Re: Transferência de Tecnologia
Enviado: Ter Set 15, 2009 9:23 pm
MERVAL PEREIRA
A indústria bélica
A questão do reaparelhamento das Forças Armadas, abordada nas colunas do fim de semana,
com base nos acordos já firmados com o governo da França para adquirir helicópteros e submarinos, e a
licitação dos novos caças, que parece estar definida a favor dos Rafale franceses - mas que continua
teoricamente em aberto para que os governos de Estados Unidos e Suécia possam melhorar suas
ofertas, especialmente no que se refere à transferência de tecnologia -, atraiu grande atenção dos
leitores. Utilizo a mensagem do engenheiro Eduardo Siqueira Brick, coordenador adjunto do Núcleo de
Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (Nest/UFF), especializado em Ciência,
Tecnologia e Informação (CT&I) e Indústria de Defesa, para representar a massa de comentários
recebida.
Hoje vou abordar aspectos da criação do complexo industrial-militar prevista na reformulação da
Estratégia Nacional de Defesa (END) que está sendo elaborada pelo Ministério da Defesa. A questão da
transferência de tecnologia fica para outra coluna.
Segundo Eduardo Brick, quando se trata da Base Industrial de Defesa (BID), existem cinco
componentes que apresentam aspectos distintos, mas que interagem com grande intensidade:
a) A infraestrutura industrial da defesa: empresas e organizações envolvidas no desenvolvimento
e fabricação de produtos de defesa.
Um ponto fundamental seria a definição do que é empresa brasileira para fins de defesa, pois,
segundo Brick, se a lei não mudar rapidamente, todas as empresas brasileiras existentes serão
adquiridas por grandes empresas estrangeiras.
Entretanto, para ele falta definir a parte mais importante: a existência de recursos no orçamento
de forma continuada para dar sustentação a essa indústria. "Já tivemos essa experiência no passado.
Desenvolvemos uma indústria de defesa, não muito sofisticada, que sobreviveu principalmente das
vendas para o exterior. O Brasil nunca garantiu a existência dessas empresas. Sem isso, todo o esforço
que agora está sendo feito será inútil".
b) A infraestrutura científico-tecnológica da defesa: universidades, centros de pesquisa e
empresas envolvidos na criação de conhecimentos científicos e tecnologias com aplicação em produtos
de defesa.
Ela deve englobar todo o complexo nacional, através de ações cooperativas, organização de
redes temáticas, utilização compartilhada de laboratórios e outros mecanismos de interação.
"A participação da indústria nesses arranjos deve ser mandatória, objetivando-se a aceleração do
processo de inovação", ressalta. Segundo Brick, este componente da BID ainda está muito incipiente,
"pois pouco ou quase nada tem sido feito, sendo citáveis apenas os editais Pro-defesa que têm
procurado incentivar essa participação de instituições civis na solução de problemas de defesa".
c) A infraestrutura de inteligência da defesa: instituições e pessoas envolvidas na coleta e análise
de informações existentes no exterior sobre conhecimentos científicos e inovações tecnológicas com
aplicação no desenvolvimento de produtos de defesa e em prospecção tecnológica com impacto em
defesa.
"Sua existência se justifica pela dinâmica da evolução tecnológica, a qual torna imprescindível
ser capaz de conhecer e/ou absorver a tecnologia atual para uso próprio, ou para criar contramedidas
apropriadas", analisa o engenheiro Eduardo Brick.
Adicionalmente, há que se ter capacidade de vislumbrar possíveis evoluções da tecnologia,
através da aplicação de métodos de prospecção e avaliação tecnológica. "É importante existir um
sistema de inteligência tecnológica para prospectar as tendências de evolução tecnológica mais
relevantes para a defesa, contornar o cerceamento tecnológico e proteger nossos ativos tecnológicos".
d) a infraestrutura de financiamento da defesa: instituições e recursos financeiros dedicados ao
financiamento de pesquisa científica e tecnológica e ao desenvolvimento de produtos com aplicação em
defesa e ao financiamento de vendas externas de produtos de defesa, "uma função vital para a saúde de
todo o sistema, que possui características tão específicas".
Sem financiamento governamental, diz Eduardo Brick, não há P&D para sustentar a inovação de
produtos de defesa. Sem inovação, "o sistema de defesa, rapidamente, fica obsoleto e incapaz de
enfrentar as novas ameaças que não cessam de evoluir".
A realidade, porém, é que o Brasil dedica pouquíssimos recursos para pesquisa de interesse
para defesa. Em 2006, o Brasil investiu apenas 0,6% dos recursos de pesquisa e desenvolvimento na
área de defesa. Em 2003, ano em que o Brasil investiu apenas 1,2%, os EUA investiram 56%, a Espanha
24%, a França 23% e a Coreia 13%.
O pouco investimento que existiu resultou em significativos avanços para aplicações civis, lembra
Eduardo Brick, que cita o exemplo da Embraer com o projeto do AMX, que permitiu o desenvolvimento
dos jatos regionais EMB 135, 145 e 190 que hoje dominam grande parte do mercado internacional,
gerando postos de trabalho de alta qualidade no Brasil e receitas de exportação.
Também o investimento da Marinha no ciclo de combustível nuclear garantiu o fornecimento
desse combustível para nossas usinas nucleares. "Os benefícios, estratégicos, financeiros e sociais
desses sucessos foram, sem sombra de dúvida, muitas ordens de grandeza superiores aos
investimentos feitos", comenta Brick.
e) o arcabouço regulatório da BID. Temas tais como regras para licitação, financiamento de P&D,
financiamento de exportações, tratamento fiscal diferenciado, entre outros, devem ser objeto de
documentos normativos específicos para a BID. Alguns desses assuntos estão sendo objeto de
propostas de legislação.
A indústria bélica
A questão do reaparelhamento das Forças Armadas, abordada nas colunas do fim de semana,
com base nos acordos já firmados com o governo da França para adquirir helicópteros e submarinos, e a
licitação dos novos caças, que parece estar definida a favor dos Rafale franceses - mas que continua
teoricamente em aberto para que os governos de Estados Unidos e Suécia possam melhorar suas
ofertas, especialmente no que se refere à transferência de tecnologia -, atraiu grande atenção dos
leitores. Utilizo a mensagem do engenheiro Eduardo Siqueira Brick, coordenador adjunto do Núcleo de
Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (Nest/UFF), especializado em Ciência,
Tecnologia e Informação (CT&I) e Indústria de Defesa, para representar a massa de comentários
recebida.
Hoje vou abordar aspectos da criação do complexo industrial-militar prevista na reformulação da
Estratégia Nacional de Defesa (END) que está sendo elaborada pelo Ministério da Defesa. A questão da
transferência de tecnologia fica para outra coluna.
Segundo Eduardo Brick, quando se trata da Base Industrial de Defesa (BID), existem cinco
componentes que apresentam aspectos distintos, mas que interagem com grande intensidade:
a) A infraestrutura industrial da defesa: empresas e organizações envolvidas no desenvolvimento
e fabricação de produtos de defesa.
Um ponto fundamental seria a definição do que é empresa brasileira para fins de defesa, pois,
segundo Brick, se a lei não mudar rapidamente, todas as empresas brasileiras existentes serão
adquiridas por grandes empresas estrangeiras.
Entretanto, para ele falta definir a parte mais importante: a existência de recursos no orçamento
de forma continuada para dar sustentação a essa indústria. "Já tivemos essa experiência no passado.
Desenvolvemos uma indústria de defesa, não muito sofisticada, que sobreviveu principalmente das
vendas para o exterior. O Brasil nunca garantiu a existência dessas empresas. Sem isso, todo o esforço
que agora está sendo feito será inútil".
b) A infraestrutura científico-tecnológica da defesa: universidades, centros de pesquisa e
empresas envolvidos na criação de conhecimentos científicos e tecnologias com aplicação em produtos
de defesa.
Ela deve englobar todo o complexo nacional, através de ações cooperativas, organização de
redes temáticas, utilização compartilhada de laboratórios e outros mecanismos de interação.
"A participação da indústria nesses arranjos deve ser mandatória, objetivando-se a aceleração do
processo de inovação", ressalta. Segundo Brick, este componente da BID ainda está muito incipiente,
"pois pouco ou quase nada tem sido feito, sendo citáveis apenas os editais Pro-defesa que têm
procurado incentivar essa participação de instituições civis na solução de problemas de defesa".
c) A infraestrutura de inteligência da defesa: instituições e pessoas envolvidas na coleta e análise
de informações existentes no exterior sobre conhecimentos científicos e inovações tecnológicas com
aplicação no desenvolvimento de produtos de defesa e em prospecção tecnológica com impacto em
defesa.
"Sua existência se justifica pela dinâmica da evolução tecnológica, a qual torna imprescindível
ser capaz de conhecer e/ou absorver a tecnologia atual para uso próprio, ou para criar contramedidas
apropriadas", analisa o engenheiro Eduardo Brick.
Adicionalmente, há que se ter capacidade de vislumbrar possíveis evoluções da tecnologia,
através da aplicação de métodos de prospecção e avaliação tecnológica. "É importante existir um
sistema de inteligência tecnológica para prospectar as tendências de evolução tecnológica mais
relevantes para a defesa, contornar o cerceamento tecnológico e proteger nossos ativos tecnológicos".
d) a infraestrutura de financiamento da defesa: instituições e recursos financeiros dedicados ao
financiamento de pesquisa científica e tecnológica e ao desenvolvimento de produtos com aplicação em
defesa e ao financiamento de vendas externas de produtos de defesa, "uma função vital para a saúde de
todo o sistema, que possui características tão específicas".
Sem financiamento governamental, diz Eduardo Brick, não há P&D para sustentar a inovação de
produtos de defesa. Sem inovação, "o sistema de defesa, rapidamente, fica obsoleto e incapaz de
enfrentar as novas ameaças que não cessam de evoluir".
A realidade, porém, é que o Brasil dedica pouquíssimos recursos para pesquisa de interesse
para defesa. Em 2006, o Brasil investiu apenas 0,6% dos recursos de pesquisa e desenvolvimento na
área de defesa. Em 2003, ano em que o Brasil investiu apenas 1,2%, os EUA investiram 56%, a Espanha
24%, a França 23% e a Coreia 13%.
O pouco investimento que existiu resultou em significativos avanços para aplicações civis, lembra
Eduardo Brick, que cita o exemplo da Embraer com o projeto do AMX, que permitiu o desenvolvimento
dos jatos regionais EMB 135, 145 e 190 que hoje dominam grande parte do mercado internacional,
gerando postos de trabalho de alta qualidade no Brasil e receitas de exportação.
Também o investimento da Marinha no ciclo de combustível nuclear garantiu o fornecimento
desse combustível para nossas usinas nucleares. "Os benefícios, estratégicos, financeiros e sociais
desses sucessos foram, sem sombra de dúvida, muitas ordens de grandeza superiores aos
investimentos feitos", comenta Brick.
e) o arcabouço regulatório da BID. Temas tais como regras para licitação, financiamento de P&D,
financiamento de exportações, tratamento fiscal diferenciado, entre outros, devem ser objeto de
documentos normativos específicos para a BID. Alguns desses assuntos estão sendo objeto de
propostas de legislação.