O projecto do "raid" Lisboa – Rio de Janeiro
Em 26-05-1919, portanto dois dias antes da chegada do Tenente Read a Lisboa, Sacadura Cabral entrega ao Ministro da Marinha um requerimento célebre, em que se propõe realizar a travessia aérea Lisboa – Rio de Janeiro, tendo como propósito o progresso da aviação e o estreitamento dos laços entre Portugal e o Brasil.
O Ministro da Marinha submeteu este requerimento à apreciação do Conselho de Ministros, que lhe deu imediato andamento através do Decreto de 03-06-1919, em que é estabelecido um prémio para o primeiro aviador português ou brasileiro, que efectuasse a travessia aérea Lisboa – Rio de Janeiro, em 168 horas, e em que autoriza o Ministério da Marinha a dispender a verba de 200 contos para auxiliar essa tentativa e a nomear um oficial aviador encarregado de organizar travessia aérea.
O Ministério da Marinha, em conformidade com o mandato recebido do Governo, por portaria de 06-06-1919, encarregou Sacadura Cabral de organizar a tentativa de travessia aérea entre Lisboa e Rio de Janeiro. O mesmo ministério conseguiu ainda que Sacadura Cabral fosse nomeado pelos Negócios Estrangeiros adido aeronáutico junto das Legações de Portugal em Paris, Londres e Washington, enquanto durar a comissão de serviço de que está encarregado de organizar a tentativa de travessia aérea Lisboa – Rio de Janeiro.
Esta nomeação abria-lhe as portas de acesso às entidades oficiais e aos fabricantes desses países. Realmente Sacadura não perdeu tempo e com data de 15-06-1919 já tinha dirigido circulares às casas construtoras, dando conta da intenção portuguesa e solicitando informações sobre os modelos de aviões mais apropriados.
Como se verifica, a reacção do Ministério da Marinha à proposta de Sacadura Cabral foi a mais entusiasta e eficaz. A partir dessa altura a Marinha vai estar envolvida no projecto, disponibilizando verbas, dando facilidades ao autor do projecto e mais tarde apoiando as suas viagens com importantes meios navais.
Assim, Sacadura Cabral, homem de génio, vai desenvolver o seu audacioso projecto, como oficial da Marinha, sabendo que conta com o apoio da sua Corporação e através da Marinha e do Governo o projecto adquire uma projecção nacional.
O problema da navegação aérea
Actuando com enorme rapidez Sacadura apresenta ao Ministro da Marinha um relatório em que estabelece o plano prévio para a execução da viagem e em que levanta algumas dúvidas quanto ao rigor da navegação possível de realizar nessa época, em especial para encontrar pequenas ilhas ao fim de um longo percurso sobre o mar e ainda sobre o tipo de avião a utilizar. São os dois problemas chave duma travessia transatlântica.
Consciente do problema da navegação o Ministro nomeia, em 15-06-1919, uma comissão composta por Afonso Cerqueira, Sacadura Cabral e Santos Moreira para estudar com urgência o plano de navegação aérea que tinha sido apresentado à Repartição do Gabinete. Não se conhece o resultado dos seus trabalhos, pois essa comissão foi extinta uma semana depois.
Sacadura deve ter preferido recorrer ao seu antigo chefe e amigo, Gago Coutinho que de longa data se interessava por problemas de navegação, nomeadamente com a aplicação de um horizonte artificial ao sextante usado nos navios. Deduz-se isso do artigo publicado no número de Agosto de 1919 do Anais do Club Militar Naval, em que aquele célebre geógrafo afirma:
"Convidado – a propósito do raid aéreo Lisboa – Rio de Janeiro – a ocupar-me deste assunto, pelo meu camarada e antigo companheiro de serviços geodésicos em África, Artur de Sacadura,..."
Ora consta que Gago Coutinho, a partir de 14-07-1919, já vinha efectuando medições de alturas dos sol e de outros astros, com um sextante equipado com um nível de bolha de ar, equipamento que será aperfeiçoado nos dois anos seguintes, sabendo-se que antes do final de 1920 já tinha efectuado diversos voos e feito inúmeros leituras com aquele instrumento. No entanto Gago Coutinho pôde verificar que o sistema de cálculo, utilizado a bordo dos navios não se adaptava aos aviões, onde era necessário trabalhar "sobre o joelho" e depressa. Criou por isso um método muito simplificado de cálculo, o que lhe permitia atingir a rapidez desejada com suficiente rigor.
Gago Coutinho e Sacadura desenvolveram em conjunto um equipamento, a que chamaram corrector de rumos, que permitia entrar com o abatimento ou deriva do avião e calcular o rumo verdadeiro.
Viagem aérea Lisboa – Funchal
Em 1920, Sacadura Cabral encontrava-se em Inglaterra, adquirindo material para a Aviação Naval. Propôs a aquisição de dois hidroaviões F3 (Felixtowe) com os números 4017 e 4018.
Após a chegada ao Funchal, em 22 de Março de 1921, os Comandantes Gago Coutinho e Sacadura Cabral e o 1º Tenente Ortins de Bettencourt a bordo do hidroavião.
Após a sua recepção e aprontamento em Calshot, sob o comando, respectivamente, de Sacadura Cabral e de Pedro Rosado, escalaram Brest e Ferrol ( o 4018 escalou Caminha) e chegaram a Lisboa a 15-05-1920. Foi a segunda vez que o Golfo da Biscaia foi atravessado pelo ar (a primeira tinha sido no ano anterior por Read).
Por esse feito foi Sacadura louvado (23-06-1920), tendo sido considerados os serviços prestados nessa comissão, como extraordinários e importantes.
Esses aviões vão ser preparados para efectuar a viagem Lisboa – Funchal. Gago Coutinho aperfeiçoa o seu sistema de navegação aérea e Sacadura leva o F3 – 4018 para Aveiro, onde treina com mais facilidade a utilização deste avião.
Quando tudo fica preparado e calculado, Sacadura descola de Lisboa, a 22-03-1921, tendo Ortins de Bettencourt, como segundo-piloto, Gago Coutinho, como navegador, e Soubiran, como mecânico.
A Marinha apoiou a viagem, destacando para o Funchal, afim de assegurar o reabastecimento do avião, o C/T "Guadiana" e mais tarde o "República".
A viagem, de 530 milhas, realiza-se, em excelentes condições, em sete horas e meia. O sistema de navegação estava comprovado e garantia que se podiam efectuar grandes tiradas sobre o mar com o mesmo rigor que nos navios.
Mais uma vez é louvado Sacadura (30-04-1921) pela valentia e perícia, com que executou a viagem Lisboa – Funchal e é condecorado com a Torre e Espada, grau de oficial (mais tarde durante a viagem ao Brasil receberá a grã-cruz da Torre e Espada).
O País começava a acreditar ser possível atingir o Brasil.
Preparação da Travessia Aérea Lisboa – Rio de Janeiro
O F400 – Futuro "Lusitânia" em experiências em Inglaterra.
Apesar do projecto da Travessia Aérea Lisboa – Rio de Janeiro ter sido lançado e autorizado pelo Governo em Junho de 1919, ficou suspenso, segundo Sacadura Cabral, antes do final desse ano , por não se terem encontrado os aviões que satisfizessem os requisitos e só foi retomado depois de concluída a viagem Lisboa – Funchal.
Assim em Julho de 1921 Sacadura Cabral insistiu pelo prosseguimento da viagem, junto de Ministro da Marinha, que deu a sua concordância. Porém, a verba inicial estava já reduzida pela desvalorização da moeda portuguesa.
Sacadura Cabral volta a analisar os tipos de avião, terrestre ou marítimo, e embora o terrestre fosse o mais eficiente, em termos de velocidade – autonomia, a inexistência de aeródromos nas ilhas de Cabo Verde e Fernando de Noronha eliminava à partida tal opção. Assim a solução seria a do hidroavião e pela limitação das verbas teria de ser o monomotor.
A 04-09-1921, parte Sacadura Cabral para Inglaterra, afim de contactar a firma Fairey, fabricante do F IIID. Pesou na escolha de um hidro inglês uma outra questão importante, segundo Sacadura Cabra, que era a fiabilidade do motor. Embora Sacadura preferisse tratar com fabricantes franceses, o motor Rolls Royce, já seu conhecido do F3 (viagem Lisboa – Funchal) predominou como o melhor. A casa Fairey era aquela que tinha já prontos planos de um hidroavião com as características que Sacadura procurava, ou seja o F IIID, modificado.
Sacadura com a sua equipa acompanhou a construção e modificações do avião, que, após difíceis experiências e reajustamentos, ficou pronto quase no final do ano de 1921. O contrato de aquisição de aviões à Fairey incluía mais dois hidroaviões F IIID, de série.
O avião ( o F400, futuro "Lusitânia"), encaixotado, foi recebido, em Janeiro de 1922, iniciando o pessoal do Centro de Aviação Naval de Lisboa a sua montagem. No entanto Sacadura Cabral, por várias razões, ficou retido em Inglaterra e só chegou a Lisboa, em 06-03-1922.
Apresenta-se, então, ao Ministro da Marinha, que era novamente o Comandante Victor Hugo de Azevedo Coutinho, que lhe pergunta pela viagem ao Brasil e em face das informações que Sacadura lhe presta o manda aprontar com urgência o avião e dar início à viagem o mais cedo possível.
É Sacadura que afirma no seu relatório:
"...hoje pode dizer-se que, se a viagem se realizou, se deve em grande parte ao Ministro Azevedo Coutinho, pois, apesar dos vários contratempos que surgiram, a sua grande vontade de que ela se efectuasse nunca esmoreceu e de todos os meios lançou mão para que ela se completasse".
A Marinha pôs à disposição da viagem, para dar apoio aos aviadores os seguintes navios: cruzador "República", aviso "5 de Outubro", canhoneira "Bengo" e ainda, na fase final, o cruzador "Carvalho Araújo".
Realização da Travessia Aérea do Atlântico Sul
O F400 "Lusitânia" preparando para descolar no rio Tejo para a travessia aérea do Atlântico Sul.
As duas semanas que se seguem são vividas por Sacadura e por Gago Coutinho, (que seria o seu observador e navegador durante a travessia) de uma forma frenética, para tudo ficar pronto antes do fim do mês de Março. O pessoal do Centro participa com muito entusiasmo na preparação do avião.
Finalmente, a 30 de Março de 1922, Sacadura descola, levando Gago Coutinho, como observador, para a viagem que ficou conhecida por 1.ª Travessia Aérea do Atlântico Sul. Não vou descrever esta célebre viagem que o relatório apresentado por Sacadura Cabral e por Gago Coutinho descreve com total minúcia. No entanto, acho vantajoso referir os grandes marcos desta viagem.
A primeira etapa Lisboa – Las Palmas (Canárias) realiza-se sem problemas de maior. Depois Sacadura optou por descolar para a etapa seguinte a partir de Gando, no sul da mesma ilha. Realiza, então a etapa Gando – S. Vicente (Cabo Verde). De S. Vicente transfere-se para a Praia, na ilha de S. Tiago, mais ao sul. Aí as condições de mar não lhe permitem descolar com o máximo de combustível, pelo que opta por pedir a ida do "República" para junto do Penedos de S. Pedro, onde pensa amarar e ser reabastecido, em vez de tentar o percurso Praia – Fernando Noronha, para o qual já sabe que não dispõe de combustível suficiente. Entretanto, o Governo resolve baptizar o avião de F 400, de "Lusitânia".
O troço da viagem Praia – Penedos é aquele em que o sistema de navegação tem de ser o mais rigoroso, porque os penedos tem uma pequena superfície e
O cruzador "República" a pairar junto dos penedos de S. Pedro. Compare-se o comprimento dos penedos e o navio (100m).
pequena altitude e o avião irá chegar no limite do seu combustível.
É a etapa mais longa da viagem, 908 milhas, que levam 11 horas e 21 minutos de voo a percorrer. Mas graças à maravilhosa navegação, efectuada por Gago Coutinho, os Penedos são encontrados. Sacadura tenta a amaragem e um dos flutuadores parte-se, afocinhando o avião no mar. O seus tripulantes são rapidamente salvos pelo pessoal do "República".
Estes acontecimentos são amplamente difundidos pela imprensa portuguesa e a opinião pública pressiona o Governo, para que se apoie a continuação da viagem. Reflexo da projecção que a viagem estava a ter em Portugal é a lei
n.º 1257, de 27-04-1922, aprovada
O salvamento de Gago Coutinho e Sacadura Cabral pelo pessoal do "República".
pelo Parlamento em que são promovidos por distinção ao posto seguinte o CMG Gago Coutinho e o Capitão-Tenente Sacadura Cabral. Os visados enviam um telegrama ao Ministro afirmando tratar-se de uma honra imerecida.
De imediato Sacadura pede ao Ministro da Marinha que lhe envie um segundo avião, que segue a bordo do navio brasileiro "Bagé" para Fernando Noronha. Depois de uma rápida experiência, Sacadura descola no F 16, a 11 de Maio de 1922, para
ir sobrevoar os Penedos e regressar a Fernando Noronha. Já no regresso a esta ilha o avião entra em "panne" e têm de amarar, fora de qualquer rota de navegação. Ao fim de algumas horas e já em plena noite, são salvos por um navio inglês o "Paris Star", que por felicidade dos aviadores, navegava, desviado algumas milhas da rota que julgava seguir.
Volta Sacadura a informar o Ministro da Marinha que deseja continuar a viagem e que o F 17 serve para tal efeito (era o último dos aviões recentemente adquiridos, disponível na Aviação Naval). Este avião é montado e segue a bordo do cruzador "Carvalho Araújo". Quando chega a Fernando Noronha o avião é logo posto na água e experimentado. Sacadura decide completar a viagem, efectuando de imediato a etapa Fernando Noronha – Recife ( 300 milhas e 4 horas e meio de voo) no dia 5 de Junho de 1922.
Sacadura descreve no seu relatório o momento da descolagem para esta etapa de forma emocionada, onde vibra a sua alma de marinheiro: "Momento solene e comovedor esse!! Sentia-se bem que a marujada nos acompanhava de alma e coração , que em nós depositava a esperança de que dessemos maior brilho a essa Marinha a que todos nós pertencíamos!!!".
Do Recife em diante é a apoteose, portugueses do Brasil e brasileiros irmanados no mesmo espírito, saúdam os novos Gamas e Cabrais. Segue-se a Baía, Porto Seguro, Victória e finalmente o Rio de Janeiro, aonde chegam a 17 de Junho de 1922. Tinham sido percorridas 4367 milhas, num tempo de voo de cerca de 60 horas. No Rio o F 17 é baptizado com o nome de "Santa Cruz" pela esposa do Presidente do Brasil, Dr. Epitácio Pessoa e o avião fica exposto durante quase um ano na Exposição Internacional do Rio de Janeiro.
Travessia Aérea Lisboa – Rio de Janeiro –1922.
Durante os restantes meses de 1922, percorrem o Brasil e depois Portugal. Fazem conferências e são aclamados como heróis em todos os locais. Particularmente importante e entusiasta a recepção que a população de Lisboa lhes dedica a 27 de Outubro de 1922.
Interessante no meio de tantos louvores e aclamações o telegrama que o Secretário da US Navy envia, a 22-06-1922, ao Ministro da Marinha de Portugal em que o felicita pelo sucesso da viagem dos aviadores Sacadura e Coutinho e acentua "...of the first transatlantic flight to be made to South America".
O feito de Sacadura e de Gago Coutinho veio provar ao Mundo que era possível efectuar longas viagens aéreas oceânicas, utilizando uma navegação tão rigorosa, quanto a dos navios, a qual iria perdurar várias décadas, para somente ser ultrapassada pelos meios electrónicos, pela navegação por inércia e muito recentemente pela navegação por satélite.
Sacadura Cabral pede a demissão de oficial
A conturbada política portuguesa, em especial a sangrenta noite de 19-10-1921, impressionavam fortemente um homem de carácter, como era Sacadura. Por isso admitia a hipótese de se afastar da Marinha, porque como oficial repugnava-lhe assistir ao descalabro do País, que ele amava como poucos.
Entretanto, Sacadura Cabral que desempenhava o cargo de Director dos Serviços de Aeronáutica Naval, verifica que a Aviação Militar iria ser contemplada com importantes verbas, quando a Aviação Naval vegetava com velhos aviões ou dependia das subscrições para obter aquilo que ele considerava essencial. Também estava descontente porque o pessoal da Aviação Naval que tanto tinha contribuído para o sucesso da sua viagem ao Brasil, não ter ainda sido recompensado, quando o dos navios o tinha sido imediatamente.
Resolve, então (11-02-1923), tomar a atitude, em requerimento dirigido ao Ministro da Marinha, de pedir a sua demissão de oficial da Armada, explicitando as suas razões e, simultaneamente, dirigir a um jornal da capital (D.N.) uma longa carta em que torna pública a sua atitude, o que constituía um desafio ao Governo, podendo considerar-se uma infracção ao RDM. Mas ninguém teve a coragem de tocar nesse ponto. O requerimento demorou a ser apreciado. Entretanto o Ministro da Marinha mudou de titular mais uma vez, passando a ser o Comandante Pereira da Silva, que em 20-02-1924, finalmente despacha o referido requerimento da seguinte forma:
"Não subsistindo os motivos que explicavam o pedido de demissão do requerente, porquanto o pessoal citado vai ter as condignas recompensas, o que só por lapso não foi feito pelos governos anteriores, e tendo o Conselho de Ministros resolvido incluir no Orçamento a verba conveniente para a aquisição do material para a Aviação Naval, entendo que não há que deferir".
O Governo publicou ainda uma nota oficiosa, em que na prática dava razão à atitude de Sacadura.
A inaptidão para voo de Sacadura Cabral
Para cumprir o regulamento que ele próprio apresentara, Sacadura Cabral submete-se à Junta de Saúde Naval, que em sua sessão de 01-04-1923, o dá como "Inapto para piloto aviador". Curioso é ler as observações do mesmo mapa da JSN : "O inspeccionado declara que as deficiências de visão e audição são as mesmas que sofria quando foi admitido na aviação marítima".
Não consta que essa decisão da Junta tenha sido homologada e Sacadura continuou a voar. Tinha então quarenta e dois anos e oito de aviador.
O projecto da viagem de circum-navegação
Ainda os ecos da viagem ao Brasil não se tinham extinto e já Sacadura Cabral punha em marcha um projecto mais ambicioso – a viagem de circum-navegação. Para tal apresentou ao Ministro da Marinha, em Abril de 1923, uma extensa exposição com o planeamento detalhado da viagem, os meios necessários e a forma de os obter. Isto, apesar dos problemas anteriormente apresentados, o que mostra bem o carácter de Sacadura.
Com a receita das subscrições públicas efectuadas em Portugal e no Brasil e do contrato de venda de selos poderiam ser adquiridos os 5 ou 6 aviões necessários para o efeito; no entanto era necessário também um ou dois navios mercantes para apoiar a travessia no Atlântico e noutros pontos do mundo, visto que a Marinha não dispunha de navios apropriados.
Este aspecto foi levado pelo Ministro ao Parlamento, afim de obter o respectiva autorização orçamental. A discussão no Parlamento eternizou-se, sem decisão à vista. Assim a data favorável para a realização da viagem foi ultrapassada (deveria ser Março de 1924). Do outro lado do Atlântico a Aviação Militar americana iniciou então a viagem programada por Sacadura, completando a 28-09-1924 a volta ao Mundo.
Apesar da desilusão que sentia por não ter tido a primazia, Sacadura não desistia do seu projecto. Com o dinheiro que já tinha reunido, encomendou na Holanda 5 aparelhos FOKKER (4 com motor Rolls Royce Eagle IX de 380 HP e um com motor Napier Lion de 450 HP).
A morte do herói
Em 21-06-1924, Sacadura Cabral é nomeado para fazer parte duma comissão, afim de habilitar o Governo a resolver as propostas destinadas ao estabelecimento de carreiras aéreas comerciais. Como se vê ele era considerado uma autoridade em termos aeronáuticos. O artigo por ele publicado no "Diário de Notícias" de 28-03-1919, intitulado: "Lisboa: cais da Europa", demonstra que Sacadura já antevia que Lisboa viria a transformar-se no terminal europeu das viagens aéreas transatlânticas. Aliás nas inúmeras conferências, que efectuou, demonstrou ter uma visão muito ajustada do futuro da aviação comercial, advogando um papel pioneiro para a nossa aviação. Infelizmente pregou num país de surdos.
E para dar andamento ao seu projecto de circum-navegação Sacadura Cabral segue para a Holanda, a 12-07-1924, com a finalidade de receber os aviões Fokker. É ele que pilotou o primeiro, equipado com rodas, da Holanda para Portugal, aterrando na Amadora, a 30-08-1924.
Volta à Holanda, a 28-10-1924, para receber mais três hidroaviões, que ficam prontos para efectuar a viagem para Portugal, a 15-11-1924. Eram comandados pelos tenentes Santos Mota e Pedro Rosado e por Sacadura Cabral. Partem de Amsterdam com pequenos intervalos, visto que o tempo não permitia voo de grupo. Santos Mota atinge Brest e Rosado amara em Cherburgo. Esperam o tempo combinado e como o avião de Sacadura não chegasse, dão o alerta às autoridades francesas e inglesas.
Só três dias depois um navio de pesca belga, ao regressar ao seu porto de Ostende transmite a notícia de que tinha recolhido, no Canal da Mancha, destroços de um flutuador em que estava gravado o número 4196,
O País chorou o seu herói. A Aviação Naval perdeu o seu mentor. Sacadura Cabral que escapara a sete acidentes com aviões e que afirmara a um seu amigo que "havia de morrer como toda a gente na sua cama", encontrou ali no mar o túmulo digno da sua vida gloriosa de aviador.
Em carta de Biarritz, de 23-11-1924, Santos Dumont escrevia a Gago Coutinho:
"Porque não seguiu ele os meus conselhos de descansar depois de tão grande feito que foi a viagem Portugal – Brasil?".
Considerações finais
O tempo se encarregou de repor a figura de Sacadura Cabral no pedestal da história, como uma das figuras nacionais mais marcantes do Século XX. Não nos podemos referir à aviação em Portugal sem nos referirmos a Sacadura, por isso ele ficará para sempre como o cavaleiro sem mácula da nossa Marinha com asas.
Através das linhas que desenvolvi, tentei dar uma explicação para o sucesso alcançado por Sacadura Cabral. Ele foi sempre um brilhante oficial da Marinha, a que se orgulhava de pertencer e recebeu dessa sua Marinha o apoio e a compreensão necessária, apesar do período político que o País atravessou de 1915 a 1924, e da constante alteração dos governantes e chefias da Marinha.
Parte do mérito dos sucessos alcançados por Sacadura Cabral devem ser assim, na minha perspectiva histórica, atribuída à instituição, a Marinha, que honrou e prestigiou.
Fotos em:
http://www.marinha.pt/extra/revista/ra_ ... /pag6.html
Primeira travessia aérea do Atlântico Sul
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Lobos que foram homens e o tornarão a ser
ou talvez memórias de homens.
que insistem em não rasgar a pele
Homens que procuram ser lobos
mas que jamais o tornarão a ser...
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