Sobre o KC-390
Enviado: Sex Set 28, 2007 12:46 am
Em um outro forum, me foi colocada uma questão sobre o que penso sobre o programa C-390, segue abaixo a resposta.
Esta questão que colocou já esta dentro da minha área que são programas de defesa, ai posso falar com mais segurança do que sobre aviação comercial, que sou uma simples curiosa.
Sobre o que penso do projeto C-390, a resposta seria um pouco longa demais, como todo projeto, tem coisas boas e coisas ruins, vou tentar separar um pouco o que penso sobre ele em 3 segmentos distintos de forma muito resumida.
O C-390 como aeronave.
Eu não tenho informações sobre o projeto, alem do que vi em revistas e internet. Portanto em quantidade de informações estou empatada com quase todos aqui no fórum, mas vou tentar oferecer uma visão de gestora de programas sobre esta questão.
Existe um termo que utilizamos na analise de um programa que no Brasil a palavra mais apropriada talvez seja “legado”, que vem a ser o seguinte.
“O nível de limitações, físicas, culturais, tecnológicas e de infra estrutura associado ao projeto ou programa.”
Sendo bem pratica.
No projeto da Soyuz TMA tínhamos os levados de massa, dimensões, fornecedores, procedimentos das versões anteriores da Soyuz, o que conduziu a um projeto onde as decisões eram fortemente condicionadas a limitantes legadas ao programa.
Os projetistas do A-380 tiveram uma série de legados, associados a questões como infra estrutura aeroportuária, normais sobre evacuação de passageiros, praticas de manutenção, que herdaram da industria de aviação de uma forma geral. Assim o A-380 apesar de ser uma aeronave diferente tem uma serie de legados no seu projeto.
Este bê-á-bá básico sobre o tema é importante para analisarmos o C-390 como aeronave, e seu concorrente maior, o C-130J.
C-130J – Herda uma somatória de legados técnicos e praticas operacionais dos 53 anos de operação da família C-130. Muitos podem ser sanados ou melhorados com a modernização do projeto, outros são orgânicos a filosofia da aeronave.
C-390 – Não herda legados de família anteriores em operação. (Na verdade uma analise mais profunda pode eventualmente identificar pequenos legados de algumas relações de compromisso em econômica e comunicabilidade com o ERJ-190).
Quando comparamos um projeto com alto índice de legado com um outro praticamente “novinho em folha” a comparação geralmente nos conduz a uma forte reação de encantamento com o projeto novo.
Na Rússia eu vi muitas discussões, algumas muito técnicas outra meros palpites de entusiastas sobre o AN-70 versus o IL-76MF, todas claro tecnicamente davam uma vitória ao AN-70, por uma serie de variáveis técnicas e a própria “juventude” do programa.
Neste sentindo, as comparações com o C-130J em questões técnicas e econômicas, não me impressionam no C-390 por um simples motivo, o C-390 deve produzir diferenciais técnicos, econômicos e operacionais, porque senão não tem nem chance de iniciar uma disputa técnica com o seu concorrente.
Assim como a Airbus precisou criar uma série de tecnologias, conceitos e vantagens com a família A-320 a 20 anos atrás para rivalizar a família 737 que também tinha sua dose de legados de projeto.
Quanto estes diferenciais de projeto aparecem, ai começa o jogo, porque temos dois concorrentes cada qual com a sua vantagem competitiva, e a disputa se dá no ambiente de programa e não na comparação pura e simples das fichas técnicas.
Um outro engano comum que pode-se formular é o seguinte.
Um projeto novo sem legado algum é sempre melhor que um outro com elevados índices de legados?
Sim e não. Sim como resultado final de engenharia, isto é, o melhor projeto, com o melhor desempenho. Mas não como resultado de programa, porque o legado de programa ao mesmo tempo que limita qualidades de projeto ancora riscos e custos de programa.
Sendo bem pratica.
O R-99 é uma aeronave com sérios legados de projeto em autonomia de operação. Isto como todos sabem é um legado da escolha da célula do ERJ-145 (antes como sabem era o EMB-120). Pois bem, estamos em meados dos anos de 1990 e temos duas opções. ERJ-145 + Erieye o que nos conduz a legados de projeto mas custos e principalmente riscos adequados. E-X (célula 100% nova) + Erieye que nos conduz a ótimo desempenho, mas riscos e custos elevados.
O projeto sem legado é o mais adequado neste caso? Obviamente que não.
Agora nos podemos olhar o C-390 como um programa
A primeira coisa que chama a atenção positivamente no programa C-390 (e não no projeto) é que ele tem uma orientação referenciada ao mercado externo ao qual a Embraer acredita que haja uma real demanda para este tipo de aeronave, isto cria um ambiente que não existe por exemplo em outros programas similares no Japão e Índia que são puramente locais.
Isto é positivo porque programas de defesa podem sair em duas armadilhas igualmente fatais no que tange a mercado externo.
Orientação totalmente local sem capacidade de financiamento a longo prazo
1- A industria concebe um programa focado somente nas necessidades das FA’s locais, e estas necessidades são quase que exclusivamente das FA’s locais. Ai das duas uma. Se a FA local tem demanda para a industria, ótimo, suas necessidades são garantidas pela demanda interna, e esta industria não é competitiva mundialmente, mas é adequadamente financiada. Exemplo. Industria militar naval americana. Se a FA não tiver demanda para tal, ela potencialmente destrói a sua industria, um exemplo disto foi a decadência da industria aeronáutica Argentina que em certa época era muito maior e melhor que a brasileira, que com o AMX aprendeu na pratica o que significa necessidades locais com financiamento curto.
Orientação totalmente externa sem a ancoragem do programa na FA local.
2- A industria minimiza as necessidades locais das FA’s e foca uma necessidade global, as características do programa são orientadas para um mercado externo, que pode ser generoso, mas aumenta-se o risco do programa. Exemplo: Programa Osório, F-20 ou uma “private venture”
As pessoas por de trás do planejamento do programa é claro que querem maximizar o melhor dos dois mundos, isto é. Um programa ancorado localmente pela FA e ao mesmo tempo com características de competição globais.
Como fazer isto? E ainda acrescendo um ingrediente a mais. Como criar um programa sem legado, que ao mesmo tempo tenha um perfil de risco aceitáveis, já que vimos que legado x risco são interdependentes, e ainda por cima com orçamentos cursos dentro do cliente ao qual ancorar o programa?
Bem, existem estratégias de gestão e planejamento de programas que podem ajudar neste caso, obviamente o risco não pode ser completamente minimizado, mas pode ser aceitável a ponto do programa ser aprovado.
E a Embraer, na minha leitura esta fazendo uso delas para tentar viabilizar o programa C-390.
Quais estas estratégias?
Ai alguns de vocês podem me achar prepotente ou esnobe, mas isto é algo que eu não comentaria em um fórum de discussões, não que não seja um grande segredo, mas tem seus nuances..
Alias posso até dar uma pista do porque. Hoje na Rússia existe uma situações parecidas de novos programas e a maneira como eles vão ser tocados é análoga a algumas coisas que a Embraer seguramente precisara fazer para tirar o C-390 do papel.
O mercado.
Já que não da para falar sobre a forma exata do programa, vou falar algo que já escrevi aqui antes sobre o mercado externo.
Realmente ele a primeira vista impressiona, são algo como 2800 aeronaves das quais 1000 pelo menos serão aposentadas nos próximos 15 anos, segundo as projeções que vi.
Existem alguns fatores que tornam esta aritmética menos interessante.
Quando analisamos aviões de transporte tático criados fora da Rússia e dos EUA, como o G-222, C-235/295 e Transall C-160 ou somamos o C-27J descontando os exemplares encomendados pelos EUA chegamos a um teto de 200 aeronaves produzidas para o mercado mundial (descontando Rússia e EUA).
A idéia de um grande mercado externo, mal suprido por fornecedores tradicionais, com equipamentos em processo de franco envelhecimento pode pregar muitas peças.
A primeira delas é achar que itens novos só concorrem com itens novos.
Porque caças como o Mig-35 ou Gripen que custam relativamente barato se comparados com seus pares russos e ocidentais respectivamente não são um sucesso de vendas nos mercados internacionais com o envelhecimento da frota de caças é acentuado?
Primeiro porque os operadores militares estão pragmáticos em adentrar em novos programas, preferem revitalizar os atuais. Depois porque existe uma oferta razoável de hardwares equivalentes de segunda mão no mercado externo.
Vou citar 20 paises que operam o C-130 (de um total de mais de 70).
Argélia, Argentina, Camarões, Colômbia, Equador, Egito, Etiópia, Gabão, Honduras, Libéria, Yemen, Venezuela, Zâmbia, Romênia, Nigéria, México, Siri Lanka, Turquia, Tunísia, Tailândia.
Citei alguns dos mais paupérrimos operadores desta aeronave. Quantos efetivamente irão prolongar a vida de seus C-130 ate o limite? Quantos irão atrás de versões mais antigas do C-130 aos quais operadores mais riscos dentro da OTAN irão aposentar, e quantos efetivamente irão comprar aeronaves novas como o C-130J e o C-390?
Alguém pode argumentar. Mas você só citou paises pobres, e os outros? Bem, os outros, seja dentro da OTAN, seja a Rússia, seja a China, Japão ou Índia tem projetos locais não são clientes do C-390.
A segunda é achar que quando a competição realmente incomodar o líder do mercado se ele não vai resolver entrar na briga.
Porque os sauditas não compraram o Osório? Um projeto novo, tecnicamente e economicamente vantajoso?
Quando houve a concorrência de igual para igual a industria americana se prevaleceu politicamente. O mesmo pode acontecer com o C-390.
A terceira armadilha é, achar que o preço é fator decisivo o tempo todo.
O C-130J custa US$ 65mi e o C-390 custa US$ 50mi. Isto é verdade, mas o preço do C-130J é de US$65mi, o que não quer dizer que seu custo seja US$65mi. Sendo a opção natural de substituição dos atuais C-130 o seu fabricante posiciona seu preço para um mercado sem competidores, o que pode acontecer em uma disputa acirrada entre ambas as aeronaves em uma concorrência no pais X.
A Lockheed oferecer seu avião a digamos US$ 56mi se seu competidor tiver reais chances de vitória.
Preço é uma coisa, custo é outra, hoje o preço do C-130J esta nesta patamar porque entre outras coisas não existe competidor direto para ele se a decisão de compra do operador for um avião nesta classe “novo de fabrica” seu principal concorrente são programas de extensão da vida útil dos modelos antigos.
Você esta lendo este texto e pensando, “Já sei, estão minimizando o produto da Embraer, afinal de contas, a Sra Elizabeth Koslova só sabe criticar o que é brasileiro”.
Não é por ai. O que quero dizer é que a competição neste mercado é duríssima, algumas vezes inviável, pelas razoes que citei.
A Embraer sabe disto?
Claro que sabe, com muito mais propriedade que eu inclusive.
Então se sabe disto porque ela mostra projeções para até 700 aviões C-390 comercializados?
A resposta é simples.
No segmento aeroespacial, algumas coisas você sabe e guarda para si, outras você as mostra da forma que melhor se adequar a sua estratégia. .
Alias uma curiosidade. Somando G-222, C-295, C-235, CJ-27 (descontando encomendas americanas) e C-160 vamos ter algo menor que 700 aviões.
Vocês leram na imprensa esta semana sobre o lançamento dos RRJ’s. Muitos seguramente acharam aquilo um espetáculo de otimismo da industria russa, sabemos que o mercado de RJ’s não é aquilo que esta ali escrito.
A Sukhoi também sabe disto, mas ela tal qual a Embraer é desafiante em um mercado onde esta em desvantagem, sua estratégia de lançamento, captação de parcerias, persuasão a clientes chaves, articulações políticas com governos esta associada a uma serie de ações e posicionamentos sobre mercado, que não são na pratica o que se anuncia oficialmente.
Então antes de me criticarem por estar levantando óbices ao programa C-390 procurem realmente entender o que escrevi e verão que é um elogio a Embraer, que esta jogando um jogo “de gente grande” onde o risco do programa é razoável e ela esta através de um planejamento de programa de primeiríssima linha tentar tornar viável este projeto. Se fosse fazer uma aposta pessoal, acredito que o programa não sai.
A maneira como a Embraer esta procurando fazer isto é o que peço desculpas a vocês, mas não posso falar, assim como o Danilo naquela excelente mensagem sobre a manutenção do Mirage III na FAB seguramente não contou muitas coisas das quais sabe. Ai sai a entusiasta que participa dos fóruns de discussão e entra a profissional que tem programas em andamento com estratégias parecidas.
Por fim, caso o C-390 não saia, isto forçara a Embraer a re-pensar seu posicionamento no tocante ao segmento de defesa. Os motivos pelo qual a empresa de posicionou desta forma após a sua privatização e a nova forma de se posicionar é um assunto muito interessante, existe toda uma lógica de decisão que conduziu a situações como a do FX ou PX, que era bastante coerente para a época, mas que no novo cenário de 2010 em diante talvez nos conduza a uma nova Embraer no segmento militar, mas este assunto é longo demais.
Abraços
Elizabeth
Esta questão que colocou já esta dentro da minha área que são programas de defesa, ai posso falar com mais segurança do que sobre aviação comercial, que sou uma simples curiosa.
Sobre o que penso do projeto C-390, a resposta seria um pouco longa demais, como todo projeto, tem coisas boas e coisas ruins, vou tentar separar um pouco o que penso sobre ele em 3 segmentos distintos de forma muito resumida.
O C-390 como aeronave.
Eu não tenho informações sobre o projeto, alem do que vi em revistas e internet. Portanto em quantidade de informações estou empatada com quase todos aqui no fórum, mas vou tentar oferecer uma visão de gestora de programas sobre esta questão.
Existe um termo que utilizamos na analise de um programa que no Brasil a palavra mais apropriada talvez seja “legado”, que vem a ser o seguinte.
“O nível de limitações, físicas, culturais, tecnológicas e de infra estrutura associado ao projeto ou programa.”
Sendo bem pratica.
No projeto da Soyuz TMA tínhamos os levados de massa, dimensões, fornecedores, procedimentos das versões anteriores da Soyuz, o que conduziu a um projeto onde as decisões eram fortemente condicionadas a limitantes legadas ao programa.
Os projetistas do A-380 tiveram uma série de legados, associados a questões como infra estrutura aeroportuária, normais sobre evacuação de passageiros, praticas de manutenção, que herdaram da industria de aviação de uma forma geral. Assim o A-380 apesar de ser uma aeronave diferente tem uma serie de legados no seu projeto.
Este bê-á-bá básico sobre o tema é importante para analisarmos o C-390 como aeronave, e seu concorrente maior, o C-130J.
C-130J – Herda uma somatória de legados técnicos e praticas operacionais dos 53 anos de operação da família C-130. Muitos podem ser sanados ou melhorados com a modernização do projeto, outros são orgânicos a filosofia da aeronave.
C-390 – Não herda legados de família anteriores em operação. (Na verdade uma analise mais profunda pode eventualmente identificar pequenos legados de algumas relações de compromisso em econômica e comunicabilidade com o ERJ-190).
Quando comparamos um projeto com alto índice de legado com um outro praticamente “novinho em folha” a comparação geralmente nos conduz a uma forte reação de encantamento com o projeto novo.
Na Rússia eu vi muitas discussões, algumas muito técnicas outra meros palpites de entusiastas sobre o AN-70 versus o IL-76MF, todas claro tecnicamente davam uma vitória ao AN-70, por uma serie de variáveis técnicas e a própria “juventude” do programa.
Neste sentindo, as comparações com o C-130J em questões técnicas e econômicas, não me impressionam no C-390 por um simples motivo, o C-390 deve produzir diferenciais técnicos, econômicos e operacionais, porque senão não tem nem chance de iniciar uma disputa técnica com o seu concorrente.
Assim como a Airbus precisou criar uma série de tecnologias, conceitos e vantagens com a família A-320 a 20 anos atrás para rivalizar a família 737 que também tinha sua dose de legados de projeto.
Quanto estes diferenciais de projeto aparecem, ai começa o jogo, porque temos dois concorrentes cada qual com a sua vantagem competitiva, e a disputa se dá no ambiente de programa e não na comparação pura e simples das fichas técnicas.
Um outro engano comum que pode-se formular é o seguinte.
Um projeto novo sem legado algum é sempre melhor que um outro com elevados índices de legados?
Sim e não. Sim como resultado final de engenharia, isto é, o melhor projeto, com o melhor desempenho. Mas não como resultado de programa, porque o legado de programa ao mesmo tempo que limita qualidades de projeto ancora riscos e custos de programa.
Sendo bem pratica.
O R-99 é uma aeronave com sérios legados de projeto em autonomia de operação. Isto como todos sabem é um legado da escolha da célula do ERJ-145 (antes como sabem era o EMB-120). Pois bem, estamos em meados dos anos de 1990 e temos duas opções. ERJ-145 + Erieye o que nos conduz a legados de projeto mas custos e principalmente riscos adequados. E-X (célula 100% nova) + Erieye que nos conduz a ótimo desempenho, mas riscos e custos elevados.
O projeto sem legado é o mais adequado neste caso? Obviamente que não.
Agora nos podemos olhar o C-390 como um programa
A primeira coisa que chama a atenção positivamente no programa C-390 (e não no projeto) é que ele tem uma orientação referenciada ao mercado externo ao qual a Embraer acredita que haja uma real demanda para este tipo de aeronave, isto cria um ambiente que não existe por exemplo em outros programas similares no Japão e Índia que são puramente locais.
Isto é positivo porque programas de defesa podem sair em duas armadilhas igualmente fatais no que tange a mercado externo.
Orientação totalmente local sem capacidade de financiamento a longo prazo
1- A industria concebe um programa focado somente nas necessidades das FA’s locais, e estas necessidades são quase que exclusivamente das FA’s locais. Ai das duas uma. Se a FA local tem demanda para a industria, ótimo, suas necessidades são garantidas pela demanda interna, e esta industria não é competitiva mundialmente, mas é adequadamente financiada. Exemplo. Industria militar naval americana. Se a FA não tiver demanda para tal, ela potencialmente destrói a sua industria, um exemplo disto foi a decadência da industria aeronáutica Argentina que em certa época era muito maior e melhor que a brasileira, que com o AMX aprendeu na pratica o que significa necessidades locais com financiamento curto.
Orientação totalmente externa sem a ancoragem do programa na FA local.
2- A industria minimiza as necessidades locais das FA’s e foca uma necessidade global, as características do programa são orientadas para um mercado externo, que pode ser generoso, mas aumenta-se o risco do programa. Exemplo: Programa Osório, F-20 ou uma “private venture”
As pessoas por de trás do planejamento do programa é claro que querem maximizar o melhor dos dois mundos, isto é. Um programa ancorado localmente pela FA e ao mesmo tempo com características de competição globais.
Como fazer isto? E ainda acrescendo um ingrediente a mais. Como criar um programa sem legado, que ao mesmo tempo tenha um perfil de risco aceitáveis, já que vimos que legado x risco são interdependentes, e ainda por cima com orçamentos cursos dentro do cliente ao qual ancorar o programa?
Bem, existem estratégias de gestão e planejamento de programas que podem ajudar neste caso, obviamente o risco não pode ser completamente minimizado, mas pode ser aceitável a ponto do programa ser aprovado.
E a Embraer, na minha leitura esta fazendo uso delas para tentar viabilizar o programa C-390.
Quais estas estratégias?
Ai alguns de vocês podem me achar prepotente ou esnobe, mas isto é algo que eu não comentaria em um fórum de discussões, não que não seja um grande segredo, mas tem seus nuances..
Alias posso até dar uma pista do porque. Hoje na Rússia existe uma situações parecidas de novos programas e a maneira como eles vão ser tocados é análoga a algumas coisas que a Embraer seguramente precisara fazer para tirar o C-390 do papel.
O mercado.
Já que não da para falar sobre a forma exata do programa, vou falar algo que já escrevi aqui antes sobre o mercado externo.
Realmente ele a primeira vista impressiona, são algo como 2800 aeronaves das quais 1000 pelo menos serão aposentadas nos próximos 15 anos, segundo as projeções que vi.
Existem alguns fatores que tornam esta aritmética menos interessante.
Quando analisamos aviões de transporte tático criados fora da Rússia e dos EUA, como o G-222, C-235/295 e Transall C-160 ou somamos o C-27J descontando os exemplares encomendados pelos EUA chegamos a um teto de 200 aeronaves produzidas para o mercado mundial (descontando Rússia e EUA).
A idéia de um grande mercado externo, mal suprido por fornecedores tradicionais, com equipamentos em processo de franco envelhecimento pode pregar muitas peças.
A primeira delas é achar que itens novos só concorrem com itens novos.
Porque caças como o Mig-35 ou Gripen que custam relativamente barato se comparados com seus pares russos e ocidentais respectivamente não são um sucesso de vendas nos mercados internacionais com o envelhecimento da frota de caças é acentuado?
Primeiro porque os operadores militares estão pragmáticos em adentrar em novos programas, preferem revitalizar os atuais. Depois porque existe uma oferta razoável de hardwares equivalentes de segunda mão no mercado externo.
Vou citar 20 paises que operam o C-130 (de um total de mais de 70).
Argélia, Argentina, Camarões, Colômbia, Equador, Egito, Etiópia, Gabão, Honduras, Libéria, Yemen, Venezuela, Zâmbia, Romênia, Nigéria, México, Siri Lanka, Turquia, Tunísia, Tailândia.
Citei alguns dos mais paupérrimos operadores desta aeronave. Quantos efetivamente irão prolongar a vida de seus C-130 ate o limite? Quantos irão atrás de versões mais antigas do C-130 aos quais operadores mais riscos dentro da OTAN irão aposentar, e quantos efetivamente irão comprar aeronaves novas como o C-130J e o C-390?
Alguém pode argumentar. Mas você só citou paises pobres, e os outros? Bem, os outros, seja dentro da OTAN, seja a Rússia, seja a China, Japão ou Índia tem projetos locais não são clientes do C-390.
A segunda é achar que quando a competição realmente incomodar o líder do mercado se ele não vai resolver entrar na briga.
Porque os sauditas não compraram o Osório? Um projeto novo, tecnicamente e economicamente vantajoso?
Quando houve a concorrência de igual para igual a industria americana se prevaleceu politicamente. O mesmo pode acontecer com o C-390.
A terceira armadilha é, achar que o preço é fator decisivo o tempo todo.
O C-130J custa US$ 65mi e o C-390 custa US$ 50mi. Isto é verdade, mas o preço do C-130J é de US$65mi, o que não quer dizer que seu custo seja US$65mi. Sendo a opção natural de substituição dos atuais C-130 o seu fabricante posiciona seu preço para um mercado sem competidores, o que pode acontecer em uma disputa acirrada entre ambas as aeronaves em uma concorrência no pais X.
A Lockheed oferecer seu avião a digamos US$ 56mi se seu competidor tiver reais chances de vitória.
Preço é uma coisa, custo é outra, hoje o preço do C-130J esta nesta patamar porque entre outras coisas não existe competidor direto para ele se a decisão de compra do operador for um avião nesta classe “novo de fabrica” seu principal concorrente são programas de extensão da vida útil dos modelos antigos.
Você esta lendo este texto e pensando, “Já sei, estão minimizando o produto da Embraer, afinal de contas, a Sra Elizabeth Koslova só sabe criticar o que é brasileiro”.
Não é por ai. O que quero dizer é que a competição neste mercado é duríssima, algumas vezes inviável, pelas razoes que citei.
A Embraer sabe disto?
Claro que sabe, com muito mais propriedade que eu inclusive.
Então se sabe disto porque ela mostra projeções para até 700 aviões C-390 comercializados?
A resposta é simples.
No segmento aeroespacial, algumas coisas você sabe e guarda para si, outras você as mostra da forma que melhor se adequar a sua estratégia. .
Alias uma curiosidade. Somando G-222, C-295, C-235, CJ-27 (descontando encomendas americanas) e C-160 vamos ter algo menor que 700 aviões.
Vocês leram na imprensa esta semana sobre o lançamento dos RRJ’s. Muitos seguramente acharam aquilo um espetáculo de otimismo da industria russa, sabemos que o mercado de RJ’s não é aquilo que esta ali escrito.
A Sukhoi também sabe disto, mas ela tal qual a Embraer é desafiante em um mercado onde esta em desvantagem, sua estratégia de lançamento, captação de parcerias, persuasão a clientes chaves, articulações políticas com governos esta associada a uma serie de ações e posicionamentos sobre mercado, que não são na pratica o que se anuncia oficialmente.
Então antes de me criticarem por estar levantando óbices ao programa C-390 procurem realmente entender o que escrevi e verão que é um elogio a Embraer, que esta jogando um jogo “de gente grande” onde o risco do programa é razoável e ela esta através de um planejamento de programa de primeiríssima linha tentar tornar viável este projeto. Se fosse fazer uma aposta pessoal, acredito que o programa não sai.
A maneira como a Embraer esta procurando fazer isto é o que peço desculpas a vocês, mas não posso falar, assim como o Danilo naquela excelente mensagem sobre a manutenção do Mirage III na FAB seguramente não contou muitas coisas das quais sabe. Ai sai a entusiasta que participa dos fóruns de discussão e entra a profissional que tem programas em andamento com estratégias parecidas.
Por fim, caso o C-390 não saia, isto forçara a Embraer a re-pensar seu posicionamento no tocante ao segmento de defesa. Os motivos pelo qual a empresa de posicionou desta forma após a sua privatização e a nova forma de se posicionar é um assunto muito interessante, existe toda uma lógica de decisão que conduziu a situações como a do FX ou PX, que era bastante coerente para a época, mas que no novo cenário de 2010 em diante talvez nos conduza a uma nova Embraer no segmento militar, mas este assunto é longo demais.
Abraços
Elizabeth