Sobre transferência de tecnologia, olha só o que a THALES anda fazendo no Brasil.
Omnisys, ex-pequena que inova
Contrato com governo, subvenção da Finep e competência nascida de
apoio da Fapesp fazem da Omnisys exportadora de radares de rota
Mônica Teixeira
A multinacional Thales anunciou que escolheu a ex-pequena que inova Omnisys — da qual detém 51% do capital desde fevereiro de 2006 — para desenvolver e fabricar radares de estado sólido de longo alcance. Segundo o Valor Econômico, que deu a notícia no dia 12 de março, há demanda internacional para 40 a 50 desses radares — um mercado estimado em US$ 220 milhões. Em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, os sócios da Omnisys já planejam se mudar da Rua Lurdes, onde a empresa ocupa atualmente dois prédios. "Estamos em busca de um ambiente mais adequado para uma fábrica", diz Luiz Henriques, presidente da empresa e um dos três proprietários originais. O destino deverá ser Campinas ou São José dos Campos, a depender de incentivos municipais que possam beneficiar a empresa.
Há um ano, em março de 2006, Inovação classificou o estado de ânimo de Henriques como "exultante", quando o engenheiro relatou os termos da associação da Omnisys (186 funcionários na época, faturamento de US$ 13 milhões) com a Thales (60 mil empregados em 50 países, US$ 120 bilhões de faturamento). A empresa, aos nove anos de idade, ia bem, contou o presidente a Inovação naquela época; por isso, quando a multinacional propôs pela primeira vez a compra, a resposta dos sócios foi não. O que fez a pequena que inova mudar de idéia? A decisão da Thales de aceitar uma condição: a tecnologia do radar de estado sólido — que a gigante francesa não detinha — seria desenvolvida pela Omnisys, no Brasil. Mais: que também a fabricação desses radares — chamados radares "de rota", para controle do tráfego aéreo — para o mercado mundial ocorreria aqui. Passados 13 meses, e preenchidos certos requisitos acordados entre brasileiros e franceses, a promessa começa a se cumprir.
Não é o primeiro radar da Omnisys
Este não será o primeiro radar desenvolvido na Omnisys. Não: a empresa desenvolveu seu primeiro radar em 2000, com o incentivo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e um financiamento de R$ 800 mil do PIPE, o programa da agência para apoio às pequenas inovadoras. Aquele era um radar meteorológico e não para controle de tráfego aéreo, como este de agora. Mas foi ali que a Omnisys adquiriu a competência interna e a credibilidade externa quando o assunto é radar.
"O mercado passou a nos ver como capazes de desenvolvimentos de outro porte", afirmou Jorge Ohashi, outro dos sócios originais, no texto sobre a empresa publicado no site dedicado PIPE Pequenas que Inovam. "Passamos de empresa que fazia partes de um sistema para empresa que desenvolve e fornece um sistema integrado completo", resumiu Henriques, sobre a importância do financiamento para a história da Omnisys.
Ele também observou em 2006 que, perante a Thales, o fato de a Omnisys e uma empresa parceira, a Atech, terem decidido desenvolver esse radar meteorológico foi distintivo, em primeiro lugar, de ousadia comercial — pois não havia cliente previamente contratado —; e também da capacidade tecnológica da Omnisys, o que contribuiu para valorizar a brasileira no negócio de aquisição.
Sobre radares de longo alcance
Foi o ataque às torres gêmeas nos EUA, em setembro de 2001, que reaqueceu o mercado para os radares de longo alcance — e fez surgir a oportunidade de desenvolvimento e fabricação para a Omnisys. A baixa procura explica a razão pela qual a Thales, que atua nos setores de defesa e controle de tráfego aéreo, entre outros, só agora decidiu desenvolver o radar de longo alcance com transmissor de estado sólido. Satélites, ao invés de radares, vinham se tornando os preferidos para o controle em longas distâncias. Esse sistema, no entanto, apresenta uma desvantagem: o avião só é detectado quando se comunica com o sensor no satélite — por meio de seu transponder. No 11 de setembro, os aviões "sumiram" porque os seqüestradores desligaram seus transponders. O desligamento do transponder também pode ter contribuído para o acidente que resultou na queda do jato da Gol, em 2006, como indicam as investigações. O radar não depende da "vontade de se comunicar" da aeronave para detectá-la.
Sobre radares
Radares compõem-se de três elementos fundamentais: transmissor, receptor e antena. O transmissor emite o sinal eletromagnético que detecta objetos distantes. A detecção acontece quando o objeto distante rebate o sinal do transmissor, que é captado pela antena e pelo receptor do radar. No radar tradicional, uma válvula chamada magnetron emite o sinal eletromagnético. No radar de estado sólido, semicondutores — circuitos integrados — substituem a válvula magnetron na emissão do sinal.
Há vantagens nessa substituição. Em primeiro lugar, a vida útil das válvulas magnetron é limitada em cerca de um ano. Cada radar é equipado com duas, e elas são caras. Se o transmissor for construído com semicondutores, esse problema é afastado. Além disso, o sinal emitido pelo transmissor baseado em semicondutores tem estabilidade mais alta do que o sinal emitido pela válvula magnetron. Com isso, o desempenho do radar de longo alcance é maior se o transmissor for de estado sólido. "Em especial, no final do alcance", explica o engenheiro. Quer dizer: na faixa mais próxima a 200 milhas náuticas.
Vento a favor
O exultante Henriques enumera a sucessão de fatores que transformaram a exigência colocada pelos sócios brasileiros como parte do acordo para a venda do controle da Omnisys na realidade do desenvolvimento do transmissor de estado sólido. Desde o começo, ficou acordado que o radar de longo alcance seria produto brasileiro se um contrato diminuísse o risco do desenvolvimento. Em dezembro de 2006, a Omnisys obteve esse contrato: o Departamento de Controle do Espaço Aéreo, órgão do Comando da Aeronáutica, contratou a empresa para modernizar nove radares de banda larga já instalados no País. Modernizar radares de controle de tráfego aéreo é um dos segmentos em que a Omnisys atua; e, nesse caso particular, "modernizar" quer dizer, principalmente, substituir os transmissores desses radares — as válvulas magnetron — por componentes semicondutores.
Outro fator que impulsionou a operação radar de longo alcance: a Omnisys foi uma das dez empresas do setor aeroespacial selecionadas para receber subvenção econômica da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A agência selecionou o projeto "Transmissor em estado sólido para radar de rota de controle de tráfego aéreo em banda L" e concedeu à empresa subvenção de R$ 2,9 milhões. A notícia da seleção foi divulgada também em dezembro — mais um impulso em direção à decisão. Para completar o custo do desenvolvimento, a contrapartida da empresa será de R$ 2,2 milhões. A Omnisys e a Finep já assinaram o contrato e agora se espera a liberação da primeira parcela na última semana de março. A previsão é de que o valor total seja repassado pela Finep ao longo de um ano.
"A conjuntura caminhou no melhor sentido possível", avalia Luiz Henriques. Pelo cronograma estabelecido, o primeiro dos novos radares sairá da fábrica no final de 2008, com o transmissor desenvolvido pela Omnisys, e receptor e antena adaptados de um radar que a Thales já fabrica. O engenheiro explica que sair da fábrica não quer dizer chegar ao mercado: por serem equipamentos importantes para a segurança de vôo, os radares requerem um processo acurado de qualificação, que será feito no Laboratório de Integração e Testes (LIT) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). "Temos aqui no Brasil todas as capacidades necessárias, e isso também contou para a Thales", afirma Luiz. Ele se refere à competência nas áreas mecânica, elétrica, de fabricação das placas de circuito impresso. "Toda essa cadeia de fornecedores será mobilizada no País. E a manutenção dos radares também passará a ser feita aqui", finaliza.