Micheletti descarta encontro com Zelaya para diálogo sobre crise
23 de setembro de 2009 • 00h32
O presidente interino de Honduras, Roberto Micheletti, descartou a possibilidade de se encontrar com o líder deposto, Manuel Zelaya, que está abrigado na embaixada do Brasil em Tegucigalpa.
Em uma entrevista à BBC Mundo, Micheletti disse que os dois líderes possuem representantes que podem iniciar o diálogo numa tentativa de encerrar de forma pacífica a crise política no país.
Confira trechos da entrevista.
BBC - Como foi que Manuel Zelaya entrou em Honduras sem o conhecimento do governo? O senhor tinha ideia de que ele tentaria entrar?
Micheletti- Não. Sabíamos, suspeitávamos de que os movimentos de muitos políticos aqui de Honduras até a Nicarágua, onde estava Zelaya, poderiam provocar uma tentativa de regresso por parte dele. Mas oficialmente não sabemos nem sequer por onde ele entrou.
Neste país há tantas fronteiras que não temos a capacidade para administrá-las. Não sabemos se ele chegou por helicóptero ou por terra. Há ma forte indicação que ele entrou em um veículo político conhecido do país, mas não temos nenhuma confirmação oficial.
BBC - O senhor acredita que, de certa forma, os serviços de inteligência do país falharam?
Micheletti- Eu creio que sim. Não precisamente isso porque estamos dedicados a muitos trabalhos internos sobre o que está passando e o que pode ocorrer e de repente por isso não dedicamos tanta atenção ao regresso de Zelaya.
E também há uma contribuição de outros setores que afirmavam que ele não voltaria porque estariam tentando fechar o acordo de San José e isso e aquilo, e isso nos deu um pouco de confiança e aconteceu o que acabou acontecendo.
BBC - Agora que Zelaya está em Honduras, que saída o senhor vê para essa situação? O senhor está disposto a conversar com ele diretamente?
Micheletti - Não. Acredito que nós temos comissões responsáveis para realizar o diálogo. Não há nenhum problema, os acordos podem ser assinados posteriormente.
Mas primeiro quero escutar da parte dele que ele aceita as eleições, que vamos às urnas. E que ele aceita a paz e a tranquilidade. Que ele pode fazer um chamado aos seus apoiadores para que não saiam às ruas. Infelizmente, acredito que ele mesmo já perdeu o controle das pessoas da esquerda que estão envolvidas nesse movimento no país.
Mas primeiro vamos ver as ações. Nós já estamos acostumados, já conhecemos perfeitamente as atitudes do senhor Zelaya. Ele tem sido um homem que não cumpre nenhuma promessa que faz. Ele prometeu mil coisas e não as fez. Por exemplo, ele prometeu que não faria uma Assembleia Constituinte e tentou fazer uma.
BBC - Então, pelo que o senhor me disse, o senhor está disposto a conversar com Zelaya para que ele diga exatamente quais são suas intenções?
Micheletti - Não, ele já as declarou publicamente. As intenções dele são vir novamente para cá montar uma Assembleia Constituinte, acabar com o Supremo Tribunal de Justiça, acabar com o Congresso Nacional e estabelecer uma ditadura no país. Ele já falou isso publicamente.
BBC - O senhor então está disposto a receber, por exemplo, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) ou algum outro presidente latino-americano para que se inicie uma negociação com Zelaya?
Micheletti - Não consigo imaginar o que negociaríamos. A negociação que temos em Honduras é realizar as eleições em 29 de novembro, escolher um novo presidente e a partir daí entregar a ele o poder em 27 de janeiro como manda a Constituição e a lei eleitoral.
Esse é o nosso plano, nosso trabalho e temos caminhado sobre esse tema. São eles que colocam obstáculos e vem se dedicando a romper toda a propaganda política dos diferente candidatos de diversos países. Eles estão tratando de intimidar a população para que não vá às eleições. Sem dúvida, o povo está decidido que vai às urnas em 29 de novembro.
BBC- Mas se através de um mediador, Zelaya diga que sigam as eleições, mas que ele tem condições e o seu governo tem as suas. O senhor acredita que se pode iniciar um diálogo e resolver essa crise neste momento?
Micheletti - Eu acredito que sim, nós não temos nenhuma objeção em escutar. Definitivamente não temos objeção em escutar as propostas que possam ser feitas.
BBC- Através de um mediador ou seria diretamente com Zelaya?
Micheletti- Eu acredito que já se iniciaram, já parece que ele nomeou alguns representantes aqui para que possam dialogar com outros grupos.
Mas realmente a população está muito temerosa, a população tem muito medo das atitudes deste senhor. E logicamente, não tanto ele, mas o apoio que tem de Hugo Chávez, que trouxe conseqüências funestas a este país. Ele veio, se deu ao luxo de convidá-lo, trazê-lo aqui. E em uma praça pública ele insultou a todos os hondurenhos.
Depois ele trouxe aqui o presidente do Equador, Rafael Correa, para fazer o mesmo e insistir que nós, hondurenhos, devíamos fazer um referendo que foi praticamente o mesmo feito pelos equatorianos para que possam permanecer em suas posições políticas eternamente.
BBC - O que acontece com as reclamações do Brasil? Eles dizem que a embaixada está sitiada, que cortaram serviços de água e outras facilidades. É correto?
Micheletti- Não. A luz foi cortada pelo vandalismo que os apoiadores dele (de Zelaya) causaram. Muitos deles estavam bêbados, dispararam tiros para o alto - isso entre às 9h da noite e às 3h da manhã. Falando, fazendo festa. Depois eles desconectaram a luz, não sei por que ou como, mas desconectaram a luz da casa da embaixada e todo o bairro ficou sem energia elétrica.
Mas isso já foi praticamente restabelecido. Hoje, às 5h da manhã, expulsaram essa gente de lá porque os vizinhos da comunidade da região onde está a embaixada registraram queixas de que havia vandalismo e de que houve tentativa de roubo, então a polícia interveio para dispersar, manter a ordem, e garantir os bens e as pessoas na embaixada do Brasil.
Atuamos com a maior responsabilidade. Quisera os funcionários tenham uma oportunidade de expressar se houve um policial que tentou cruzar o muro ou as portas da embaixada. Não houve nada disso.
Ao contrário, hoje recebi uma informação às 8h da manhã de que o ministro da Segurança estava pedindo permissão porque o embaixador dos Estados Unidos havia dito que algumas pessoas que estão dentro da embaixada do Brasil, que são empregados da embaixada, hondurenhos e brasileiros queriam de lá sair porque estavam inconformados com o que estava acontecendo. Então eu disse ao ministro : "dê a autorização para que essas pessoas possam sair e ir para suas casas".
Isso indica que há abertura de nossa parte, que não temos rivalidade com nenhum país e que os funcionários e as pessoas que estavam dentro da embaixada digam se alguém do governo tentou causar danos.
Sem dúvida temos vizinhos ali na região que estão confessando que há gente tentando entrar nas propriedades sem sequer pedir permissão e que cometeram delitos e abusos contra moradores da região.
BBC - Há relatos na imprensa de que há feridos, que possivelmente uma pessoa teria morrido como consequencia das manifestações em frente à embaixada e que estariam levando os detidos a um campo de futebol. Essas declarações estão corretas?
Micheletti- Quero garantir a você que não há mortos. Você não acredita que se alguém tivesse sido morto, estas pessoas já não teriam feito um escândalo.
O Zelaya está mentindo, segue mentindo. Não é certo. Há feridos no confronto entre policiais e apoiadores dele. Lembre-se e volto a repetir que muitos deles estavam bêbados, fizeram uma festa durante a noite toda e então veio a reação da polícia e imagino que alguns deles reagiram contra as ações policiais. Mas não é correto dizer que há mortos.
Eu gostaria que quando esse tipo de notícia aparecer, mandem alguém para verificar se realmente aconteceu algum fato dessa natureza.
BBC- A propósito, temos vários jornalistas que querem entrar em Honduras, mas não podem porque os aeroportos foram fechados. Gostaria de perguntar se o senhor pensa em manter o toque de recolher e quando pensa em abrir o acesso aos aeroportos para que pessoas de fora possam entrar no país?
Micheletti - Há pouco estava reunido com o pessoal da Aeronáutica e fazendo planos, vendo a possibilidade de que possam entrar e falar com todos os setores e falar com os vizinhos da embaixada do Brasil e ver o que aconteceu durante a noite que essa gente se reuniu ali.
BBC - O senhor está disposto a utilizar a força para resolver essa situação?
Micheletti- Nós nunca utilizamos a força. Eu tenho 29 anos como deputado e congressista nesse país e tenho tentado lutar pela manutenção da democracia. Em 1980 voltamos à ordem constitucional através de uma Assembleia Constituinte. Eu fui um dos membros dessa Assembleia. Eu sei o que é lutar pela democracia e não acredito em utilizar a força por nenhuma justificativa. O Exército tem suas instruções, a polícia tem as instruções de cumprir com a ordem constitucional.
BBC - Por último, o senhor tem alguma mensagem para a comunidade internacional?
Micheletti - Eu quero dizer a todos os países que façam uma reflexão, que acusaram esse país sem antes conhecer a Constituição da República e as leis. Nos acusaram de forma injusta e o que fizemos foi defender nossa Constituição de quem tentou romper a ordem constitucional através de pesquisas para fazer uma Assembleia Constituinte. E esse senhor continua a dizer isso publicamente, que vai fazer uma Assembleia Constituinte e isso não se permite em um país democrático como esse.
BBC Brasil - BBC BRASIL.com
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