Um Programa fora de Foco

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Um Programa fora de Foco

#1 Mensagem por Brazilian Space » Qui Jul 09, 2009 9:23 am

Olá amigos!

Sinceramente depois que se falou nas últimas duas semanas em desativação do CLA, ampliação do CLA, construção de uma nova base em um outro local e por tudo que tem acontecido no histórico do PEB (e não é pouco), estou convencido depois dessa nota que saiu na revista Istoé relativa a zona de segurança nacional (caso essa notícia realmente tenha alguma veracidade - veja a nota no meu blog) que essa galera tem como origem alguma casa dos horrores. São completamente aloprados e não tem a mínima idéia do que querem. O PNAE é uma piada onde se estica, se diminui, se aumenta, mas a única coisa que não se faz é seguir o que esta planejado nele. Essa semana, para não se fugir a regra, se falou no desenvolvimento de um outro lançador para microssatélites sendo que o VLS-1 nem fez seu primeiro vôo, a ACS nem tem sítio de lançamento, o programa sem rumo, o barco a deriva e os caras pensando assumir ainda mais responsabilidades. Exemplos como esse de falta de foco no PEB são inúmeros. Vejamos alguns:

SSR-1 (Satélite de Sensoriamento Remoto 1) - Esse satélite foi previsto pela antiga MECB (Missão Espacial Completa Brasileira) e posteriormente mudou-se seu nome para Amazônia 1. O mesmo encontra-se depois de mais de 20 anos finalmente em construção.

SSR-2 (Satélite de Sensoriamento Remoto 2) - Da mesma forma esse satélite foi previsto pela antiga MECB (Missão Espacial Completa Brasileira) e posteriormente mudou-se seu nome para MAPSAR, recentemente para CBERS SAR ou CBSAR, voltou-se a se chamar MAPSAR novamente e agora só deus sabe onde isso vai parar.

SCD-3 (Satélite de Coleta de Dados 3) - Previsto também pela antiga MECB (Missão Espacial Completa Brasileira) o projeto desse satélite foi abandonado depois que se decidiu incluir transponders em todos satélites que fossem fabricados no país, fazendo com que não se precisa-se mais de um satélite específico para essa função. Isso foi feito com os satélites CBERS e provavelmente será feito com o Amazônia-1. No entanto, já se fala no desenvolvimento de dois SCDav (Satélite de Coleta de Dados Avançado).

PSO (plataforma Sub-Orbital) - Apesar de sua relevância para o “Programa de Microgravidade” foi abandonado após seu primeiro vôo teste na Operação Alecrim em 2000 sem qualquer explicação.

Eco-8 System - Era um bom projeto idealizado em 1994 para o desenvolvimento de uma constelação de microsatélites de telecomunicações e foi abandonado no inicio desse novo século.

Equars - Satélite científico que virou missão (para ser incluída no proposto satélite Lattes-1) após a última reformulação do PNAE em 2005. Vale lembrar que foram feitas varias negociações e workshops com entidades estrangeiras visando o desenvolvimento desse satélite. Só deus sabe onde isso vai parar.

Mirax - Um outro satélite científico que virou missão (para ser também incluída no proposto satélite científico Lattes-1) após a última reformulação do PNAE (2005). Vale lembrar também que da mesma forma foram feitas varias negociações e workshops com entidades estrangeiras.

MCE (Monitor de Clima Espacial) - Esse satélite científico que na realidade seria a primeira sonda de espaço profundo brasileira nunca fez parte de nenhum dos PNAE, mas foi proposto na mesma época dos Equars e o Mirax e se dizia que seria desenvolvido em conjunto com os russos.

Sabia 3 (Satélite Argentino-Brasileiro de Informações Ambientais sobre Recursos Hídricos, Agricultura e Meio Ambiente) - Esse Projeto foi elaborado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e pela Comisión Nacional de Actividades Espaciales da Argentina. O mesmo jamais constou de nenhum PNAE, apesar de se assinar muita papelada desde 1999 e nada foi feito de concreto até o momento.

Sonda-IIIA - Tratava-se do desenvolvimento de um foguete similar ao Sonda III com o envelope motor do segundo estágio em fibra de carbono. O desenvolvimento desse foguete consta das ultimas duas versões do PNAE, apesar de só ser denominado assim na versão de 2005.

VS-43 - Tratava-se do desenvolvimento de um foguete monoestágio com controle de atitude empregando o propulsor S-43 que é o segundo estágio do VLS-1. Apesar de constar nas duas últimas versões do PNAE esse foguete jamais foi desenvolvido.

OBS: Foi realizada uma reunião em fevereiro desse ano entre o IAE e a DLR alemã e dentre o que ficou acertado tudo leva a crer que esse foguete será desenvolvido (já que é uma encomenda) para ser usado pelo experimento alemão SHEFEX-3.

VLM (Veículo Lançador de Microsatélites) - Esse projeto constava no penúltimo PNAE (período de 1998-2007), mas nunca foi feito nada em favor dele, sendo posto de lado na última versão (2005).

OBS: Segundo a coluna Defesa & Negócios do companheiro jornalista André Mileski que será publicada no próximo número da revista Tecnologia & Defesa, o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), do Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial (CTA), estaria estudando projetos de parcerias para o desenvolvimento de um novo lançador espacial de pequeno porte, focado no mercado de lançamento de microssatélites. Apesar de reconhecer relevância de um projeto como esse, a meu ver, não é o momento (a não ser que se abandone de vez o projeto do VLS-1, mas isso representaria o atraso de pelo menos mais dois anos e no momento o programa precisa de um gol para sobreviver), pois o programa está por demais bagunçado para assumir outro projeto de tal envergadura.

Cruzeiro do Sul (Programa de Veículos Lançadores de Satélites Cruzeiro do Sul) - Esse programa nunca fez parte de qualquer PNAE apesar de ser lançado na mesma época do lançamento do último documento (2005). No PNAE de 2005 constava o desenvolvimento do VLS-1B, VLS-2 e VLS-3.

Portanto amigos, não adianta nada a conquista de mais recursos por parte dos órgãos que comandam o programa espacial se não se achar uma forma de se arrumar a casa. Não se pode realizar nada na vida sem organização, planejamento (a curto, médio e longo prazo) e objetividade na aplicação das metas previstas no plano de ação. Infelizmente as pessoas que administram o PEB demonstram não estarem preparadas para planejar, executar e muito menos assumir um programa de tal relevância para o país. Isso só facilita o trabalho das forças retrogradas e contrarias a implantação do PEB em atingir os seus objetivos. Sejam essas forças estrangeiras ou nacionais, o que importa que no final das contas além do gasto público infrutífero o atraso tecnológico será incalculável.

Duda Falcão




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Re: Um Programa fora de Foco

#2 Mensagem por LeandroGCard » Qui Jul 09, 2009 12:03 pm

Olá Duda,

Faltou na sua lista a malfadada participação brasileira na ISS, que consumiu milhões de dólares em viagens e reuniões para não gerar nem um parafuso, e acabou com a vergonhosa solicitação de que nos retirássemos do programa. E de quebra ainda levou a mais um gasto de US$ 10 milhões para lançar um astronauta para fazer turismo espacial (sem demérito para o Marcos Pontes, a trapalhada não foi culpa dele).


Na minha opinião (friso este ponto: minha opinião) o que acontece é que desde o início o programa foi "muito frouxo", pois embora tenha sido uma iniciativa da aeronáutica para obter o domínio da tecnologia de foguetes de maior porte, os próprios oficiais da força jamais especificaram um objetivo a alcançar, eles apenas desejavam que alguém em nosso país fosse capaz de projetar mísseis de longo alcance para lançar armamento nuclear SE algum dia isto fosse necessário. Como nenhum deles entendia nada disso colocaram um cientista para estruturar o programa, e o resultado foi um enfoque totalmente acadêmico que perdura até hoje.

No mundo acadêmico, o que vale é a originalidade e o ineditismo dos trabalhos desenvolvidos, o que permite que sejam apresentados artigos em revistas ou palestras em congressos internacionais, os quais vem a constituir o currículo do pesquisador e definir o progresso de sua carreira. Projetar ou desenvolver algo que já tenha sido feito antes em algum outro lugar contribui muito pouco para o progresso profissional de um pesquisador, então eles tem uma tendência natural a buscar sempre as novidades, em detrimento da execução das tarefas rotineiras que são as necessárias para concluir um projeto prático, ainda mais se se considera que a tecnologia de foguetes já está dominada desde a década de sessenta do século passado.

Um pesquisador tem muito mais interesse (e pela forma como ele é avaliado não poderia ser diferente) em por exemplo estudar durante anos a aplicação de uma nova ferramenta de cálculo matemático à previsão da distribuição de densidade do aerosol formado por fluídos que passam em alta velocidade por orifícios de geometrias determinadas (o que no longo prazo poderia levar ao projeto de placas injetoras de foguetes de combustível líquido mais eficientes), do que em simplesmente calcular quantos parafusos são necessários para fixar esta mesma placa injetora ao motor-foguete. Detalhes relativamente simples como a escolha dos materiais a serem utilizados em cada peça ou a determinação dos critérios de falha para cada componente do foguete (estes detalhes não são inéditos, mas também não são totalmente públicos pois aí é que se esconde o verdadeiro know-how do projeto) são estudados meio a contra-gosto, pois não se justifica publicar nenhum trabalho sobre isso já que além de não serem originais grande parte do desenvolvimento tem que ser empírico, através de testes práticos em bancada. Com uma equipe de pesquisadores trabalhando desta forma acadêmica no final se fica com uma série de conceitos teóricos muito avançados, prontos para uso mas desconexos, e nenhum projeto prático onde eles possam ser aplicados.

Isso explica também a ânsia em procurar parcerias internacionais com equipes que já dominem estes detalhes. Assim se evita ter que "perder tempo" aqui no Brasil com trabalhos de desenvolvimento prático, que embora não se admita em público são considerados "inferiores" pelos pesquisadores envolvidos neste assunto, e os pesquisadores brasileiros poderiam se dedicar apenas à pesquisa "publicável".

A pior consequência desta situação é que não existe aquela "ânsia" por ver os foguetes finalmente decolando, pois o próprio lançamento dos foguetes exige muito esforço e trabalho, mas não é um desenvolvimento inédito que se possa colocar em um "paper" e portanto pouco contribui para o currículos dos pesquisadores. Muito mais vale iniciar um novo projeto onde se possa aplicar alguns dos novos conceitos inéditos pesquisados academicamente que concluir outro já antigo que já rendeu todos os "papers" que podia.

E sem foguetes sendo lançados qualquer desenvolvimento na área de satélites é fútil, satélites que não tem como ser lançados não valem absolutamente nada. E comprar foguetes estrangeiros para lançar estes satélites é caríssimo, e desviaria as já minguadas verbas destinadas ao desenvolvimento dos foguetes nacionais. Mas os pesquisadores na área dos satélites também tem carreiras a tocar, então sempre aparecerão novos programas que depois ficarão na prateleira aguardando que algum dia tenhamos foguetes aptos a voar.

Portanto, enquanto esta situação perdurar o programa espacial brasileiro será isso que vemos, uma sucessão de programas e desenvolvimentos que se arrastam ano após ano, com pesquisadores altamente gabaritados publicando trabalhos muito bem desenvolvidos nas mais diversas revistas especializadas internacionais e apresentando palestras muito bem recebidas nos congressos de astronáutica, e sem nenhum foguete ou satélite brasileiro sendo lançado ou colocado no espaço.

Veja que o problema não é de incompetência, mas de orientação incorreta dos trabalhos. Deveríamos ter muito menos pesquisadores e muito mais engenheiros e projetístas de nível técnico no IAE, e as pesquisas teóricas deveriam ser transferidas para as universidades. A função do pessoal do IAE deveria ser a de gerenciar os projetos junto à universidades e as empresas fornecedoras, e desenvolver apenas as aplicações práticas finais destes trabalhos. O IAE devia lançar foguetes, e não publicar artigos.


Uma grande abraço,


Leandro G. Card




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Re: Um Programa fora de Foco

#3 Mensagem por Brazilian Space » Qui Jul 09, 2009 1:57 pm

Olá Leandro!

Concordo contigo amigo com relação ao caso da ISS. Realmente foi um desastre a condução do programa, tanto a nível tecnológico como político e mais ainda, pois o Brasil acabou virando motivo de chacota internacional e fazendo com que a comunidade científica brasileira perdesse o acesso a uma plataforma de experimento fantástica. Lamentável. No entanto, separo a viagem do astronauta de tudo isso, pois a meu ver foi um investimento para chamar a atenção da sociedade brasileira, visando divulgar o PEB e em médio prazo buscar mais apoio para o programa, ou seja, uma jogada política. Apesar de ter alcançado algum resultado (principalmente entre os jovens fazendo com que o Programa AEB Escola decola-se na época) eu acho que poderia ter sido feito de uma outra forma e caso a AEB tivesse cumprido o acordo não teria sido necessário se gastar 10 milhões de dólares a mais. Somos mestres na arte da propaganda Leandro (meu conterrâneo Nizan Guanaes que o diga) e a AEB apesar de ter mais de um ano para programar a viagem do astronauta e sua divulgação (após a assinatura do contrato) não soube conduzir a contento o evento. É claro que se já tivéssemos a AEB TV com canal aberto para todo país teria ajudado muito, mas não foi o que aconteceu e toda divulgação ficou meio frouxa na mão dos canais de TV. Se o programa fosse conduzido desde o inicio com planejamento adequado em todos os níveis, não teríamos gastos os 10 milhões, não teríamos sido expulsos do programa, teríamos agregado e haveríamos de agregar ainda mais conhecimentos científicos e tecnológicos, a comunidade científica não teria perdido essa plataforma de experimentos fantástica que é a ISS e a AEB TV seria uma realidade possibilitando com que o conhecimento sobre as atividades espaciais no Brasil e no Mundo participa-se cada vez mais do dia-a-dia do brasileiro.

Quanto à visão acadêmica que impera no programa acredito que você tenha razão em muitos pontos colocados em sua postagem, mas quando me refiro a incompetência, não me refiro ao engenheiro, ao técnico, pois esses fazem o que podem dentro do que lhe é permitido. Me refiro Leandro a falta de comando, de visão, de planejamento, de metas estabelecidas, de objetividade no que se faz, coisas que cabem aos ministros e presidentes das instituições que comandam o programa espacial. São eles que sempre dão à palavra final dizendo o que fazer e o que se esquecer, muitas vezes por decisão política em detrimento do real valor científico e tecnológico.

Se você contrata um engenheiro, um técnico, um cientista, dando condições de trabalho aos mesmos e conduzindo-os aos objetivos a serem alcançados, com metas e prazos bem definidos e suporte financeiro adequado, o sucesso será alcançado, não tenho duvida disso. O problema é que isso não é feito, falta foco, falta verba, falta seriedade e com isso é natural que os profissionais comecem a perder a confiança no que eles estão fazendo e consequentemente procurem outros objetivos.

De certa forma Leandro estamos falando a mesma língua mais com visões um pouco diferente do problema, mas que no contexto geral se completam.

Um forte abraço amigo

Duda Falcão




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Re: Um Programa fora de Foco

#4 Mensagem por Brazilian Space » Seg Ago 24, 2009 4:21 pm

Um Programa Fora de Foco, um Barco sem Rumo

Caros amigos,

Resolvi escrever essas palavras para demonstrar mais uma vez a minha preocupação com o rumo (em minha modesta opinião), que esta sendo dado ao programa governamental de maior relevância para o futuro de nosso país na área de ciência tecnologia (apesar de não ser visto dessa forma por muitos). O Programa Espacial Brasileiro (PEB) desde a sua criação no inicio dos anos 60 tinha como principal objetivo o domínio da tecnologia de mísseis pela Aeronáutica.

Com o passar do tempo esses objetivos foram se ampliando muito provavelmente por conta da necessidade de se buscar mais recursos financeiros e, portanto a necessidade de se criar objetivos civis que justificassem o uso desses recursos. Com isso, no final da década de 80 surgiu à idéia da criação da MECB (Missão Espacial Completa Brasileira) que consistia basicamente no desenvolvimento num prazo de 9 anos do Veículo Lançador de Satélites (VLS), de quatro satélites para serem lançados pelo VLS, sendo dois SCD (satélite de Coleta de Dados) e dois SSR (Satélite de Sensoriamento Remoto) e finalmente fechando o pacote a construção de uma nova base (já que o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno não atendia condições para a realização da missão) que atendesse as condições necessárias para operação desse novo foguete. Tratava-se da construção do já muito comentado pela mídia Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) que se encontra operacional desde 21 de fevereiro de 1990, quando lá foi realizada a sua primeira campanha de lançamento com um foguete SONDA II, que ficou conhecida como “Operação Alcântara”.

A MECB foi estabelecida no inicio dos anos 80 pelo governo, mas só começou a ser desenvolvida de fato a partir de 1984 e de lá para cá vários empecilhos impediram o desenvolvimento de um de seus objetivos que era o VLS. Dentre esses empecilhos (em minha opinião) estão à má administração do programa, a falta de apoio político, os embargos tecnológicos de outros países, a falta de foco, a falta de planejamento adequado e evidente de recursos financeiros condizentes com um programa dessa envergadura.

Apesar desses problemas a parte da MECB que cabia ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) foi cumprida em parte com o desenvolvimento do SCD-1 (lançado em 1993 e operacional até hoje), o SCD-2 (lançado em 1998 e operacional até hoje) ambos lançados por um foguete “Pégasus” americano e o SCD-2A que foi destruído no primeiro vôo de qualificação do VLS-1 (Operação Brasil) em 1997. No entanto, os satélites de sensoriamento remoto (SSR) previsto na MECB jamais foram concluídos e posteriormente como o fim da missão e com a criação da Agencia Espacial Brasileira em 1994, foram abandonados definitivamente.

Há de se dizer que nesse período da MECB o INPE desenvolveu varias tecnologias para aplicação em satélites tendo um grande avanço nessa área. Com a criação da AEB foi desenvolvido um outro programa de satélites chamado SACI (Satélite de Aplicações Cientificas) que geraram dois satélites (um foi lançado de carona com o CBERS-1 em outubro 1999, porem não funcionou e o segundo foi destruído no segundo vôo de qualificação do VLS em dezembro de 1999 – Operação Almenara) e um satélite tecnológico chamado SATEC-1, que explodiu ainda na plataforma de lançamento junto com o satélite UNOSAT (primeiro satélite (nanosatélite) universitário brasileiro) em 22 de agosto de 2003 (Operação São Luís), ceifando a vida de 21 técnicos brasileiros no maior acidente com perdas de vidas da história das atividades espaciais humanas.

Desde o acidente e até antes do mesmo, vários acordos tecnológicos relevantes com outros países foram assinados (alemães, russos) na área de foguetes, que em alguns casos trouxeram algum avanço para o PEB. Com os alemães foram desenvolvidas tecnologias que possibilitaram o desenvolvimento do foguete VS-30/Orion (basicamente um foguete VS-30 nacional como seu primeiro estágio e um foguete Orion de origem americana como seu segundo estágio) e do foguete VSB-30, o carro chefe desse acordo até o momento e de grande sucesso na Europa, onde esta sendo usado pela DLR/ESA no Programa Europeu de Microgravidade (PEM). Outras iniciativas na área de foguetes estão sendo negociadas com a DLR alemã para o uso do VS-40 e para o desenvolvimento do foguete VS-43 visando a utilização de ambos pelo experimento europeu SHEFEX 2 e 3 nos próximos anos. No entanto, com essas idas e vindas do nosso cambaleante programa espacial esses novos foguetes estão ainda no campo da esperança, pois nada ou quase nada que se planeja no PEB segue uma coordenação bem planejada e com a determinação necessária para sua realização, pelo menos assim tem sido o histórico do programa.

Já com relação ao acordo com os russos (o motivo maior no momento de minha preocupação) que em minha opinião seria essencial para que nos próximos anos o Brasil alcançasse finalmente à tecnologia de desenvolvimento e fabricação de motores a propulsão liquida capazes de atender as nossas necessidades, infelizmente parece tomar um rumo que todo barco sem rumo toma, ou seja, pra lugar nenhum. Esse acordo previa basicamente a reavaliação por parte de uma empresa russa do projeto do VLS-1 (concluído) apontando os melhoramentos necessários para o mesmo, a implantação de um banco de provas para motores-foguetes a propulsão líquida de até 20 kN de empuxo (já concluído), a implantação de um outro banco de provas para motores-foguetes a propulsão líquida de até 400 kN de empuxo (estava aguardando a homologação por parte do Congresso Brasileiro do acordo de Salvaguardas Tecnológicas entre o Brasil e a Rússia, acordo esse que já foi homologado, veja no meu blog Acordo Brasil-Rússia Publicado no Diário Oficial da União) e finalmente estudos iniciais visando a participação de empresas russas no desenvolvimento conjunto do incerto e bem improvável Programa de Lançadores de Satélites Cruzeiro do Sul.

Acontece que após ter lido a matéria publicada no site da revista “Tecnologia e Defesa” (veja no meu blog a nota Lançadores Espaciais: Os Planos do IAE/CTA) escrita pelo competente companheiro jornalista André Mileski, confesso aos amigos que estou muito preocupado, pois com relação ao motor L75 (derivado do motor russo RD 0109) já abordado aqui no meu blog (veja as notas Motor a Propulsão Líquida L-75 do IAE, Motor L75 do IAE - Notícias, Motor L75 - Notícias,) que já estava em desenvolvimento, inclusive com partes já contratadas e em fabricação pela industria nacional, o senhor Paulo Moraes Jr (o entrevistado da matéria) coloca claramente para o Mileski que esse projeto esta sendo reconsiderado. Se assim for, mais uma vez um órgão do Programa Espacial Brasileiro demonstra a sua falta de foco e o desperdício dos recursos públicos empregados até o momento nesse projeto, tão necessário para o desenvolvimento de um lançador com maior capacidade de carga, como seria o VLS-1B (híbrido).

Além disso, nas ultimas semanas outro fator muito preocupante vem tomando forma pela mídia através de declarações sutis e em algumas vezes nem tanto assim por parte de políticos e pelo diretor-geral da parte brasileira da Alcântara Cyclone Space (ACS), o senhor Roberto Amaral.

No caso do senhor Roberto Amaral, conhecido por suas declarações polêmicas desde a época que era Ministro da Ciência e Tecnologia, a sua a posição de que o PEB governamental deve ser substituído pelo acordo com os ucranianos já foi manifestada de forma clara ou sutilmente em diversas ocasiões através da mídia, mesmo que ambos programas tenham objetivos distintos. Não poderia ser diferente em sua ultima entrevista (dessa vez sutilmente) dada ao jornal “A Tribuna Online” (veja aqui no blog Amaral Confirma Vôo do Cyclone 4 em 2010) do dia 09/08 quando mesmo diz sutilmente: "Fizemos três lançamentos, em 30 anos, que não deram certo. É hora de superar o passado".

Além disso, e mais preocupante ainda é um discurso do deputado Ribamar Alves (PSB-MA) pronunciado na tribuna da Câmara Federal dia 12/08 quando o mesmo diz: “Voltando à atuação da Alcântara Cyclone Space, explico às Sras. Deputadas e aos Srs. Deputados, que a empresa é, simplesmente, o principal produto do Programa Espacial Brasileiro. Sabe quem decidiu isso? Ninguém menos que o Presidente Lula. Quando? Na reunião da qual participou o Dr. Roberto Amaral, Diretor-Geral da empresa binacional Alcântara Cyclone Space”.

Sinceramente é preocupante essa visão do deputado, já demonstrada pelo Roberto Amaral e agora (pelo que parece) também pelo presidente Lula. Não há duvida para o IAE e para todos nós que somos amantes do tema que o principal programa do PEB é o VLS e que a Alcântara Cyclone Space é apenas o apêndice comercial do programa espacial e não seu carro chefe. Vamos aguardar os acontecimentos, pois o temor de que o programa do VLS esteja começando a ser fritado pelo governo parece ser algo real e muito preocupante.

A falta de foco e a existência dos problemas já aqui colocados por mim na condução do PEB, tem resultado em prejuízos incalculáveis para o programa espacial, que só ficarão mais visíveis para a Sociedade Brasileira a médio e longo prazo, quando a comunidade internacional estiver totalmente integrada com a necessidade diária de acesso ao espaço. Fora o acidente com o VLS em 2003 que resultou na perda de 21 vidas representativas de técnicos ligados ao programa do foguete lançador, a expulsão do Brasil do programa da ISS além do fato de ter transformado o país em motivo de chacota internacional, realmente representou um desastre para o PEB (devido à má condução do acordo com a NASA por parte da AEB), tanto a nível científico e tecnológico quanto político e fazendo com que a comunidade científica brasileira perdesse o acesso a uma plataforma de experimento fantástica. Mais uma demonstração da falta de seriedade e de gente preparada para conduzir um programa de tal relevância para nossa sociedade.

Poderia ficar aqui horas citando diversos programas apresentados a comunidade científica brasileira durante todos esses anos pelos órgãos que compõem o PEB, onde foram gastos recursos públicos sem qualquer retorno, por simples falta de planejamento adequado, seriedade, objetividade e pela falta de foco, mas seria uma lista grande e desnecessária, pois acredito que os leitores já tenham conhecimento sobre esses projetos.

Apesar desse problema ocorrido com o Programa da ISS, separo a viagem do astronauta Marcos Pontes de tudo isso, pois a meu ver foi um investimento para chamar a atenção da sociedade brasileira, visando divulgar o PEB e em médio prazo buscar mais apoio para o programa, ou seja, uma jogada política.

No entanto, apesar de ter alcançado algum resultado (principalmente entre os jovens fazendo com que o Programa AEB Escola decola-se na época) eu acho que poderia ter sido feito de uma outra forma e caso a AEB tivesse cumprido o acordo não teria sido necessário se gastar 10 milhões de dólares a mais.

Caros amigos, somos mestres na arte da propaganda (meu conterrâneo Nizan Guanaes que o diga) e a AEB apesar de ter mais de um ano para programar a viagem do astronauta e sua divulgação (após a assinatura do contrato) não soube conduzir a contento o evento. É claro que se já tivéssemos a AEB TV com canal aberto para todo país teria ajudado muito, mas não foi o que aconteceu e toda divulgação ficou meio frouxa na mão dos canais de TV. Se o programa fosse conduzido desde o inicio com planejamento adequado em todos os níveis, não teríamos gastos os 10 milhões, não teríamos sido expulsos do programa, teríamos agregado e haveríamos de agregar ainda mais conhecimentos científicos e tecnológicos, a comunidade científica não teria perdido essa plataforma de experimentos fantástica que é a ISS e a AEB TV seria uma realidade possibilitando com que o conhecimento sobre as atividades espaciais no Brasil e no Mundo participa-se cada vez mais do dia-a-dia do brasileiro.


Quanto à visão acadêmica que segundo alguns engenheiros aeronáuticos reina dentro do programa espacial, acredito que os mesmos tenham alguma razão, mas quando me refiro a incompetência e aos outros problemas já abordados, não me refiro ao engenheiro, ao técnico, pois esses fazem o que podem dentro do que lhe é permitido. Refiro-me leitor a falta de comando, de visão, de planejamento, de metas estabelecidas, de objetividade no que se faz, coisas que cabem aos ministros e presidentes das instituições que comandam o programa espacial. São eles que sempre dão à palavra final dizendo o que fazer e o que se esquecer, muitas vezes por decisão política em detrimento do real valor científico e tecnológico.


Se você contrata um engenheiro, um técnico, um cientista, dando condições de trabalho aos mesmos e conduzindo-os aos objetivos a serem alcançados, com metas e prazos bem definidos e suporte financeiro adequado, o sucesso será alcançado, não tenho duvida disso. O problema é que isso não é feito, falta foco, falta verba, falta seriedade e com isso é natural que os profissionais comecem a perder a confiança no que eles estão fazendo e conseqüentemente procurem outros objetivos.

É desanimador amigos, observar o PEB nessa situação por falta de uma administração condizente com os seus objetivos e ainda mais revoltante em perceber que pela sua bi-polaridade essa tarefa torna-se facilitada e mesmo assim essa gente não consegue (ou não querem) realizar um bom trabalho. Lamentável.

Duda Falcão




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Re: Um Programa fora de Foco

#5 Mensagem por LeandroGCard » Seg Ago 24, 2009 8:26 pm

Brazilian Space escreveu:
É desanimador amigos, observar o PEB nessa situação por falta de uma administração condizente com os seus objetivos e ainda mais revoltante em perceber que pela sua bi-polaridade essa tarefa torna-se facilitada e mesmo assim essa gente não consegue (ou não querem) realizar um bom trabalho. Lamentável.

Duda Falcão
O problema do PEB é ainda mais profundo do que isso, não é a administração que é incompetente para atingir seus objetivos, a questão é que não existem absolutamente objetivos.

Desde o princípio programa surgiu como uma iniciativa militar, mas sem objetivos definidos. Os brigadeiros da época apenas desejavam que existisse no Brasil o conhecimento de como projetar e construir mísseis de médio/grande porte, mas jamais foi colocada nenhuma proposta de especificação para míssil algum. Logo de início toda a autonomia para a definição dos objetivos a serem alcançados foi deixada para os próprios pesquisadores contratados para trabalhar no programa, e isto ainda não mudou.

O resultado é que todos os trabalhos desenvolvidos ao longo destas 3 décadas nunca passaram de estudos acadêmicos, e qualquer eventual lançamento de foguetes é apenas incidental, e não um objetivo a ser alcançado. O maior motor-foguete já construído em nosso país (o S-43, que voou pela primeira vez em 1989, longínquos vinte anos atrás!) sempre foi apenas um marco acadêmico, e tudo o mais que se desenvolveu até hoje de lá para cá se baseia na capacidade deste motor ou de outros menores construídos ainda antes. As capacidades de carga do VLS-1A e de um eventual VLS-1B são limitadas pelo que se pode fazer com este motor, e não existe nenhum plano definido de nada além disso, apenas declarações sobre outros desenvolvimentos que ficam apenas em estudos teóricos, nunca chegam sequer ao estágio de projeto. Como os próprios técnicos envolvidos no programa jamais assumiram a responsabilidade de apresentar um plano sobre como programa espacial poderia orientado, e os militares abandonaram qualquer interesse no programa após o fim do regime militar, simplesmente não se fez praticamente nada até hoje além de tentar alcançar um objetivo traçado para quinze anos atrás, e que não foi alcançado até o presente momento.

Por isso não é de se admirar que agora surjam oportunistas querendo aproveitar o fracasso do PEB para arrebanhar suas verbas para um programa eminentemente comercial feito com a Ucrânia, e que não prevê nenhum aporte de tecnologia para o Brasil. Eu mesmo já cantei esta bola muito tempo atrás, e simplesmente não existe alternativa porque o programa genuinamente brasileiro não tem onde chegar. E como não se vê no horizonte nenhuma liderança apta a assumir o programa, não imagino como impedir que isto aconteça, e o programa espacial brasileiro que já nasceu capenga não deve sobreviver muito ao lançamento de uns poucos VLS’s entre 2011 e 2015, lançamentos estes que só serão efetuados para não assumir o fracasso completo.


Leandro G. Card




GustavoB
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Re: Um Programa fora de Foco

#6 Mensagem por GustavoB » Seg Nov 30, 2009 9:45 am

...




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Bolovo
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Re: Um Programa fora de Foco

#7 Mensagem por Bolovo » Seg Dez 07, 2009 7:49 am

A AEB com seus 343 milhões de dólares em orçamento (http://www.camara.gov.br/internet/comis ... 03_mct.pdf), não conseguiu até hoje mandar um satélite ao espaço. Já a Agência Espacial Indiana, com seus 1.01 bilhão de dólares (http://mangalorean.com/news.php?newstyp ... tid=133606), quase três vezes o orçamento brasileiro, já lançaram não sei quantos, têm uma família completa de foguetes, estão fazendo sensoriamento remoto da Lua e, apesar de ser apenas um plano de médio-longo prazo, já até pensam em mandar alguém para o espaço com meios próprios! É, acho que o título desse tópico veio a calhar...

http://i47.tinypic.com/330ye8n.jpg http://i48.tinypic.com/nccwaf.jpg

Imagem
Comparison of Indian carrier rockets. Left to right: SLV, ASLV, PSLV, GSLV, GSLV III.


Segundo Dr Vikram Sarabhai, pai do programa espacial indiano:

“There are some who question the relevance of space activities in a developing nation. To us, there is no ambiguity of purpose. We do not have the fantasy of competing with the economically advanced nations in the exploration of the moon or the planets or manned space-flight. But we are convinced that if we are to play a meaningful role nationally, and in the community of nations, we must be second to none in the application of advanced technologies to the real problems of man and society." - http://www.isro.org/


Nunca vi um discurso desses por essas bandas. É. Acho que o problema não é a falta de dinheiro mesmo, mas a falta de objetivo...




"Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu."
Darcy Ribeiro (1922 - 1997)
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