Poesia e literatura

Área para discussão de Assuntos Gerais e off-topics.

Moderador: Conselho de Moderação

Mensagem
Autor
Avatar do usuário
Brasileiro
Sênior
Sênior
Mensagens: 9335
Registrado em: Sáb Mai 03, 2003 8:19 pm
Agradeceram: 506 vezes

Poesia e literatura

#1 Mensagem por Brasileiro » Dom Jun 23, 2013 3:40 pm

Tragam o que quiserem, poemas que gostarem, poemas que vocês escreveram etc.




----------------
amor fati
Avatar do usuário
Brasileiro
Sênior
Sênior
Mensagens: 9335
Registrado em: Sáb Mai 03, 2003 8:19 pm
Agradeceram: 506 vezes

Re: Poesia e literatura

#2 Mensagem por Brasileiro » Dom Jun 23, 2013 3:40 pm

CANÇÃO DE BOAS-VINDAS

Eis sua família, sua mãe, seus pais, seus avós.
Bem-vindo a esse sangue, esses ossos.
Por que você perdeu a voz?

Eis sua comida, eis sua bebida, eis o jantar.
E uns pensamentos, se quiser pensar.
Bem-vindo ao lar.

Eis sua estrada da vida quase virgem
Bem-vindo a ela, a essa miragem.
Mesmo assim, boa viagem.

Eis seu aluguel, eis seu pagamento.
O dinheiro é o quinto elemento.
Bem-vindo ao investimento.

Eis sua colmeia, o enxame, multidões.
Bem-vindo a tantas populações:
Você é um em cinco bilhões.

Bem-vindo à lista telefônica onde reluz seu nome.
Numa democracia, um dígito é um homem.
Bem-vindo à busca de renome.

Eis seu casamento, e eis um divórcio todo seu.
E agora os erros irreversíveis que cometeu.
Bem-vindo, você se fodeu.

Eis você com a lâmina junto à jugular.
Bem-vindo, autoterrorista singular,
Ao seu Oriente Médio particular.

Eis seu espelho, eis sua pasta de dentes.
Eis o polvo no seu sonho recorrente.
É seu esse grito de demente?

Eis o sofá, a TV, o debate sobre a crise.
Eis seu candidato falando cretinice.
Bem-vindo ao que ele disse.

Eis sua varanda, o carro que passa apressado.
Eis seu cachorro cagando na sala, folgado.
Bem-vindo ao seu olhar culpado.

Eis as cigarras e eis um pássaro piando à tarde.
A lágrima que pinga no seu chá pela metade.
Bem-vindo à eternidade.

Eis sua radiografia com uma mancha no pulmão.
Bem-vindos os comprimidos para o coração.
Bem-vindo seja você à oração.

Eis sua tumba, o cemitério que se estende além.
Bem-vindas as vozes que dizem “Amém”.
É o fim para você também.

Eis seu testamento, mas ninguém o lê.
Eis sua missa, mas rezar quem há de?
Eis a vida sem você.

E eis as estrelas que não estão nem aí
Para você ter ou não estado aqui.
Meu velho, é isso aí.

Eis que não sobrou nada do seu passo.
Da sua face não ficou traço.
Bem-vindo ao espaço.

Bem-vindo, aqui não se respira.
No espaço aberto tudo expira.
Só Saturno segura a pira.


---
Joseph Brodsky




----------------
amor fati
Avatar do usuário
Wingate
Sênior
Sênior
Mensagens: 5130
Registrado em: Sex Mai 05, 2006 10:16 am
Localização: Crato/CE
Agradeceram: 239 vezes

Re: Poesia e literatura

#3 Mensagem por Wingate » Seg Jun 24, 2013 6:48 pm

MORTE

Morte, não te orgulhes, embora alguns te provem

Poderosa, temível, pois não és assim.

Pobre morte: não poderás matar-me a mim,

E os que presumes que derrubaste, não morrem.

Se tuas imagens, sono e repouso, nos podem

Dar prazer, quem sabe mais nos darás? Enfim,

Descansar corpos, liberar almas, é ruim?

Por isso, cedo os melhores homens te escolhem.

És escrava do fado, de reis, do suicida;

Com guerras, veneno, doença hás de conviver;

Ópios e mágicas também têm teu poder

De fazer dormir. E te inflas envaidecida?

Após curto sono, acorda eterno o que jaz,

E a morte já não é;

Morte, tu morrerás.

John Donne




Avatar do usuário
jumentodonordeste
Sênior
Sênior
Mensagens: 3188
Registrado em: Sex Mai 01, 2009 9:01 pm
Localização: SP
Agradeceram: 204 vezes

Re: Poesia e literatura

#4 Mensagem por jumentodonordeste » Seg Jun 24, 2013 9:23 pm

Canção do Tamoio - Gonçalves Dias
I
Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida: Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos,
Só pode exaltar.

II

Um dia vivemos!
O homem que é forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa uma presa,
Quer seja tapuia,
Condor ou tapir.

III

O forte, o covarde
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz;
E os tímidos velhos
Nos graves conselhos,
Curvadas as frontes,
Escutam-lhe a voz!

IV

Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!

V

E pois que és meu filho,
Meus brios reveste;
Tamoio nasceste,
Valente serás.
Sê duro guerreiro,
Robusto, fragueiro,
Brasão dos tamoios
Na guerra e na paz.

VI

Teu grito de guerra
Retumbe aos ouvidos
D'imigos transidos
Por vil comoção;
E tremam d'ouví-lo
Pior que o sibilo
Das setas ligeiras,
Pior que o trovão.

VII

E a mãe nestas tabas,
Querendo calados
Os filhos criados
Na lei do terror;
Teu nome lhes diga,
Que a gente inimiga
Talvez não escute
Sem pranto, sem dor!

VIII

Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do inimigo falaz!
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranqüilo nos gestos,
Impávido, audaz.

IX

E cai como o tronco
Do raio tocado,
Partido, rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.

X

As armas ensaia,
Penetra na vida:
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.




Avatar do usuário
LeandroGCard
Sênior
Sênior
Mensagens: 8754
Registrado em: Qui Ago 03, 2006 9:50 am
Localização: S.B. do Campo
Agradeceram: 812 vezes

Re: Poesia e literatura

#5 Mensagem por LeandroGCard » Seg Jun 24, 2013 10:03 pm

A guerra.

Estão jogados pelo campo de batalha,
diversos corpos, carentes de mortalha.
Antes guerreiros, soldados, inimigos.
Agora, pela morte, unidos.

A guerra insana assola a humanidade,
ceifando vidas em grande quantidade.
E quando uma afinal termina,
o germe d'outra, logo logo, germina.

Enquanto há homem para empunhar a espada
a terrível chacina não acaba.
As mortes seguem-se, em rápida cadência,
auxiliadas até pela ciência.

E segue assim pelos séculos afora,
guerras aqui, lutas ali, à toda hora.
Embora a busca pela paz seja constante,
onde houver homem a guerra estará presente.

Até que um dia a bomba atômica explode,
queimando o céu, queimando a terra e o mais que pode.
E então, por falta de matéria prima,
junto com os homens, a guerra termina!


Leandro G. Card




Avatar do usuário
jumentodonordeste
Sênior
Sênior
Mensagens: 3188
Registrado em: Sex Mai 01, 2009 9:01 pm
Localização: SP
Agradeceram: 204 vezes

Re: Poesia e literatura

#6 Mensagem por jumentodonordeste » Ter Jun 25, 2013 4:29 pm

Primeiro um pouco de história.
A poesia 'Ainda uma vez — adeus!', bem como as poesias 'Palinódia' e 'Retratação', foram inspiradas por Ana Amélia Ferreira do Vale, cunhada do Dr. Teófilo Leal, ex-condiscípulo do poeta em Portugal e seu grande amigo. Gonçalves Dias viu-a pela primeira vez em 1846 no Maranhão. Era uma menina quase, e o poeta, fascinado pela sua beleza e graça juvenil, escreveu para ela as poesias 'Seus olhos' e 'Leviana'. Vindo para o Rio, é possível que essa primeira impressão tenha desaparecido do seu espírito. Mais tarde, porém, em 1851, voltando a S. Luís, viu-a de novo, e já então a menina e moça de 46 se fizera mulher, no pleno esplendor da sua beleza desabrochada7 . O encantamento de outrora se transformou em paixão ardente, e, correspondido com a mesma intensidade de sentimento, o poeta, vencendo a timidez, pediu-a em casamento à família.7 A família da linda Don'Ana — como lhe chamavam — tinha o poeta em grande estima e admiração. Mais forte, porém, do que tudo, era naquele tempo no Maranhão o preconceito de raça e casta. E foi em nome desse preconceito que a família recusou o seu consentimento. Por seu lado, o poeta, colocado diante das duas alternativas: renunciar ao amor ou à amizade, preferiu sacrificar aquela a esta, levado por um excessivo escrúpulo de honradez e lealdade, que revela nos mínimos atos de sua vida. Partiu para Portugal. Renúncia tanto mais dolorosa e difícil por que a moça que estava resolvida a abandonar a casa paterna para fugir com ele, o exprobrou em carta, dura e amargamente, por não ter tido a coragem de passar por cima de tudo e de romper com todos para desposá-la! E foi em Portugal, tempos depois, que recebeu outro rude golpe: Don'Ana, por capricho e acinte à família, casara-se com um comerciante, homem também de cor como o poeta e nas mesmas condições inferiores de nascimento. A família se opusera tenazmente ao casamento, mas desta vez o pretendente, sem medir considerações para com os parentes da noiva, recorreu à justiça, que lhe deu ganho de causa, por ser maior a moça. Um mês depois falia, partindo com a esposa para Lisboa, onde o casal chegou a passar até privações.7 Foi aí, em Lisboa, num jardim público, que certa vez se defrontaram o poeta e a sua amada, ambos abatidos pela dor e pela desilusão de suas vidas, ele cruelmente arrependido de não ter ousado tudo, de ter renunciado àquela que com uma só palavra sua se lhe entregaria para sempre. Desvairado pelo encontro, que lhe reabrira as feridas e agora de modo irreparável, compôs de um jato as estrofes de 'Ainda uma vez — adeus!', as quais, uma vez conhecidas da sua inspiradora, foram por esta copiadas com o seu próprio sangue.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gon%C3%A7alves_Dias


Ainda Uma Vez Adeus

I
Enfim te vejo! - enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.
Muito penei! Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram-me acabrunhado
A não lembrar-me de ti!
II
Dum mundo a outro impelido,
Derramei os meus lamentos
Nas surdas asas dos ventos,
Do mar na crespa cerviz!
Baldão, ludíbrio da sorte
Em terra estranha, entre gente,
Que alheios males não sente,
Nem se condói do infeliz!
III
Louco, aflito, a saciar-me
D'agravar minha ferida,
Tomou-me tédio da vida,
Passos da morte senti;
Mas quase no passo extremo,
No último arcar da esperança,
Tu me vieste à lembrança:
Quis viver mais e vivi!
IV
Vivi; pois Deus me guardava
Para este lugar e hora!
Depois de tanto, senhora,
Ver-te e falar-te outra vez;
Rever-me em teu rosto amigo,
Pensar em quanto hei perdido,
E este pranto dolorido
Deixar correr a teus pés.
V
Mas que tens? Não me conheces?
De mim afastas teu rosto?
Pois tanto pôde o desgosto
Transformar o rosto meu?
Sei a aflição quanto pode,
Sei quanto ela desfigura,
E eu não vivi na ventura...
Olha-me bem, que sou eu!
VI
Nenhuma voz me diriges!...
Julgas-te acaso ofendida?
Deste-me amor, e a vida
Que me darias - bem sei;
Mas lembrem-te aqueles feros
Corações, que se meteram
Entre nós; e se venceram,
Mal sabes quanto lutei!
VII
Oh! se lutei!... mas devera
Expor-te em pública praça,
Como um alvo à populaça,
Um alvo aos dictérios seus!
Devera, podia acaso
Tal sacrifício aceitar-te
Para no cabo pagar-te,
Meus dias unindo aos teus?
VIII
Devera, sim; mas pensava,
Que de mim t'esquecerias,
Que, sem mim, alegres dias
T'esperavam; e em favor
De minhas preces, contava
Que o bom Deus me aceitaria
O meu quinhão de alegria
Pelo teu, quinhão de dor!
IX
Que me enganei, ora o vejo;
Nadam-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;
Erro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar!
X
Tudo, tudo; e na miséria
Dum martírio prolongado,
Lento, cruel, disfarçado,
Que eu nem a ti confiei;
"Ela é feliz (me dizia)
"Seu descanso é obra minha."
Negou-me a sorte mesquinha...
Perdoa, que me enganei!
XI
Tantos encantos me tinham,
Tanta ilusão me afagava
De noite, quando acordava,
De dia em sonhos talvez!
Tudo isso agora onde pára?
Onde a ilusão dos meus sonhos?
Tantos projetos risonhos,
Tudo esse engano desfez!
XII
Enganei-me!... - Horrendo caos
Nessas palavras se encerra,
Quando do engano, quem erra.
Não pode voltar atrás!
Amarga irrisão! reflete:
Quando eu gozar-te pudera,
Mártir quis ser, cuidei qu'era...
E um louco fui, nada mais!
XIII
Louco, julguei adornar-me
Com palmas d'alta virtude!
Que tinha eu bronco e rude
C'o que se chama ideal?
O meu eras tu, não outro;
Stava em deixar minha vida
Correr por ti conduzida,
Pura, na ausência do mal.
XIV
Pensar eu que o teu destino
Ligado ao meu, outro fora,
Pensar que te vejo agora,
Por culpa minha, infeliz;
Pensar que a tua ventura
Deus ab eterno a fizera,
No meu caminho a pusera...
E eu! eu fui que a não quis!
XV
És doutro agora, e pr'a sempre!
Eu a mísero desterro
Volto, chorando o meu erro,
Quase descrendo dos céus!
Dói-te de mim, pois me encontras
Em tanta miséria posto,
Que a expressão deste desgosto
Será um crime ante Deus!
XVI
Dói-te de mim, que t'imploro
Perdão, a teus pés curvado;
Perdão!... de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!
XVII
Adeus qu'eu parto, senhora;
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo,
Ter sepultura entre os meus;
Negou-me nesta hora extrema,
Por extrema despedida,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar um breve Adeus!
XVIII
Lerás porém algum dia
Meus versos d'alma arrancados,
D'amargo pranto banhados,
Com sangue escritos; - e então
Confio que te comovas,
Que a minha dor te apiade
Que chores, não de saudade,
Nem de amor, - de compaixão.




Avatar do usuário
prp
Sênior
Sênior
Mensagens: 8609
Registrado em: Qui Nov 26, 2009 11:23 am
Localização: Montes Claros
Agradeceram: 391 vezes

Re: Poesia e literatura

#7 Mensagem por prp » Sáb Jul 06, 2013 6:15 pm

JOSÉ

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,

seu terno de vidro, sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, pra onde?




Avatar do usuário
P44
Sênior
Sênior
Mensagens: 54732
Registrado em: Ter Dez 07, 2004 6:34 am
Localização: O raio que vos parta
Agradeceram: 2300 vezes

Re: Poesia e literatura

#8 Mensagem por P44 » Dom Jul 07, 2013 7:52 am

Soneto da Dama Cagando

Cagando estava a dama mais formosa,
E nunca se viu cu de tanta alvura;
Porem o ver cagar a formosura
Mette nojo à vontade mais gulosa!

Ella a massa expulsou fedentinosa
Com algum custo, porque estava dura;
Uma charta d'amor de alimpadura
Serviu àquella parte malcheirosa:

Ora mandem à moça mais bonita
Um escripto d'amor que lisonjeiro
Affectos move, corações incita:

Para o ir ver servir de reposteiro
À porta, onde o fedor, e a trampa habita,
Do sombrio palacio do alcatreiro!

----

Soneto do Caralho Apatetado

Fiado no fervor da mocidade,
Que me accenava com tesões chibantes,
Consumia da vida os meus instantes
Fodendo como um bode, ou como um frade.

Quantas pediram, mas em vão, piedade
Encavadas por mim balbuciantes!
Ficando a gordos sessos alvejantes
Que hemorrhoides não fiz nesta cidade!

À força de brigar fiquei mammado;
Vista ao caralho meu, que de gaiteiro
Está sobre os colhões apatetado:

Oh Numen tutelar do mijadeiro!
Levar-te-ei, si tornar ao teso estado,
Por offerenda espetado um parrameiro.

-----


Soneto da Puta Assombrosa

Pela rua da Rosa eu caminhava
Eram septe da noite, e a porra tesa;
Eis puta, que indicava assaz pobreza,
Co'um lencinho à janella me accenava.

Quaes conselhos? A porra fumegava;
"Hei de seguir a lei da natureza!"
Assim dizia e effeituou-se a empresa;
Prepucio para traz a porta entrava.

Sem que saude a moça prazenteira
Se arrima com furor não visto à crica,
E a bella a molle-molle o cu peneira.

Ninguem me gabe o rebolar d'Annica;
Esta puta em foder excede à Freira,
Excede o pensamento, assombra a pica!

----


Soneto do Adeus às Putas

Que eu não possa ajunctar como o Quintella
É coisa que me afflige o pensamento;
Desinquieta a porra quer sustento,
E a pivia tracta ja de bagatella.

Si n'outro tempo houve alguma bella
Que o amor só desse o conno pennugento,
Isso foi, ja não é; que o mais sebento
Cagaçal quer durazia caravella.

Perdem saude, bolsa, e economia;
Nunca mais me verão meu membro ropto;
Está ahi mi'a porral philosophia.

Putas, adeus! Não sou vosso devoto;
Co'um sesso engannarei a phantasia,
Numa escada enrabando um bom garoto.

----


Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805)




Triste sina ter nascido português 👎
Avatar do usuário
gingerfish
Sênior
Sênior
Mensagens: 1449
Registrado em: Sáb Jan 13, 2007 8:45 am
Localização: juiz de fora
Agradeceram: 84 vezes

Re: Poesia e literatura

#9 Mensagem por gingerfish » Dom Jul 07, 2013 10:49 pm

Estes dois eu escrevi quando um sobrinho meu nasceu e morreu duas horas após o parto...

Quis a vida que a vida fosse vida.
Entre vidas estivesse como um sonho pré-datado.
Aqui se foram dados de tua herança.
Pouco alcança esta imagem que de seu ser não temos, mas sua essência, como Divina, vem como vai.
Sente e pára.
Reflete e soma.
Quis a vida que sua soma fosse subtraída.
Um sentimento de vida que sempre permanece, mas que a soma vem ao pó, de tudo, enfim, que é de onde viera.
Quis a vida que fosse Deus seu companheiro.
Sua carruagem, seu corpo, retornam ao ponto de partida.
E volta ao ser Divino recuperado, pronto para outra soma.
Onde a vida se encerra, encena-se outra aparição.


Não retornas aos montes de tua terra.
Nem viverás como os nababos.
Aqui desta gleba, levas apenas os sentidos.
Se quer visão do mundo, já teves...
Volta ao melhor dos mundos.
Volta a sensações eternas...
Volta aos carinhos sem mãos...
Mas os semblantes são auras diáfanas e verdadeiras...
Sim, retornas aos montes olimpos, onde toda divindade te brinda!
Aqui, sua vida se finda...
Em outra esfera, se esvanece...
Aqui viste para compor a vida, encenar esse teatro, viver sua dramaticidade toda em poucas horas...
Aqui deixaste pedaços de amor por todos os lados.
Aqui se foram passados como se fossem eras...
Aqui todo projeto se finda...
Tudo começa em pó, que o vento faz voltar à terra...

Este eu escrevi quando a minha avó faleceu
O nome é "Como se vive a existência?"

Em certo momento de nossa lida, a vida descansa.
Sai do prumo. Deixa herança para a terra, sem fazer parte do todo.
Vem ser adubo para outras eras.
Neste momento sagrado, a mãe deixa a criança, outra herança no mundo.
Deixa um coração estrelado.
Um pano moribundo do que restou de seu estado.
Uma mancha profunda de seu corpo cadente que verticaliza para a terra até o profundo final.
No seio da terra se estabelece uma estrela que nasce no amanhã de outra vida.
E a vida procria crianças em todas as dimensões.
Deixa na terra seu húmus, no céu, estrelas, nos entes queridos, pedaços de deuses que ajudou a compor.
Deixa as tristezas alegres, e as alegrias tristes.
Deixa os caminhos e o caminhar.
Deixa o perder e o deixar.
Deixa o ontem, o hoje, e a promessa de que o amanhã há de chegar...
Se faz incorpórea sua lida, agora em outras paragens, como rastros de estrelas, luminoso, calado, e infindo.
Nesta lida, somos duas partes – uma que vai, e outra que se perde na essência enquanto perfuma.
Somos como flores.
Embelezamos a vida e depois, colhidos, vamos embelezar a saudade.

Danilo César, 13 de julho de 2012.




A vida do homem na Terra é uma guerra.
Jó 7:1
Avatar do usuário
gingerfish
Sênior
Sênior
Mensagens: 1449
Registrado em: Sáb Jan 13, 2007 8:45 am
Localização: juiz de fora
Agradeceram: 84 vezes

Re: Poesia e literatura

#10 Mensagem por gingerfish » Dom Jul 07, 2013 10:57 pm

Na 12ª frase do segundo texto é 'vieste' e não 'viste'... erro de digitação que acontece...




A vida do homem na Terra é uma guerra.
Jó 7:1
Avatar do usuário
Wingate
Sênior
Sênior
Mensagens: 5130
Registrado em: Sex Mai 05, 2006 10:16 am
Localização: Crato/CE
Agradeceram: 239 vezes

Re: Poesia e literatura

#11 Mensagem por Wingate » Sáb Jul 13, 2013 11:37 am

Autor: William Ernest Henley:

Invictus

Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll.
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.

-----------------------------------




Avatar do usuário
gingerfish
Sênior
Sênior
Mensagens: 1449
Registrado em: Sáb Jan 13, 2007 8:45 am
Localização: juiz de fora
Agradeceram: 84 vezes

Re: Poesia e literatura

#12 Mensagem por gingerfish » Sex Nov 15, 2013 1:25 am

Retaliação ao 'Big Brother Brasil'.

O que não conheço não tenho;
Não tenho a sorte de almejar o abismo, porque nele nunca estive por sonho ou vaidade;
Não vivo de abismos, vivo de luz.
Nunca estive tão perto que poderia ser íntimo de mim mesmo;
Me conhecer seria como se me deixasse passar;

Assim como os anos, eu vi enganos pelas ruas como pedras e poeira.
Vi sementes de gente dando bobeira e não se plantando em solo fértil;
Vi vaga-lumes acesos noite em dia, porque as lanternas acesas procuram homens.
E o fazem no calabouço dos dias, presos nas nuvens de pó e criação, como nas catequeses.
São almas argutas as que se pescam no oceano da maioria e conseguem ver. Outros elegem espelhos e mentes alheias para ser e pensar.
Quando não ligam a TV.
Outras são almas perdidas entre o nó e a razão.
Entre o sentimento e o não, entre a ferida e a cura.

Perdidos estamos se supusermos o infinito, posto que o infinito de nós jaz por nós outros que pouco querem de nós, a não ser nosso sangue.
O que nos toca é tão pouco que nunca poderemos nos refestelar de vida se não a vermos por outros conhecimentos.
E os conhecimentos dos outros sobre nós não nos dizem respeito. É inútil filosofar.
E a arte da vida está além do olhar da ciência. O conhecimento é uma presença que não se outorga.
Ninguém tem a toga para julgar o tempo que nós temos para nós.
Ou aquele que perdemos.
Por isso e por tudo que nunca seremos eu me revelo em dúvidas a cerca de o que presta ao humano: conhecer a alma que habita o corpo, ou conhecer o corpo por onde transita errante a alma?
O espírito das coisas nos falta. Nos falta o algo "a respeito”.
Falta uma noção de Deus.
E ninguém é maluco assim completamente.
Ele sabe de sua demência e abusa de ser, tão demente e crítico quanto egoísta e sóbrio.
Então não conheço nada que me faça mais infame do que posso ver nos loucos.
Algum filósofo me disse para conhecer, eu digo a quem e por quê?
Não é melhor deixar a vida passar e conhecer apenas o passado?
A presença de um futuro sempre me cansa um pouco, e me falta mais e mais a memória do passado. Então fico com o presente que ganhei do criador, e nele faço meu Big mundo.




A vida do homem na Terra é uma guerra.
Jó 7:1
Avatar do usuário
jumentodonordeste
Sênior
Sênior
Mensagens: 3188
Registrado em: Sex Mai 01, 2009 9:01 pm
Localização: SP
Agradeceram: 204 vezes

Re: Poesia e literatura

#13 Mensagem por jumentodonordeste » Qua Mar 26, 2014 10:49 pm





Avatar do usuário
cassiosemasas
Sênior
Sênior
Mensagens: 2700
Registrado em: Qui Set 24, 2009 10:28 am
Agradeceram: 86 vezes

Re: Poesia e literatura

#14 Mensagem por cassiosemasas » Seg Abr 28, 2014 3:55 am

mundo de Chagall

Só é meu
O país que trago dentro da alma.
Entro nele sem passaporte
Como em minha casa.
Ele vê a minha tristeza
E a minha solidão.
Me acalanta.
Me cobre com uma pedra perfumada.
Dentro de mim florescem jardins.
Minhas flores são inventadas.
As ruas me pertencem
Mas não há casas nas ruas.
As casas foram destruídas desde a minha infância.
Os seus habitantes vagueiam no espaço
À procura de um lar.
Instalam-se em minha alma.
Eis porque sorrio
Quando mal brilha o meu sol.
Ou choro Como uma chuva leve na noite.
Houve tempo em que eu tinha duas cabeças.
Houve tempo em que essas duas caras
Se cobriam de um orvalho amoroso.
Se fundiam como o perfume de uma rosa.
Hoje em dia me parece
Que até quando recuo
Estou avançando para uma alta portada
Atrás da qual se estendem muralhas
Onde dormem trovões extintos
E relâmpagos partidos.
Só é meu
O mundo que trago dentro da alma.

Manuel Bandeira
Ps: esse poema é do artista Chagal e Manuel Bandeira "transcreveu"




Editado pela última vez por cassiosemasas em Qua Dez 12, 2018 1:43 am, em um total de 1 vez.
...
Avatar do usuário
rodrigo
Sênior
Sênior
Mensagens: 12891
Registrado em: Dom Ago 22, 2004 8:16 pm
Agradeceram: 424 vezes

Re: Poesia e literatura

#15 Mensagem por rodrigo » Seg Abr 28, 2014 7:00 pm

Navio Negreiro - Castro Alves - Declamado por Paulo Autran





"O correr da vida embrulha tudo,
a vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem."

João Guimarães Rosa
Responder