Carlos Lima escreveu:Lembrar que quando a FAB queria o F-4 foi negada e que quando queria o Draken também foi negada...
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CB_Lima
DEFESA AÉREA DO BRASIL
Embalado pela mentalidade de piloto de caça, cujas missões operacionais realizam em toda sua plenitude o sonho do aviador, assumi o cargo de GM-4 do Ministro Márcio de Souza e Mello, em 1967.
O Ministro Márcio, homem de grande visão e sabedor do que se passava em matéria de controle de trafego aéreo sobre o território brasileiro, por ia ter exercido o cargo de Presidente da CERNAI, conversava muito comigo sobre as idéias que eu lhe expunha, bem corno me transmitia os pensamentos preocupantes que constantemente o assaltavam quanto ao destino da FAB, ao declínio na área nacional que ela poderia sofrer por ação nem sempre patriótica de políticos e, a nível internacional, a queda do respeito e devida consideração ao Poder Aéreo do Brasil.
Por outro lado, eu já conhecia o assunto "Defesa Aérea", não só porque o havia estudado na ECEMAR como, também, por ter sido instrutor dessa matéria na Escola de Aeronáutica, em 1960.
Além disso, durante uma visita aos órgãos de controle de tráfego aéreo e de auxílio à navegação aérea dos Estados Unidos da América do Norte, em 1964, tomei ciência de como aquele pais executava a respectiva Defesa Aérea e das dificuldades que de vez em quando surgiam como conseqüência do fato de haver dois sistemas semi-independentes envolvidos na execução do processo com um modo de defesa aérea: um operado por pessoal civil e outro, por pessoal militar.
Em outras palavras, como os dois sistemas não eram integrados, havia um momento crítico durante o processo de defesa aérea, que era a transferência de operação da responsabilidade de um sistema para o outro. Felizmente, esse problema não existia no Brasil, já que o pessoal de controle aéreo e proteção ao vôo era militar.
E foi assim que surgiu a idéia da criação de um sistema integrado de controle de trafego aéreo e defesa aérea, pois essas duas ações se complementam quanto a infra-estrutura de superfície e ao controle aeroespacial.
Para se ter uma idéia do que se fazia no Brasil antes de 1969, basta dizer que o controle de vôo, além de cobrir um espaço relativamente pequeno em relação ao território nacional, era baseado em dados fornecidos por quem era controlado, fossem eles verdadeiros ou não, razão pela qual o nosso país era considerado zona perigosa pela aviação comercial internacional.
Quanto à defesa aérea, na prática ela inexistia, o que muito preocupava o Ministro Márcio, por considerá-la, juntamente com a Aviação Estratégica, garantia da existência da Força Aérea no Brasil, pois essas missões só podem ser executadas pela organização que tem capacidade operacional para atuar na dimensão aeroespacial, ou seja, a FAB.
O Sistema Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (SINDACTA) começou a ser planejado e seu projeto tornou-se uma bola de neve, uma vez que as necessidades em pessoal, tecnologia, equipamentos e, principalmente, recursos financeiros cresciam em progressão geométrica, o que demandava tempo e muita paciência para a execução gradual das diversas etapas. Embora muitos anos já tenham-se passado, lembro-me que inicialmente o Gabinete do Ministro lançou mão, não me recordo se formal ou informalmente, de dois oficiais do Estado-Maior da Aeronáutica, devido ao fato de haver necessidade de um elemento de ligação com aquele órgão, uma vez que a coordenação dos demais órgãos envolvidos no empreendimento era dele, e também porque naquela época o controle das finanças do Ministério da Aeronáutica era efetuado no EMAER; foi assim que o Jordão e o Mil-Homens passaram a fazer parte da equipe encarregada do projeto.
À medida que o trabalho foi sendo desenvolvido, outras convocações de pessoal foram sendo feitas.
No que concerne à Defesa Aérea, chegou-se à etapa de seleção das aeronaves projetadas prioritariamente para o cumprimento daquela missão e a escolha daquela que fosse mais conveniente e interessante para a FAB e para o Brasil.
Para isso foi criada a CEPAI - Comissão Especial para o Projeto Aviação de Interceptação, com missão bem definida.
Daí para frente o Menezes já relatou sucintamente o que ocorreu ate a escolha e autorização presidencial para a aquisição de dezesseis aviões MIRAGE III.
Todavia, o Menezes, no seu relato, menciona a reviravolta da decisão do Governo norte-americano, chegando mesmo a insistir para que o Brasil enviasse uma equipe para voar a aeronave F-5A.
Essa insistência não ficou só no convite supracitado, pois lá pelas tantas o Ministro Márcio recebeu a visita de um cidadão norte-americano, cujo objetivo era convencer o Ministério da Aeronáutica a adquirir o referido avião.
Como eu era o responsável, dentro do Gabinete do Ministro, pela solução da escolha da aeronave de Defesa Aérea para a FAB, o Ministro Márcio encaminhou o cidadão em apreço para mim.
Esse senhor, cujo nome não me recordo, apresentou-se como sendo primo e assessor do Presidente dos U.S.A., Mr. Richard Nixon, e disse que havia sido incumbido pessoalmente por ele para convencer as autoridades brasileiras competentes a adquirir aeronaves F-5A.
Desde o início do processo de aquisição em tela, havia no Gabinete do Ministro uma ligeira preferência pelo avião PHANTOM F-4 por várias razões, entre as quais posso citar:
- vínculo operacional sólido entre a FAB e a USAF, adquirido durante a 2ª Guerra Mundial, quando aquela Força Aérea fazia parte do Exército americano (USAAF);
- a maior parte dos equipamentos aeronáuticos do Brasil era de procedência norte-americana;
- conseqüentemente, as atividades e estrutura brasileiras de suprimento e manutenção baseavam-se em normas e procedimentos da USAF;
-existência da Comissão Aeronáutica Brasileira em Washington (CAB-W);
-a literatura inerente a equipamentos aeronáuticos importados era, em sua maioria, de origem norte-americana; e
- era opinião quase unânime ser o F-4 a melhor aeronave interceptadora de defesa aérea na ocasião.
Por esses motivos, disse ao referido senhor que, ao invés de perdermos tempo com o F-5A deveríamos começar logo a discutir e a negociar a compra de aviões PHANTOM F-4 por parte da FAB.
Ele me respondeu que isso era inviável, por contrariar a política norte-americana de não fomentar corrida armamentista na América do Sul.
Disse-lhe então que o F-5A não interessava à FAB e que se os U.S.A. desejavam ganhar a concorrência internacional para fornecer aeronaves interceptadoras no Brasil teriam de propor a venda de aviões PHANTOM F-4, o que ele reafirmou ser impossível.
A não aceitação do F-5A por parte da FAB devia-se ao fato de ser do conhecimento geral as deficiências que ele apresentava quanto à sua autonomia e a relativamente baixa potência das respectivas turbinas para missões de interceptação e combate, o que também limitava o seu poder de fogo.
Mais ainda, de acordo com a conclusão do relatório do comandante do "Tiger Squadron", ativado para testar o F-5A em condições reais de operação no Vietnã, "essa aeronave não interessava ao inventário da USAF; seria boa para o Programa de Assistência Militar".
Ora, se o F-5A não interessava à USAF, por que serviria para a FAB?
Depois disso o mercado norte-americano deixou de ser cogitado como fornecedor do avião interceptador da FAB naquele momento.
Talvez deva também ser trazido a público as principais razões que levaram o Ministério da Aeronáutica a descartar as aeronaves SAAB DRAKEN 35 e o LIGHTNING MK-55.
O primeiro, de fabricação sueca, teve como principal obstáculo o fato de ter sido projetado para operação em clima de inverno rigoroso como o que atinge os países escandinavos, e por isso não se adaptar na versão original ao clima de países tropicais.
Como efeito, haveria necessidade de o projeto do avião ser retornado à prancheta dos engenheiros, a fim de que fosse "tropicalizado", isto e, que ele fosse redimensionado para nova distribuição interna de equipamentos adequados a operação em condições climáticas bem diferentes e temperaturas bem mais altas encontradas no Brasil, o que, obviamente, elevaria o valor do contrato de compra e venda.
Além disso, a inexistência de um fluxo de suprimento até então entre a Suécia e o Brasil e a diferença de normas e métodos de manutenção entre as respectivas Forças Aéreas provavelmente demandariam um tempo de adaptação superior ao desejado.
Já a aeronave inglesa LIGHTNING MK-55, apesar de ter sido a primeira a ser discutida e negociada com a equipe que a representava especificamente para essa oferta à FAB, encontrou dificuldades de natureza econômico-financeiras quanto aos interesses nacionais, uma vez que a Inglaterra não quis abrir mão de uma formula contratual para a correção monetária do valor das parcelas financiadas, alem de exigir o pagamento de mais de 50% do valor total do contrato antes de entregar o primeiro avião, o que não era nada confortável para o Brasil, devido à cláusula "Atos de Deus" que isentava o fabricante de multa caso não cumprisse os prazos de entrega fixados.
Com os franceses foi mais simples negociar, já que o objetivo da França era exportar o que fosse possível e impossível e ela, na época, estava vendendo aeronaves MIRAGE para vários países.
Assim, a negociação da compra dos aviões MIRAGE III para a FAB foi relativamente fácil, embora as discussões com os franceses as vezes não tenham sido muito tranqüilas.
Acredito que eu tenha esboçado um quadro conciso, porem satisfatório, do que se passou na fase do projeto SINDACTA, que resultou na introdução no Brasil da Aviação Supersônica de Caça de Interceptação para Defesa Aérea.
Cel.Av. R.R. Cassiano Pereira
Piloto de caça - Turma 1952
ex-Cmt. 1º /4 º G.Av.