Enviado: Sáb Ago 18, 2007 4:36 pm
Exército e PM do Rio treinam estratégia conjunta em favela
Militares sobem morro do Rio para simular ação na missão de paz no Haiti; PMs do Bope fazem papel de bandidos
RIO - Recebidos a tiros pelos traficantes, 26 militares do Exército realizaram uma operação secreta em uma favela do Rio de Janeiro. Objetivo: libertar três pessoas mantidas em um cativeiro e prender Amaral Duclonas, 27 anos, criminoso hábil que aterroriza a população, com extorsões, assassinatos e seqüestros.
A ação poderia ter ocorrido de verdade, mas não passou de um treino, realizado na quarta-feira, dia 15. Amaral é o último grande líder de gangue que ainda não foi preso pelos brasileiros no Haiti. Conseguiu escapar de várias operações realizadas pelas tropas internacionais das Nações Unidas e tornou-se o objeto de desejo dos oficiais do 8° contingente do Brasil que, com 1.200 homens, embarca em dezembro para o Haiti.
A sede do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), no Rio, tornou-se cenário para a base do Brasil em Cité Soleil, região da capital haitiana, Porto Príncipe, pacificada pelos brasileiros nos últimos oito meses e área de atuação de Amaral. O treinamento, de cerca de três horas, ocorreu na favela Tavares Bastos, na zona sul da capital fluminense. A favela é considerada pelo governo do Estado como a única onde o tráfico não domina e onde não há violência, devido à presença ostensiva da tropa de elite da Polícia Militar, que há sete anos tem um quartel no topo do morro.
Os oficiais, provenientes do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, estavam pisando pela primeira vez na Tavares Bastos, desconhecendo os caminhos da favela e podendo facilmente ser alvo de emboscadas dos bandidos, representados pelos policiais do Bope, conhecidos pelo poder de atuação nos morros cariocas com o famoso "caveirão".
Tudo reproduziu nos mínimos detalhes as operações no Haiti. Antes de saírem para a missão, os militares fizeram uma reunião, onde o capitão Domingues, escolhido para o comando da operação do Exército brasileiro, entregou mapas e detalhou a estratégia de ataque. Quem faria o quê, quem iria por onde, quem faria o cerco e como se dividiriam nas estreitas vielas para evitarem o "fogo amigo", termo utilizado quando se é alvo de tiros de homens que estão lutando do mesmo lado.
Snipers posicionados
Dois "caçadores" (snipers), atiradores do Exército que conseguem acertar um alvo a até 600 metros, foram estrategicamente posicionados no mais alto prédio no topo do morro: com uma visão ampla, eles são os primeiros a avistar os inimigos, podendo eliminá-los ou alertar os companheiros. Se a distância é maior, os caçadores vão buscar o alvo com a luneta e tentam acertar o inimigo o mais próximo possível. Um tiro a alguns palmos ou metros de distância consegue aterrorizar o oponente, que fica perdido, sem saber de onde vem o perigo.
Segundo o tenente-coronel André Novaes, comandante do Centro de Instrução de Operações de Paz (CIOPaz) do Exército, o posicionamento dos atiradores é uma estratégia adotada em todas as operações e patrulhas no Haiti e já salvou a vida de muitos brasileiros na missão. Novaes comandou as tropas do Exército do terceiro contingente brasileiro, no segundo semestre de 2005, e quando voltou do Haiti teve a tarefa de chefiar a ação do Exército na Mangueira, quando militares subiram os morros do Rio, em maio de 2006, para recuperarem armas roubadas.
Alinhados, os soldados tomam suas posições e saem correndo "no lanço": um faz a cobertura contra tiros e o outro avança de dois a quinze metros, tocando no ombro do companheiro da frente, para que ele avance também.
'Vai morrer!
Ouve-se um grito de um bandido, seguido de inúmeros estopins de tiros de festim. "Vai morrer!".
"Centauro para Dragão. De onde veio? De onde veio?", pergunta pelo rádio, encurralado em um beco, o capitão Domingues, usando seu codinome.
"Aqui em cima, aqui em cima. Na laje, na laje", responde alguém.
"Atira! Atira!", ordena Domingues.
O PM do Bope, que representa o criminoso procurado, esbeira-se entre as ruelas da Tavares Bastos, sobe em uma laje, salta entre a marquise de duas casas e consegue escapar dos militares. Corre alguns metros, mete-se em outras ruelas que não conhecia e vai parar lá na frente dos militares, rindo à toa por ter conseguido fugir. "Vi como é fácil ser bandido no Rio", comemora o policial.
Em meio à confusão e à gritaria, o comandante Domingues avista a casa que, conforme o mapa que tem em mãos, é o reduto de Amaral. Os oficiais cercam o local e engatilham os fuzis."É esta porta de ferro, a de ferro. Arromba, arromba. Estoura logo!", ordena Domingues.
Um militar empurra a porta e avança. "Entra, entra", grita Domingues. "Faz segurança aqui. Cobre ele ali", acrescenta.
Os soldados avançam por uma construção inacabada de três andares, com lajes irregulares. A mira do fuzil acompanha o olhar. A casa é revistada e Amaral, pelo menos na ficção, preso.
"Mão na cabeça ou leva tiro na testa", grita um oficial para Amaral. O criminoso porta uma arma e, segundo as regras de engajamento da ONU, os militares podem atirar quando há risco para sua segurança ou a de civis.
Avaliação
A avaliação do treino: "Matamos muitos, mas também perdemos gente. Demos muito tiro, vamos ter que avaliar isso. Pelo menos pegamos o Amaral", diz Domingues, com o suor escorrendo pelo rosto e o carômetro no bolso, uma espécie de fichário com foto dos bandidos procurados.
"Por isso é que sou voluntário para ir ao Haiti. Passamos anos aprendendo sem poder agir. Participar da missão é uma grande experiência profissional e oportunidade ímpar de colocarmos em prática o que a gente passa a vida inteira só treinando", acrescenta o capitão.
Como a ação não utilizou DSET, simuladores que apontam mortos e feridos nos confrontos, o coronel Novaes não conseguiu precisar o número de vítimas.
"Para um teste, foi bom. Eles começaram o treinamento há poucos dias, tem mais quatro meses de preparação pela frente. Com o tempo, eles se conhecerão e apenas com um olhar já sabem o que tem de fazer. Todos os militares que vão para o Haiti são experientes. O que a gente faz é aprofundar o conhecimento e dar técnicas especiais para o combate urbano desenvolvidas nestes três anos de experiência. A gente sabe como fazer e tem dado certo. Graças ao treinamento até hoje não perdemos nenhum soldado em combate", afirma Novaes.
VIDEO:
http://www.estadao.com.br/interatividad ... 5271447DA1
Militares sobem morro do Rio para simular ação na missão de paz no Haiti; PMs do Bope fazem papel de bandidos
RIO - Recebidos a tiros pelos traficantes, 26 militares do Exército realizaram uma operação secreta em uma favela do Rio de Janeiro. Objetivo: libertar três pessoas mantidas em um cativeiro e prender Amaral Duclonas, 27 anos, criminoso hábil que aterroriza a população, com extorsões, assassinatos e seqüestros.
A ação poderia ter ocorrido de verdade, mas não passou de um treino, realizado na quarta-feira, dia 15. Amaral é o último grande líder de gangue que ainda não foi preso pelos brasileiros no Haiti. Conseguiu escapar de várias operações realizadas pelas tropas internacionais das Nações Unidas e tornou-se o objeto de desejo dos oficiais do 8° contingente do Brasil que, com 1.200 homens, embarca em dezembro para o Haiti.
A sede do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), no Rio, tornou-se cenário para a base do Brasil em Cité Soleil, região da capital haitiana, Porto Príncipe, pacificada pelos brasileiros nos últimos oito meses e área de atuação de Amaral. O treinamento, de cerca de três horas, ocorreu na favela Tavares Bastos, na zona sul da capital fluminense. A favela é considerada pelo governo do Estado como a única onde o tráfico não domina e onde não há violência, devido à presença ostensiva da tropa de elite da Polícia Militar, que há sete anos tem um quartel no topo do morro.
Os oficiais, provenientes do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, estavam pisando pela primeira vez na Tavares Bastos, desconhecendo os caminhos da favela e podendo facilmente ser alvo de emboscadas dos bandidos, representados pelos policiais do Bope, conhecidos pelo poder de atuação nos morros cariocas com o famoso "caveirão".
Tudo reproduziu nos mínimos detalhes as operações no Haiti. Antes de saírem para a missão, os militares fizeram uma reunião, onde o capitão Domingues, escolhido para o comando da operação do Exército brasileiro, entregou mapas e detalhou a estratégia de ataque. Quem faria o quê, quem iria por onde, quem faria o cerco e como se dividiriam nas estreitas vielas para evitarem o "fogo amigo", termo utilizado quando se é alvo de tiros de homens que estão lutando do mesmo lado.
Snipers posicionados
Dois "caçadores" (snipers), atiradores do Exército que conseguem acertar um alvo a até 600 metros, foram estrategicamente posicionados no mais alto prédio no topo do morro: com uma visão ampla, eles são os primeiros a avistar os inimigos, podendo eliminá-los ou alertar os companheiros. Se a distância é maior, os caçadores vão buscar o alvo com a luneta e tentam acertar o inimigo o mais próximo possível. Um tiro a alguns palmos ou metros de distância consegue aterrorizar o oponente, que fica perdido, sem saber de onde vem o perigo.
Segundo o tenente-coronel André Novaes, comandante do Centro de Instrução de Operações de Paz (CIOPaz) do Exército, o posicionamento dos atiradores é uma estratégia adotada em todas as operações e patrulhas no Haiti e já salvou a vida de muitos brasileiros na missão. Novaes comandou as tropas do Exército do terceiro contingente brasileiro, no segundo semestre de 2005, e quando voltou do Haiti teve a tarefa de chefiar a ação do Exército na Mangueira, quando militares subiram os morros do Rio, em maio de 2006, para recuperarem armas roubadas.
Alinhados, os soldados tomam suas posições e saem correndo "no lanço": um faz a cobertura contra tiros e o outro avança de dois a quinze metros, tocando no ombro do companheiro da frente, para que ele avance também.
'Vai morrer!
Ouve-se um grito de um bandido, seguido de inúmeros estopins de tiros de festim. "Vai morrer!".
"Centauro para Dragão. De onde veio? De onde veio?", pergunta pelo rádio, encurralado em um beco, o capitão Domingues, usando seu codinome.
"Aqui em cima, aqui em cima. Na laje, na laje", responde alguém.
"Atira! Atira!", ordena Domingues.
O PM do Bope, que representa o criminoso procurado, esbeira-se entre as ruelas da Tavares Bastos, sobe em uma laje, salta entre a marquise de duas casas e consegue escapar dos militares. Corre alguns metros, mete-se em outras ruelas que não conhecia e vai parar lá na frente dos militares, rindo à toa por ter conseguido fugir. "Vi como é fácil ser bandido no Rio", comemora o policial.
Em meio à confusão e à gritaria, o comandante Domingues avista a casa que, conforme o mapa que tem em mãos, é o reduto de Amaral. Os oficiais cercam o local e engatilham os fuzis."É esta porta de ferro, a de ferro. Arromba, arromba. Estoura logo!", ordena Domingues.
Um militar empurra a porta e avança. "Entra, entra", grita Domingues. "Faz segurança aqui. Cobre ele ali", acrescenta.
Os soldados avançam por uma construção inacabada de três andares, com lajes irregulares. A mira do fuzil acompanha o olhar. A casa é revistada e Amaral, pelo menos na ficção, preso.
"Mão na cabeça ou leva tiro na testa", grita um oficial para Amaral. O criminoso porta uma arma e, segundo as regras de engajamento da ONU, os militares podem atirar quando há risco para sua segurança ou a de civis.
Avaliação
A avaliação do treino: "Matamos muitos, mas também perdemos gente. Demos muito tiro, vamos ter que avaliar isso. Pelo menos pegamos o Amaral", diz Domingues, com o suor escorrendo pelo rosto e o carômetro no bolso, uma espécie de fichário com foto dos bandidos procurados.
"Por isso é que sou voluntário para ir ao Haiti. Passamos anos aprendendo sem poder agir. Participar da missão é uma grande experiência profissional e oportunidade ímpar de colocarmos em prática o que a gente passa a vida inteira só treinando", acrescenta o capitão.
Como a ação não utilizou DSET, simuladores que apontam mortos e feridos nos confrontos, o coronel Novaes não conseguiu precisar o número de vítimas.
"Para um teste, foi bom. Eles começaram o treinamento há poucos dias, tem mais quatro meses de preparação pela frente. Com o tempo, eles se conhecerão e apenas com um olhar já sabem o que tem de fazer. Todos os militares que vão para o Haiti são experientes. O que a gente faz é aprofundar o conhecimento e dar técnicas especiais para o combate urbano desenvolvidas nestes três anos de experiência. A gente sabe como fazer e tem dado certo. Graças ao treinamento até hoje não perdemos nenhum soldado em combate", afirma Novaes.
VIDEO:
http://www.estadao.com.br/interatividad ... 5271447DA1