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Mensagem
por Marino » Dom Nov 22, 2009 12:15 pm
Jornal do Comércio:
América Latina vive clima de tensão política
Tensão entre “hermanos” À sombra de conflitos armados ocorridos nos séculos 19 e 20, países vizinhos voltam a se desentender, transformando a região, mais uma vez, em um barril de pólvora
Wagner Sarmento
Venezuela versus Colômbia. Equador versus Colômbia. Peru versus Chile. Corrida armamentista na região. O momento na América do Sul não é dos melhores. As tensões reacendem a luz de alerta em um continente onde – quase dois séculos após o fim do período colonial e a independência das nações – perduram problemas de fronteiras. Nos séculos 19 e 20, conflitos sacudiram a região e opuseram vizinhos. Guerra da Cisplatina, do Paraguai, do Pacífico, do Chaco, de Beagle. Batalhas que delimitaram territórios e criaram rivalidades que o tempo não cessou. Às sequelas históricas somam-se problemas conjunturais das mais diversas raízes.
O mais recente capítulo no barril de pólvora que se tornou a América do Sul ocorreu entre Peru e Chile, a pior crise diplomática entre os países desde a Guerra do Pacífico, deflagrada em 1879. Nos últimos dias, o Peru acusou o antigo rival de espionagem. Um militar peruano foi preso acusado de receber US$ 3 mil mensais desde 2005 para repassar dados sigilosos ao governo chileno.
O presidente Alan García chamou o Chile de “republiqueta”. A mandatária chilena, Michelle Bachelet, negou envolvimento de seu país no caso e classificou as declarações de García como “ofensivas e bombásticas, que em nada contribuem para a cooperação e integração entre países vizinhos”. Na última quarta-feira, O Peru denunciou o caso à Interpol, à União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e à Organização dos Estados Americanos (OEA).
O conflito tem o ranço da história. A Guerra do Pacífico, que opôs Peru e Bolívia ao Chile, se deu pelo controle do deserto de Atacama, rico em depósitos de nitrato, e resultou na vitória chilena. Até hoje, os países derrotados não aceitam as perdas territoriais decorrentes do confronto.
Além disso, os vultosos gastos do Chile em defesa são vistos com desconfiança pelo Peru. O governo Bachelet investe 3,7% do produto interno bruto (PIB) na área, contra 1,5% do país vizinho.
Apesar da rivalidade remanescente, o historiador Amado Luiz Cervo, do Instituto de Relações Internacionais (Irel) da Universidade de Brasília (UnB), acredita que o atrito não terá consequências drásticas e deverá ser resolvido por vias diplomáticas. “São dois governos moderados que vão chegar a um entendimento. Trata-se de um incidente mais leve”, afirma Cervo.
Já o coordenador científico do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (Nupri) da Universidade de São Paulo (USP), o venezuelano Rafael Vila, especialista em segurança na América Latina, não vislumbra solução imediata para a rivalidade entre as duas nações. “A questão entre Peru e Chile tem origem histórica. É algo mais profundo, que não tem solução em curto e médio prazo. O problema atual deve ser resolvido, mas o ranço fica. O Chile não vai querer devolver os territórios conquistados na guerra e o Peru não vai aceitar que eles não sejam devolvidos”, analisa.
Mesmo enxergando como pequeno o risco de o desentendimento adquirir contornos mais graves, Cervo opina que persistirão as arestas entre países cujas fronteiras foram definidas através de guerras. “O Peru não reconhece a vitória chilena como definitiva. Acha que foi lesado. O Peru também tem um problema de fronteira com o Equador. A Bolívia não aceita ter ficado sem saída para o mar depois da derrota na Guerra do Pacífico. Houve ainda a questão entre Chile e Argentina no Canal de Beagle. Não se pode ter uma paz definitiva. Qualquer coisa é pretexto para gerar um incidente”, pontua ele.
A mais delicada tensão da atualidade no continente, no entanto, não ocorre por questões de fronteiras nem tem raízes fincadas no passado. O acordo militar firmado entre Colômbia e Estados Unidos, que permite o uso de sete bases colombianas por tropas americanas, desagradou a América do Sul inteira, sobretudo a Venezuela. O presidente Hugo Chávez declarou que o acerto deixava a região “à beira da guerra” e há duas semanas chegou a pedir à população venezuelana que se preparasse para um combate.
Rafael Vila avalia que a animosidade entre Venezuela e Colômbia tem dois fatores. “Os pontos fundamentais são a presença dos EUA na região e o fato de haver duas lideranças que polarizam do ponto de vista ideológico”, observa o especialista venezuelano, referindo-se ao esquerdista Chávez e ao conservador Álvaro Uribe.
Vila, porém, não crê que a situação resulte em um conflito armado entre os países. “Esses governos nunca poderiam entrar em guerra sem levar em conta o que pensam suas sociedades. E a prioridade desses povos são as demandas sociais. Qualquer tentativa de confronto bélico seria superficial e vazia”, considera o venezuelano.
A opinião é compartilhada por Amado Luiz Cervo. “Chávez é mais discurso. A Venezuela não teria apoio de ninguém em uma operação ofensiva. Pressuponho que fique só no campo das ameaças. Chávez está fazendo alarde, querendo um bode expiatório para acertar questões internas, para despertar um sentimento nacional e, através dele, tentar criar uma coesão no país. Quando um governo tem dificuldade de estabelecer um consenso interno, faz isso”, critica o historiador da UnB.
Os conflitos na região tiveram início no século 19, com o fim da colonização espanhola e portuguesa na região. A formação dos Estados nacionais criou problemas de fronteiras, com países reivindicando territórios e precisando, algumas vezes, recorrer a conflitos armados para resolvê-los. A Guerra da Cisplatina, entre Brasil e Argentina, resultou no reconhecimento do Uruguai como Estado independente. A Guerra do Paraguai, o mais sangrento dos combates, que dizimou 80% da população jovem paraguaia, sentenciou concessões territoriais por parte da nação derrotada.
“As dinâmicas recentes e conjunturais, contudo, não podem ser esquecidas. Claro que as motivações históricas ajudam a catalisar conflitos, mas há também razões novas, atuais, desligadas do passado”, salienta Vila. Exemplo disso foi a ruptura, há quase dois anos, das relações diplomáticas entre Equador e Colômbia, devido a uma operação militar colombiana contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em território equatoriano.
"A reconquista da soberania perdida não restabelece o status quo."
Barão do Rio Branco