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![Imagem](http://www.jornalopcao.com.br/arquivos/images/Carta%20de%20Europa%20-%20Angela%20Merkel%281%29.jpg)
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Edgar Welzel
De Stuttgart, Alemanha
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Os 11 dias entre 15 e 25 de março de 2013 talvez tenham sido os mais agitados em Bruxelas desde a introdução do euro em 2002. Em pauta estavam as discussões em torno do auxílio financeiro do Chipre solicitado à União Europeia (UE) já no início de 2012. A Troika, a equipe formada por técnicos da UE, do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), já no ano passado esteve, durante oito meses, no Chipre a fim de fazer levantamentos acerca da situação econômica e financeira do país que serviriam de base para eventuais decisões em Bruxelas.
Técnicos da UE já há muito criticavam o sistema bancário do Chipre, que achavam demasiadamente dimensionado ao que a mídia passou a tratá-lo de “superinflado”. De fato revelou-se que 40% da economia do país, com um PIB de apenas US$ 23,6 bilhões, correspondentes a magros 0,2% do PIB da UE, era auferida através do sistema bancário. Paralelamente começou-se a falar do “Sistema Cipriota” que englobava várias outras ofertas vantajosas (das quais voltaremos a falar mais adiante) inexistentes em nenhum outro país europeu. Não demorou e a Troika concluiu: “O Sistema Cipriota não tem chances para sobreviver”.
Os primeiros sinais de estremecimento do “Sistema Cipriota” começaram a manifestar-se com as medidas de austeridade impostas pela Troika à Grécia cuja já enfraquecida economia debilitou ainda mais com graves repercussões no Chipre tendo em vista o intrínseco entrelaçamento econômico e financeiro entre os dois países. Apesar do forte decréscimo de exportação recíproca de produtos mesmo assim os bancos do Chipre tiveram vantagem com a crise grega. Milhares de gregos, desiludidos, que já não mais acreditam em seu próprio país, passaram a abrir contas correntes no Chipre. E não eram apenas pequenos correntistas, preocupados com suas parcas economias.
As ofertas vantajosas do governo cipriota, impostos baixos e juros altos em depósitos, tornaram-se altamente atrativos para investidores: Enquanto nos 17 países da Eurozona a média dos juros em depósitos bancários anda num patamar baixíssimo de1,5% ao ano, a banca cipriota oferecia entre 6 e 7%. Astronômica dinheirama, boa parte de fontes duvidosas, começaram a ser depositadas no Chipre, proveniente de todos os quadrantes mas principalmente da oligarquia russa que também dominava o turismo. Segundo o BND (Serviço Secreto Alemão) oligarcas, magnatas, empresas e demais cidadãos particulares russos armazenaram cerca de US$ 26 bilhões em bancos cipriotas, uma soma superior ao PIB do próprio país. Revelou-se ainda que nesse pequeno país com uma área de apenas 9.251 km² (o menor Estado do Brasil, Sergipe, tem 21.862,6 km²) existem mais de 4 mil firmas “fantasmas” cuja área construída não é maior do que uma caixa postal. Para registrar uma firma tipo caixa postal, os serviços de agências especializadas facilitavam tudo: mediante o pagamento de apenas 375 euros (cerca de 968 reais) foi possível registrar uma firma, de qualquer parte do mundo, via internet e o processo todo era realizado, isento de qualquer burocracia, em apenas três dias. Essas agências até forneciam uma lista com nomes (pomposos) entre os quais escolhia-se um para designação de tais construções empresariais fantasmagóricas através das quais jorrava a grana, não raro, limpidamente lavada. Em suma um paraíso fiscal, no qual muitos ganharam dinheiro, o que há tempos não era visto com bons olhos pelas autoridades em Bruxelas.
Outro detalhe alarmante refere-se a altíssima soma em créditos concedidos pelos bancos do Chipre. A média dos créditos concedidos na Eurozona, por país, não é superior a três vezes o valor de seu PIB. No Chipre esse valor é oito e meia vezes superior ao PIB.
Jornalistas do semanário alemão “Der Spiegel” tiveram acesso às listas do movimento aéreo do aeroporto de Larnaka. Os profissionais de imprensa deram especial atenção às decolagens de voos não comerciais (sem táxis aéros) e os dados são reveladores tanto pela intensidade quanto pelos destinos dos voos dos jatinhos particulares que decolaram do aeroporto cipriota nos meses de janeiro e fevereiro de 2013. Decolagens de Larnaka em direção à: Rússia 375, Ucrânia 108, Grã-Bretanha 245, Alemanha 170, França 209, Itália 150, Grécia 382, Líbano 222, Israel 344, Emirados Árabes 121. No ano de 2012 foram registrados mais de 3 mil decolagens de aeronaves não comerciais em Larnaka. Em um país com uma uma população de 1,2 milhão de habitantes dos quais 400 mil laboralmente ativos, tudo isso soa demasiadamente estranho, “inflado” como o sistema bancário.
Sexta-feira, 15 de março passado, reuniram-se em Bruxelas os ministros de finança dos 17 países da Eurozona para tratar do “Sistema Chipre”. Do lado cipriota compareceu Nikos Anastasiades, há pouco empossado como presidente do Estado. Era o seu 16° dia de trabalho à frente do governo. Em sua companhia estava Michael Sarris, seu ministro da Fazenda e um grupo de técnicos da área financeira e bancária. A delegação cipriota veio trazendo em sua bagagem duas coisas: primeiro um pedido de auxílio de 10 bilhões de euros e, segundo, uma sugestão de como conseguir mais 7 bilhões de euros, como participação própria, para completar a soma total de 17 bilhões necessários para superar a crise. O espanto entre os experientes ministros de finança reunidos em Bruxelas foi grande pois nunca havia chegado um grupo de pedintes com proposta de autoflagelação.
Em reunião que, como sempre em Bruxelas adentrou a noite até altas horas da madrugada, chegou-se a um acordo que incluíu as sugestões da delegação cipriota: Aos correntistas com depósito até 100 mil euros, seriam descontados 6,99% e, aos com créditos acima de 100 mil euros seriam descontados 9,99%. O presidente Nikos Anastasiades, antes de dar o seu consentimento, ligou à Nikosia a fim de garantir o apoio da bancada de seu partido, majoritário no parlamento. Tanto o seu partido como a oposição concordaram em apoiar a sugestão. Só então o presidente Nikos Anastasiades e o seu ministro da Fazenda deram o seu “sim”. Testemunhas que viram Anastasiades meia hora depois declararam que ficaram preocupados com o seu aspecto; estava pálido e receavam que ia ter um desmaio. À jornalistas Anastasiades dasabafou: “Com esse resultado não posso nem regressar a meu país”.
Em verdade os protestos no Chipre começaram no fim da semana e segunda-feira, 18 de março, o parlamento em Nikosia reuniu-se para aprovar as decisões da sexta-feira anterior em Bruxelas. Diante da pressão popular, os 58 deputados do parlamento, tanto os aliados do presidente como os da oposição, inesperadamente votaram contra as decisões em Bruxelas, as mesmas decisões que todos tinham apoiado na sexta anterior. A situação tornou-se dramática não apenas para Anastasiades. Também em Bruxelas o inesperado veto do parlamento do Chipre deixou as sirenes em sinal de alarme. Nunca ministros responsáveis em Bruxelas tinham-se confrontado com uma situação parecida.
Paralelamante a esses acontecimentos a população do Chipre foi às ruas e logo foi encontrado um culpado para esses desenvolvimentos: era Ângela Merkel, a chanceler da Alemanha, culpada por tudo e vista em cartazes em trajes típicos do III Reich. Repetiram-se aqui, mais uma vez, as cenas já anteriormente vistas na Grécia, na Espanha, em Portugal, na Irlanda e na Itália. O arlequim político Sílvio Berlusconi até chegou a faturar votos, nesta última eleição na Itália, com suas agressões verbais contra Ângela Merkel, a quem descaradamente responsabilizava pela situação crítica em seu país.
Michalis Sarris, ministro de Finanças do Chipre, deve ser um homem muito lúcido pois declarou: “O Chipre encontra-se nesta situação em virtude de uma política errada que vinha sendo mantida durante muitos anos. Teremos que corrigir essas distorções e para isso levaremos muitos anos. Teremos que passar por um longo processo de muito sofrimento”. Com isso, o Chipre não mais será o Chipre. Mudar-se-à tudo e o povo pagará. Eis aí mais outro exemplo de ganância financeira e de incompetência política que em nada diverge da Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália e eventualmente a França.
Em Bruxelas o holandês Jeroen Dijsselbloem, novo presidente da Eurozona, há poucas semanas no poder e sucessor de Jean-Claude Juncker, também declarou: “Fizemos muitos erros em relação ao Chipre em nossa decisão de 15 de março”.
Enquanto isso novas decisões foram tomadas em Nikosia. Correntistas com depósitos até 100 mil euros não terão que contribuir para a recuperação do país. Correntistas com depósitos acima desse valor, terão que contribuir com 40% do valor de suas contas. Com isso, o “Sistema Chipre” de nenhuma maneira está resolvido e ainda será motivo para muitas discussões na Europa.
Com apenas 0,2% do PIB da UE o Chipre, segundo concluíram os ministros de finanças da Eurozona, não é relevante à UE. Mas, e isso foi olvidado pelos ministros europeus, o Chipre é relevante à Rússia em virtude dos bilhões de dólares russos armazenados naquela belíssima ilha. É certo que Vladimir Putin e Alexander Medvedev voltarão ao assunto. Mas é certo também que a Europa não demonstra nenhum interesse em proteger a dinheirama de fontes obscuras da oligarquia russa. O Chipre não é apenas Chipre. Envolve muitas outros interesses.
A culpabilidade que atinge Ângela Merkel, chanceler da Alemanha, é um descalabro político irracional. Ela não merece isso.
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Fonte: http://www.jornalopcao.com.br/colunas/c ... ela-merkel