Li e reli esta matéria jornalística e não tenho nenhuma dificuldade em dizer que se trata de um texto completamente recheado de hipérboles, estereótipos e conclusões rasas. (Como sempre, é claro. Ainda mais na imprensa lusa).
Apesar da crise econômica, política e social que passa o Brasil (12% da população economicamente ativa está sem emprego) não vejo essa extrema necessidade de buscar “sobrevivência” em terras estrangeiras, especialmente em Portugal.
Não sou contra o cidadão embarcar para fora do Brasil e, aqui, nunca mais voltar. Porém, ajudar a reforçar estereótipos e simplificações difusas acerca do Brasil em meios de imprensa no exterior é de dar náuseas.
Aqui não é nenhum paraíso, é claro. O Brasil não é, nuca foi e jamais será, uma maravilha. Porém o inferno pintado por este quadro dantesco não é tão diabólico assim - e este texto "jornalístico", infeliz, diga-se de passagem, reforça o que estou dizendo.
Por exemplo: moro em uma cidade que foi classificada a 29º mais violenta do mundo, segundo a ONG mexicana Seguridad, Justicia Y Paz. Com uma taxa de homicídio de 43,89 para 100 mil habitantes. OK, são os números. Mas vem cá...
Dirijo à noite tranquilamente, não dou bobeira, evito conduzir com os vidros abertos (até porque o calor escaldante não me permite guiar sem ligar o ar-condicionado). Não vago jamais em determinadas zonas da cidade em altas horas da noite. Tomo todo o cuidado que uma pessoa precisa tomar em uma cidade média/grande. Acho que minhas atitudes enquanto ao zelo para com a segurança são praticamente as mesmas de cidadãos sensatos de qualquer outra cidade, como Chicago, Nova York, Lisboa, Tóquio, Madri, Buenos Aires, etc.
Já sofri algum assalto? NÃO. Já fui assediado ou corri perigo real de ser "maquinado" por algum assaltante? NÃO! (ainda).
Ando armado? (gostaria, mas) NÃO. Nunca precisei andar armado. Tenho carro blindado? NÃO. Tenho medo de sofrer assalto ou ser vítima de algum tipo de violência? Também NÃO. Sou um inconsequente ou, como se diz na gíria vulgar das ruas do Brasil, seria eu um vacilão? Negativo. Apenas levo um estilo de vida "normal" que não chama a atenção, não dou sopa ao azar, isto é, evito me sobrar em locais errados e na hora errada. Entende?
Porém isso não quer dizer que não há uma séria crise de segurança pública no Brasil. Existe sim e ela é gravíssima. Aqui onde moro, provavelmente, na virada deste sábado (25/03) para o domingo (26/03), meia dúzia de indivíduos (na melhor das hipóteses), lamentavelmente morrerão vítimas de disparo de arma de fogo. É uma dura e triste realidade, essa é a verdade.
Em relação à questão social, política e ética no Brasil, essa é uma novela antiga que o mundo todo já conhece. Corrupção generalizada no setor público/privado, classe política distante e desconectada dos anseios do povo, deterioração dos serviços públicos (saúde um lixo, segurança inoperante, educação não ensina nada), altos impostos, retorno muito abaixo e aquém do que deveria ser, desemprego batendo os dois dígitos, dívida pública galopante, colapso do sistema previdenciário, precarização nas relações de trabalho, etc, etc, etc...
Mas, apesar disso tudo,
não vejo razões para se
desesperar e fugir do famigerado "inferno" chamado Brasil.
O País é imenso, oferece múltiplas possibilidades e soluções.
Mais uma vez, nada tenho contra as famílias que cruzaram o Atlântico em busca do "paraíso" ou um novo começo em um lugar onde possam receber um “retorno positivo”. Entretanto só não acho salutar potencializar estereótipos desmedidos e propagar exageros.
Classe média como esta reportada pela matéria geralmente vive no Brasil em "reinos encantados", atrás de muros que delimitam condomínios horizontais, repletos de casas muito confortáveis. Ou vivem em torres com apartamentos de 600 metros quadrados. Tudo isso é legítimo, louvável e admirável. Nada contra.
Creio que a realidade dura do cotidiana (ineficiência na saúde, educação, transporte, exposição à violência, ausência de serviços essenciais e de equipamentos públicos para o exercício pleno da cidadania) não os assombra e, tampouco, faz parte do dia-a-dia desta gente. As mazelas brasileiras escancaradas na matéria doem de forma mais aguda nos brasileiros que estão na outra margem do barranco do abismo social brasileiro.
Que lá sejam felizes e daqui não levem nem o pó.