No dia 6 de setembro de 1988, como fazia toda terça-feira, o carro do chefe do governo, Felipe Gonzalez, parou às 10 da manhã na porta do Palácio Zarzuela,em Madrid. Sobe ao 1º andar e entra no gabinete do rei:
- Senhor, quero aproveitar este primeiro encontro depois do verão para comentar uma coisa em que tenho pensado muito. Não é nenhuma comunicação oficial. Apenas o resultado de uma reflexão. Também não quero que tome ao pé da letra, porque não sei se efetivarei nem quando.
- O que é que há?
- Senhor, há quase 6 anos sou presidente do governo e me faltam dois de legislatura. Creio que 8 anos são um período suficiente e estou pensando na conveniência de não me apresentar para as eleições de 1990.
- Não continue. Peço que pense mais sobre isso e voltaremos a falar.
- Desculpe que insista. Quero dizer-lhe que não desejo falar sobre o assunto agora nem nunca. Só queria que soubesse que há esta possibilidade e, em minha maneira de ser e de entender a política, não quero que algum dia se surpreenda quando vier ao palácio entregar minha carta de demissão.
- Quero dizer-te não. É impossível. O país neste momento não pode prescindir de tua pessoa. A democracia e o senso de responsabilidade histórica estão acima do teu desejo de ir embora. Tens que continuar.
GONZALEZ
Continuou, disputou e ganhou ainda as eleições de 90 e só saiu em 94 quando não disputou mais e o Partido Popular de Aznar venceu o Partido Socialista, já liderado por outro. Durante muito tempo se disse em Madri que a Espanha tinha um rei e um vice-rei. O vice-rei era Felipe.
Com comícios, eleições, o povo na rua, governo eleito, o jornal “El Pais” nascendo, a revista “Cambio 16” circulando livre, a Espanha de 1977 era bem outra, muito diferente da Espanha fascista que eu tinha conhecido antes, com Franco e o franquismo ainda vivos, principalmente em 63 e 73.
Mas não foi fácil o rei e o então primeiro ministro Adolfo Suarez garantirem a campanha e os governos eleitos pelo povo, a implantação da democracia. Além do terrorismo do ETA Basco, matando e jogando bombas, havia os militares franquistas inconformados, tentando golpes. Em 1981, o tenente coronel Tejero, à frente de um pelotão do exército, invadiu o parlamento, de metralhadora na mão. Os deputados esconderam-se atrás de suas bancadas. Um só, desafiador, ficou de pé e mandou o tenente-coronel respeitar o parlamento. Era Adolfo Suarez, já então apenas um deputado.
O rei, general e brigadeiro, chefe das Forças Armadas, pôs a farda de gala, foi ao ministério do Exercito e exigiu que Tejero e seu grupo fossem todos imediatamente presos. Foram e o golpe acabou.
SOCIALISTAS
Foi uma campanha frenética a da Constituinte de 1977. Passeatas e comícios grandiosos nas maiores cidades de toda a Espanha, cortando o pais todo, de Barcelona a Santiago de Compostela, de Bilbao a Sevilha. Sobretudo os comícios dos socialistas, onde a juventude se concentrava.
Tinha experiência de outras campanhas, na França, Estados Unidos, Itália, Grécia, Portugal. Jornalista estrangeiro deve acompanhar o principal candidato da oposição. Fica com mais chance de entrar, de participar das caravanas, viagens, palanques. O candidato do poder, porque acha e acham que vai ganhar, está sempre cercado da grande maioria dos jornalistas locais ou de representantes da imprensa mundial. Não sobra lugar.
COMICIOS
Eu queria ver o povo, a cara do povo, a reação do povo. Colei na campanha do PSOE de Felipe Gonzalez. Os comícios eram nas grandes Praças de Touros das maiores cidades do pais, sempre nos finais de semana. Quando podia, ia nos transportes deles, carros, ônibus, às vezes aviões. Se não dava, um velho e sábio taxista da porta do hotel “Mayorazgo”, participante da Guerra Civil, me levava.
E a namorada andaluza, vice-chefe da UPI em Madri, abria as portas. Conhecia os principais jornalistas e assessores. Cheguei a ir a quatro comícios em um dia só, de manhã, de tarde, de noite : de Felipe Gonzalez (socialista), Suarez (governo), Carrillo (comunista), Fraga Iribarne (popular).
Eram festas, antes e depois dos discursos. E muito vinho. E amor.
ZAPATERO
O líder do Partido Socialista e chefe do governo, José Luiz Zapatero, convocou para 20 de novembro próximo as eleições gerais que vão escolher o novo governo, anteriormente marcadas para março do próximo ano. Mais uma vez a Espanha dá uma lição ao mundo. Fora da democracia não há salvação. A crise européia ameaça a Espanha. A única saída é dar a palavra ao povo, para eleger o novo governo, encarregado de enfrentar a crise econômica provocada pela política neoliberal da União Européia.
Os socialistas sabem que a oposição dos conservadores do PP (Partido Popular) vai ganhar as eleições. Que seja assim. Que o povo decida.
*Sebastião Nery