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O Avante!, órgão central do PCP, "reabilitou" nas duas últimas semanas o dirigente comunista mais polémico de sempre. Após um longo período de silêncio, Estaline voltou a estar em foco no semanário comunista a propósito do 60.º aniversário do fim da II Guerra Mundial na Europa. O jornal dedicou mesmo uma notícia, na sua última edição, ao antigo ditador soviético sob o título "Estaline homenageado".
A notícia, ao alto de uma página, sublinha que "milhares de pessoas" assistiram à inauguração de uma estátua do ex-ditador na cidade de Mirni, na Sibéria. "O presidente do município, Anatoli Popov, destacou Estaline como 'um filho ilustre da Rússia que entregou a seu povo tudo o que tinha talento, capacidades de organizador, firmeza e fidelidade, e não pediu nada em troca'."
Nesta mesma edição, em artigo assinado pelo chefe de redacção do Avante!, destaca-se a "figura de Estaline", que "não pode ser isolada dos outros dirigentes" da União Soviética, "tal como o PCUS [Partido Comunista da União Soviética] não podia encontrar-se isolado da vontade dos milhões de soviéticos, comunistas ou não".
Leandro Martins, que é membro do Comité Central do PCP, vai mais longe "Estaline teve o seu papel na vitória ao lado do povo." O chefe de Redacção do Avante! não estranha, por isso, que na Rússia actual "voltem a aparecer cidades em que se dá o nome de Estaline a ruas".
O antigo ditador, responsável por milhões de mortos na extinta URSS (ver caixa), é qualificado de "revolucionário soviético" pelo chefe de Redacção do Avante!. Leandro Martins elogia o regime que vigorou em Moscovo entre 1917 e 1991. Na sua opinião, foi "a mais brilhante conquista da história da humanidade".
Este membro do Comité Central denuncia aqueles que, na Rússia actual, mencionam os "crimes" (escrevendo a palavra deste modo, entre aspas) de Estaline. E contrapõe o antigo ditador soviético ao Prémio Nobel da Paz Mikhail Gorbatchov, último líder da União Soviética, enaltecendo o primeiro e denegrindo o segundo.
"Se Estaline teve o seu papel na vitória ao lado do povo, Gorbatchov teve o papel principal na derrota do socialismo, acompanhanado apenas por arrivistas e traidores de que se rodeou", escreve o chefe de Redacção do Avante!.
A "reabilitação" de Estaline teve início na edição de 5 de Maio do Avante!, que elogiava em manchete "a inteligência, coragem e determinação do Exército Vermelho, dirigido pelo PCUS" [de Estaline] na II Guerra Mundial. Nessa edição, num texto assinado por Luís Carapinha, dizia-se que o regime estalinista "salvou a Europa e o mundo do fascismo e abriu novos horizontes à luta de libertação dos povos".
Também nesse número do jornal comunista, Manuela Bernardino, membro da Comissão Política do PCP, destacava por sua vez o "contributo decisivo da URSS, do seu povo e do Exército Vermelho", em contraponto aos "compromissos, a conciliação e a traição da burguesia e dos seus governos que facilitaram o avanço do fascismo e o desencadeamento" da II Grande Guerra. Sem qualquer referência ao pacto de não-agressão entre a Alemanha nazi e a URSS, assinado em 23 de Agosto de 1939 pelos ministros dos Negócios Estrangeiros de Hitler e Estaline. Nove dias depois, a 1 de Setembro, começava o conflito mundial.
Ao abrigo desse pacto, enquanto as forças de Hitler atacavam os polacos pelo Ocidente, o Exército Vermelho ocupou o Leste da Polónia. Em 19 de Setembro, um comunicado conjunto germano-soviético assinalava que a tarefa dos dois países era "restaurar a paz e a ordem perturbadas pela desintegração do Estado polaco". Varsóvia cairia dez dias mais tarde.
Estaline é ainda elogiado, no Avante! de 5 de Maio, por ter promovido a liberdade religiosa na URSS "A igreja ortodoxa mantinha abertos ao culto, nessa altura de grandes riscos e sacrifícios, 20 mil templos, 67 mosteiros, oito seminários, três academias teológicas e dispunha de 31 mil sacerdotes ordenados. Quanto à questão polémica de se saber se existia ou não, na URSS, liberdade religiosa, estes números podem falar por si", escreve Jorge Messias, habitual colaborador do jornal.
in Diário de Notícias de 16/Maio/2005