-autoridades, e oficiais militares reformados, que ainda gozam de acesso são membros de boa posição. E mais, Washington também vai além da Beltway para incluir grandes bancos e outras instituições financeiras, contratados da defesa e grandes corporações, redes de televisão e publicações de elite, como o New York Times, mesmo entidades quase-acadêmicas, como o Conselho sobre Relações Externas e a Escola de Governo Kennedy da Harvard. Com raras exceções, a aceitação das regras de Washington formam um pré-requisito para a entrada neste mundo.

Meu propósito ao escrever Washington Rules tem cinco itens: primeiro, traçar as origens e evolução das regras de Washington - tanto o credo que inspira o consenso, quanto a trindade pelo qual ele encontra expressão; segundo, sujeitar o resultante consenso à inspeção crítica, mostrando quem ganha e quem perde e, também, quem paga a conta; terceiro, explicar como as regras de Washington são perpetuadas, com certas visões privilegiadas enquanto outras são consideradas como vergonhosas; quarto, demonstrar que as regras, em si, perderam qualquer utilidade que, por ventura, pudessem ter tido, com suas implicações, cada vez mais perniciosas, e seus custos, crescentemente, inaceitáveis; e, por fim, argumentar pela readmissão de visões, ditas repreensíveis (ou "radicais") para nosso debate de segurança nacional, para a apresentação de alternativas ao status quo. Com efeito, meu objetivo é convidar os leitores a compartilhar o processo de educação no qual embarquei, duas décadas atrás, em Berlim.

As regras de Washington foram forjadas, num momento quando a influência e poder americanos estavam aproximando-se do seu ápice. Este momento, agora, já passou. Os Estados Unidos esvaziaram o estoque de autoridade e boa-vontade que haviam adquirido em 1945. As palavras pronunciadas em Washington provocam menos respeito do que já foi o caso. Os americanos, dificilmente, poderão se permitir, por mais tempo, os sonhos de salvar o mundo, muito menos, remoldá-lo à sua própria imagem. A cortina, agora, está caindo sobre o Século Americano.

Similarmente, os Estados Unidos não mais possuem os meios para sustentar uma estratégia de segurança nacional que se baseia em presença militar global e projeção de poder global para sublinhar uma política de intervencionismo global. Anunciada como essencial para a paz, adesão a esta estratégia propeliu os Estados Unidos para uma condição que se aproxima da guerra perpétua, como os infortúnios militares da década passada tem demonstrado.

Para qualquer um com olhos para ver, as deficiências inerentes às regras de Washington tornaram-se, totalmente evidentes. Emboras estes mais profundamente envolvidos na perpetuação do atual estado de coisas, insistirão de outra forma, a tradição a qual Washington permanece devotada já começou a ser desmontada. Tentar prolongar sua existência pode servir aos interesses de Washington, mas não servirá aos interesses do povo americano.

Divisar uma alternativa para a paradigma reinante da segurança nacional, representará um desafio assustador - especialmente, se os americanos olharem para "Washington" em busca de pensamento renovador. Porém, fazer isto tornou-se essencial.

Num sentido, as políticas de segurança nacional, às quais Washington, de modo tão insistente, adere, expressam o que, de há muito, tem sido o método preferido dos americanos para se envolverem com o mundo além de suas fronteiras. Este método adequa-se ao presumido ponto-forte da América - desde a Segunda Guerra Mundial, e, especialmente, desde o fim da Guerra Fria, considerado como sendo o seu poder militar. Em outro sentido, esta confiança no poder militar pode criar as desculpas para os Estados Unidos evitarem um envolvimento sério: a confiança nas armas americanas tem tornado desnecessário atender ao que os outros possam pensar ou levar em consideração como as aspirações deles possam diferir das nossas próprias. Deste modo, as regras de Washington reforçam o provincianismo americano - um traço nacional pelo qual os Estados Unidos continuam a pagar caro.

A persistência destas regras, também tem fornecido uma desculpa para evitar um sério olhar para si mesmo. Desta perspectiva, a confiança de que o credo e a trindade obrigarão os outros a se acomodarem às necessidades ou desejos da América - seja por petróleo barato, crédito barato ou bens de consumo baratos - tem permitido a Washington adiar ou ignorar problemas exigindo atenção, aqui em casa. Consertar o Iraque ou o Afeganistão acaba tendo procedência sobre consertar Cleveland ou Detroit. Com a desculpa de apoiar os soldados em sua cruzada para libertar o mundo, evita-se qualquer obrigação para avaliar as implicações de como os próprios americanos escolhem exercer a liberdade.

Quando os americanos demonstraram disposição para se relacionarem, seriamente, com os outros, combinada com a coragem para se relacionarem, seriamente, com si mesmos, então, a verdadeira educação poderá começar.




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Re: Reflexões sobre a Guerra e os Militares

#42 Mensagem por Clermont » Ter Out 12, 2010 3:42 pm

A TEORIA DA LONGA GUERRA.

Por Jeff Huber - 12 de outubro de 2010.

O imortal "A Arte da Guerra" de Sun Tzu apresenta como uma sombra, por sobre mais de 10 mil palavras de inglês americano, aproximadamente 40 páginas de sabedoria aforística, numa linguagem que, provavelmente, 75 porcento dos alunos da terceira série do fundamental do ensino público podem compreender. Cem porcento dos nossos oficiais das Forças Armadas deveriam compreender também, mas não compreendem, em parte, porque menos de 10 porcento deles já o leram.

O mantra fundamental da filosofia de Sun Tzu é "carregue morro abaixo, não morro acima".

*Na tradução do tenente-coronel Alberto Mendes Cardoso (EB), lê-se, "É um axioma militar não atacar o inimigo frontalmente encosta acima, nem se lhe opor quando ele vier encosta abaixo" ("Os Treze Momentos - Análise da Obra de Sun-Tzu", 2ª Parte, Capítulo 7, pág. 138. BIBLIEX Editora, 1987)


Você pode imaginar que até mesmo os cadetes em West Point, Annapolis e Colorado Springs, que se formam na rabeira de suas classes, podem reter uma tal máxima, curta e doce, e compreender seu alcance. Ainda assim, a história da guerra está atolada com estudos de casos de generais que pagaram as conseqüências de atacar morro acima, quando tinham todas as oportunidades no mundo para o não fazer. Talvez, o mais célebre exemplo disto tenha sido a Batalha de Gettysburg, onde Robert E. Lee insistiu, apesar das fortes objeções de seu vice, James Longstreet, em atacar, não apenas um morro, mas três deles, (Little Round Top, Culp's Hill e Cemetery Hill).

A sova que Lee procurou para si mesmo, em Gettysburg, foi o ponto de virada da Guerra Civil e o começo do fim para a Confederação. Que Lee continue sendo nosso mais reverenciado e respeitado general, apesar de ter perdido, tanto uma guerra como um país, por ter violado o mais comezinho princípo da sabedoria militar, deveria nos dizer alguma coisa sobre o tipo de reverência e respeito que concedemos aos generais, especialmente, os hooligans da Longa Guerra que temos agora.

Uma comparação entre Lee e David Petraeus é tão inevitável quanto grotesca. Se nós avaliarmos Lee, com sua singular falta de julgamento em Gettysburg e tudo, como um "10", Petraeus pesa próximo à direita do ponto decimal, e talvez, à esquerda do zero.

Petraeus é um mercador trapaceiro que ganhou primazia no corpo de oficiais dos Estados Unidos através de puro gênio para auto-promoção e relações públicas. Embora ele seja celebrado como nosso "melhor general" e goze de uma reputação como gênio militar que "escreveu um livro" sobre contra-insurgência, ele tem sido, de fato, o único e proposital responsável por nos enredar numa longa guerra que ele próprio admite que não pode ser vencida, mas que ele, provavelmente, continuará a travar por, pelo menos, outra geração.

O mais recente livro de Bob Woodward, intitulado Obama's War, cita Petraeus como tendo dito "Eu não acho que você ganhe esta guerra. Eu acho que você continua lutando. ... Este é o tipo de luta na qual estaremos pelo restante das nossas vidas e, provavelmente, das vidas de nossos filhos." Petraeus, supostamente, soltou esta e outras desconfortáveis revelações para Woodward "depois de um taça de vinho, no avião." Se a língua de Petraeus pode ser afrouxada desta forma, com uma só taça de vinho, o sujeito é mais um beberrão do que general. Talvez, isto explique umas poucas coisas, tipo como 190 mil AK-47s que ele entregou aos recrutas da força de segurança iraquiana, desapareceram como uma carteira de dinheiro numa calçada de Nova Iorque e acabaram nas mãos dos militantes.

Se, como a proeminente criadora de guerras, Lindsey Graham sugere, o Rei David Patraeus é "nossa melhor esperança", o navio do estado já está com a proa vetorada rumo ao fundo do oceano. Lamentavelmente, o estado da sabedoria militar americana é tão lastimável que Petraeus pode ser, de fato, o utensílio mais aguçado numa gaveta habitada, somente, por colheres.

Isto é, em parte, devido a falta de integridade intelectual de nosso chamado sistema de escolas de guerra, o mais prestigioso ícone sendo a Escola de Guerra Naval dos Estados Unidos (NWC) em Newport, Rhode Island. A NWC é o lar do Jogo de Guerra Global anual, o modelo a partir da qual todas as outras simulações de guerra das Forças Armadas americanas foram moldadas. Lamentavelmente, os jogos de guerra da NWC não mais tem sido um teste legítimo para a guerra real, desde os anos 1930, quando gente como Chester Nimitz e Ray Spruance, divisaram o Plano de Guerra Laranja, para derrotar os japoneses no Pacífico. Durante a Guerra Fria, o jogo Global foi fraudado para "provar" que a Marinha dos Estados Unidos somente perderia um ou outro porta-aviões numa disputa mano-a-mano com os russos. Após o Muro de Berlim desabar, o jogo Global transformou-se numa rota para conferir validade a quaisquer doutrinas sem-pé-nem-cabeça e sistemas de armas que os almirantes três-estrelas encarregados da escola quisessem examinar.

Arthur Cebrowski, presidente da NWC, de 1998 a 2001, usou o jogo Global - e todo outro tipo de jogo que ele pudesse influenciar - para promover seu pequeno projeto de "navio de combate litorâneo", um componente-chave de seu plano para transformar a Marinha numa Guarda Costeira global. Após se reformar do serviço ativo, Cebrowski tornou-se o czar da transformação militar de seu companheiro Don Rumsfeld, uma plataforma de onde ele impulsionou seu conceito de guerra centrada em redes (NCW ou Network-Centric Warfare), enfiando-o pelas amígdalas de todo mundo. A NCW tornou-se a nova verdade entre a intelligentsia da defesa. Cebrowsk a declarou como sendo "uma inteiramente nova teoria da guerra," uma que envolvia um "sistema de sistemas" e que transformava a "complexidade" num decisivo princípo da guerra. O próprio Cebrowski confessou que a NCW, em si mesma, era complexa demais para ser definida, mas fosse o que fosse, ela tornou todo o pensamento anterior sobre a arte da guerra, obsoleto.

Críticos da NCW, corretamente, acham que ela nunca passou de qualquer coisa além de um arroubo centrado em redes, designado para ajudar a vender caro hardware do tipo do navio litorâneo de combate para o Congresso.

Harlan K. Ullman e James P. Wade, da Universidade Nacional de Defesa, desenvolveram uma doutrina competidora com a NCW, agora, amplamente conhecida como Choque e Espanto. Alguém pode compreender, mais precisamente o Choque e Espanto, imaginando Renato Aragão e Dedé Santana de "Os Trapalhões", sentados na frente de uma tela de TV e murmurando, "Ô Psit, essa tal de Bagdá, explodiu legal, explodiu legal mesmo." Choque e Espanto parece legal mesmo nas redes de notícias da TV a cabo, até que descobrimos que a Operação IRAQI FREEDOM não nos rendeu coisa nenhuma, exceto um choque mais duradouro e um remorso de consumidor.

Porém, a mais virulenta teoria de guerra a infestar nosso Novo Século Americano até esta data, tem sido a "nova" doutrina de contra-insurgência (COIN) do Exército e do Corpo de Fuzileiros Navais, como manifesta na "bíblia', Manual de Campanha 3-24. Contrário aos detalhes de sua lenda fabricada, a única parte do FM 3-24 que Petraeus, realmente, escreveu foi sua assinatura na capa. Talvez ele a tenha colocado lá para que todo mundo tivesse uma cópia autografada. Os reais autores do livro, eram de uma equipe da Escola de Guerra do Exército em Carlisle, Pennsylvânia, que plagiaram muito de seu materia de doutrinas mais antigas, como aquelas que funcionaram tão bem no Vietnam.

A doutrina COIN padece de uma fatal falácia interna. Uma contra-insurgência bem-sucedida, insiste o manual de campanha, exige um governo anfitrião legítimo, que esteja no controle de uma eficaz força de segurança. Porém, grandes insurgências não eclodem em estados que tenham um governo legítimo e um aparato de segurança funcional. Tentar criar estas duas entidades num país onde elas ainda não existem, e sim uma insurgência, é fútil, como demonstrado por nossas experiências no Vietnam, Iraque e Afeganistão.

As mais notáveis mentes militares americanas (heh!heh!heh!) tem empregado a mais bem-treinada, bem-equipada força armada na história para uma interminável e ruinosa guerra contra um inimigo que não dispõe de um só tanque, avião ou navio, e é liderada por um punhado de homens das cavernas.

Nós temos de dar crédito a Lee por uma coisa: ao carregar morro acima, em Gettysburg, ele, ao menos, estava tentando conquistar uma vitória decisiva, porque sabia que seu país não tinha profundidade estratégica para travar uma longa guerra. Petraeus e sua extensa entourage nos centros de pensamento da academia e defesa, não só querem carregar direto para cima em todos os morros que encontrarem, eles querem ter absoluta certeza de que sua Longa Guerra dure tempo o bastante para conseguir o que Lee não pôde: o colapso da União.


________________________________________________

O comandante Jeff Huber, Marinha dos Estados Unidos (reformado), foi oficial de ala aeronaval, que comandou um esquadrão aéreo e foi oficial de operações do USS Theodore Roosevelt, o porta-aviões que travou a Guerra do Kosovo. Obteve um mestrado em imperialismo pós-moderno na Escola de Guerra Naval.




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Re: Reflexões sobre a Guerra e os Militares

#43 Mensagem por EDSON » Ter Out 12, 2010 4:42 pm

Cara estes textos estão entre os melhores que já li. O Clermont não pode desparecer do FDB.




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Re: Reflexões sobre a Guerra e os Militares

#44 Mensagem por Sterrius » Ter Out 12, 2010 5:27 pm

Realmente excelentes artigos. Leitura obrigatoria 8-]




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Re: Reflexões sobre a Guerra e os Militares

#45 Mensagem por Clermont » Sáb Nov 06, 2010 10:53 am

O COMPLEXO INDUSTRIAL-MILITAR, MAIS O CONGRESSO.

Por Thomas Gale Moore, 3 de novembro de 2010.

Em seu discurso de despedida à nação, de 17 de janeiro de 1961, o presidente Eisenhower preveniu sobre o complexo industrial-militar. Na época, o orçamento de defesa dos Estados Unidos, somava 47 % dos gastos militares mundiais; hoje, ele é mais de 50 %. Eisenhower avisou:
"Esta conjunção de um imenso estabelecimento militar e uma grande indústria bélica é uma novidade na experiência americana. A total influência - econômica, política e, até mesmo, espiritual - é sentida em cada cidade, cada legislativo estadual, cada departamento do governo federal. Nós reconhecemos a necessidade imperativa por este desenvolvimento. Mesmo assim, não podemos deixar de compreender suas graves implicações. Nossa labuta, recursos e meio de vida estão todos envolvidos; como a estrutura mesma de nossa sociedade. Nos conselhos do governo, devemos ficar de guarda contra a aquisição de influências indesejáveis, procuradas ou não, pelo complexo industrial-militar. O potencial para a desastrosa ascenção de poder inapropriado coloca em risco nossas liberdades ou processos democráticos. Não devemos considerar nada como garantido. Apenas uma cidadania alerta e bem-informada pode impor um relacionamento apropriado da enorme maquinaria militar e industrial, com nossos métodos e objetivos pacíficos, para que, desta forma, a segurança e a liberdade possam prosperar, juntas."


A Constituição dos Estados Unidos faz do presidente, "o comandante-chefe do Exército e da Marinha dos Estados Unidos," implicando que ele pode ordenar às tropas para se retirarem de uma guerra ou campo de batalha. Mas, ele pode? O poder para comandar as tropas é limitado pelo poder do Congresso para autorizar fundos para os militares e pelas ações dos membros das Forçar Armadas.

Os generais e os oficiais militares, seus subordinados, são treinados para ganharem batalhas e guerras. O propósito deles é vencer. Se fracassarem, não serão promovidos e suas carreiras serão breves. Os militares não tem o desejo e, provavelmente, são incapazes de fornecer uma estratégia de saída para qualquer conflito significativo no qual estejam engajados. Perder não é uma opção.

Os militares, naturalmente, gostam de terem acesso ao melhor e mais moderno equipamento. A Força Aérea quer os caças mais rápidos, mesmo se forem inadequados para os tipos de combate nos quais os EUA estão engajados. No Afeganistão, por exemplo, caças velozes são quase inúteis; aeronaves lentas e de vôo baixo, que podem alvejar uma edificação ou um grupo de combatentes seriam mais eficazes. Os generais da Força Aérea resistem a adquirir tais aviões. A Marinha quer submarinos nucleares e porta-aviões, mesmo embora, há várias décadas, eles não tenham tido, virtualmente, papel algum em qualquer conflito americano.

Contratados da defesa querem construir e vender dispendiosos equipamentos militares. Para estarem certos de que receberão fundos, eles subcontratam a fabricação de equipamento em tantos estados e distritos congressuais, quanto possível. Deputados e senadores, sabendo que seus eleitores mantém empregos produzindo este equipamento, tem fortes incentivos para manter os fundos fluíndo para os equipamentos militares. Muitos, se não a maioria, dos legisladores, naturalmente, se oporão a redução do tamanho das Forças Armadas.

Nos anos 1980, a relutância do Congresso em permitir reduções nas bases militares - ninguém queria eliminar uma base dentro de seu distrito ou estado - levou ao estabelecimento de uma comissão para recomendar quais bases deveriam ser fechadas; o Congresso concordou em aceitar ou rejeitar o relatório da comissão, em sua totalidade. Hoje, eliminar programas militares seria quase tão difícil quando fechar bases nos anos 80.

Em acréscimo, o patriotismo é uma força muito poderosa. Todos conhecemos a expressão, "Meu país, certo ou errado." Por conseqüência, apoiar nossas tropas nas guerras externas tem sido obrigatório, especialmente para os políticos. Mesmo se acreditamos que a guerra pode ser, simplesmente, errada, os políticos, pelo menos, precisam continuar a apoiar os militares. Embora o presidente possa ter a autoridade para dirigir os militares, a posição "politicamente correta" é seguir o conselho deles. De acordo com Obama's Wars de Bob Woodward, o Diretor da CIA, Leon Panetta, garantiu, "Nenhum presidente democrático pode ir contra o conselho militar, especialmente, se tiver pedido por ele." O livro de Woodward, também mostra que, em 2009, a Junta de Chefes de Estado-Maior e o secretário de defesa Robert Gates, estavam, todos, fortemente, recomendando por tropas adicionais para o Afeganistão. Como disse Panetta, como poderia o presidente fazer outra coisa, exceto ordenar o envio de mais tropas para esta guerra?

Se o presidente Obama ordenasse a volta das tropas para casa, o Congresso permitiria a retirada? Parece provável que ele tentasse aprovar uma emenda proibindo que qualquer dinheiro fosse utilizado para repatriar nossas tropas do Afeganistão.

Muitos observadores da política externa americana acreditam que nossas Forças Armadas estão superdistendidas em volta do mundo, e que seria melhor se nos retirássemos de nossas bases estrangeiras. Se o presidente ordenasse que todas as bases estrangeiras fossem fechadas e as tropas devolvidas ao solo americano, o Congresso permitiria? Se as tropas fossem trazidas de volta, o tamanho das Forças Armada seria, significativamente, reduzido. Embora isto cortasse o gasto governamental e reduzisse o déficit, causaria consternação entre os militares. Muitos oficiais teriam de ser reformados. As promoções se tornariam difíceis de conseguir. As companhias que fornecem equipamento militar veriam seus mercados, severamente diminuídos.

Se o Congresso não tivesse a vontade ou, mais provavelmente, fosse incapaz de impedir o fechamento das bases estrangeiras, iriam os militares, simplesmente, bater continência e obedecer? Acredito que iriam; mas, no passado, em outras partes do mundo, líderes militares recusaram-se a obedecer ordens dos líderes civis. A República Romana durou centenas de anos até que, eventualmente, um general, Júlio César, liderou sua forças através do Rubicão, daí criando o Império Romano (controlado, é claro, pelos militares). A não ser que coloquemos rédeas em nosso complexo industrial-militar, no final, este poderá ser o nosso destino.


___________________________________________________________________

Thomas Gale Moore é membro da Hoover Institution, Universidade de Stanford. Ele é Ph. D. da Universidade de Chicago, em economia.




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