Eu conhecia esta historia do lado japonês mas nunca tinha encontrado tantos detalhes.
Isto foi copiado de um livro de 1991 do Shintaro Ishihara e trata sobre o acordo Eua-Japão sobre o F-2.
O grande fracasso de Nakasone
Nakasone entregou de mão beijada a nossa tecnologia. Tudo o que obteve em troco foi a amizade pessoal de Reagan. Não se pode conduzir os destinos de um país em tempos difíceis só com boa vontade. Nakasone se gabava de sua intimidade com o presidente, e toda a mídia criticou a conexão “Ron-Yasu”.
Na verdade, era um relacionamento de mão única. Nakasone dizia amém a Reagan, era uma espécie de lacaio de Reagan, e traiu os nossos interesses nacionais mais relevantes. Tive a oportunidade de perguntar recentemente a um dos assessores de Ronald Reagan se Nakasone alguma vez discordou do presidente ou recusou um dos seus pedidos.
Mostrando os dentes, ele me respondeu que isso jamais acontecera, tanto quanto sabia. Nakasone era, acrescentou ele, “uma pessoa maravilhosa, um grande amigo” dos Estados Unidos. Nakasone sabia que a alta tecnologia japonesa era superior a dos Estados Unidos; sabia que o Pentágono estava seriamente preocupado com essa dependência dos microchips japoneses.
Não obstante, e por razões particulares, jamais disse não aos Estados Unidos. Seria por estar atrelado ao caso de suborno da Lockheed, em 1976? Ou teria o governo americano informações desabonado rasou embaraçosas sobre outro escândalo político qualquer?
O certo é que Nakasone não forçou a mão junto aos americanos. Quisera eu que ele tivesse posto as cartas na mesa e sido pelo menos suficientemente duro para dizer: “Meu governo vê a questão de outra maneira”. Foi durante a gestão de Nakasone que a questão do caça de apoio de última geração chamado FSX, projetado pelas MHI, tornou-se um ponto de debate entre Tóquio e Washington. Nakasone cedeu as pressões americanas e concordou com a co-produção do FSX.
Que arranjos secretos foram feitos, não sei. Mas acompanhei apreensivo o desdobrar do processo. As MHI são típicas companhias japonesas de alta tecnologia. O engenheiro-chefe das MHI é uma figura extraordinária. Trabalhando com um míssil americano usado pelas SDF, por exemplo, ele produziu o melhor míssil terra-ar do mundo.
No que diz respeito ao FSX, sua idéia era que o aparelho fosse projetado e fabricado inteiramente no Japão. Mas, quando o Pentágono viu os projetos do FSX, entrou em pânico. O desenho é fantástico. Nenhum outro caça chega aos pés do FSX.
Pode derrubar facilmente os F-15 e F-16. Horrorizado com essa perspectiva, o secretário da Defesa, Caspar Weinberger, procurou freneticamente impedir que as MHI produzissem o FSX. Infelizmente, o Japão não faz motores para aviões a jato. Desde o tempo em que eu estava na câmara de conselheiros, muitos anos atrás, que insisto na necessidade de fabricar esses motores, mas tenho sido ignorado.
Para o FSX teríamos de adquirir motores de F-15 e F-16. Se os Estados Unidos recusassem vendê-los, seríamos obrigados a comprar modelos franceses. A França é um desses países em que o presidente prega a paz e o premier sai pelo mundo vendendo armas a varejo como um camelô.
Se Paris se negasse, teríamos comprado os motores de Moscou, embora, provavelmente, eles não fossem tão bons quanto os outros. Com motores americanos, o FSX pode alcançar 95% da velocidade do F-15ou do F-16. Essa pequena perda de velocidade é amplamente compensada, porém, por sua capacidade de fazer curvas com raio curto, um terço da distância necessária aos F-15, F-16 e MiGs.
Os caças americanos, quando em velocidade máxima, precisam de 5.000 metros para fazer uma volta completa. O FSX faz isso em cerca de 1.600 metros. O caça da Mitsubishi pode postar-se atrás de um inimigo rapidamente, enquadrá-lo e destruí-lo com um míssil orientado pelo calor. O FSX tem um estabilizador frontal vertical localizado aproximadamente abaixo do assento do piloto. Desenhado como uma barbatana de tubarão, ele permite ao avião mudar de altitude, de direção, demovimento longitudinal do eixo (pitch) e de rolamento (roll) sem mudar seu plano de vôo.
Como se um automóvel pudesse dar uma volta de 360 graus em qualquer direção sem avançar, nem recuar. O conceito é brilhante.
Os engenheiros aeronáuticos americanos poderiam ter pensado nisso também, mas o fato era que a Mitsubishi estava pronta para construir o avião. Para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos aquilo era como uma repetição das primeiras fases da Guerra do Pacífico, quando o caça Zero dominava os céus. Os almirantes americanos haviam imaginado que a aviação imperial não tinha nada de comparável aos seus aviões, mas o Zero se mostrou superior a tudo o que eles possuíam.
Agora, o Japão se dispunha a construir uma outra arma ameaçadora. Os Estados Unidos estavam decididos a impedir que o Japão fabricasse o FSX. Talvez em discussões com Nakasone sobre o projeto, os americanos tenham mencionado algum velho segredo sobre o primeiro-ministro. Seja qual for a razão,ele capitulou. E o maravilhoso FSX da Mitsubishi se tornou um projeto conjunto do Japão e dos Estados Unidos.
Mais tarde, em novembro de 1988, funcionários dos governos Reagan e Takeshita firmaram um memorando de intenções sobre aco-produção. Os principais contratadores tinham ainda de acertar a divisão do trabalho, e a General Dynamics Corporation tentou ditar os termos disso. Houve um momento em que o seu porta-voz disse que, se os japoneses não concordassem com a sua proposta, a asa principal podia ser dividida em componente direito e esquerdo e construída separadamente por companhias americanas e japonesas.
Essa foi apenas uma das muitas idéias malucas da General Dynamics. O ponto crucial da questão FSX era que os americanos queriam furtar o know-how japonês. Sem as nossas cerâmicas e resinas, filtradas em carvão, eles não podem construir um caça de primeira linha.
E foi por isso que o Pentágono se esforçou tanto para conseguir a co-produção. Alguns homens de negócios japoneses, possivelmente esmagados pela ofensiva americana, disseram que,embora a produção conjunta fosse indesejável, deveríamos concordar com Washington no caso do FSX, no interesse do relacionamento bilateral como um todo.
Discordo. Abandonar a produção independente desse aparelho foi um erro terrível. Em nenhuma circunstância deveríamos ter ido adiante com isso.Se os americanos fizerem exigências desarrazoadas quanto à divisão do trabalho, o Japão deve deixar o projeto.
Isso obrigaria os Estados Unidos a tomar conhecimento da competência técnica do Japão, da nossa capacidade de fazer o avião independentemente. Os negociadores japoneses poderiam dizer: “A co-produção foi decidida por Nakasone e Reagan, mas há novos governos em Tóquio e em Washington agora.
Nós reconsideramos o projeto e decidimos construir o FSX no Japão”. A não ser que sacudamos os americanos dessa maneira, eles vão nos enrolar como de costume. O país com as melhores cartas na mão pode dobrar aparada nesse “pôquer”. Nas poucas ocasiões em que tive oportunidade de falar com Nakasone, mencionei o projeto do caça.
“Ah, você acompanhou a questão do FSX? Naturalmente que o faria”, disse ele. “Eu tive de aceitar uma solução conciliatória para manter a estabilidade das relações bilaterais.” E acrescentou: “Quando eu era diretor-geral da Agência de Defesa, em 1970-71, os americanos já estavam alarmados com o nosso quarto plano de construções para a defesa”. Eu poderia compreender o comportamento dele se, com isso, os Estados Unidos passassem a respeitar o Japão um pouco mais. Mas o que Nakasone fez não foi um compromisso. Foi uma rendição. O primeiro-ministro estava capacitado a dizer não aos Estados Unidos. Nós tínhamos a superioridade tecnológica. Sua decisão foi absolutamente deplorável.
Mesmo eu, que respeito os ideais de lealdade e justiça dos americanos – na verdade, precisamente por estimar esses valores –, não posso aceitar muito do que Washington faz. De novo, a atitude americana no caso do FSX é uma dessas instâncias.
Certas questões políticas funcionam como um divisor de águas. As decisões que os líderes de um país tomam afetam a consciência do povo e os rumos da sociedade. As vezes, as nações não se apercebem de que uma tomada de posição pode marcar uma época e só se dão conta do seu significado posteriormente.
A disputa em torno do FSX é um exemplo, e não posso impedir-me de imaginar que diabo estariam pensando Tóquio e Washington. Como um assunto que interessa à segurança de um país e afeta o seu futuro pode ser tratado com tal descaso? Poucos americanos e japoneses compreendem as implicações da controvérsia do FSX. Um membro do Congresso justificou a exigência de co-produção com base no superávit comercial do Japão com os Estados Unidos, mas essa explicação é forçada. Washington nos obrigou a ceder no caso do FSX. O Japão teve de submeter-se a um pedido unilateral e injusto dos Estados Unidos, e não houve reação pública em ambos os países.
E esse é mais um motivo para ver no affair do FSX um símbolo da relação entre os dois países: ambos acham a desigualdade natural. O mistério do FSX envolve a renegociação sem precedentes de um MOU, assinado por representantes dos governos Reagan e Takeshita em novembro de 1988. O governo Bush insistiu na “elucidação” de alguns dispositivos-chave desse memorando e reabriu as conversações.
A atitude americana é estarrecedora. E a postura subserviente do Japão, ainda pior. Deveríamos ter dito: “Não, um acordo é um acordo”. E recusado discutir novamente o MOU. Em vez disso, assentimos de maneira ignóbil, cedemos às pressões americanas.
Gostaria de passar em revista aqui a saga do FSX para mostrar como tudo foi injusto.O FSX foi concebido de acordo com a Constituição japonesa, cuja base é sua renúncia à guerra. Sua missão de combate consiste em interceptar aviões,navios, ou forças de terra que invadam o território japonês, as águas territoriais, o espaço aéreo e dar apoio tático a forças amigas.
A palavra “apoio” significa que,ao contrário dos caças comuns, de ataque, o FSX não pode atingir diretamente alvos em território inimigo. Pilotos da ASDF operam exclusivamente no nosso espaço aéreo. Não podem estender a luta ao lugar de origem do inimigo.
Há alguns anos, o Partido Socialista do Japão (PSJ) protestou contra a aquisição de caças Phantom dos Estados Unidos pela Agência de Defesa dizendo que esses aviões tinham capacidade ofensiva incompatível com a Constituição.
No fim, e por causa disso, o equipamento de bombardeio teve de ser removido dos aviões da ASDF. O FSX também foi concebido para atender à topografia do Japão e às peculiares limitações da Constituição. É um avião exclusivamente defensivo, feito para enfrentar e destruir aviões nos céus desse estreito arquipélago.
Essas exigências especiais levaram ao consenso governo-indústria quanto à produção do aparelho no país, em vez de adquirir um avião americano.Os F-15Js feitos no Japão, graças a um acordo de licenciamento, tiveram menos falhas mecânicas que os comprados do fabricante americano.
Também tiveram menor número de acidentes. Um jato de treinamento, feito no Japão, foi concluído em 1985, no prazo, e sem que os custos excedessem os previstos sinal da nossa competência em aerodinâmica. Assim, engenheiros civis e militares confiavam no projeto do seu FSX de dois motores e tiraram de cogitação o monomotor F-16.
A pressão americana, no entanto, converteu o projeto do FSX no desenvolvimento conjunto de um modelo aperfeiçoado do F-16. A Agência de Defesa e os funcionários das MHI sentiram-se traídos com essa decisão. Eu me avistei com o presidente das MHI, Yotaro Iida, e com o vice-presidente, Takaaki Yamada, para apurar os fatos. No curso da nossa conversação, comparei a negociação do FSX a um casamento arranjado. “Nós esperávamos uma virgem de vinte e um anos, mas acabamos com uma balzaquiana divorciada”, disse eu. “Você está indo longe demais”, corrigiu Yamada. “Digamos, em vez disso: uma mulher de vinte e tantos anos.
”Mas por que temos de aceitar um casamento assim, de faca no peito? O problema, como eu disse antes, é, em parte, a relutância dos japoneses em enfrentar Washington. Eles acreditam que a deferência, levada ao ponto de servilismo, é mais segura que a confrontação. Essa atitude, generalizada e difusa,tem suas raízes na nossa derrota na II Guerra Mundial. Chamar uma posição dessas de “política externa” seria uma impropriedade. É a aceitação do status de subordinação de um estado tributário.
O FSX é um projeto de muitos bilhões de dólares com implicações para a defesa aérea do Japão, inclusive no século XXI. A capitulação covarde diante de Washington numa questão como essa mostrou ao mundo que a melhor maneira de tratar o Japão é com
force majeure.
E quanto mais absurda for a proposta, mais pressão tem de ser aplicada. No começo da Guerra do Pacifico, o caça Zero dominava os céus, para espanto da marinha americana. Dado o fato de que o mundo em que vivemos hoje é muito diferente daquele, eu não gostaria de pensar que os americanos ainda sejam perseguidos pelo passado. Embora o Japão seja hoje país amigo, nossa capacidade de produzir um novo Zero deve ter iniciado uma síndrome de estresse de ação retardada.
Isso explica o porquê de o Pentágono ter dado o alarme antes mesmo de o Departamento do Comércio e o Congresso se meterem na história.Em 1987, um grupo de peritos em aeronáutica do Pentágono visitou o Japão em missão de apuração de fatos. Até aquele momento, a posição oficial americana era a seguinte: um FSX japonês seria econômica e tecnicamente inviável. O grupo reviu drasticamente essa opinião, avisando que, mais dia, menos dia, a indústria japonesa do ramo poderia muito bem ameaçar a hegemonia aeroespacial dos Estados Unidos. Daí por diante, comércio e atividades correlatas ficaram de certo modo acoplados à questão de segurança, e a pressão resultou em joint venture.
Era óbvio que o Japão não desejava essa solução.A co-produção favorecia claramente os interesses americanos. Em janeiro de 1989, Clyde V. Prestowitz Jr., antigo funcionário do Departamento do Comércio, publicou um longo artigo contra a co-produção em The Washington Post, dizendo que ela “daria ao Japão um grande impulso na direção de um dos seus objetivos mais longamente perseguidos: a liderança na construção aeronáutica, uma das derradeiras áreas de supremacia da alta tecnologia americana.” “O Japão”, continuava o autor, “deveria, em vez disso, comprar imediatamente aviões F-16 ou F-18, ou no modelo original ou com alterações relativamente menores”.
E as empresas americanas participariam do planejamento dessas modificações e da construção dos aparelhos na proporção de 50%.
Não importa qual fosse o seu propósito, o artigo era uma diatribe irracional. Prestowitzqueria que o Japão comprasse um caça que nós sabíamos que ficaria obsoleto dentro de poucos anos! Seríamos, aliás, o único pais do mundo a comprar o F-16. Os Estados Unidos encaram com seriedade a defesa do Japão? Prestowitz, que instigou a oposição à produção conjunta do FSX, parece ser o porta-bandeira do tecno nacionalismo americano.
O Japão havia cedido, mas os Estados Unidos aprofundaram suas pressões, querendo mais e mais vantagens. É assustador ver quão implacáveis os americanos podem ser. As “clarificações” incorporadas em abril de 1989 como artigos adicionais ou complementares ao MOU original põem limites muito estreitos à transferência de tecnologia americana.
O Japão tem de obter aprovação dos Estados Unidos para transferi-la para outros países. As “clarificações” também dizem expressamente que, em princípio, o próprio Japão não pode usar a tecnologia para outros fins. No entanto, não se expressa qualquer restrição semelhante ao uso pelos Estados Unidos da alta tecnologia que nós lhes fornecemos, só garantias verbais.
Acresce que o Japão obriga-se a passar aos Estados Unidos toda nova tecnologia gerada pela co-produção do FSX. As exigências dos Estados Unidos estão todas estipuladas, preto no branco. Os direitos do Japão são apenas um entendimento oral.
Arrolo abaixo os principais aspectos injustos do acordo de co-produção:
O Japão transfere tecnologia de graça.
O Japão paga pelo uso da tecnologia americana.
Os Estados Unidos limitam a transferência da tecnologia. Recusa,inclusive, transferir software de importância vital como os códigos que governam o controle de vôo e os sistemas eletrônicos de guerra.
O Japão fica proibido de usar tecnologia para aplicação civil.
A General Dymamics Corporation tem assegurada uma proporção demais de 40% nos trabalhos. Trata-se, então, do clássico contrato leonino. O governo Bush conseguiu esse ajuste draconiano porque o Japão estava preocupado com o escândalo da Recruit (ações em troca de favores), e os membros da Dieta são mal-informados em matéria de defesa.
Quanto ao governo, foi, como de hábito, pusilânime. É vergonhoso que os partidos políticos japoneses não pudessem pôr de lado suas desavenças em torno das propinas da Recruit e promover um debate bipartidário que bloqueasse esses acordos aviltantes.
A cláusula sobre trabalho, principalmente,dará muita dor de cabeça aos auditores japoneses. Se os partidos de oposição tivessem examinado esses termos, a Dieta teria provavelmente insistido em revisões na lei orçamentária. A segurança nacional é a questão que vai ajudar os japoneses a abandonar sua atitude subserviente para com os Estados Unidos, juntamente com algumas mudanças inspiradas pela ocupação.
O FSX é um exemplo esplêndido do que está errado entre Tóquio e Washington. Nós não deveríamos fazer concessões. Construir um avião nacional, um caça de apoio de grande categoria, mesmo a custo superior ao do F-16 comprado pronto, poderá remover, finalmente, a ambigüidade na Constituição imposta pelos Estados Unidos.
Temos ou não temo so direito de nos defender com nossas próprias forças militares? Um FSX feito no Japão acabaria com os temores de que a existência de forças de autodefesa viola a Constituição. No que se refere a armas nucleares, o general de Gaulle disse que um grande país como a França não podia confiar seu destino a outros países. Embora as armas nucleares não tivessem significado estratégico, a França as adquiriu, governos sucessivos modernizaram a force de frappe, e os membros da OTAN aceitaram que a França dispusesse de uma força nuclear de dissuasão independente.
Em comparação, construir um FSX nacional é um projeto muito mais significativo. Um reexame da co-produção é do nosso interesse nacional e contribuiria para um novo tipo de relacionamento com os Estados Unidos.