Uma cidade dentro de Almada: Alfeite faz 100 anos
15:00 por Raquel Lito 0
Antes da implantação da República era o refúgio da família real. Em 1918, passou para a Junta Autónoma do Arsenal do Alfeite e em 1958 a base naval. O porto seguro da Marinha tem várias histórias. Sabe de onde vem a expressão nas sete quintas?
Sempre que o monarca-oceanógrafo desembarcava de galeota (embarcação a remos) naquele cais, ficava radiante. Melhor dizendo, nas sete quintas. Em pleno século XIX, o rei D. Carlos tinha acesso a um refúgio na Margem Sul, do paço real e terrenos envolventes. Área de sonho: 300 hectares. Mais facilmente ia à Quinta Real do Alfeite, cujo palácio tinha sido construído em 1758, do que a Sintra de charrete. Ali, caçava ou ia à praia, entre Cacilhas e Seixal. Não podia ficar mais bem instalado – e a expressão "sete quintas" perdurou.
Actualmente, é uma cidade de marinheiros – Base Naval de Lisboa (BNL) – dentro de outra: Almada. Pelos portões da BNL, passam todos os dias 8.000 pessoas e 5.000 viaturas fazem 12 quilómetros de estradas. A infra-estrutura portuária conta com 2.500 metros de frente de cais, pontões, abastecimento de energia, água, combustível, recepção de esgotos. Um porto seguro, onde se fazem mil manobras de navios por ano, e que conta com um século de história. Foi comemorado recentemente, a 8 de Junho. "Nesta data inaugurámos o jardim renovado e denominado de D. Estefânia com o busto da rainha [mulher de D. Pedro V que mandou recuperar o Paço Real em 1849, numa obra projectada pelo arquitecto Possidónio da Silva]", diz à SÁBADO o comandante da BNL, Pedro Proença Mendes.
Fase de construção
Com a implantação da República em 1910 mudaram os destinos das sete quintas. A 8 de Junho de 1918, a casa de fim-de-semana da família real era entregue à Junta Autónoma do Arsenal do Alfeite pela Direcção-Geral da Fazenda Pública (o organismo de administração financeira, ministério das Finanças da altura). Num futuro a médio prazo seria criada uma base naval, uma vez que até então os barcos estavam amarrados a bóias (e apertados) em frente ao Terreiro do Paço.
A fase de construção, nas décadas de 20 e 30, nem sempre foi pacífica. Os trabalhadores da Junta Autónoma das Obras do Novo Arsenal, destacados para a empreitada, enviaram uma petição à tutela a 21 de Agosto de 1919. Temiam o desemprego. Na carta dactilografada, cuja cópia a SÁBADO teve acesso pelo arquivo histórico da Marinha, o pânico era evidente.
"(...) que não seja levado a efeito projectado despedimento de trezentos e tantos operários que vieram para aqui mandados pelo Ministério do Trabalho numa ocasião de tremenda crise de trabalho, o que viria a afectar todos os operários porque, sendo nós aqui todos amigos, o nosso desgosto cairia em nossos coraçãoes por vermos lançados à margem camaradas nossos dignos da mais alta consideração e estima."
Vizinha da South Bay
A BNL foi oficialmente criada em 1958, com as funções de apoiar "do ponto de vista logístico, as unidades navais baseadas no porto de Lisboa; bem como para desempenhar as funções da então extinta Intendência de Marinha do Alfeite – onde se incluía a manutenção de todas as instalações da armada do Alfeite que não estivessem a cargo de outras entidades", explica o mesmo responsável.
De forma contínua, a cidade das unidades operacionais da Marinha tem sido adaptada às circunstâncias (por exemplo, é possível monitorizar os sistemas a bordo através da tele-manutenção em terra). Mas há uma divisa que nunca muda: inscrita no brasão, em latim, diz que os navios colherão os seus frutos ("carpent tua poma naves"). "Vem desde a sua criação, guiando a acção discreta, mas determinante, das suas guarnições, fiéis à nobre missão de prestar apoio logístico às unidades navais", invoca o comandante.
Em breve, vão ter nova vizinhança: a Lisbon South Bay, mais um empreendimento de luxo e bandeira da requalificação de três áreas ribeirinhas (a Cidade da Água, em Almada; o Parque Empresarial do Barreiro e o Parque Empresarial do Seixal). O comandante ressalva: "É mesmo contíguo. Ajustamos com os municípios que as construções vizinhas não prejudiquem o bom uso das instalações."
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