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O meu chefe de secçao era, como ja disse, um mexicano de nome Perez que arrastava com ele uma reputaçao de homem duro. Felizmente ele nao implicava muito comigo, e até me dava como exemplo a alguns legionarios mais antigos porque, modéstia à parte, eu era bom atirador ; e nos footings, sem ser o melhor, estava no pelotao da frente. Ele ja tinha ultrapassado a barreira dos quarenta anos, mas era preciso têr bom folego para o acompanhar quando iamos correr…Apesar de duro, era um homem justo e os legionarios apreciam isso num chefe.

Este Perez foi pouco tempo depois substituido por um outro sargento-chefe, um turco, e este sim fez-me a vida negra, a mim e a todos na secçao. Era um homem brutal e vingativo e que para minha maior desgraça haveria de ser, 4 anos mais tarde, ja como Major, ( sargento-mor ) , o chefe do meu pelotao quando fiz o curso de sargentos…ele nao se tinha esquecido de mim, nem eu dele.

No terreno, com a 12/7 montada no VLRA


Em manobras no deserto com o esquadrao de cavalaria


Chegada ao aeroporto para embarcar num aviao Transal, onde efectuamos o chamado "vôo tactico". O aparelho voava a muito baixa altitude subindo e descendo à medida dos desniveis do terreno. O pessoal vomitou quase todo...


Preparando para embarcar num heli Puma, para efectuar um treino de heli assalto.


Foto tirada momentos antes do embarque neste navio anfibio que nos haveria de desembarcar no golfo de Tadjourah.


Limpando as armas junto de um cemitério muçulmano onde passamos a noite. Ao meu lado um cabo espanhol, homem muito duro mas tambem muito competente e bom camarada.

Foi com este turco, que eu chamarei Y, que fiz o curso de commandos, poucos meses depois de ter chegado à companhia. Este curso, que uma boa parte nao conseguiu acabar e que alguns terminaram no hospital, poderia ter sido uma coisa ainda mais interessante de fazer com outro chefe de secçao, mas com o chefe de secçao Y. tudo era mais penoso.

A formaçao comando en Djibouti é feita numa zona chamada Arta Plage. Aqui temos diversos percursos, um deles chamado « A Via do inconsciente », onde, entre muitas outras coisas, devemos evoluir através de cordas suspensas entre precipicios, faziamos rappel’s impressionantes, ultrapassamos obstaculos, alguns muito dificeis de fazer e que frequentemente magoam a sério, para utilizar uma linguagem ligeira. Existe ainda um percurso aquatico, onde um dos obstaculos (aquele que mais me marcou), consiste numa especie de tunel mergulhado no mar a uns bons metros de profundidade : nos mergulhamos e quando entramos no tunel ja estamos sem folego, depois temos que atravessar o dito tunel que ainda tem alguns métros, sair do outro lado e voltar à superficie…
Nas aguas do mar vermelho existem muitas especies de tubaroes e os barcos pneumaticos zodiaco têm que voltear constantement à nossa volta para afugentar a bicharada.

Fizemos diversos percursos de fogos reais durante a noite, desembarcando dos zodiaco em zonas muito dificeis e depois de termos remado durante horas para evitar de fazer barulho com os motores. Fizemos ainda marchas na noite cerrada, em passo de corrida, (em que so o chefe que corria na frente levava visor nocturno), em zonas montanhosas, tropeçando e caindo frequentemente porque iamos às cegas e carregados com todo o equipamento.
Aprendemos a dinamitar estruturas de varia ordem, armadilhar vias de comunicaçao, ou os mais variados objetos. Aprendiamos em suma, todos os rudimentos do comando ideal : camuflagem, luta corpo-a -corpo, fazer armadilhas para caçar animais ou pescar , etc.
Uma altura largaram-nos 48 horas na natureza sem raçoes, numa prova dita de "sobrevivencia". A unica coisa que conseguimos caçar foram cobras e lagartos, mas preferimos passar fome a comer "aquilo". Um dos camaradas consegiu apanhar uns peixinhos miseraveis que dividimos entre nos... Felizmente eu tinha conseguido esconder umas bolachinhas que passaram despercebidas durante a revista prévia que nos fizeram antes de nos largarem

Foram algumas semanas a arranhar a sério, mas valeu a pena e foi com um certo orgulho que ouvi o meu nome ser chamado para receber o brevet « Commando », o que nao aconteceu a todos.

Além de render um bom livro, esses relatos redem também um bom filme.

legionario escreveu:
Limpando as armas junto de um cemitério muçulmano onde passamos a noite. Ao meu lado um cabo espanhol, homem muito duro mas tambem muito competente e bom camarada.

convém não dizer isso lá no FD, é logo cunhado de "Iberista"

P44 escreveu:

legionario escreveu:
Limpando as armas junto de um cemitério muçulmano onde passamos a noite. Ao meu lado um cabo espanhol, homem muito duro mas tambem muito competente e bom camarada.

convém não dizer isso lá no FD, é logo cunhado de "Iberista"

Como acabei de escrever sobre o meu curso de "commando", transferi para qui as fotos sobre o mesmo. Estas fotos foram tiradas, sem eu saber, por um dos cabos que depois mas vendeu. Fez o mesmo com os outros camaradas e, visto o preço que levou por elas, deve ter feito um bom beneficio

Aquele balde estava cheio de agua e serviu para me "refrescar" a cabeça envolta naquele saco. Um dos instrutores tinha um bastao na mao, que nao servia so para decoraçao...


Passei uns "agradaveis" momentos a rastejar em cima dos calhaus, a dar cambalhotas para a frente e para traz,etc ... até ficar completamente estourado...


Se repararem na minha roupa, ja esta toda passadinha a ferro e limpinha. Tinha acabado de passar por uma serie de obstaculos e saia nesse momento do tunel que vêm atraz de mim. Aqui fui "atacado" pela frente e por traz pelos dois cabos instrutores...que nao brincavam em serviço !


O cabo que me atacou por traz, deu um voou e aterrou violentamente no chao tendo-se magoado...acho que ele nao estava à espera
O outro cabo, o que esta à minha frente, levantou logo a luva e disse-me para parar...pois eu ja ia direito a ele de uma forma muito "motivada"

Foi tambem com o chefe de secçao Y. que fizemos uma marcha que durou cerca de uma semana e que nos levou até ao monte Garbi , algures no interior de Djibouti.
Todos os anos, em abril, uma companhia da legiao subia esta serra até ao local exacto onde em abril de 1983, um Noratlas se tinha despenhado com uma secçao de legionarios paraquedistas a seu bordo, nao tendo sobrevivido ninguem. Neste local foi erigido um pequeno momumento evocativo do acidente e a nossa missao era prestar homenagem às vitimas na data aniversario do acidente.

O terreno era muito acidentado, montanhoso e o calor era insuportavel .
A dificuldade do percurso, com muitas pedras em que tropeçavamos e que faziamos rolar pelos declives muito inclinados, nao me impediu de apreciar as paisagens magnificas. A medida que iamos subindo a montanha, ganhando em altitude, as vistas alcançavam mais longe e revelavam um panorama completamente selvagem e intocado pelo mao humana : serras de vegetaçao rara ou completamente despidas, penhascos abruptos, e mais em baixo, a perder de vista, o deserto pedregoso.
A vegetaçao era, em raros locais, constituida por arbustos espinhosos que de vez em quando nos fustigavam a cara e o corpo e por algumas arvores ressequidas pelo calor abrasador.
A vida animal visivel limitava-se a lagartos que de vez em quando se esgueiravam entre os calhaus, a um ou outro coyote que a nossa passagem tinha pertubado e às muitas aguias que frequentemente podiamos observar elevando-se no ar com uma serpente nas suas garras. Os lacraus, (muito venenosos), eram a nossa principal preocupaçao quando faziamos uma paragem pois havia-os por todo o lado…quase que bastava levantar uma pedra encostada a uma arvore para dar com um. Havia tambem muitas serpentes, mas felizmente que elas tinham mais medo de nos do que nos delas, e so uma vez vi uma mesmo ao perto. Quando dormiamos no terreno, tinhamos que ter sempre muito cuidado e sacudir as roupas e as botas, nao fosse um destes bicharocos se ter infiltrado…

As secçoes evoluiam separadas umas das outras e por itinerarios diferentes. O bravo chefe de secçao Y. , como era seu costume, queria ser o primeiro a chegar.
Fiado nos seus mediocres conhecimentos de topografia (ele enganava-se frequentemente e nao queria ouvir conselhos dos outros sargentos seus subordinados, com quem tambem passava a vida a berrar), meteu-se por atalhos impossiveis…perdeu-se e fez-nos andar ainda mais quilometros.
O resultado foi que varios legionarios começaram a cair uns atraz dos outros de esgotamento e de insolaçao. Sobretudo os legionarios de pele clara e de grande gabarito que desidratavam facilmente .
Os cabos e sargentos ja nao tinham forças para estimular os legionarios, porque alguns tambem se foram abaixo. Entre eles, um cabo nordico, que habitualmente nao era nada meigo com os « fracos », e que teve que ser posto, tambem ele , a soro.
Eu com os meus camaradas preferidos, um outro tuga, um espanhol e um chileno, marchavamos em grupo perto uns dos outros e aproveitava-mos as frequentes paragens para fazer café e …para gozar com os colegas ingleses e alemaes, autenticas lagostas transpiradas, que ja tinham perdido a vontade de nos replicar.
Ao passar por um estreito caminho que ladeava um precipicio, tropecei e escorreguei nas pedras…e tinha ido pela ladeira abaixo nao fossem os reflexos rapidos do meu amigo Martinez que me deitou a mao à mochila, impedindo a minha queda…Fora este incidente que me poderia ter custado a vida, esta ascençao do Monte Garbi foi uma boa experiencia. Chegados ao local do acidente, fizemos uma pequena cerimonia junto do marco evocativo, e tiraram-se fotos à secçao, das quais publico aqui uma.

Eu sou o primeiro da esquerda.

Em Djibouti, fazem-se muitos fogos reais, e durante o « consulado » deste chefe de secçao, tivemos algumas baixas, mortos e feridos na secçao. Ele nao foi talvez o responsavel pelas mortes , mas por alguns feridos foi-o certamente.
Uma das vezes, foi num exercicio de lançamento de granadas de mao. Um lançamento em que as regras de segurança nao foram respeitadas e… um legionario caiu ao meu lado por terra aos gritos, ferido com estilhaços.
O sargento-chefe Y. entrou em histeria, nao pelo legionario ferido, mas sim pela puniçao que corria o risco de apanhar, por nao ter respeitado as normas de segurança . A puniçao ficaria registada na sua folha de serviços, podendo atrazar a sua promoçao a Ajudante, que ele aguardava com demasiada ansiedade.

Outra vez foi bem mais grave e eu agradeço aos céus o estar nessa altura a tirar o curso de enfermagem no hospital militar, ou se calhar, nao estava agora aqui a escrever estas linhas.

Nao sei exactamente como aconteceram as coisas, nem de quem foi a culpa, o que sei é que durante um exercicio de fogos reais, a secçao de morteiros de 120mm do regimento abriu fogo sobre a posiçao da nossa companhia. Resultado, o cabo Withe, meu chefe de equipa (e junto do qual eu deveria estar se nao estivesse em estagio) e alguns outros foram pelos ares. Este cabo e outro legionario morreram logo, e varios legionarios foram parar ao hospital gravemente feridos.
O cabo, falava muitas vezes comigo e eu sabia do seu projecto de abrir um bar no seu pais, a Irlanda, com o dinheiro que iria ganhar em Djibouti, (traduzindo em euros : um cabo ganhava em Djibouti, cerca de 2500 euros/mês em 1990 ). O pobre do cabo Withe nao viu o seu sonho realizado.

Eu ja estava farto deste chefe de secçao e dos seus excessos. Uma altura , durante un outro exercicio de fogos reais nocturnos em pleno deserto, o meu vizinho que nao era grande atirador, nao estava a conseguir derrubar os seus alvos logo à primeira. O sargento-chefe Y. julgando que era eu que estava a falhar, apareceu por traz de mim tirou-me a Famas (a arma) e carregou-me de coronhadas. Nem tive tempo de lhe explicar que os meus alvos ja estavam derrubados ha muito tempo…

Quando pediram volontarios para fazer o curso de « auxiliar sanitario », a que chamamos incorretamente « enfermeiros », eu, apesar de nao estar especialemente vocacionado para isso, ofereci-me logo como volontario. Iria passar alguns meses fora da vista do meu chefe de secçao e essa ideia dava-me alento para tirar este curso que eu sabia ser muito exigente.
Esta formaçao desenrolava-se tambem no hospital militar francês que se situava numa outra zona da capital, e os formadores eram na sua maior parte enfermeiras militares francesas, por sinal muito simpaticas, e uma ou outra tinha um fraquinho por legionarios. Apesar de estas senhoras serem na sua totalidade da classe superior de sargentos, ( ajudante , ajudante-chefe, major), eram muito descontraidas e puseram-nos logo à vontade. Cabia-nos a nos saber respeitar os limites, e um dos meus colegas chegou a ser expulso do curso por se ter armado em dom Juan com quem nao devia…

Depois de ja ter acabado o curso, ficamos a estagiar uma semana em cada um dos diversos serviços do hospital e uma noite em que eu estava de serviço às urgencias, a ambulancia trouxe um jovem africano de 19 anos que tinha rasgado um dos testiculos ao saltar uma vedaçao de arame farpado. Um capitao-médico francês meteu uma cunha para ele ser assistido no hospital militar frances porque era amante da irma dele, da qual tinha um filho. A minha primeira « intervençao » foi pois suturar a parte anatomica que ja referi, com o médico ao lado a orientar-me, claro.
Eu e o rapaz simpatizamos muito um com o outro, e ele convidou-me a ir passar os meus fins-de-semana livres a casa dele que se situava num dos bairros que nos estavam proibidos de frequentar, pela sua perigosidade.
Foi o inicio de uma amizade e tambem o principio de uma outra aventura, que eu nesta altura estava muito longe de prever.

Relato interessantíssimo!!! parabéns!

Uma kôza que me impressiona é um colega tuga não ter problemas em mostrar seu rosto, que eu saiba o Legionário é O ÚNICO que faz isso...

De resto, o relato é simplesmente IMPRESSIONANTE pela riqueza de detalhes e fluidez do texto: CONGRATZ!!!