Dilma, Padilha ou Haddad – a "guerra dos postes" de Lula
No PT em crise com a ascensão de Marina, Haddad culpa Dilma, Padilha culpa Haddad e Dilma culpa Padilha e Haddad. É possível que todos acabem no chão
ALBERTO BOMBIG
11/09/2014 07h00 - Atualizado em 11/09/2014 09h08
Madeira (Foto: Ilustração Lézio Júnior)
Na semana passada, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), externou para mais de um interlocutor uma dúvida que não lhe sai da cabeça: se Marina Silva vencer a eleição presidencial, como será o tratamento dela para com a prefeitura da capital paulista? A pergunta, formulada por um dos quadros mais importantes do PT no Brasil, revela o estado de apreensão e angústias que tomou conta do partido em relação ao futuro. Pela primeira vez em 12 anos, o projeto petista de poder está eleitoralmente ameaçado por um fenômeno chamado Marina Silva (PSB), a ex-petista que lidera as pesquisas de intenção de voto empatada com a presidente Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição – e aparece à frente de Dilma em todas as simulações de segundo turno.
O desempenho de Marina mudou o roteiro de um filme de final previsível – a permanência do PT no poder. A possibilidade de perder a caneta no plano federal fez com que aflorassem ódios há muito reprimidos. Por causa disso, em vez da superprodução com cara de reprise, entra em cena uma série de TV cheia de emoções fortes. Seu título, parafraseando A Guerra dos Tronos, poderia ser “A Guerra dos Postes”.
Em São Paulo, onde Dilma vai mal nas pesquisas, o candidato do PT ao governo do Estado, Alexandre Padilha, acusa reservadamente Haddad de boicotá-lo de olho em eleições futuras. Haddad culpa Dilma nos bastidores pela péssima avaliação de sua gestão e já ensaia uma aproximação com o grupo de Marina. O time de Dilma, preocupado com a reeleição, culpa Padilha, que tem apenas 7% das intenções de voto, e também Haddad pelo fraco desempenho dela em solo paulista. Dilma que acusa Padilha que acusa Haddad que acusa Dilma: eis o argumento de “A Guerra dos Postes”.
Em comum entre os postes que brigam, apenas uma certeza: o fenômeno Marina avança com uma motosserra na mão para cima deles. No roteiro prévio escrito pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma, Haddad e Padilha – os “postes” sem experiência política ungidos por ele para vencer eleições importantes – representariam a permanência do PT no poder. Tudo caminhava conforme o previsto até junho de 2013, quando multidões tomaram as ruas em protestos contra os políticos – entre eles, Dilma e Haddad. A avaliação positiva dos governos de ambos despencou. O desgaste encontrou em Marina Silva uma porta-voz do que ela própria chama de “nova política”.
Haddad tem como principais conselheiros os secretários Marcos de Barros Cruz (Finanças), Leonardo Osvaldo Barchini Rosa (Relações Internacionais), Luis Fernando Massonetto (Negócios Jurídicos), Nunzio Briguglio (Comunicação) e o chefe de gabinete Paulo Dallari. Todos têm perfil parecido com Haddad. São mais afeitos aos gabinetes que às ruas, fascinados pelo mundo acadêmico e com pouca inserção partidária. São responsáveis pelo projeto de futuro de Haddad: a tentativa de recuperação nas pesquisas, a reeleição em 2016 e uma possível candidatura ao governo de São Paulo em 2018. Os que se opõem a Haddad dizem que ele só pensa nesse projeto, fica trancado em seu gabinete, não entra na luta política e faz corpo mole para ajudar Padilha.
Assim como Haddad, Padilha também foi ungido candidato pelas mãos de Lula. Ex-ministro da Saúde, médico, Padilha era a grande aposta dos petistas para destronar o PSDB do Palácio dos Bandeirantes, onde os tucanos reinam desde 1995. Para emplacar Padilha, Lula esmagou as esperanças da ex-prefeita Marta Suplicy (ministra da Cultura) e de Aloizio Mercadante (Casa Civil), os preferidos de Dilma para ajudá-la em São Paulo. Para Dilma, os dois seriam mais eficazes na hora de pedir votos, pois são conhecidos. Lula bancou Padilha, garantiu que ele sairia vitorioso e acenou-lhe com a liderança do PT no Estado. Isso bastou para que Haddad se sentisse ameaçado.
Numa reunião recente, um integrante da direção nacional do PT cobrou Haddad. Queria que ele conversasse com fornecedores da prefeitura, em busca de doações para a campanha de Padilha. Entre os candidatos ao governo, Padilha é o que mais gastou dinheiro até agora – mas, como patina nas pesquisas, as contribuições estão abaixo do esperado. Haddad ficou de ajudar, mas até agora pouco se mexeu. No entorno dele, sobram críticas a Padilha e a sua campanha, considerada errática, inconsistente e superficial.
De sua parte, Padilha avalia que seu mau desempenho eleitoral se deve exclusivamente à péssima avaliação da gestão Haddad, rejeitada por 47% dos paulistanos. O grupo de Padilha critica o projeto das ciclovias, lançado pela prefeitura em pleno período eleitoral. “Queríamos um programa mais amplo e de maior inserção na população, não uma ciclovia que atrapalha o eleitor”, diz um dos aliados de Padilha.
Se Padilha tem mágoas de Haddad, Haddad é um pote cheio até a tampa com a presidente Dilma. Acha que sua avaliação ruim é, em larga medida, culpa de Dilma – que o pressionou a manter o congelamento da passagem do transporte coletivo e não socorreu as finanças paulistanas como ele esperava. Nos últimos dias, Haddad disse a interlocutores que seus projetos podem aproximá-lo de Marina, de quem ele foi colega de Esplanada. A amizade de ambos com a educadora Maria Alice Setubal, a Neca, uma das coordenadoras do programa de governo de Marina, também é um fator de aproximação. Assim que venceu a eleição, Haddad consultou Neca em busca de um secretário de Educação.
Haddad se identifica com a pregação renovadora de Marina. Acha que, uma vez eleita, ela reconhecerá que a gestão Haddad em São Paulo tem vários projetos de cunho “marineiro” – como as ciclovias e o Polo Ecológico de Parelheiros. Quem acompanhou o debate entre os presidenciáveis na semana passada disse ser possível perceber a tensão de Haddad durante as falas de Marina. “Só não dava para saber se ele estava com medo ou com orgulho”, afirmou a ÉPOCA um integrante da cúpula do PT. Os assessores de Haddad dizem que a estratégia inicial de Padilha era esconder a gestão municipal. Ainda assim, ambos terão agendas conjuntas na reta final do primeiro turno. Quanto a sua relação com Dilma, eles negam que ambos estejam afastados e afirmam que Haddad é vítima de “fogo amigo”.
O resultado da guerra dos postes é que Dilma, segundo o Ibope, está muito atrás de Marina em São Paulo. Marina tem 39% das intenções de voto entre os paulistas, contra 23% de Dilma e 19% de Aécio Neves (PSDB). Um petista avalia que Dilma, Haddad e Padilha têm mais pontos em comum do que divergências e deveriam se unir para tentar mudar o momento negativo no Estado. “Eles têm um viés iluminista e tecnocrático, quase autoritário”, diz.
As dificuldades do PT nestas eleições – dos cinco maiores colégios eleitorais estaduais, o partido só está bem em Minas Gerais – levaram a campanha da presidente Dilma a radicalizar o discurso. O PT não hesitou em usar o vasto tempo de sua candidata no horário eleitoral de rádio e televisão para atacar Marina. Esse tipo de estratégia serviu para frear a onda Marina, que não chegou a ultrapassar Dilma. Nos próximos dias, uma nova rodada de sondagens eleitorais deverá aferir com mais precisão os resultados dessa guinada do PT. Marina tem afirmado nos bastidores que não descambará para os ataques. Diz que procurará convencer o eleitor de que tem condições de montar um governo e uma base de apoio sem fazer aliança com o que chama reservadamente de “partidos e políticos podres”.
Nas duas campanhas, de Dilma e Marina, cresce a cada dia a convicção de que Lula terá uma participação discreta: gravará programas, participará de eventos e carreatas, dará as declarações de praxe e só. Ele está desgostoso com os rumos da campanha de Dilma e seduzido pela proposta de Marina de, uma vez eleita, não concorrer a um novo mandato. Lula criou os postes – mas, se houver um desabamento coletivo, não quer cair abraçado a eles.
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