Escassez de engenheiros: obstáculo para o crescimento do país
RIO - O Brasil possui cerca de 600 mil engenheiros registrados. Não seria suficiente para tocar o crescimento do país? Há controvérsias, ressalta José Pastore, professor de Relações do trabalho da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Para alguns, seis engenheiros para cada mil trabalhadores é muito pouco. Nos Estados Unidos, são 25. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), até 2012 faltarão cerca de 150 mil engenheiros para preencher as vagas que estão surgindo.
A maior demanda será por engenheiros na área de energia. O engenheiro de energia lida com todas as formas de energia que compõem a matriz energética brasileira - seja ela renovável, como hídrica, solar, eólica ou de biomassa, seja não renovável, obtida de petróleo, carvão, gás natural ou material radioativo, como o urânio (usado em usinas nucleares). Faltarão também engenheiros para as áreas de transporte (terrestre, marítimo e aéreo), óleo e gás, construção pesada, produção industrial e sistemas de informação.
Para Pastore, excesso ou escassez dependem do tipo de profissional que se busca: no Brasil, diz ele, a falta é gritante quando se procura recrutar engenheiros com quatro ou cinco anos de experiência com tecnologias de ponta nas áreas acima indicadas.
- O profissional pronto e acabado, com conhecimento amplo das novidades da ciência e da tecnologia, é raro. Os especialistas dizem que, dos cerca de 30 mil engenheiros que se formam no Brasil todos os anos, apenas 10 mil têm a necessária competência para atender às novas demandas.
Ele diz que o desencontro decorre ainda do fato de a economia brasileira ter ficado estagnada por mais de 20 anos, quando o mercado ficou saturado para várias profissões.
- Na época, muitos engenheiros foram trabalhar em outras áreas, como financeira, comercial, administração e até recursos humanos. Esses profissionais, em sua maioria, não conseguem se reciclar para atender às tecnologias de última geração. Por isso, os 600 mil engenheiros existentes no Brasil não podem ser considerados como a oferta total.
Marcos Formiga, coordenador do comitê gestor do iNova Engenharia - programa da CNI em parceria com 80 empresas, lançado em 2006 -, ressalta que, apesar de o piso salarial dos engenheiros ter mais que duplicado nos últimos quatro anos, ainda é baixo: a remuneração inicial dos profissionais gira em torno de R$ 6 mil.
- No mercado paralelo, isto é, de administração, financeiro ou até nas vagas abertas em concursos públicos, o salário é mais atraente. E pelo menos dois terços dos profissionais vão para essas outras atividades - afirma Formiga.
O coordenador do iNova Engenharia lembra que todos os países que estão na crista do crescimento internacional optaram pelo desenvolvimento tecnológico via engenharia. Na Coréia, por exemplo, engenharia é o curso universitário mais concorrido - opção de 29% dos estudantes. Lá, formam-se 80 mil engenheiros por ano. Aqui, somente 4,4% escolhem o curso. Na China, são 400 mil engenheiros formados por ano e, na Índia, 300 mil/ano.
Pastore ressalta que a saída encontrada por muitas empresas tem sido treinar seus próprios quadros. Segundo ele, os treinamentos in company de engenharia estão em primeiro lugar, seguidos de administração. A montadora General Motors é uma das empresas mais agressivas nesse campo. Um acordo firmado em 2005 com a Escola Politécnica da USP, um dos principais centros de formação de engenheiros no Brasil, deu à GM uma vantagem. Os estudantes de engenharia da Poli aprendem a desenhar carros no sistema GM de projetar veículos. A empresa emprega atualmente 2 mil engenheiros, 95% deles no parque fabril de São Caetano do Sul (SP).
- Sentíamos dificuldades de encontrar engenheiros com experiência em sistemas digitais para conceber, projetar e manufaturar novos produtos. Doamos, então, as estações de trabalho para a Poli/USP e essa disciplina faz parte de todas as especialidades de engenharia da instituição. Isso começou em 2005 e agora, em 2010, esses primeiros engenheiros estão se formando - ressalta Alberto Rejman, diretor executivo de Engenharia para a América do Sul da General Motors.
Se dependesse do número de cursos de engenharia e das vagas oferecidas nele no país, escassez de engenheiros não seria um problema. O Brasil tem quase 1.500 cursos de engenharia, que oferecem aproximadamente 150 mil vagas por ano. Apesar de tal oferta generosa, o país tem apenas 300 mil estudantes nessa área - deveria ter 750 mil, se todas as vagas estivessem preenchidas - e apenas 30 mil se formam anualmente.
Em artigo sobre a escassez de engenheiros, o diretor da Escola Politécnica da USP (Poli/USP), João Roberto Cardoso, ressalta que a evasão nos cursos de engenharia é enorme, sem contar que recentes avaliações apontam que apenas um quarto desse contingente tem nível de formação considerado satisfatório. O diretor da Poli/USP ressalta ainda que levantamentos indicam que mais de 50% dos estudantes brasileiros abandonam o curso de engenharia ao final do segundo ano por não conseguirem acompanhá-lo, seja pela dificuldade inerente à formação ou por questões financeiras, visto que o curso de engenharia é caro, entre outros motivos, pela exigência de laboratórios especializados.
Para ele, o governo, considerando a dificuldade do momento, deveria injetar recursos nas escolas de engenharia para atualização de laboratórios e revisar as estruturas curriculares para acelerar o processo de aprendizagem e garantir uma boa formação. O MEC, por sua vez, diz Cardoso, precisa encontrar uma solução para mitigar esse baixo rendimento, que ocorre apenas nas carreiras tecnológicas.
- Uma das razões para o baixo rendimento está ligada à pouca importância que o ensino médio dá à física, química e matemática, matérias que são vetores de incentivo à carreira tecnológica. Há professores sem formação específica lecionando tais disciplinas e, se o país pretende atingir um patamar de desenvolvimento superior, suportado por uma tecnologia própria e de alto nível, a carga horária precisa ser revista.
http://oglobo.globo.com/economia/boacha ... 355457.asp