contestado, fatos desconhecidos da primeira republica

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marcelo l.
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contestado, fatos desconhecidos da primeira republica

#1 Mensagem por marcelo l. » Dom Out 07, 2012 4:21 pm

Marca este mês, dia 22, o começo do que se chama de Contestado. O Contestado é seu esquecimento não deve estranhar ninguém, afinal o Brasil é o que é, graças a capacidade das instituições de funcionarem bem para impor o modelo de estabilidade, independência, e crescimento econômico que "queríamos", mesmo que para isso 15.000 sejam mortos.


http://www.estadao.com.br/noticias/naci ... 4509,0.htm

Eles eram crianças quando, em 1912, tropas do Exército e agentes policiais desembarcaram nos sertões de Santa Catarina e Paraná para combater seus pais, mães, tios e avós que pegaram em facões de pau e velhas espadas farroupilhas e julianas, num movimento contra o projeto de uma ferrovia em suas posses de terra e os desmandos de lideranças emergentes da República, proclamada duas décadas antes.

Às vésperas do centenário da Guerra do Contestado, a maior rebelião civil do País no século 20, que agitou o Sul entre os anos de 1912 e 1916, o Estado investigou o paradeiro das últimas testemunhas do conflito que deixou um saldo estimado de 10 mil mortos. Altino Bueno da Silva, hoje com 108 anos, Maria Trindade Martins, 105, e Sebastiana Medeiros, 102, foram localizados em porões de casas e barracos de bairros pobres, numa investigação jornalística de 12 meses, para dar a versão dos derrotados sobre os cem dias decisivos da vitoriosa campanha militar (dezembro de 1914 a abril de 1915) comandada pelo general Fernando Setembrino de Carvalho - o cerco, a tomada e a destruição do reduto caboclo de Santa Maria, principal acampamento dos revoltosos, no atual município catarinense de Timbó Grande, a 400 quilômetros de Florianópolis.

A luta sertaneja marcou uma área de 30 mil quilômetros quadrados, maior que Alagoas e o Haiti, ainda hoje uma região tratada como "maldita" pelo Poder Público - as terras do Contestado, cercadas por cidades colonizadas por europeus e com padrões de primeiro mundo, apresentam índices de desenvolvimento humano equivalentes a rincões pobres do Nordeste. É uma história de renegados em pleno Sul do Brasil.

As memórias de infância de três brasileiros que sobreviveram a uma guerra militar e enfrentam a guerra da pobreza, ultrapassando cem anos de idade numa região onde a expectativa de vida é inferior à média nacional, foram confrontadas com todos os documentos militares que se têm registro sobre o Contestado - duas mil páginas de relatórios e fotografias. As lembranças dos "meninos", que surgem lentamente, influenciadas durante anos pelos relatos de adultos, e os papéis amarelados dos vencedores, retirados de caixas de um arquivo do Rio de Janeiro, usado pelos pesquisadores do tema, embora com suas versões distintas, compõem um mosaico de violações de direitos humanos que não tinha sido visto desde o massacre das revoltas regenciais. A aproximação entre o passado e o presente fica ainda mais nítida na análise das ações e prioridades dos governos em Santa Catarina, um Estado reconhecido por sua pujança econômica.

Prisioneiros. Em 1910, a Brazil Railway Company, subsidiária da holding Lumber Company, criada pelo empresário norte-americano Percival Farquhar, concluía a construção do trecho da ferrovia São Paulo- Rio Grande do Sul no território disputado por Santa Catarina e Paraná, o Contestado. Quatro mil ex-detentos e miseráveis de Santos, Rio de Janeiro e São Paulo recrutados para as obras foram demitidos e expulsos de cabanas de palha levantadas nas margens da estrada.

A Lumber conseguiu concessão do governo para explorar pinhos e imbuias nos 15 quilômetros de cada lado da ferrovia. Os renegados engrossaram redutos formados por caboclos nativos que, por orientação de monges andarilhos, pregavam nos desertos sulistas a chegada do exército celeste de São Sebastião, chefiado por uma tropa de elite chamados de os "Pares de França", figuras de histórias medievais reproduzidos em folguedos de origem portuguesa e folhetins.

As "cidades santas", abertas em clareiras da mata do Planalto Catarinense, abrigavam ainda soldados "maragatos" opositores do governo Floriano Peixoto derrotados por tropas legais, de 1893 a 1895, e pequenos comerciantes e proprietários de terras opositores dos novos coronéis da recém proclamada República. O Contestado foi uma aliança inesperada e explosiva do caboclo simples do oeste, do político derrotado e magoado do Rio Grande do Sul, do ex-presidiário e do braçal sem rumo do Rio de Janeiro e de São Paulo. Brasileiros com qualidades, defeitos e dramas pegavam em armas. Só maquiados serviriam, mais tarde, de exemplo para grupos políticos.

A guerra dos jagunços, como o conflito foi chamado pelos caboclos, ou dos fanáticos, na designação dos militares, não teve relação direta com a disputa entre os governos paranaense e catarinense pelo território dos campos de Irani e Palmas, uma área que poucos anos antes era reivindicada pela Argentina. Somente em tempos mais recentes que pesquisadores passaram a chamar a revolta de Guerra do Contestado.

O estopim da revolta ocorreu em 22 de outubro de 1912, quando o capitão João Gualberto Gomes de Sá Filho, do Regimento de Segurança do Paraná, na liderança de 50 homens a cavalo e 200 a pé, atacou um grupo de caboclos que estavam em volta do monge José Maria de Jesus, em Irani, Santa Catarina. Antes da batalha, no deslocamento até Irani, os militares tinham perdido sua principal arma, uma metralhadora "Maxim", durante a travessia de um rio. O próprio João Gualberto teria matado o monge, reconhecendo-o por um boné de pele de onça. O militar foi retalhado a facão pelos rebeldes.




Editado pela última vez por marcelo l. em Qua Out 10, 2012 10:31 am, em um total de 2 vezes.
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Re: contestado, fatos desconhecidos da primeira republica

#2 Mensagem por marcelo l. » Dom Out 07, 2012 4:21 pm

Elias de Moraes, um pequeno fazendeiro que adere ao movimento dos "fanáticos". Tinha poder moderador dentro do grupo. Para uns era um "rei que não governava". Era ele quem escolhia os comandantes-gerais do movimento. Foi fuzilado após o conflito.

Maria Rosa, adolescente que dizia ter visões e conversar com o monge José Maria, morto em outubro de 1912, em Irani. Maria Rosa dava os conselhos aos homens de combate. Era a comandante-geral até o início da campanha final dos militares. Morreu num ataque militar juntamente com outras mulheres dias antes do massacre de Santa Maria.

Francisco Alonso de Souza, o Chiquinho Alonso, tornou-se aos 25 anos comandante-geral dos rebeldes, assumindo o posto de Maria Rosa, com a benção de Elias de Moraes. Foi ele quem ordenou o ataque ao grupo do capitão Matos Costa, em setembro de 1914. A família de Chiquinho participou dos grupos armados de Demétrio Ramos, um coronel veterano da Revolução Federalista. Chiquinho morreu num combate com colonos europeus em Rio das Antas. No comando de 35 homens, ele entrou na colônia e foi recebido a tiros. Outros 12 caboclos também morreram.

Adeodato Manoel Ramos tinha 25 anos quando a guerra começou. Virou comandante-geral aos 27, após sobreviver a um combate no Rio das Antas, também com a benção de Elias de Moraes. Adeodato foi o último líder dos rebeldes e o idealizador do reduto de Santa Maria. A sua prisão, no começo de 1916, foi o marco do fim do movimento rebelde. Ele foi morto em 1923 pelo carcereiro da prisão em que estava em Florianópolis numa suposta tentativa de fuga.

O lixo humano

Hermes da Fonseca (1855-1923) - Presidente da República, foi pressionado por uma rede de lobistas da Lumber a enviar tropas do Exército para derrotar os rebeldes do Contestado. Ao fim do mandato, em novembro de 1914, o seu plano de combate foi mantido pelo sucessor, Venceslau Brás.

Affonso Camargo (1873-1958) - Era vice-presidente do Paraná quando a guerra começou. Acumulou o cargo com o trabalho de advogado e lobista da Lumber. Assumiu o governo do Estado em 1916. Um neto, Affonso Camargo Neto, foi vice-governador em 1964 e 1965. A família é descendente do bandeirante Balthazar Camargo dos Reis, fundador de Curitiba.

Vidal Ramos (1866-1954) - Presidente de Santa Catarina nos dois primeiros anos da guerra, Vidal era latifundiário de Lages e patriarca de uma oligarquia que alternou o poder estadual, ao longo do século 20, com o grupo de Hercílio Luz (1860-1924) e da família Konder-Bornhausen, representantes do setor industrial do Vale do Itajaí. Vidal era pai de Nereu Ramos (1888-1958), que assumiu a Presidência da República em 1955. Por capricho do destino, Nereu, então primeiro-vice presidente do Senado, ocupou a Presidência após um movimento comandado pelo marechal Henrique Lott, que, então um jovem tenente, foi ferido em combate no Contestado.

Ruy Barbosa (1849-1923) - Advogado e lobista da Lumber. Defendeu ainda o Estado do Paraná no processo do território do Contestado. Durante a guerra, era senador. Disputou e perdeu as eleições presidenciais para Prudente de Morais (1894), Hermes da Fonseca (1910) e Venceslau Brás (1914).

http://www.estadao.com.br/noticias/naci ... 4517,0.htm




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Re: contestado, 100 anos de um massacre

#3 Mensagem por marcelo l. » Dom Out 07, 2012 4:23 pm

Depois de dois anos de expedições frustradas, o Ministério da Guerra nomeou Fernando Setembrino de Carvalho, general recém-promovido pelo Exército, para liquidar, em setembro de 1914, o movimento dos caboclos do oeste catarinense. O objetivo era acabar com os embates com as forças policiais do Paraná e Santa Catarina, que dificultavam a atuação da companhia Brazil Railway, concessionária da Ferrovia São Paulo-Rio Grande do Sul.

Setembrino era interventor federal no Ceará quando foi chamado para reprimir os revoltosos do Contestado. No Ceará, ele ocupou o cargo do governador Franco Rabelo que duelava contra o governo federal e o grupo de Padre Cícero Romão Batista e do coronel Floro Bartolomeu. Para Setembrino, os "jagunços" de Cícero e Bartolomeu não eram revolucionários ou políticos, mas apenas "bandidos". E foi essa visão que o militar levou para o Sul do Brasil.

O general chegou de surpresa à cidade de Rio Negro, no Paraná, em dezembro, para organizar a última e decisiva campanha. De Rio Negro, ele foi para Canoinhas, onde montou seu quartel. Estima-se que ele dispunha, naquele momento, de sete mil homens do para reprimir os rebeldes. Presente na região há dois anos, o Exército não contava ainda com mapas da topografia do terreno.

A imprensa de Santa Catarina cobrava uma posição dura do governo federal contra os caboclos. Artigo do jornal "Tribuna do Povo", de Tijuca, edição de 24 de agosto de 1914, guardado na Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro, critica a falta de medidas enérgicas. "Parece que o governo federal deseja que a revolução dos fanáticos ou bandidos, de Taquarussu, tome o incremento necessário para implantar a desordem em todo o Estado. Pois, até hoje não foram dadas as providências necessárias, para que vejamos voltar a paz sem ser empregado o assassinato injustamente", destaca o texto analisado pelo Estado. "O movimento revoltoso cada vez mais conta com mais adeptos, infelicitando a rica região serrana, que tento tem sofrrido."

Nos primeiros dias na área, Setembrino restabeleceu o funcionamento da estrada de ferro, fechada após sucessivos ataques dos rebeldes. Em parceria com a Brazil Railway, ele montou um esquema de fiscalização para bloquear o transporte de alimentos e armas para os caboclos. Antes de fechar um plano de ataque aos rebeldes, Setembrino deu ordens para a população civil sertaneja deixar suas terras e casas na área do conflito. A ideia era limpar o terreno e facilitar o reconhecimento dos rebeldes. Quem permanecesse nas terras seria considerado "inimigo" pelo Exército. Era 26 de setembro de 1914. Naquele mesmo dia, Curitibanos, um vilarejo aberto no século 18 por tropeiros que faziam o caminho de Pelotas, no Rio Grande do Sul, à feira de bois e mulas de Sorocaba, em São Paulo, era atacado por rebeldes. A Intendência Municipal, a cadeia e duas dezenas de casas foram incendiadas. O intendente, coronel Francisco Ferreira Albuquerque, fugiu antes da chegada dos revoltosos.

Após o ataque, assumiu o controle do município o coronel Marcos Gonçalves Farias, o mesmo que escapou de ser degolado pelo líder rebelde Gumercindo Saraiva, chefe dos "maragatos" na Revolução Federalista. Em 1894, quando passava por Curitibanos, Gumercindo cobrou de Farias a promessa de lhe fornecer 200 jagunços para combater os "pica-paus", governistas. A promessa não foi cumprida. Farias lhe entregou apenas dois vaqueanos para guiá-lo pelos caminhos da região. Um dos guias, afilhado de Farias, ouviu Gumercindo planejar a morte do padrinho. "Padrinho, corre porque Gumercindo vai te matar." O registro do episódio, ainda inédito, foi repassado pelo pesquisador Aldair Goetten de Moraes.


Busca. Uma testemunha da invasão de Curitibanos estaria morando em Ponte Alta, distrito a 30 quilômetros da sede do município. Na porteira de uma fazenda do lugar, um trabalhador atende a equipe de reportagem: "Dona Guilhermina morreu". Nascida em 1906, Guilhermina Soares morreu em novembro passado. Ela e o irmão, Vitor Soares, nascido em 1908, também falecido, perderam os pais o ataque ao reduto de Taquaruçu. Eles foram criados em fazendas de Curitibanos.

Alcoolismo. O Exército sofria todo tipo de problemas em suas tropas. O coronel Onofre Ribeiro relatou, em telegrama a superiores, a 6 de dezembro de 1914, um caso de alcoolismo envolvendo um oficial que atuava na área de Canoinhas. "O capitão Maranhão deu novamente parte (...) sendo julgado incapaz para o serviço exercido, por sofrer de alcoolismo crônico, com depressão mental e cirrose hepática consecutivas", escreveu.

Em telegrama de 9 de janeiro de 1915, de Iracema, cidade próxima a Rio Negro, o capitão Grossi relata ao general Setembrino de Carvalho os esforços para a tomada dos primeiros redutos na operação final contra os caboclos. "Comunicamos VEx. que tendo sido feito esforços para a rendição de Tavares, determinara o senhor general que o recduto fosse atacado no dia 8. Quando na noite de 7, as tropas, realizando o plano de ataque, executaram marcha de approximação do reducto, fanáticos em massa, desarmados, se apresentaram às forças. Em Tapanduvas, Iracema e Moena (linhas da antiga colônia Lucena) apresentaram-se cerca de setecentos fanáticos, entre mulheres, homens e crianças. O chefe Tavares com 6 a 10 homens fugiu em direção ignorada." O capitão afirma que não houve derramamento de sangue: "Congratulo-me com VEx. por esse triumpho em que não se sacrificaram vidas de camaradas nem de infelizes patrícios de raça embrutecida por séculos de ignorância."


http://www.estadao.com.br/noticias/naci ... 4519,0.htm




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Re: contestado, 100 anos de um massacre

#4 Mensagem por marcelo l. » Dom Out 07, 2012 4:24 pm

Manhã nublada de novembro. BR-116, altura de Campo Alto, Santa Cecília, um dos municípios mais pobres de Santa Catarina. A um quilômetro de um posto da Polícia Rodoviária Federal, o Estado encontra a agricultora Maria Simão, 91 anos, e seu filho Capitulino Martins dos Santos, 56 anos. Estão vagando pela estrada. As buzinas e os arrancos de motores de caminhões e carretas que trafegam na rodovia prejudicam a gravação da conversa com Maria Simão.

Maria Simão, com cerca de um metro e vinte de altura, corpo franzindo, usa lenço roxo e um cajado de Guamirim, como "São João Maria", observa. Ela veste uma jaqueta preta esfarrapada, uma saia remendada, uma blusa por cima de outra para enfrentar o frio do planalto, avolumando o corpo frágil, e botas. No bolso da jaqueta, guarda um saco de fumo de rolo.

Ela reproduz o som das cornetas dos militares anunciando os ataques, como descrevia sua mãe. "O pessoal, os jagunços, ouvia de longe as cornetas dos soldados", relata. Maria Simão diz que não consegue dormir quando lembra das histórias narradas pela mãe, uma sobrevivente do reduto de Santa Maria.

Maria teve sete filhos. Capitulino foi o único que não se casou. Vive com ela. "Eu cuido da mãe, eu cuido da mãe", diz Capitulino, sem esconder o orgulho. "Ele foi o único bobão. É doente, sofre dos ouvidos. Nem pode aprender bem os estudos", afirma. "Não tinha escola naquele tempo. Eu mesma só vim saber de escola depois que me casei."

Lembra que os pais João Simão e a mãe Celestina Florzina eram "amigos no tempo da guerra. Eles conseguiram escapar dos ataques dos soldados e das represálias dos líderes rebeldes. "Minha mãe contava que vivia fugindo, correndo, tentando escapar. Era muita gente ensanguentada no chão que, para andar, era preciso ir com as pontas dos pés", diz. "Ela contava coisas e mais coisas que dá medo. E me disse: 'Você vai ficar para contar a história. Você vai aguentar. E estou aguentando, graças a Deus."

Fala das crianças no tempo da guerra. "Os que nasciam na guerra morriam. A criança não tinha o que comer, morria tudo", diz. A cena bíblica de soldados de Herodes matando bebês é constante no imaginário das guerras populares brasileiras. No Contestado não é diferente. "Eles jogavam a criança para o alto e abriam com a espada."

Os pais de Maria Simão se casaram após a saída do Exército da região. "Depois que teve a guerra, a minha mãe se firmou na vida e teve oito filhos, quatro mulheres e quatro piás", afirma. "Minha mãe me contava que quem tinha fé passava o rio, quem não tinha não passava." Enquanto acende um cigarro de palha, fala da descendência e da religião. "Dizem que sou bugre. Não sei se sou mestiça ou bugre. Só sei que estou vivendo no mundo. E não gosto de gente que não é católica."

Capitulino agradece a conversa. No Contestado, é muito comum a pessoa que pede uma informação ou um favor ouvir ao final da conversa um agradecimento. Aqui, a cordialidade se apresenta junto com um certo servilismo, possivelmente marca de tempos de dominação e barbárie. E, embora tenha vivido momentos históricos de privação e terror, o caboclo não é fechado como o sulista descendente de europeus. Ele apenas evita falar de participação dos ancestrais na guerra.

http://www.estadao.com.br/noticias/naci ... 4520,0.htm




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Re: contestado, 100 anos de um massacre

#5 Mensagem por marcelo l. » Dom Out 07, 2012 5:07 pm







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Re: contestado, 100 anos de um massacre

#6 Mensagem por Guerra » Dom Out 07, 2012 9:53 pm

A luta sertaneja marcou uma área de 30 mil quilômetros quadrados, maior que Alagoas e o Haiti, ainda hoje uma região tratada como "maldita" pelo Poder Público - as terras do Contestado, cercadas por cidades colonizadas por europeus e com padrões de primeiro mundo, apresentam índices de desenvolvimento humano equivalentes a rincões pobres do Nordeste. É uma história de renegados em pleno Sul do Brasil.
O poder público tratar uma região como maldita? Que exagero!

O contestado foi só mais delirio messianico que dizia que a republica era obra do cão. Algo muito comum na época.
O fanatismo do povo da região era tão grande que o ápice dessa guerra foi um ex-soldado acusado de estupro assumir a figura de "monge joão maria" (que eu nõ me engano foram 3)

E essa estrada de ferro que tanto demonizam fez a diferença na região. A região sul jamais seria a região sul sem essa ferrovia.




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Re: contestado, 100 anos de um massacre

#7 Mensagem por delmar » Dom Out 07, 2012 10:27 pm

O Contestado, como o nome diz, era uma regiao sem lei onde refugiavam-se pessoas fugidas da justica. Havia uma disputa entre o Parana e Santa Catarina pela posse do territorio. Os paranaenses acreditavam que as tropelias promovidas pelos jaguncos eram a mando do governo de Santa Catarina. Por este motivo o Joao Gualberto, chefe de policia do Parana, partiu para resolver a questao e acabou morto, dando inicio a chamada guerra do contestado.
Joao Gualberto e sua tropa indo pro contestado.
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soldados do exercito no contestado.

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Re: contestado, 100 anos de um massacre

#8 Mensagem por Boss » Dom Out 07, 2012 10:38 pm

A República ERA obra do cão.

Basta ver que até hoje não funciona direito. Mas nos tempos da República Velha era uma piada de mal gosto.




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Re: contestado, 100 anos de um massacre

#9 Mensagem por Guerra » Dom Out 07, 2012 10:49 pm

Mas dizer que a republica até hoje persegue a região é forçar demais. Queria ver o que seria da região se esses fanaticos estivessem por lá até hoje.




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Re: contestado, 100 anos de um massacre

#10 Mensagem por delmar » Dom Out 07, 2012 11:18 pm

Guerra escreveu:Mas dizer que a republica até hoje persegue a região é forçar demais. Queria ver o que seria da região se esses fanaticos estivessem por lá até hoje.
Tambem nao sei de onde saiu isto. A regiao onde ficava o contestado e prospera , com cidades importantes. Provavelmente a maioria dos moradores de la nem sabem da historia do contestado,




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Re: contestado, 100 anos de um massacre

#11 Mensagem por Bourne » Seg Out 08, 2012 1:55 am

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Re: contestado, 100 anos de um massacre

#12 Mensagem por U-27 » Seg Out 08, 2012 10:51 am

Boss escreveu:A República ERA obra do cão.

Basta ver que até hoje não funciona direito. Mas nos tempos da República Velha era uma piada de mal gosto.

Pois é...




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Re: contestado, 100 anos de um massacre

#13 Mensagem por irlan » Seg Out 08, 2012 10:54 am

Qual foi o nome daquela guerra onde ataracam um povoado liderado por Antônio Conselheiro?




Na União Soviética, o político é roubado por VOCÊ!!
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Re: contestado, 100 anos de um massacre

#14 Mensagem por marcelo l. » Seg Out 08, 2012 10:56 am

irlan escreveu:Qual foi o nome daquela guerra onde ataracam um povoado liderado por Antônio Conselheiro?
Canudos...


http://portal.mp.sc.gov.br/portal/webfo ... cao_id=164

José Murilo de Carvalho, cientista político e um dos mais importantes historiadores brasileiros, faz a Conferência de Abertura do Seminário para falar sobre cidadania no Brasil no contexto da passagem do Império para a República. Veja abaixo entrevista com José Murilo de Carvalho sobre a importância do Contestado para a História do Brasil.

MPSC - Quais são os paralelos possíveis entre o Contestado e Canudos?

José Murilo de Carvalho - Há semelhanças e também diferenças. Ambos foram movimentos religiosos messiânicos e tinham simpatias monárquicas - o Contestado elegeu um rei. Também foram revoltas de populações marginalizadas, massacradas pelo Exército nacional com ajuda das polícias estaduais, deixando em campo milhares de mortos.
Quanto às diferenças, Canudos tinha uma liderança única e concentrou-se em um único foco, o que facilitou o trabalho da repressão e conferiu um caráter dramático ao final do conflito. O Contestado teve várias lideranças, foi guerra de movimento que prolongou por quatro anos sua sobrevivência. Canudos teve repercussão nacional por ter sido visto, na histeria do momento, como ameaça restauradora ao novo regime. O Contestado deveu essa repercussão mais graças ao conflito de divisas entre dois Estados da União. Sobretudo, os dois movimentos diferem no que diz respeito à memória. Canudos tem nela posição de muito maior destaque graças à obra de Euclides da Cunha. O Contestado não teve um Euclides.

MPSC - Qual o perfil dos direitos do cidadão e da cidadania no Brasil que um fato como o Contestado nos permite compreender?

José Murilo de Carvalho - Tanto Canudos como o Contestado exibem chagas profundas em nossa cidadania. Tínhamos uma República em que 3% da população participava das eleições para Presidente, em que a grande maioria era privada dos direitos civis à totalidade dos direitos sociais. Canudos, Contestado e outros movimentos de natureza semelhante representavam o que chamei de cidadãos em negativo. Sem direitos, reagiam defensivamente quando eram atingidos em seus costumes, sua religião, seus valores. O melhor a que podiam aspirar é que o Estado ficasse longe deles. Quando ele se aproximava era para despojar ou reprimir.

MPSC - Costuma-se dizer que o Brasil teve uma história marcada por acordos entre as elites. O Contestado pode ser visto como uma exceção, ou essa visão sobre a história do Brasil não se sustenta mais?

José Murilo de Carvalho - Alguma mudanças políticas, de fato, não tiveram participação popular, como a da Proclamação da República. A presença do povo foi intensa desde a Independência e atingiu um ponto alto durante a Regência. Nas revoltas mais populares do período, como a da Cabanagem, a violência da repressão foi extrema como em Canudos e no Contestado. O drama das revoltas e manifestações populares até tempos recentes é que eram antes explosões de ira que não redundavam em transformações.

MPSC - Em sua opinião, o Brasil ainda é um país essencialmente injusto com a maioria dos seus cidadãos ou avançamos de forma concreta nos últimos 100 anos? Quais os principais pontos em que ainda poderíamos melhorar para fortalecer o exercício da cidadania entre nós?

José Murilo de Carvalho - Os progressos são muito recentes. A inclusão social começou durante a ditadura do Estado Novo e se acelerou nos últimos anos. A participação eleitoral só começou a se expandir após 1945. Quanto a alguns direitos civis básicos, como a igualdade perante a lei, o acesso à justiça, a proteção contra a violência e o arbítrio, ainda estão longe de serem garantidos à boa parte da população. Quanto aos novos direitos difusos, como os referentes à preservação do meio ambiente, mal começam a engatinhar.




"If the people who marched actually voted, we wouldn’t have to march in the first place".
"(Poor) countries are poor because those who have power make choices that create poverty".
ubi solitudinem faciunt pacem appellant
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irlan
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Re: contestado, 100 anos de um massacre

#15 Mensagem por irlan » Seg Out 08, 2012 11:05 am

Vlw Marcelo, Contestado eu não conhecia..apenas Canudos... :mrgreen:




Na União Soviética, o político é roubado por VOCÊ!!
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