Re: NOTÍCIAS
Enviado: Sáb Dez 26, 2015 12:59 pm
Marcha, soldado, cabeça de papel
Em meio a biografias, títulos sobre estratégia militar e relatos históricos, editora Biblioteca do Exército lança
livros com críticas a visões de esquerda
FELIPE BÄCHTOLD
DE PORTO ALEGRE
“O livro descreve as tentativas de tomada do poder pelos comunistas. Lamentavelmente, a história vem sendo
construída de forma unilateral pelos derrotados, com suas versões distorcidas.” Obras com descrições de forte apelo
ideológico, como “A Grande Mentira”, do general Agnaldo del Nero Augusto, e títulos em defesa da ditadura militar
(1964-85), são comercializados na rede e em feiras literárias pela editora Biblioteca do Exército, mantida por uma das
Forças Armadas.
Além de biografias, livros sobre estratégia militar e relatos históricos, muitos deles sobre guerras importantes, há
uma série de títulos com críticas à esquerda, como “A Revolução Gramscistano Ocidente” ou “O Comunismo”.
Entre as obras, destaca-se “A Arte de Governar”, de autoria de Margaret Thatcher (1925-2013), em que a exprimeira-ministra
britânica, símbolo do conservadorismo, analisa fatos da política mundial desde a Guerra Fria.
Vários títulos tratam de temas internacionais contemporâneos, como as guerras do Iraque e do Afeganistão,
terrorismo islâmico e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Tenente da reserva que atua no setor de
vendas — na editora, todos são militares da ativa ou reformados —, Ricardo Rocha, 55, conta que representantes
participam de feiras fora do país, como a de Frankfurt —evento mais importante do mundo no gênero—, a fim de
prospectar títulos.
ORÇAMENTO
Segundo o Portal da Transparência do governo federal, a editora gastou R$ 821 mil com serviços gráficos para
imprimir os exemplares desde 2013 e outros R$ 1,85 milhão na logística de venda.
O dinheiro arrecadado com a comercialização dos livros ajuda a custear a operação. Segundo os responsáveis,
todo o trabalho de edição e diagramação é feito por membros das Forças Armadas.
Os lançamentos — cerca de dez por ano — são definidos por um conselho editorial, que inclui oficiais da reserva e
professores universitários. Cada livro lançado sai com 2.500 exemplares, tiragem similar à de grandes editoras.
Seleção de obras é discutível, diz professor
Para Carlos Fico, da UFRJ, há no espectro conservador autores mais qualificados do que os publicados pela
Bibliex
Escolhas dos títulos têm como critério o ‘interesse técnico-profissional’ dos militares, afirma editora, que já
lançou mil títulos
DE PORTO ALEGRE
Apesar de se centrar em assuntos militares, a Biblioteca do Exército busca atrair o público geral. Uma das opções
de vendas é um sistema de assinaturas parecido com o extinto Círculo do Livro, em que o participante paga uma
anuidade e recebe periodicamente um título recém-lançado. Também há um plano para integrar a biblioteca virtual
Nuvem de Livros.
A Bibliex, como é conhecida, foi criada no século 19, mas passou a lançar livros a partir de 1937, quando o
general Eurico Gaspar Dutra era ministro do governo de Getúlio Vargas. Há quase dois meses, a editora participou da
Feira do Livro de Porto Alegre. Uma banca foi montada pela instituição no evento ao lado de editoras e livrarias
convencionais, e sargentos administravam as vendas.
“Não Somos Racistas”, livro crítico ao sistema de cotas raciais, de autoria do diretor-geral de Jornalismo e Esporte
da Globo, Ali Kamel, foi reeditado pelo selo militar e era um dos itens disponíveis.
Já o livro de Thatcher estava em promoção na capital gaúcha — de R$ 80 na venda pelo site, era oferecido a
R$56.
VISÃO DA CASERNA
Em destaque na prateleira, havia um exemplar da coleção “História Oral do Exército”, sobre os acontecimentos de
1964, ano em que ocorreu o golpe militar. Além da feira em Porto Alegre, a Biblioteca do Exército já havia participado da
Bienal do Livro do Rio.
O coronel da reserva Márcio Oliveira Ferreira, 54, responsável pelo marketing e vendas da casa editorial, afirma
que as publicações “refletem o pensamento predominante na caserna”. “Se não escrevermos a história, quem irá? No
meio acadêmico, há uma predominância da esquerda”, afirma.
Ele diz que, assim como universidades ou o Senado Federal mantêm editoras próprias, o Exército precisa de uma
que corresponda às suas necessidades. Ferreira acredita que editoras convencionais dificilmente publicariam alguns
títulos que são de interesse dos militares.
O tenente Rocha argumenta que raramente se “vê militares se manifestando” sobre algum assunto e, por isso, a
editora ajuda a suprir o vazio. Com os livros, diz ele, é possível “mostrar à população” linhas de pensamento que estão
presentes entre os militares.
O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Carlos Fico, que coordena um grupo que pesquisa o
regime militar no Brasil, diz que a editora segue a “interpretação benevolente” da ditadura que persiste nas Forças
Armadas.
“A publicação de obras críticas ao comunismo, como se fosse reviver a Guerra Fria, é uma coisa anacrônica. A
qualidade das obras é discutível em si. Mesmo considerando o perfil conservador, há intelectuais e pensadores muito
mais qualificados.” O diretor-presidente da Associação Nacional de Livrarias, Afonso Martin, diz que o perfil de
publicações da editora militar é “extremamente segmentado”.
“São livros específicos, muito de nicho. Mesmo em livrarias com maior acervo, com seção de guerra, não é
comum ver [livros da editora]. É uma atividade muito própria deles, não é de grande varejo”, diz Martin.
O Comando do Exército afirma que publicou cerca de mil títulos desde os anos 1930 e que “algumas publicações
não são parâmetros para caracterizar uma tendência ideológica” por parte da editora.
Também afirmou que o conselho decide quais obras serão publicadas com base na “pertinência quanto ao
interesse técnico-profissional” e é formado por integrantes com reconhecido mérito literário. (FELIPE BÄCHTOLD)
Em meio a biografias, títulos sobre estratégia militar e relatos históricos, editora Biblioteca do Exército lança
livros com críticas a visões de esquerda
FELIPE BÄCHTOLD
DE PORTO ALEGRE
“O livro descreve as tentativas de tomada do poder pelos comunistas. Lamentavelmente, a história vem sendo
construída de forma unilateral pelos derrotados, com suas versões distorcidas.” Obras com descrições de forte apelo
ideológico, como “A Grande Mentira”, do general Agnaldo del Nero Augusto, e títulos em defesa da ditadura militar
(1964-85), são comercializados na rede e em feiras literárias pela editora Biblioteca do Exército, mantida por uma das
Forças Armadas.
Além de biografias, livros sobre estratégia militar e relatos históricos, muitos deles sobre guerras importantes, há
uma série de títulos com críticas à esquerda, como “A Revolução Gramscistano Ocidente” ou “O Comunismo”.
Entre as obras, destaca-se “A Arte de Governar”, de autoria de Margaret Thatcher (1925-2013), em que a exprimeira-ministra
britânica, símbolo do conservadorismo, analisa fatos da política mundial desde a Guerra Fria.
Vários títulos tratam de temas internacionais contemporâneos, como as guerras do Iraque e do Afeganistão,
terrorismo islâmico e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Tenente da reserva que atua no setor de
vendas — na editora, todos são militares da ativa ou reformados —, Ricardo Rocha, 55, conta que representantes
participam de feiras fora do país, como a de Frankfurt —evento mais importante do mundo no gênero—, a fim de
prospectar títulos.
ORÇAMENTO
Segundo o Portal da Transparência do governo federal, a editora gastou R$ 821 mil com serviços gráficos para
imprimir os exemplares desde 2013 e outros R$ 1,85 milhão na logística de venda.
O dinheiro arrecadado com a comercialização dos livros ajuda a custear a operação. Segundo os responsáveis,
todo o trabalho de edição e diagramação é feito por membros das Forças Armadas.
Os lançamentos — cerca de dez por ano — são definidos por um conselho editorial, que inclui oficiais da reserva e
professores universitários. Cada livro lançado sai com 2.500 exemplares, tiragem similar à de grandes editoras.
Seleção de obras é discutível, diz professor
Para Carlos Fico, da UFRJ, há no espectro conservador autores mais qualificados do que os publicados pela
Bibliex
Escolhas dos títulos têm como critério o ‘interesse técnico-profissional’ dos militares, afirma editora, que já
lançou mil títulos
DE PORTO ALEGRE
Apesar de se centrar em assuntos militares, a Biblioteca do Exército busca atrair o público geral. Uma das opções
de vendas é um sistema de assinaturas parecido com o extinto Círculo do Livro, em que o participante paga uma
anuidade e recebe periodicamente um título recém-lançado. Também há um plano para integrar a biblioteca virtual
Nuvem de Livros.
A Bibliex, como é conhecida, foi criada no século 19, mas passou a lançar livros a partir de 1937, quando o
general Eurico Gaspar Dutra era ministro do governo de Getúlio Vargas. Há quase dois meses, a editora participou da
Feira do Livro de Porto Alegre. Uma banca foi montada pela instituição no evento ao lado de editoras e livrarias
convencionais, e sargentos administravam as vendas.
“Não Somos Racistas”, livro crítico ao sistema de cotas raciais, de autoria do diretor-geral de Jornalismo e Esporte
da Globo, Ali Kamel, foi reeditado pelo selo militar e era um dos itens disponíveis.
Já o livro de Thatcher estava em promoção na capital gaúcha — de R$ 80 na venda pelo site, era oferecido a
R$56.
VISÃO DA CASERNA
Em destaque na prateleira, havia um exemplar da coleção “História Oral do Exército”, sobre os acontecimentos de
1964, ano em que ocorreu o golpe militar. Além da feira em Porto Alegre, a Biblioteca do Exército já havia participado da
Bienal do Livro do Rio.
O coronel da reserva Márcio Oliveira Ferreira, 54, responsável pelo marketing e vendas da casa editorial, afirma
que as publicações “refletem o pensamento predominante na caserna”. “Se não escrevermos a história, quem irá? No
meio acadêmico, há uma predominância da esquerda”, afirma.
Ele diz que, assim como universidades ou o Senado Federal mantêm editoras próprias, o Exército precisa de uma
que corresponda às suas necessidades. Ferreira acredita que editoras convencionais dificilmente publicariam alguns
títulos que são de interesse dos militares.
O tenente Rocha argumenta que raramente se “vê militares se manifestando” sobre algum assunto e, por isso, a
editora ajuda a suprir o vazio. Com os livros, diz ele, é possível “mostrar à população” linhas de pensamento que estão
presentes entre os militares.
O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Carlos Fico, que coordena um grupo que pesquisa o
regime militar no Brasil, diz que a editora segue a “interpretação benevolente” da ditadura que persiste nas Forças
Armadas.
“A publicação de obras críticas ao comunismo, como se fosse reviver a Guerra Fria, é uma coisa anacrônica. A
qualidade das obras é discutível em si. Mesmo considerando o perfil conservador, há intelectuais e pensadores muito
mais qualificados.” O diretor-presidente da Associação Nacional de Livrarias, Afonso Martin, diz que o perfil de
publicações da editora militar é “extremamente segmentado”.
“São livros específicos, muito de nicho. Mesmo em livrarias com maior acervo, com seção de guerra, não é
comum ver [livros da editora]. É uma atividade muito própria deles, não é de grande varejo”, diz Martin.
O Comando do Exército afirma que publicou cerca de mil títulos desde os anos 1930 e que “algumas publicações
não são parâmetros para caracterizar uma tendência ideológica” por parte da editora.
Também afirmou que o conselho decide quais obras serão publicadas com base na “pertinência quanto ao
interesse técnico-profissional” e é formado por integrantes com reconhecido mérito literário. (FELIPE BÄCHTOLD)