Inferno na torre
Há cinco anos, 21 pessoas morreram no incêndio de um foguete no Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão
25 de agosto de 2008
ALEXANDRE MENEGHINI, AP, BD 26/8/2003
O acionamento espontâneo do dispositivo de ignição pôs fogo em 41 toneladas de propolente sólido e transformou o lugar num inferno
No velório, o presidente Lula consolou os familiares e garantiu o pagamento de indenização. Mas as investigações que não indicaram os responsáveis pelo acidente frustaram os parentes das vítimas de Alcântara
A plataforma de lançamentos ainda fumegante e os destroços
No início da tarde de 22 de agosto de 2003, um Veículo Lançador de Satélites (VLS-1) incendiou-se na plataforma do Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão. As chamas rapidamente consumiram o foguete e a plataforma móvel, que desabou, matando as 21 pessoas, técnicos e engenheiros do então Centro Tecnológico Aeroespacial (CTA) que trabalhavam nos preparativos para o lançamento, previsto para três dias depois. Foi o segundo pior desastre da história espacial, só superado pela explosão do foguete soviético R-16, em outubro de 1960, quando mais de cem pessoas morreram.
Cinco anos depois, as autoridades, as famílias das vítimas e os cientistas ainda não sabem exatamente o que aconteceu naquele dia fatídico em Alcântara. Uma comissão independente apurou que houve o acionamento involuntário do dispositivo de ignição de um dos motores do primeiro estágio do foguete, o que incendiou as 41 toneladas de propelente sólido dos quatro estágios do VLS-1.
Uma descarga eletroestática poderia ter acionado essa espécie de motor de arranque, mas a hipótese não pôde ser comprovada. Suspeitas recaíram sobre os fios que levavam energia aos detonadores. Eles deveriam ser blindados, mas, por medida de economia, a fiação utilizada no VLS-1 era do tipo comum, e não tinha proteção contra indução de corrente elétrica, o que pode ter causado o acionamento do motor.
– Os investigadores estudaram fatores ligados ao ambiente, aos procedimentos operacionais, às ações humanas e ao desenvolvimento do próprio veículo e seus sistemas de apoio. Falhas insignificantes e algumas importantes foram apontadas. Entretanto, rigorosamente, não foi possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre eles e a ignição intempestiva – observa o atual presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Carlos Ganem.
Ficou evidente, no entanto, que, além de economizar em material devido ao baixo orçamento, procedimentos básicos de segurança foram ignorados durante os preparativos para o vôo. Embora tenha sido arquivado pela Justiça Militar da União por falta de provas e não tenha apontado nenhum culpado, o inquérito policial-militar que também investigou o acidente é farto em relatos sobre falhas de segurança em Alcântara.
Em um deles, um técnico revela a preocupação de um dos engenheiros com a montagem antecipada do conjunto da ignição dos propulsores – justamente o dispositivo que causou o incêndio –, feita na manhã do acidente, quando ainda havia muito trabalho a ser feito no foguete. Os 21 homens que morreram na plataforma não sabiam que o sistema de ignição estava instalado e ignoravam o perigo que corriam.
Outras falhas gritantes, aliás, foram a falta de uma barreira de segurança a este conjunto de ignição e a inexistência de um controle de acesso à plataforma de lançamento (não havia registro de quem entrava e saía).
– Logo depois do acidente, o CTA não sabia quem estava na plataforma e havia morrido. Fez a lista de mortos a partir das pessoas que não se reapresentaram. Eles não tinham nem um cadastro com os endereços das famílias – critica Luiz Cláudio de Almeida, irmão de José Eduardo de Almeida, um dos mortos.
No final de 2003, o governo pagou às famílias uma indenização de R$ 100 mil, além de arcar com os custos de tratamento médico e psicológico e com as despesas com educação dos filhos das vítimas. Muitas recorreram, pedindo na Justiça um valor maior.
Mas a maior inconformidade é com a falta de informações mais precisas sobre o que aconteceu naquele dia em Alcântara, e, principalmente, com a incapacidade das investigações em apontar os responsáveis e punir os culpados.
– O CTA sempre escondeu tudo – diz Almeida, que montou uma associação para cobrar uma apuração mais efetiva do desastre.
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ELTON WERB