Meus prezados:
Tudo Azul: os bastidores do desenvolvimento de nome e marca da Azul Linhas Aéreas Brasileiras.
"Love at First Flight." Esse seria um belo título para raduzir o primeiro encontro com David Neeleman e com dois dos principais executivo da até então "Air Brasil" (futura Azul), Trey Urbahn e Gerald Lee. Uma semana antes do carnaval, fomos apresentados por um amigo em comum. O que era para ser uma apresentação formal das capacidades do Jetgroup, empresa de marketing de aviação que dirijo (e que, entre outras coisas, edita o Jetsite) transformou-se numa primeira reunião de trabalho. Em meia hora, Trey abriu seu laptop e começou a mostrar detalhes dos planos de negócio da empresa, ainda sem nome e sem marca, para entrar no difícil mercado brasileiro.
Fiquei entusiasmado, encantado com o que vi. Não faria nada diferente. Tive certeza, ali naquela hora, que mais do que oferecer os serviços do Jetgroup, gostaria mesmo de me juntar ao time e ajudar a construir a mais nova empresa aérea do Brasil. O encontro alongou-se. Mais de duas horas depois, com o mesmo desembaraço com que haviam me apresentado o ultra-confidencial "Business Plan" da empresa, resolvi dar o troco. Disse para eles: "Senhores, já tenho uma proposta de nome e identidade visual para a empresa. Venham comigo."
Fomos ao meu escritório e puxei um trabalho que tinha feito já há mais de dois anos, quando trabalhava na agência DM9DDB, que à época tentava conquistar a conta da CVC. Na ocasião, fiquei de apresentar à Gustavo Paulus, filho do fundador do grupo, Guilherme Paulus, um projeto de identidade para uma empresa que a CVC planejava abrir. Minha sugestão de nome? Samba.
Na verdade, esse nome vem de muito antes. De 1996, para ser exato. Nesse ano, apresentei ao comandante Omar Fontana, na Transbrasil, uma proposta de criar uma divisão de serviços domésticos "Low-Cost Low-Fare" para a Transbrasil. O nome então sugerido foi esse mesmo, Samba. Até mesmo uma imagem corporativa foi apresentada.
Embora os Paulus tivessem mesmo a intenção de criar uma empresa aérea, esse plano não foi adiante. Eles optaram por um caminho mais rápido: assumiram o controle acioneario da Webjet e, pelo visto, vão muito bem, obrigado. No entanto, o trabalho de branding da "Samba" na gestão CVC não chegou a ser apresentado ao Gustavo, que meses depois abriu uma agência própria, a G7. Portanto, o trabalho era ainda material inédito, que só eu conhecia. Desta forma, fiquei à vontade para mostrar os layouts a Trey e Gerald. Eles viram o primeiro desenho e disseram praticamente em uníssono: Uau!
A reunião alongou-se e virou almoço. Ao final da refeição, Gerald me disse: "Não sei como, mas nós precisamos trabalhar juntos." Eu simplesmente respondi: "Mas nós já estamos trabalhando juntos!"
Nos dias seguintes, refinei visualmente os conceitos, adaptando os designs iniciais para emprego em aeronaves Embraer 195. Começamos também a trabalhar em nomes, em outras imagens, em logomarcas distintas. O processo começou sem que tivéssemos assinado um papel, discutido uma proposta comercial, acertado qualquer tipo de remuneração ou compensação. Coisa de gente apaixonada.
Dias depois, conheci David Neeleman, que me entrevistou imediatamente. Para mim, foi um desses momentos marcantes da vida, um ponto de inflexão da curva que o destino tem traçado. Ficou evidente, na hora, que iríamos trabalhar juntos. Imagine o que isso representou para mim. Eue já ficaria satisfeito apenas em apertar a mão de David. #####íca ser contratado ali, no ato. Foi o maior reconhecimento profissional que tive na vida.
Difícil acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo. Mas o fato era um só: estava acontecendo. E rápido. Em semanas, teríamos que lançar a nova companhia e iniciar o processo de seleção de nomes. Trey então veio com a brilhante idéia de tornar o processo de escolha algo interativo. Daí para a criação do site
http://www.voceescolhe.com.br foi um pulo. Logo, estávamos montando as peças do quebra-cabeças de marketing, tratando de colocar em prática essa idéia. Com apoio da Agência Hello, de São Paulo, iniciamos esse trabalho.
Mas, voltando ao branding, nesse primeiro encontro com David, mostrei os primeiros 17 caminhos criativos, com sugestões de nomes, identidade visual e sua aplicação nas aeronaves. Foi também quando comecei a receber de David um briefing mais definitivo sobre o posicionamento de marca e imagem corporativa que ele desejava para sua mais nova empresa aérea. David foi claro. Ele queria uma imagem elegante, sóbria, sem nada que remetesse à uma imagem excessivamente colorida. Queria uma marca e nome que pudessem agradar a todos, sem gerar polêmicas, sem gerar controvérsias.
De toda forma, a logomarca que primeiro apresentei foi imediatamente aprovada por David. Ele olhou para o desenho e disse: "É isso que queríamos".
De volta às pranchetas, tratei de reestudar a aplicação de marca nas aeronaves, bem como seguir orientações pragmáticas de David. A principal: "Nada de muita cor nas aeronaves, sobretudo na parte superior da fuselagem. Ela tem que ser branca, para reduzir a temperatura a bordo e transmitir uma sensação de limpeza. Por falar nisso, pediu que, se possível, eu escolhesse um desenho que empregasse uma cor escura na parte inferior da fuselagem, de maneira a não evidenciar as inevitáveis manchas que o uso diário deixa nas aeronaves.
Voltei ao trabalho e uma semana depois, apresentei outros 22 desenhos. Até então, o nome "Samba" continuava como um dos prováveis, embora David sempre tivesse grandes dúvidas sobre o acerto na escolha desse nome. Ele dizia: "E se um vôo atrasar? O povo vai dizer que a viagem "sambou"! Contra-argumentei dizendo que existem nomes estranhos, como Virgin Atlantic, que é uma empresa espetacular, a despeito do nome ser no mínimo, curioso. David foi direto no ponto: "O nome não vai nos fazer, Panda. Nós é que vamos construir esse nome." Foi assim que ele resumiu sua visão sobre o tema.
Outro trabalho apareceu nessa fase, em meados de março. criar uma imagem de fantasia para a fase de lançamento da empresa e da ação "Você Escolhe". Essa foi fácil. Empreguei as cores nacionais e o resultado também agradou os executivos da empresa.
Lançamos a promoção no dia 28 e o sucesso foi imediato. Em questão de horas, já tínhamos milhares de nomes sugeridos pelo público. Muita coisa boa, muitos nomes realmente espetaculares. Entre os melhores, no entanto, muitos já se encontravam registrados. O processo então foi sendo feito na base da eliminação. No dia 14 de abril, anunciamos os 10 nomes finalistas, tomando o cuidado de registrar endereços na web para cada um deles. Também iniciamos os trabalhos de pesquisa visando obter informações sobre a possibilidade de registrar esses nomes.
Na medida que a votação ia evoluindo, três nomes começaram a despontar: Samba, Azul e Brasileira. De posse dessa informação, tratei de retrabalhar os layouts para obter desenhos e imagens que ficassem de acordo com essas opções. Com a votação encerrada, Samba sagrou-se vencedor, com estreita margem sobre Azul. Brasileira ficou perto, em terceiro lugar.
De volta ao Macintosh, o trabalho foi árduo. Os executivos da companhia dividiram-se. Eu por exemplo, preferia Samba. David logo optou por Azul. Havia ainda alguns que fechavam questão com Brasileira. Na noite de 1º de Maio, David telefonou dos Estados Unidos especificamente para falarmos do nome. A conversa levou mais de uma hora. Disse a ele que acreditava que Samba era mesmo um nome mais ousado, controvertido até, mas elenquei uma longa lista de razões pelas quais acreditava que era a melhor opção. David venceu com um argumento que para ele é sagrado em aviação. "Panda, lembre-se de que lhe disse que cinco coisas são importantes nesta nova empresa: segurança, segurança, segurança, segurança e segurança. Samba pode não promover uma imagem de empresa suficientemente séria, segura, comprometida com os mais altos valores de qualidade e eficiência operacional. Difícil ir contra esse argumento. Minha conclusão foi a seguinte: "David, eu só posso aceitar sua posição. Você tem um instinto nato, um faro sem igual para a construção de marcas e empresas vencedoras. Quem sou eu para duvidar disso? A empresa vai se chamar Azul."
E então, dei uma modesta contribuição: definir o nome official da companhia. Argumentei que precisávamos incluir Brasil na designação oficial da companhia. Sugeri ao David, no mesmo telefonema: "Azul - Linhas Aéreas Brasileiras S.A. E note, David, que o "Brasileiras" é empregado neste caso também como adjetivo."
A idéia foi aprovada no ato. A empresa agora tinha um nome: Azul Linhas Aéreas Brasileiras S.A. Só faltava afinar a identidade corporativa. Voltei para a prancheta, ou melhor, para o MacIntosh. Em dois dias, saiu do forno mais uma última rodada de aproximadamente 15 desenhos. O logotipo também foi reestudado, com sete famílias tipográficas entrando na lista final. Entre estes, desenhei um tipo manuscrito. Os outros seis eram famílias tipográficas clássicas. Somente o retrabalho do uso de cores levou dois dias inteiros, com múltiplas opções estudadas e descartadas.
Reta final
Nova apresentação ao grupo. Novas discussões, algumas acaloradas. O time dividiu-se em dois: os que queriam o tipo manuscrito e os da família helvética, entre os quais em mesmo me incluía. Novamente, pelo critério da construção de imagem de uma empresa sólida, segura, compromissada com eficiência e segurança, adotamos a família Helvética como nossa opção. O desenho final também foi escolhido em colegiado, com importantes contribuições de Trey Urbahn, ele mesmo um fanático pelo tema das imagens corporativas em aeronaves comerciais. A sugestão de incluir uma discreta faixa, fininha, entre a barriga azul das aeronaves, e o branco da faixa superior é uma contribuição direta de Trey. A idéia de variar a cor dessas faixas, empregando os 26 cores que representam o mapa do Brasil, também é dele. E, depois conversando um pouquinho sobre o tema, percebemos que foi uma maneira de prestar uma discreta homenagem tanto à JetBlue como à Transbrasil, duas empresas onde trabalhamos e que têm (ou tinham) em suas aeronaves sutis diferenças entre elas. E, que além disso, sempre primaram pela inovação e ousadia nas suas decisões de marketing, o que pretendemos fazer aqui na Azul.
Quanto ao desenho final da aeronave, uma vez escolhido o traço básico, final, era hora de retrabalhar a marca, acertando detalhes de seu posicionamento. Para tanto a Embraer forneceu as plantas técnicas da aeronave, mas nem isso foi suficiente. Uma visita técnica à fábrica fez-se necessária. Foi lá, in loco, que tiramos as últimas dúvidas, definimos detalhes, discutimos vários aspectos e pequenas características que acabariam por definir a aplicação final da logomarca nos esguios Embraer 195 que logo mais vão deixar nossos céus ainda mais azuis.
Fotos:
http://www.jetsite.com.br/2006/aviacao_mkt.asp
http://www.voceescolhe.com.br/home/Default.aspx
http://www.voeazul.com.br
Um abraço e até mais...