Seria interessante relembrar como a historiografia soviética tratava deste assunto, nos anos de ouro da “Ditadura do Proletariado”, quando o Muro de Berlim estava firme e forte. Ah, a historiografia soviética! Tão encantadora...
“A actividade dos historiadores reaccionários destinada a reabilitar os crimes do fascismo deve ser encarada no contexto da preparação de uma nova guerra contra a União Soviética e contra todas as forças revolucionárias da actualidade, dos planos concretos da sua condução, orientados para o extermínio de dezenas e centenas de milhões de pessoas. As armas dos falsificadores são também aqui a falsificação e a provocação, organizadas com a participação da CIA e de outros centros de subversão.
São características as especulações de há muitos anos da propaganda reaccionária em torno do “caso de Katik” [Katyn], as tentativas de acusar os “órgãos soviéticos do CPAI” (Comissariado do Povo dos Assuntos Internos) [NKVD] da morte de 11000 oficiais polacos, brutalmente exterminados pelos hitlerianos no Outono de 1941 na floresta de Katik 1,nas proximidades de Smolensk.
A história dessas especulações é extremamente digna de nota. Elas são tomadas de um documento falso difundido pelo departamente de Goebbels na Primavera de 1943, no limiar da libertação de Smolensk pelo exército soviético e do inevitável desmascaramento dos fanáticos fascistas como culpados de mais um crime cometido por eles – o assassínio em massa de prisioneiros de guerra polacos. “Os caluniadores de Goebbels” dizia-se num comunicado oficial soviético publicado em 16 de abril de 1943, “têm difundido nos últimos dois-três dias torpes invenções caluniosas acerca de um pretenso fuzilamento em massa de oficiais polacos por órgãos soviéticos, que teria tido lugar na Primavera de 1940 na região de Smolensk [...] Os comunicados fascistas alemães a este propósito não deixam qualquer dúvida acerca do destino trágico de antigos militares polacos que, em 1941, se encontravam na região a oeste de Smolensk em trabalhos de construção e que caíram, juntamente com muitos soviéticos habitantes da região de Smolensk, nas mãos dos carrascos fascistas alemães [...] Os assassinos fascistas alemães [...] que na própria Polônia fuzilaram centenas de milhares de cidadãos polacos não conseguirão enganar ninguém com as sua vis mentiras e calúnias [...]”
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I. V. Stáline escreveu a W. Churchill e F. Roosevelt: “A circunstância de que a campanha hostil contra a União Soviética tenha sido iniciada ao mesmo tempo na imprensa alemã e polaca, essa circunstância não deixa dúvidas de que entre o inimigo dos aliados, Hitler, e o governo do Sr. Sikorski há contactos e acordo na condução dessa campanha hostil.” As acções anti-soviéticas do governo polaco emigarado em Londres forçaram a URSS a romper relações com ele.
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Imediatamente depois da libertação de Smolensk pelo exército soviético, em setembro de 1943, uma comissão especial, cirado pelo governo soviético, ocupou-se da investigaçãos sobre as circunstâncias do fuzilamento, pelos invasores fascistas alemãs, dos prisioneiros de guerra polacos na floresta de Katik. Dessa comissão faziam parte destacados especialistas em medicina legal e representantes da opinião pública, entre os quais o acadêmico N. N. Burdenko, o comissário do povo da Instrução acadêmico V. P. Potiomkine, o escritor Alexei Tolstoi, o metropolita de Moscovo Nikolai e outros.
“De todos os materiais à disposição da comissão especial”, indica-se nos resultados da investigação por ela publicados, “concretamente: as declarações das mais de cem testemunhas interrogadas, os dados da peritagem médico-legal, os documentos e provas materiais extraídos dos túmulos do bosque de Katik, decorrem com uma clareza irrefutável as seguintes conclusões:
“[...] 5. Com os dados da peritagem médico-legal estabelece-se indubitavelmente:
“[...] a) data do fuzilamento: Outono de 1941;
b) a utilização pelos carrascos alemães, no fuzilamento dos prisioneiros de guerra polacos, do mesmo meio, tiro de pistola na nuca, que foi por eles usado nos assassínios em massa de cidadãos soviéticos noutras cidades, nomeadamente em Orel, Voronej, Krassnodar e na própria Smolensk [...]
“7. As conclusões das declarações das testemunhas e da peritagem médico-legal, sobre o fuzilamento pelos alemães dos prisioneiros de guerrra polacos no Outono de 1941, são inteiramente confirmadas pelas provas materiais e documentos extraídos dos túmulos de Katik.
8. Ao fuzilar os prisioneiros militares polacos no bosque de Katik, os invasores fascistas alemães aplicaram conseqüentemente a sua política de eliminação física dos povos eslavos.”
Em 15 de janeiro de 1944, um grande grupo de jornalistas ocidentais, ente os quais se encontrava o correspondente do jornal inglês Sunday Times A. Werth, posteriormente destacado historiador, visitou o local do crime dos nazis na floresta de Katik. Expondo pormenorizadamente o seu ponto de vista sobre as relações soviético-polacas durante os anos da guerra, A. Werth, referindo-se ao “caso Katik”, sublinhou designadamente que “[...] os polacos foram mortos por balas alemãs, facto que, a julgar pelo seu diário, preocupou fortemente Goebbels”.2
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Apesar disso, pelos esforços do Departamento de Estado dos EUA e de diversos centros de diversão anticomunistas que actuam no Ocidente, a versão de Goebbels sobre os acontecimentos da floresta de Katik foi ressuscitada com objectivos hostis ao socialismo e orientada no sentido de minar as relações fraternas entre a URSS e a Polónia socialista. Tomada como arma pelos líderes contra-revolucionários do “Solidariedade”, a mentira venenosa de Goebbels foi usada para provocar estados de espírito anti-soviéticos e antigovernamentais entre os polacos pouco conhecedores da história. Enquanto isso, o próprio facto da perpetração do crime pelos hitlerianos na floresta de Katik era inteiramente silenciado.
Mas as tentativas dos inimigos da amizade soviético-polaca para a prejudicar seriamente, incluindo as ignóbeis especulações sobre o trágico destino dos oficiais polacos extermiandos pelos hitlerianos, estão condenadas ao fracasso.
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Extraído de “A Verdade e a Mentira Sobre a Segunda Guerra Mundial” edições Avante, Lisboa, 1984 por E. Kulkov, O. Rjechevski e I. Tchelichev.
1 : Os poloneses foram assassinados a partir de abril de 1940.
2 : No livro de Alexander Werth (“A Rússia na Guerra: 1941-1945” publicado em 1964) o autor mostra os fatos, como os viu, em 1944, e como os analisava, na época da escrita do livro, vinte anos depois, com o máximo possível de imparcialidade: levantando os prós e os contras das duas versões, a alemã e a soviética. Mas, pelo menos do meu ponto de vista, ele dá a entender que acreditava mesmo que tinham sido os soviéticos os responsáveis pelos crimes. Sobre as balas de fabricação alemã, oriundas de armas de fabricação alemã, sessenta anos depois, ficamos sabendo que se deveram a duas razões: a primeira, técnica, o principal chefe (e executor pessoal, aliás, um dos homens que mais matou gente, com as próprias mãos, na história da humanidade), considerava que as pistolas de fabricação soviéticas eram frágeis demais para uma atividade tão prolongada quanto disparar, centenas e centenas de vezes, contra vítimas indefesas. E, usar armas alemãs ainda forneceria um bom álibi se alguma coisa desse errado e levasse investigações futuras.