Re: CHAVEZ: de novo.
Enviado: Seg Fev 21, 2011 7:27 pm
Valor Econômico – 26/01/2011
O coronel Hugo Chávez Frías estava na prisão em 1992, após a fracassada tentativa de golpe de Estado que liderou na Venezuela, quando tomou gosto pela obra do sociólogo alemão Heinz Dieterich. Eram textos sobre Simón Bolívar, Manuela Sáenz, a libertação da América Latina e os conflitos na região – temas caros a Dieterich, radicado no México há mais de três décadas, como professor da Universidade Autônoma Metropolitana.
O alemão, que começou sua vida política agitando os estudantes e correndo da polícia nas ruas de Frankfurt, foi companheiro do ex-ministro Joschka Fischer e de Daniel Cohn-Bendit nas passeatas de 1968. Intelectual de esquerda, manteve sua veia revolucionária e cunhou o termo “socialismo do século XXI”, em um livro homônimo de 1996. Três anos mais tarde, já sentado no gabinete presidencial do Palácio de Miraflores, Chávez chamou o alemão para uma conversa e contou a ele ser um leitor habitual de sua obra.
Os dois se aproximaram e, segundo biógrafos do presidente venezuelano, Dieterich se transformou em uma espécie de guru de Chávez – responsável pelo aperfeiçoamento de sua formação política e por incutir ideias sobre como colocar em prática a “revolução bolivariana”. Por motivos jamais esclarecidos, Chávez e Dieterich se afastaram nos últimos anos. Não se sabe quando foi o último contato entre eles.
Questionado sobre isso, o alemão diz que prefere manter o assunto “de maneira confidencial”. É o único assunto que evita, em entrevista ao Valor, por email. Para o sociólogo, Chávez vive o momento mais difícil desde 2002 – quando o feitiço se inverteu e ele conseguiu resistir a um golpe frustrado – e corre risco real de perder as eleições presidenciais de 2012. “O que está em jogo é a sobrevivência de seu projeto político”, disse.
Contrariando a avaliação corrente, Dieterich acredita que Chávez está migrando para o centro, a fim de conquistar o eleitorado necessário para continuar no poder. “Vai fazer o contrário do que diz publicamente”, acredita o professor.
Valor: A Venezuela vem de dois anos seguidos de recessão na economia, a oposição teve excelente votação nas eleições legislativas de setembro e o governo voltou a desvalorizar a moeda na virada do ano. Este é o momento mais difícil nos 12 anos de “revolução bolivariana”?
Heinz Dieterich: Não, os momentos mais difíceis foram o golpe militar de 11 de abril de 2002 e o golpe petroleiro que o seguiu. No entanto, depois daquela crise, a conjuntura atual é a mais difícil que já enfrentou o presidente. O que está em jogo é a sobrevivência de seu projeto político.
Valor: Em um relatório recente, a Cepal mostrou que a Venezuela foi o país latino-americano onde a pobreza mais caiu entre 2002 e 2008. Mas a inflação continua rondando 30% e há falta de investimentos privados. Na sua opinião, o modelo venezuelano requer correções ou é o próprio modelo que está errado?
Dieterich: É necessário promover mudanças estruturais no modelo atual, que foi funcional durante o período pós-golpista de 2003 a 2007, mas que hoje em dia é insustentável, diante dos desequilíbrios que provoca.
Entre eles, menciono a alta taxa de inflação, o alto gasto corrente, o déficit fiscal, a baixa taxa de investimento, a falha em substituir importações, a extrema dependência do petróleo, a distorção da estrutura de preços entre bens e serviços importados e nacionais, a irreal paridade dólar/bolívar.
Esses desequilíbrios se devem em parte à política antigovernamental de setores do capital privado, mas em maior grau à ineficiência do governo na gestão macroeconômica e sua incompreensão sobre a necessária flexibilização do modelo, conforme a mudança das circunstâncias.
Valor: Quais foram os principais acertos do presidente Chávez nos últimos anos?
Dieterich: Entender rapidamente que a hegemonia unilateral de Washington havia chegado ao seu fim e construir uma política global correspondente. Ter superado a inércia e o medo das classes políticas e elites econômicas locais, particularmente no Brasil e na Argentina, para apoiar ou tolerar um projeto comum hemisférico. Do lado interno, ter consolidado seu apoio nas Forças Armadas e ter implementado uma política keynesiana, contra a hegemonia neoliberal do momento, que lhe assegurava o apoio das massas. Isto é, a tentativa de criar um Estado de bem-estar e de direito em condições do Terceiro Mundo.
Valor: E os principais erros?
Dieterich: O principal erro consistiu em não aceitar que a fase pós-golpista da política venezuelana terminou perto do fim de 2007 e que ele deve mudar o modelo de governança do período 2003-2007.
Não vejo nenhuma tentativa séria do presidente – Chávez – de transcender o capitalismo
Valor: Depois dos acontecimentos de 2002, a oposição não pôde desconstruir a imagem de golpista, durante muitos anos. O senhor considera que alguma coisa mudou na oposição venezuelana ou que tenha surgido alguma nova figura dissociada dos eventos de 2002?
Dieterich: Não se vê nenhuma evolução na oposição. O discurso, o ódio, o comportamento são os mesmos que em 2002, ainda que alguns tratem de ocultá-los. Mas, de fato, continuam sendo amantes do Consenso de Washington e do Império.
Não há evolução do projeto político, nem ideias frescas, nem figuras transcendentes emergentes neste momento.
Valor: Por que tantos aliados e amigos de Chávez – poderíamos mencionar desde o governador de Lara, Henry Falcón, e o ex-ministro da Defesa Raúl Baduel até o senhor mesmo – se afastaram tanto dele ao longo desses 12 anos?
Dieterich: São casos diferentes. O general Raúl Baduel [hoje preso] pedia, a partir do centro, um projeto de governo transparente, explicado racionalmente, por exemplo no que diz respeito ao socialismo do século XXI. A aliança com ele era possível, mas a direita da classe política bolivariana queria excluí-lo porque ele não era servil com o poder. Além disso, ele era, depois de Chávez, o homem mais popular do bolivarianismo porque salvou a revolução durante o golpe de Estado.
Henry Falcón [hoje dirigente do partido oposicionista Pátria para Todos, formado majoritariamente por ex-chavistas] pedia o mesmo, a partir da centro-esquerda, e, além disso, uma condução coletiva do processo. Novamente, Chávez negou os dois pleitos. Insistia na “lealdade incondicional” dos chavistas diante do “líder”. Perderam-se, então, alianças importantes e possíveis como o centro e a centro-esquerda do espectro político venezuelano.
Eu me afastei a partir da esquerda, porque não vejo nenhuma tentativa séria do presidente de transcender o capitalismo, além do perigo de que uma condução unipessoal possa destruir o processo.
Valor: O senhor considera que há um risco real de derrota de Chávez nas eleições presidenciais de 2012?
Dieterich: Falta muito tempo, mas agora eu diria que sim, que há razões estruturais que poderiam levar ao empate ou à perda do poder eleitoral do presidente. Chávez se deu conta desse perigo e se deslocará em direção ao centro, como mostram suas últimas medidas. Isto é, vai fazer o contrário do que diz publicamente: não vai “radicalizar” o processo de forma revolucionária, mas aproximar-se mais da burguesia. Será semelhante às mudanças entre o primeiro e o segundo governo de Perón.
Valor: A que medidas o senhor se refere?
Dieterich: O veto à lei de reforma universitária, a oferta à oposição de retirar a Lei Habilitante em cinco meses, mesmo tendo-a autorizada por 18 meses, o cancelamento do aumento do IVA, a nova desvalorização do bolívar, o desalojamento de fazendas militarizadas no sul do Estado de Zulia, o congelamento contínuo de Eduardo Samán [ex-ministro do Comércio e militante radical do PSUV] a ausência total de iniciativas reais para iniciar o socialismo do século XXI e a moderação retórica perante o governo americano.
Valor: Se tivesse a oportunidade de dar a Chávez um único conselho, com a certeza de que ele o seguiria, o que diria?
Dieterich: Conduza a economia de mercado como se deve conduzi-la – respeitando que é um sistema complexo de retroalimentação – e comece a construir as instituições da democracia real, as instituições do socialismo democrático do século XXI.
Daniel Rittner | De Buenos Aires
O coronel Hugo Chávez Frías estava na prisão em 1992, após a fracassada tentativa de golpe de Estado que liderou na Venezuela, quando tomou gosto pela obra do sociólogo alemão Heinz Dieterich. Eram textos sobre Simón Bolívar, Manuela Sáenz, a libertação da América Latina e os conflitos na região – temas caros a Dieterich, radicado no México há mais de três décadas, como professor da Universidade Autônoma Metropolitana.
O alemão, que começou sua vida política agitando os estudantes e correndo da polícia nas ruas de Frankfurt, foi companheiro do ex-ministro Joschka Fischer e de Daniel Cohn-Bendit nas passeatas de 1968. Intelectual de esquerda, manteve sua veia revolucionária e cunhou o termo “socialismo do século XXI”, em um livro homônimo de 1996. Três anos mais tarde, já sentado no gabinete presidencial do Palácio de Miraflores, Chávez chamou o alemão para uma conversa e contou a ele ser um leitor habitual de sua obra.
Os dois se aproximaram e, segundo biógrafos do presidente venezuelano, Dieterich se transformou em uma espécie de guru de Chávez – responsável pelo aperfeiçoamento de sua formação política e por incutir ideias sobre como colocar em prática a “revolução bolivariana”. Por motivos jamais esclarecidos, Chávez e Dieterich se afastaram nos últimos anos. Não se sabe quando foi o último contato entre eles.
Questionado sobre isso, o alemão diz que prefere manter o assunto “de maneira confidencial”. É o único assunto que evita, em entrevista ao Valor, por email. Para o sociólogo, Chávez vive o momento mais difícil desde 2002 – quando o feitiço se inverteu e ele conseguiu resistir a um golpe frustrado – e corre risco real de perder as eleições presidenciais de 2012. “O que está em jogo é a sobrevivência de seu projeto político”, disse.
Contrariando a avaliação corrente, Dieterich acredita que Chávez está migrando para o centro, a fim de conquistar o eleitorado necessário para continuar no poder. “Vai fazer o contrário do que diz publicamente”, acredita o professor.
Valor: A Venezuela vem de dois anos seguidos de recessão na economia, a oposição teve excelente votação nas eleições legislativas de setembro e o governo voltou a desvalorizar a moeda na virada do ano. Este é o momento mais difícil nos 12 anos de “revolução bolivariana”?
Heinz Dieterich: Não, os momentos mais difíceis foram o golpe militar de 11 de abril de 2002 e o golpe petroleiro que o seguiu. No entanto, depois daquela crise, a conjuntura atual é a mais difícil que já enfrentou o presidente. O que está em jogo é a sobrevivência de seu projeto político.
Valor: Em um relatório recente, a Cepal mostrou que a Venezuela foi o país latino-americano onde a pobreza mais caiu entre 2002 e 2008. Mas a inflação continua rondando 30% e há falta de investimentos privados. Na sua opinião, o modelo venezuelano requer correções ou é o próprio modelo que está errado?
Dieterich: É necessário promover mudanças estruturais no modelo atual, que foi funcional durante o período pós-golpista de 2003 a 2007, mas que hoje em dia é insustentável, diante dos desequilíbrios que provoca.
Entre eles, menciono a alta taxa de inflação, o alto gasto corrente, o déficit fiscal, a baixa taxa de investimento, a falha em substituir importações, a extrema dependência do petróleo, a distorção da estrutura de preços entre bens e serviços importados e nacionais, a irreal paridade dólar/bolívar.
Esses desequilíbrios se devem em parte à política antigovernamental de setores do capital privado, mas em maior grau à ineficiência do governo na gestão macroeconômica e sua incompreensão sobre a necessária flexibilização do modelo, conforme a mudança das circunstâncias.
Valor: Quais foram os principais acertos do presidente Chávez nos últimos anos?
Dieterich: Entender rapidamente que a hegemonia unilateral de Washington havia chegado ao seu fim e construir uma política global correspondente. Ter superado a inércia e o medo das classes políticas e elites econômicas locais, particularmente no Brasil e na Argentina, para apoiar ou tolerar um projeto comum hemisférico. Do lado interno, ter consolidado seu apoio nas Forças Armadas e ter implementado uma política keynesiana, contra a hegemonia neoliberal do momento, que lhe assegurava o apoio das massas. Isto é, a tentativa de criar um Estado de bem-estar e de direito em condições do Terceiro Mundo.
Valor: E os principais erros?
Dieterich: O principal erro consistiu em não aceitar que a fase pós-golpista da política venezuelana terminou perto do fim de 2007 e que ele deve mudar o modelo de governança do período 2003-2007.
Não vejo nenhuma tentativa séria do presidente – Chávez – de transcender o capitalismo
Valor: Depois dos acontecimentos de 2002, a oposição não pôde desconstruir a imagem de golpista, durante muitos anos. O senhor considera que alguma coisa mudou na oposição venezuelana ou que tenha surgido alguma nova figura dissociada dos eventos de 2002?
Dieterich: Não se vê nenhuma evolução na oposição. O discurso, o ódio, o comportamento são os mesmos que em 2002, ainda que alguns tratem de ocultá-los. Mas, de fato, continuam sendo amantes do Consenso de Washington e do Império.
Não há evolução do projeto político, nem ideias frescas, nem figuras transcendentes emergentes neste momento.
Valor: Por que tantos aliados e amigos de Chávez – poderíamos mencionar desde o governador de Lara, Henry Falcón, e o ex-ministro da Defesa Raúl Baduel até o senhor mesmo – se afastaram tanto dele ao longo desses 12 anos?
Dieterich: São casos diferentes. O general Raúl Baduel [hoje preso] pedia, a partir do centro, um projeto de governo transparente, explicado racionalmente, por exemplo no que diz respeito ao socialismo do século XXI. A aliança com ele era possível, mas a direita da classe política bolivariana queria excluí-lo porque ele não era servil com o poder. Além disso, ele era, depois de Chávez, o homem mais popular do bolivarianismo porque salvou a revolução durante o golpe de Estado.
Henry Falcón [hoje dirigente do partido oposicionista Pátria para Todos, formado majoritariamente por ex-chavistas] pedia o mesmo, a partir da centro-esquerda, e, além disso, uma condução coletiva do processo. Novamente, Chávez negou os dois pleitos. Insistia na “lealdade incondicional” dos chavistas diante do “líder”. Perderam-se, então, alianças importantes e possíveis como o centro e a centro-esquerda do espectro político venezuelano.
Eu me afastei a partir da esquerda, porque não vejo nenhuma tentativa séria do presidente de transcender o capitalismo, além do perigo de que uma condução unipessoal possa destruir o processo.
Valor: O senhor considera que há um risco real de derrota de Chávez nas eleições presidenciais de 2012?
Dieterich: Falta muito tempo, mas agora eu diria que sim, que há razões estruturais que poderiam levar ao empate ou à perda do poder eleitoral do presidente. Chávez se deu conta desse perigo e se deslocará em direção ao centro, como mostram suas últimas medidas. Isto é, vai fazer o contrário do que diz publicamente: não vai “radicalizar” o processo de forma revolucionária, mas aproximar-se mais da burguesia. Será semelhante às mudanças entre o primeiro e o segundo governo de Perón.
Valor: A que medidas o senhor se refere?
Dieterich: O veto à lei de reforma universitária, a oferta à oposição de retirar a Lei Habilitante em cinco meses, mesmo tendo-a autorizada por 18 meses, o cancelamento do aumento do IVA, a nova desvalorização do bolívar, o desalojamento de fazendas militarizadas no sul do Estado de Zulia, o congelamento contínuo de Eduardo Samán [ex-ministro do Comércio e militante radical do PSUV] a ausência total de iniciativas reais para iniciar o socialismo do século XXI e a moderação retórica perante o governo americano.
Valor: Se tivesse a oportunidade de dar a Chávez um único conselho, com a certeza de que ele o seguiria, o que diria?
Dieterich: Conduza a economia de mercado como se deve conduzi-la – respeitando que é um sistema complexo de retroalimentação – e comece a construir as instituições da democracia real, as instituições do socialismo democrático do século XXI.
Daniel Rittner | De Buenos Aires