Meus prezados:
Queixas de uma passageira contra a Delta Air Lines
Coluna Hélio Fraga, jornal Hoje em Dia - 13/12/07
Esta carta foi escrita por uma passageira paulista do vôo 121 da Delta Air Lines, na noite de 17 de novembro, fazendo a rota NY-Guarulhos. A gente se conheceu a bordo, alta madrugada, no fundo do corredor da classe econômica, ambos em busca de água. Faltavam mais de 3 horas para o pouso em São Paulo. Ela reclamou do mau serviço, do atendimento displicente, da péssima comida no jantar, e de uma série de discriminações a bordo, ‘só porque somos latinos, e as empresas norte-americanas nos tratam como cidadãos de terceira classe‘. De quinta, completei - embora seja sempre perigoso generalizar.
Ela não sabia que sou jornalista. Viajava numa poltrona perto das nossas - minha mulher e eu na fileira 32, e a filha grávida de 4 meses e o genro na 33. Por coincidência, a sobrinha dela estava grávida também, perto do 6º mês, e reclamou que pediu um travesseiro extra para colocar junto à barriga, ao apertar o cinto, e não lhe deram, dizendo que ‘só temos um por pessoa‘. Ela sugeriu então que trouxessem um da classe executiva, onde havia poltonas vagas, e teve como resposta: ‘Não podemos trazer nada da executiva para a econômica, é política da empresa‘.
Lembramos, então, de um tempo em que as grávidas tinham atenção muito maior a bordo, o tal tratamento diferenciado. Hoje, elas caem numa espécie de fila do SUS aérea, sem regalias. A conversa se estendeu, quando a passageira paulista disse: -‘Bem que eu gostaria de fazer uma carta, expondo isso tudo, mas não conheço ninguém da imprensa‘. Então, brinquei: -‘Acaba de conhecer. Pode escrever a carta, que ela será publicada, pois uma das regras básicas do nosso Caderno de Turismo é a defesa dos direitos dos passageiros‘.
Ela deu nome, RG, endereço e telefone, mas pediu que não fossem citados. O jornal sempre preserva suas fontes e respeita seu direito ao anonimato. Guarda os originais, se tiver de exibi-los num eventual processo. Reserva-se também o direito de condensar a carta, divulgando seus tópicos essenciais. Foi o que se fez, pois a carta tem 8 folhas. Resumo do principal:
1) ‘Acabo de fazer minha quarta viagem ao exterior este ano, e gostaria de registrar, para seus leitores, o que tenho visto, ouvido e percebido. Parece que, nos últimos tempos, ser passageiro da classe econômica virou sinônimo de ser marginalizado, escorraçado e, muitas vezes, maltratado. O que pensam as companhias aéreas? Que eles não pagam? - Na verdade, pagam bem caro. E são eles quem, realmente, sustentam as empresas de aviação porque, para cada 35 ou 40 que vão de executiva, há 180 a 220 na econômica‘.
2) ‘Os comissários nos tratam com desprezo, como comprovei nos dois vôos da Delta entre Brasil e EUA. Mal nos olham, quando servem uma refeição. São incapazes de um cumprimento, um gesto de cortesia. O serviço de bordo se torna robotizado. No vôo de ida, vi uma comissária gritar para um jovem: -’Ou você escolhe logo, ou fica sem jantar’. O rapaz, que parecia tímido, levou alguns segundos para escolher entre ’pasta’ ou ’chicken’ - o que não faria muita diferença, já que a comida era horrível. Ela foi grosseira, para não dizer estúpida. Quase distribuiu patadas a bordo. Se a companhia quiser identificá-la, procure saber quem foi responsável pelo serviço e atendeu as poltronas com letras FG, dia 9 de novembro, no vôo 120, de ida‘.
3) ‘No café da manhã, tanto na ida como no retorno, a Delta serviu uma banana gelada, amadurecida com uso de produtos químicos, um pão amassado e esquentado e um minúsculo suco de laranja, fora aquele café intragável, tradição americana, e um chá. Nem pensar em leite longa vida, chocolate ou sucos variados. Era só aquilo mesmo. Minha sobrinha comentou comigo que, já que os macacos comem banana no zoológico, eles fizeram uma analogia e nos serviram igual. Fiquei orgulhosa de ver que a maioria dos passageiros devolveu as bananas‘.
4) ‘Como se já não bastasse a falta de respeito, notória discriminação contra os que eles chamam de ’hispânicos’, as poltronas estão agora tão juntas que você não consegue mexer as pernas. Então, ficamos pessimamente sentados, sem o mínimo conforto; comemos muito mal; a qualidade do entretenimento é péssima; e ainda somos ignorados e maltratados pelos comissários. Isto está acontecendo em todas as empresas, notadamente nas americanas. De todas as últimas viagens que fiz, só vi um tratamento melhor na Air France - inclusive comida com melhor qualidade e em maior quantidade. Nos vôos noturnos, há sucos à vontade, água, café, chocolates, biscoitos e sanduíches. Nas americanas, um mero copo d’água, insuficiente para quem está com fome, porque não conseguiu engolir aquele jantar horrível‘.
5) ‘Afinal, o que está acontecendo? Por acaso estamos viajando de graça, ou clandestinos? Estão nos fazendo o FAVOR de servir uma comida péssima, sem sequer nos olhar, como se fôssemos indigentes ou leprosos? Viajamos espremidos como gado no vagão. Senhoras grávidas são ignoradas. Comissários demonstram má vontade em tudo. Para eles, somos sub-raça. Que falta faz a Varig, que cedeu espaço para a expansão dessas empresas multinacionais sem rosto, para quem os passageiros da econômica são o resto, a escória, os desprezíveis‘.
6) ‘Não se imagine que a discriminação seja apenas a bordo. No embarque no Aeroporto Kennedy, terminal 3, sala de espera nº 12, a chamada do vôo 121 para Guarulhos foi tumultuadíssima, apenas em inglês, e todos os funcionários do balcão mal encarados, abrutalhados e com má vontade, aos gritos. Um deles não estava recolhendo os formulários da Imigração (I-94), e foi alertado por mim, já que esta é a obrigação dele, e o formulário tem de ir para os arquivos - senão a Imigração e o FBI vão considerá-los ilegais em seu país, e registrar isso nos arquivos eletrônicos, quando já retornaram ao Brasil. Isto é um caso gravíssimo. A Delta está no dever de investigar. É só ver quem trabalhou no portão 12 neste vôo‘.
7) ‘E tem mais: antes do nosso vôo, marcado para 20h25, foi dado o embarque para o vôo Delta 94, com destino à Espanha, em parceria com AeroMexico. Tudo foi diferente. O embarque foi organizadésimo, com avisos, repetidamente, em inglês e espanhol, de forma clara, pausada, ordenada. Os passageiros se dirigiram calmamente à cabine do avião. Duas horas depois, na saída para o Brasil, parecia um estouro da boiada, um salve-se quem puder, todos se atropelando. Nem as grávidas tiveram preferência. Terceira idade, muito menos. Eles que se virem‘.
8) ‘Estou realmente indignada com tudo isso, e lhe peço que faça algum comentário ou análise sobre esta situação que estamos vivendo, e que você, com certeza, já deve ter vivido e percebido. Já é um conforto moral saber que você paga suas passagens, e as de sua família, para preservar sua liberdade de opinião, sem depender de favores dos poderosos da aviação. Penso que todos deviam agir assim. Muito obrigada. Apareça aqui em São Paulo. Tem um restaurante de comida mineira perto da minha casa, em Moema‘.
Concordo com tudo que ela falou, e acrescento: essas companhias, que têm na América Latina o mais alto índice de lucros, em todas as suas rotas mundiais, estão no dever de atender melhor aos passageiros, com comissários falando nossa língua; melhorando os cardápios e aumentando as opções de pratos quentes; e parando de cobrar US$ 5 pela cerveja ou vinho nas refeições.
A passageira paulista se esqueceu de um detalhe importante: neste vôo, na tela da classe executiva, e nos monitores individuais, os passageiros tiveram, a noite inteira, informações sobre a rota percorrida, posição do avião, velocidade, temperatura externa, distância percorrida, tempo que falta etc. Nas telas da nossa classe econômica, estas informações nos foram sonegadas. Sinal claro de discriminação. Não me venham falar de falha técnica.
Um abraço e até mais...
Passageira queixa-se da Delta Air Lines
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