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Mensagem
por Marino » Qua Set 09, 2009 10:45 am
O JB não larga o osso:
Câmara quer esclarecer posição sobre bomba nuclear
Vasconcelo Quadros, Jornal do Brasil
BRASÍLIA - O presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, Severiano Alves (PDT-BA), pretende envolver os deputados na discussão do programa nuclear brasileiro e analisar a pesquisa do físico Dalton Girão Ellery Barroso que comprovou que o Brasil já detém o domínio sobre o conhecimento e a tecnologia necessários para a construção da bomba atômica, como revelou o Jornal do Brasil.
– É preciso ver se há coisas que não sabemos sobre esse tema – disse o deputado, que promete colocar o assunto na pauta quarta-feira, na reunião da comissão. Segundo ele, os deputados vão decidir se convidam ou convocam o físico e os ministros Nelson Jobim, da Defesa, e Celso Amorim, das Relações Exteriores.
No Senado, o presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, Eduardo Azeredo (PSDB-MG), também avalia que Barroso deve ser convidado a prestar depoimento para explicar as conclusões da tese em que, entre outras descobertas, revela cálculos e equações do modelo original de uma ogiva nuclear americana, a W-87. As informações parciais sobre a parte externa do artefato havia vazado de um relatório do Congresso dos Estados Unidos. O físico brasileiro usou um programa de computador para aprofundar os cálculos e desvendou o interior da figura.
Hipocrisia
– O Congresso deve conhecer os avanços sobre conhecimento e tecnologia nuclear – disse o senador Flávio Torres (PDT-CE), que é físico por formação. Ele disse que a interferência da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) no assunto é hipocrisia e reflete a “pressão em cima dos países que não têm a bomba pelas potências que já detém arsenais nucleares”. Contrário à bomba, Torres acha que o país já sabe como fazer os artefatos, mas defende o desenvolvimento do conhecimento e da tecnologia como arma de dissusão para obrigar as potências a eliminarem os arsenais.
– O Brasil tem a cabeça no lugar, mas já desenvolveu conhecimento e tecnologia necessários para fazer a bomba, se quisesse – disse o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). O senador considera como correto que a comissão ouça o físico, os ministros e representantes da AIEA para esclarecer o motivo das divergências sobre o programa nuclear brasileira.
– O Congresso tem que se meter nesse assunto e ver o que há de novo. Não pode é ficar alheio. O Brasil deve desenvolver o conhecimento e a tecnologia nuclear e nós como utilizar – completou o senador Geraldo Mesquita Júnior (PMDB-AC), vice-presidente da comissão.
– Sou contra o país fazer experimentos. Não há segredos hoje sobre as pesquisas e a tecnologia desenvolvidos. Acho que o Brasil deve mostrar que sabe, mas não quer fazer a bomba atômica – diz Flávio Torres. O senador cearense considera ridículo o questionamento feito pela AIEA sobre a pesquisa de Barroso. – O Brasil não pode se intimidar diante desse tipo de pressão.
Cláusula pétrea da Constituição proíbe arma
Luiz Orlando Carneiro, Jornal do Brasil
BRASÍLIA - Mesmo que o governo brasileiro pretendesse usar a tecnologia desenvolvida na fábrica de enriquecimento de urânio das Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), situada em Resende (RJ), para a produção de armas nucleares, como ogivas, haveria vedação constitucional, em face do parágrafo 2º do artigo 5º (cláusula pétrea), segundo o qual “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. O Brasil é signatário do Tratado sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), e submetido ao controle da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto ao enunciado do dispositivo constitucional é pacífica, embora, até agora, nunca tenha sido provocado sobre os limites das inspeções da AIEA – questão que gerou polêmica, em 2004, quando do início das atividades da fábrica de enriquecimento de urânio de Resende. O governo brasileiro negava-se a permitir a “inspeção visual” das centrifugas da unidade da INB, sob a alegação de que era necessária a proteção da tecnologia nacional. Na época, a revista Science publicou um artigo sobre o programa nuclear do Brasil, no qual se afirmava que a fábrica de Resende era capaz de produzir, no futuro, combustível para até seis ogivas por ano.
No Supremo
O único julgamento realizado no plenário do STF sobre assunto nuclear foi uma ação de inconstitucionalidade (Adin 329) ajuizada pelo Ministério Público Federal, ainda na década de 90, contra dispositivo da Constituição estadual de Santa Catarina que previa a possibilidade de instalação de usinas para a produção de energia nuclear naquele estado, na dependência do atendimento às condições ambientais e urbanísticas exigidas em lei e de autorização prévia da Assembléia Legislativa ratificada por plebiscito.
Por unanimidade, em abril de 2004, na linha do voto da ministra Ellen Gracie (relatora), o Supremo derrubou a lei estadual, com base, principalmente, no artigo 21 da Constituição, que dá à União competência para “explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer o monopólio estatal sobre a pesquisa, lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: toda atividade nuclear em território nacional será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional; é autorizada a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos medicinais, agrícolas, industriais e atividades análogas; a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”.
O dilema da bomba atômica
Editorial, Jornal do Brasil
RIO - A revelação, feita pelo Jornal do Brasil, de que o país já domina a tecnologia da bomba atômica põe a nação diante de um dilema. O que fazer com este conhecimento? Guardá-lo por tempo indefinido e manter a tradição de um Brasil pacifista, ou desenvolvê-lo e alçar o país ao seleto grupo de potências nucleares?
A confirmação de que o Brasil já tem a tecnologia para construir a bomba atômica, publicada domingo em reportagem de Vasconcelo Quadros, é fruto de uma pesquisa do físico Dalton Girão Barroso, no Instituto Militar de Engenharia (IME) do Exército. Em sua tese de doutorado, Barroso elaborou cálculos e equações que lhe permitiram interpretar os modelos físicos e matemáticos de uma ogiva nuclear americana, a W-87, cujas informações eram sigilosas, mas vazaram acidentalmente. Sua tese, atualmente, está mantida em sigilo no IME. Mas a maior parte das descobertas foi publicada em livro, provocando nos bastidores um choque entre a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e o governo brasileiro.
Responsável por fiscalizar instalações nucleares no mundo inteiro, a AIEA, alegando que os dados revelados eram secretos, exigiu que o livro fosse recolhido e pediu explicações sobre os métodos de pesquisa de Barroso. A solicitação abriu uma crise entre os ministros das Relações Exteriores, Celso Amorim, que pretendia atendê-la em parte, e da Defesa, Nelson Jobim, que a negou, argumentando que seria censura a uma obra acadêmica.
Longe de representar uma ameaça à segurança internacional, a façanha do físico brasileiro foi obtida legitimamente, com seu esforço intelectual. Dalton criou um programa de computador que decifrou informações sobre a ogiva W-37, vazadas em 1999 por uma reportagem da revista americana Insight Magazine.
É natural a preocupação da AIEA em evitar que terroristas internacionais tenham acesso à tecnologia nuclear. Mas o achado brasileiro foi obtido dentro de um dos institutos de pesquisa mais respeitados do país, subordinado ao Exército.
Ainda que pesem restrições, previstas na Constituição, à construção de arsenal nuclear, o domínio da tecnologia deve ser considerado uma conquista importante. A geopolítica mundial tem se alterado. Não à toa, o governo acaba de fechar com a França um megaacordo militar para reequipar as Forças Armadas.
Nesse contexto, dominar a tecnologia da bomba atômica, como forma de dissuasão a ameaças externas, é uma opção válida e que não vai contra necessariamente ao espírito pacifista do brasileiro. Em enquete realizada pelo JB Online, 81,25% dos leitores consideraram importante o Brasil saber fazer a bomba atômica.
Agora, está adiante a decisão de se criar ou não um programa nuclear brasileiro para fins não pacifistas. Cabe ao país responder à indagação se o programa deve ser encarado, sem receios de se enfrentar o monopólio das grandes nações, consagrado no Tratado de Não Proliferação Nuclear.
Nesse sentido, é bem-vinda a convocação do pesquisador e dos ministros Nelson Jobim e Celso Amorim, feita acertadamente pelo senador Eduardo Azeredo. Eles ajudarão a explicar, no Congresso, como o Brasil chegou e o que fazer com esse conhecimento. Esse deve ser o ponto de partida para uma ampla e aprofundada discussão que envolva toda a sociedade.
Coisas da Política
Mauro Santayana
A tese de Girão e o nosso direito
É estranho que o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Eduardo Azeredo, e os que o apoiam nessa iniciativa, queiram interpelar o governo sobre a tese acadêmica do físico Dalton Girão Barroso, relativa à construção de artefato atômico. Trata-se de assunto restrito à escolha de um estudioso, à sua inteligência e liberdade. Qualquer um de nós, dispondo dos exigidos instrumentos intelectuais, pode desenvolver tese sobre qualquer tema, seja ele a física atômica ou o comportamento taciturno de alguns escorpiões, como fez o entomologista Jean Henri Fabre. Todos – os indivíduos e as nações – têm direito a todo conhecimento. O homem foi desvendando os mecanismos naturais da machina mundi muito antes que Demócrito e outros se aventurassem a pensar na arquitetura da natureza; antes que Epicuro redigisse o seu tratado Peri Physeos. Quando Demócrito imaginou o menor dos componentes do universo – e ele só podia ter imaginado o grão de matéria impossível de ser partido, daí chamá-lo átomo – lançou o desafio à mente humana de devassá-lo, de quebrá-lo, saber de que era feito. O homem levou 23 séculos para chegar àquela assustadora madrugada de 16 de julho de 1945, em Alamogordo, quando explodiu a primeira bomba. De quem deveria ser o monopólio sobre esse conhecimento? Dos físicos de várias nacionalidades, reunidos pelo governo norte-americano, a conselho de Einstein, para a execução do Projeto Manhattan? Dos Estados Unidos que financiaram – em seu esforço de guerra – a construção da bomba-A? Dos gregos, que, com sua especulação teórica e sua geometria, abriram o caminho para a ciência moderna? O direito ao conhecimento é universal, porque o conhecimento adquirido é da Humanidade, embora procurem impedir que a maioria dos povos a ele tenham acesso.
Não é a tese do físico Dalton Girão Barroso que nos permite fazer a bomba. Ele apenas demonstrou a engenharia de uma ogiva atômica em particular. Não foi necessário que tivesse, em mãos, o desenho do artefato. Tal como Einstein elaborara a sua teoria da relatividade, o físico fez apenas cálculos, a partir da cápsula da ogiva para chegar ao conteúdo e ao mecanismo da detonação. É impossível impedir a quem quer que seja de pensar, de usar de sua preparação intelectual, a fim de investigar qualquer fenômeno, seja ele físico, ou não. Dalton realizou uma tese acadêmica e a divulgou, como qualquer estudioso faz.
Ao Brasil não interessa, no momento, produzir a bomba, mesmo porque se trata mais de uma arma de ataque do que de defesa. Como bem lembrou Stalin, não é a destruição de um país que assegura a vitória política sobre seu povo. O que decide uma guerra é a ocupação, o pé do soldado sobre o território pretendido. E, conforme Mao, a conquista de sua mente. A grande arma de defesa do Brasil é o seu território. Mas, se não interessa produzir a bomba, saber como construí-la rapidamente, para o caso de necessidade extrema, é nosso dever. A posse da arma mais poderosa sempre foi instrumento de dissuasão. O Brasil não se comprometeu, nos foros internacionais, a selar a inteligência de seus pesquisadores, a renunciar ao conhecimento. O Brasil – e contra a opinião de muitos patriotas, que não queriam isso – comprometeu-se apenas em não desenvolver armas nucleares. Todos nós somos impedidos, pela consciência, pelos mandamentos religiosos e pelo Código Penal, de matar, mas ninguém nos pode proibir de saber como manejar o revólver em caso de legítima defesa.
A quebra do segredo atômico, primeiro pelos soviéticos e, mais tarde, pela China, impediu que uma terceira bomba – além das detonadas sobre Hiroshima e Nagasáki – viesse a assassinar inocentes em massa nos países “inimigos”. Pensando dessa forma, fora legítima a decisão norte-americana de desenvolver a arma, a partir da informação de que os alemães estavam a ponto de construí-la. Mas não foi legítima a decisão de testá-la sobre seres humanos inermes em duas cidades abertas de um país militarmente derrotado.
Temos, sim, que aprofundar as nossas pesquisas sobre todos os campos do conhecimento, entre eles o da física atômica. Entende-se que alguns senadores estejam querendo discutir tudo – até mesmo as atas do Concílio de Bizâncio, sobre a anatomia genital dos anjos – porque lhes interessa desviar a atenção da opinião pública de seus atos, dentro e fora da Câmara Alta.
"A reconquista da soberania perdida não restabelece o status quo."
Barão do Rio Branco