Especialista: Brasil acirra confronto pelas Malvinas
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Pela terceira vez consecutiva, o Brasil é acusado de interferir negativamente em questões internacionais. Depois do golpe de Honduras e do enriquecimento de urânio do Irã, a política externa brasileira sofre censuras por seu posicionamento em relação à disputa de Argentina e Reino Unido nas Ilhas Malvinas.
Um dos críticos é um especialista em Ciência Política e Relações Internacionais, José Augusto Guilhon Albuquerque. "O Brasil toma parte, defende uma posição contra outra, portanto tira a possibilidade de qualquer tipo de mediação. Ao invés de facilitar o entendimento, acirra o conflito", assinala para Terra Magazine.
Para Guilhon, pesquisador e professor titular aposentado da Universidade de São Paulo (USP), há uma precipitação do governo brasileiro, ao invés de defesa do entendimento diplomático entre argentinos e ingleses.
- Nossa posição deveria ser a de limitar essa crise, não fazê-la prosperar e fazer o possível para que ela seja resolvida. A posição do Brasil, ao tomar partido de um lado, é contra essas coisas, não ajuda a contê-la e exclui do papel de mediador, pois não se pode mediar e tomar partido.
O suposto erro de estratégia teria implicações comprometedoras. "É desagradável, cria um obstáculo para nossas relações com a União Europeia", aponta Guilhon.
Ele observa a repetição sistemática desta postura "em todas as questões em que o Brasil tem se colocado, almejando uma posição de liderança".
Sobre a querela em si, o especialista minimiza a repercussão da polêmica atual e desacredita a repetição da guerra de 1982. Acusa o "governo confrontacionista, desagregador em relação à própria sociedade", da Argentina, de buscar apoio interno, apelando ao nacionalismo, após muitos problemas internos. "Evidentemente, mais uma questão da política doméstica".
Confira a entrevista.
Terra Magazine - Como o senhor analisa a Uma nova guerra parece improvável?
José Augusto Guilhon Albuquerque - Diria que é evidentemente mais uma questão da política doméstica. Parece uma coisa banal, em busca de um elemento externo para superar obstáculos externos. Há dificuldades crescentes na Argentina, dentro do próprio governo, que é um governo confrontacionista, desagregador em relação à própria sociedade. Com a proximidade das eleições, parece que encontraram uma maneira de colocar o governo com uma bandeira nacional. Acho que há um certo oportunismo, ultimamente tem havido uma avalanche de cúpulas latino-americanas, e agora coincide com uma em que os países têm uma posição de solidariedade em relação à questão territorial da Argentina. A possibilidade de properar (a crise) é pouco provável.
Que encaminhamento deve acontecer?
A (chance de) restituição da soberania territorial argentina é praticamente nula. Nem a Argentina e nenhum país latino-americano vai se envolver em uma disputa territorial (nestas circunstâncias). Por outro lado, os laços da população das Malvinas/Falklands com o Reino Unido são bicentenários. Não tem como negar o direito à autonomia a uma região que nunca foi povoada pela Argentina. Aparentemente o objetivo não é resolver o problema; do lado argentino, o objetivo é promover uma crise. Não há como avançar isso.
Mas o Reino Unido não estaria infringindo a resolução 3149 da Assembleia Geral da ONU, que reprova modificações efetuadas por um dos países nas ilhas?
Não sei se a resolução é da Assembleia Geral da ONU ou do Conselho de Segurança. Se for da Assembleia Geral, não há obrigatoriedade (de obedecê-la). Existe resolução de que as duas partes se comprometem a resolver seus problemas na base da conversa. Ainda que se infringisse (a resolução 3149), seria um problema do Conselho de Segurança.
No caso de estar incomodada com a maior presença efetiva do Reino Unido nas Malvinas, a reação da Argentina, com sanções e apelos a censuras internacionais contra os britânicos, não teria sido correta?
A primeira coisa deveria ser solicitar um encontro. Não sei como andam as relações entre Reino Unido e Argentina. Acho que há o direito de protestar, só que a maneira como isso aconteceu é uma maneira de provocar mais conflito.
Mas a união do país contra a iniciativa britânica ajuda a presidente Cristina Kirchner, que tem sofrido desgastes internamente?
Não sei se isso vai acontecer. A população argentina está muito escaldada quanto a isso.
Como o senhor avalia o posicionamento do Brasil em rapidamente apoiar a Argentina?
É completamente de acordo com o que o Brasil tem feito em todas as questões. O Brasil toma parte, defende uma posição contra outra, portanto tira a possibilidade de qualquer tipo de mediação. Ao invés de facilitar o entendimento, acirra o conflito. Quando houve a guerra (das Malvinas), o governo militar deu um certo apoio, e discreto, à Argentina. Evidentemente que se manifestou, o posionamento tradicional do Brasil era defender a soberania da Argentina, conforme uma tradição muito antiga, mas não aprovou, digamos assim, as hostilidades. Eu acho que há uma precipitação do governo, ao invés de simplesmente se manifestar: "Achamos que Argentina e Inglaterra devem se entender sobre essa questão, mas, do ponto de vista formal, nós mantemos nosso compromisso com territorial da Argentina, e, mais uma vez, como é da tradição brasileira, defendemos o entendimento diplomático".
Essa questão não vai resultar em guerra, mas é desagradável, cria um obstáculo para nossas relações com a União Europeia. Nossa posição deveria ser a de limitar essa crise, não fazê-la prosperar e fazer o possível para que ela seja resolvida. A posição do Brasil, ao tomar partido de um lado, é contra essas coisas, não ajuda a contê-la e exclui do papel de mediador, pois não se pode mediar e tomar partido.
O senhor acha, então, que o Brasil mostrou inabilidade, embora pretenda ser mediador de questões diplomáticas e ter influência global?
Em todas as questões em que o Brasil tem se colocado, almejando uma posição de liderança, ele faz exatamente o contrário. Fez isso em Honduras, está fazendo isso em relação ao Irã e à disputa entre Argentina e Inglaterra. Liderança não é tomar partido e uma decisão irrevogável. Chama a atenção que isso não é uma inabilidade, é uma atuação sistemática.