Um soco no vazio
Fonte:
http://www.istoedinheiro.com.br/noticia ... O+NO+VAZIO
Num movimento fora de hora e desconectado da realidade, a Standard & Poor's rebaixa a nota do Brasil e de grandes bancos nacionais. O mercado ignorou o ataque da agência de classificação de risco
Por Denize BACOCCINA e Cláudio GRADILONE
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Confira os bastidores da reportagem
Reunido na antessala do gabinete presidencial, no terceiro andar do Palácio do Planalto, em Brasília, o grupo de senhores engravatados aguardava apreensivo. Era perto de três horas da tarde da segunda-feira 24, e eles conversavam, discretamente, sobre qual poderia ser o assunto do encontro, marcado pela própria presidenta Dilma Rousseff, uma semana antes. Na agenda oficial, para não chamar a atenção, constava apenas uma reunião com o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal. Mas ele não fora sozinho e estava acompanhado dos presidentes das maiores instituições financeiras brasileiras.
Ao final de mais de três horas de reunião, foram informados, ainda no palácio, da notícia mais importante daquele dia: a agência americana Standard & Poor’s (S&P) havia rebaixado o rating soberano do Brasil, de BBB, com perspectiva negativa, para BBB-, com perspectiva estável, mantendo o grau de investimento. A informação já era conhecida desde o início da tarde pelo governo, que fora informado diretamente pela agência. Quando a receberam, os banqueiros reagiram com tranquilidade, lembrando que o mercado já esperava por essa decisão e havia ajustado o preço dos ativos. Eles estavam certos.
Nos dias subsequentes, a Bolsa de Valores de São Paulo subiu, o dólar caiu e o Tesouro Nacional captou recursos baratos no Exterior. Era a comprovação de que a S&P estava equivocada. O direto desferido contra o País transformou-se num soco no vazio. Se antes da reunião os banqueiros estavam apreensivos, foi com uma sensação de agradável surpresa que eles deixaram o Planalto. Como antecipara no início do encontro, a presidenta mais ouviu do que falou. Animada e receptiva, quis saber a opinião de cada um sobre a conjuntura econômica e as perspectivas para o futuro.
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Torcida unida: a partir da esquerda: Trabuco, do Bradesco, Portugal, da Febraban, e Setubal, do Itaú.
Os banqueiros disseram à presidenta Dilma que são sócios do Brasil e torcem pelo País
“Os bancos são sócios do Brasil e temos de torcer pelo País”, disse um dos banqueiros, logo no início da conversa, lembrando que as ações do governo se refletem nas instituições financeiras e que, por isso, todos estão do mesmo lado. A presença de Murilo Portugal na grande mesa de reuniões do palácio mostra uma mudança significativa na postura do governo em relação aos bancos. O presidente da Febraban, que já foi o número dois do Fundo Monetário Internacional e acaba de ser reconduzido ao cargo, não era recebido por Dilma havia quase dois anos, quando entrou em conflito com o governo, que pressionava pela redução das taxas de juros bancárias.
Agora, tudo mudou. Banqueiros e autoridades estão unidos no esforço de engavetar o julgamento, no STF, da correção da caderneta de poupança nos planos econômicos entre 1986 e 1990. Faziam parte da comitiva encabeçada pelo presidente da Febraban pesos-pesados do mercado financeiro, como os presidentes do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, do Bradesco, Luiz Trabuco, além de Carlos Alberto Vieira, conselheiro do banco Safra. Não faltaram CEOs de bancos estrangeiros, como Jesús Zabalza, do Santander, André Brandão, do HSBC, e Hélio Magalhães, do Citibank.
Estavam lá também os comandantes dos bancos públicos: Aldemir Bendine, presidente do Banco do Brasil, e Jorge Hereda, da Caixa, além de André Esteves, do BTG Pactual, e Manuel Felix Cintra Neto, presidente do Banco Indusval e da Associação Brasileira de Bancos Comerciais. Pelo lado do governo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, acompanhavam a presidenta Dilma. Na avaliação dos banqueiros, a reunião foi agradável e mostrou uma atitude bem diferente da que o governo vinha adotando até o ano passado. Houve apenas um momento tenso, quando Setubal questionou a política de preços de combustíveis da Petrobras, lembrando que esse é um dos motivos da insatisfação do mercado.
Mantega perguntou se eles preferiam uma política de preços controlados ou o impacto dos preços na inflação. Foi desautorizado por Dilma, que disse não ser preciso escolher entre as duas opções. Mantega, que três dias depois completaria oito anos no cargo e se tornaria o ministro da Fazenda mais longevo no posto, permaneceu em silêncio (leia destaque "Recorde de permanência"). O presidente do Itaú salientou que era melhor um reajuste correto da gasolina e usar outros mecanismos para segurar a inflação. O balanço da reunião, no entanto foi positivo. “Os investidores estão voltando e têm demonstrado interesse em investir no Brasil”, afirmou Esteves, do BTG Pactual.
Ao final do encontro, Dilma mostrou que estava mesmo disposta a estabelecer um diálogo de melhor qualidade, como vem sendo cobrado pelo setor produtivo. Olhou suas anotações e afirmou: “Então, a minha lição de casa é a questão da gasolina, a questão fiscal e que eu preciso ouvir mais o mercado.” Dilma retirou-se da sala e, em seguida, Tombini e Mantega deram a notícia do rebaixamento do Brasil aos banqueiros. De volta ao Ministério, Mantega divulgou uma nota oficial sustentando que a medida adotada pela S&P é “inconsistente” com as condições da economia brasileira.
“A mudança anunciada é contraditória com a solidez e os fundamentos do Brasil”, afirmou. No dia seguinte, além do rating soberano, também foram reduzidas as notas de empresas, como Petrobras, Samarco Mineração, Eletrobras, e as de mais 13 instituições financeiras, incluindo os cinco maiores bancos do País. “É um processo natural, tendo em vista a mudança do rating soberano”, diz a economista americana Lisa Schineller, diretora da Standard & Poor’s responsável pela classificação de risco brasileira. Ela justificou a decisão pela deterioração das contas fiscais, desde 2013, que poderia ser agravada pelos prognósticos de crescimento baixo para 2014 e também para 2015.
Segundo o extenso arrazoado divulgado pela agência ao anunciar a decisão, o rebaixamento da classificação de risco reflete uma combinação de vários fatores. Entre eles, o que seria uma “derrapagem fiscal”, as perspectivas de que a execução fiscal deverá ser comprometida devido ao fraco ritmo de crescimento econômico previsto para os próximos anos, uma capacidade reduzida do governo de realizar ajustes tendo em vista as eleições de outubro e alguma piora nas contas externas brasileiras.
A agência afirmou também que a deterioração da situação fiscal brasileira ao longo dos últimos anos inclui um crescimento no déficit público, decorrente da redução do superávit primário (que não considera o gasto com juros). “A maior necessidade de gastos públicos devido ao crescimento das despesas com energia elétrica também influenciou nessa decisão”, diz a economista, que saberia apenas no dia seguinte da arrecadação federal recorde de R$ 88 bilhões em fevereiro.
IMPACTO NULO No mercado, como os banqueiros haviam previsto, o impacto foi nulo. Na terça-feira 25, primeiro dia de negócios após o anúncio da S&P, o Índice Bovespa encerrou com alta de 0,39%. Até quinta-feira, subiria 3,5%. O dólar recuou para o menor patamar desde novembro de 2013: R$ 2,28. “Essa mudança era esperada e já vinha sendo precificada pelo mercado”, diz o economista e ex-diretor do BC Alexandre Schwartzman, crítico contumaz da condução econômica do governo. “Ela indica a preocupação da agência com a execução fiscal do Brasil, especialmente em um ano de eleição.” Para o economista-chefe do banco Safra, Carlos Kawall, a decisão da S&P não reflete a realidade do País nos últimos meses, mas o médio prazo.
“Eles olharam a trajetória e entenderam que havia comprometimento menor da política fiscal”, diz Kawall. O economista André Perfeito, da Gradual Investimentos, credita ao clima pré-eleitoral a importância dada à avaliação da agência. “Os dados fiscais não são bons, mas não são catastróficos, o País está longe de ficar insolvente”, afirma. Opinião semelhante tem o conselheiro-sênior para as economias dos BRICS do Banco Mundial, Otaviano Canuto. “O Brasil não está à beira de uma crise fiscal.” (leia entrevista no final da reportagem "O Brasil não está à beira de uma crise fiscal").
Indignado, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor de economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que as agências perderam muita credibilidade nos últimos anos, especialmente depois que falharam ao não prever a crise mundial de 2008, e não devem ser levadas a sério. “Estamos no mesmo nível de rating da Espanha, e nossa situação não pode ser comparada à deles”, afirma Belluzzo. Ele concorda, no entanto, com a avaliação da agência sobre o baixo crescimento da economia brasileira. “Temos um problema com a inflação por conta da indexação que ainda permanece”, diz Belluzzo. O curioso, para não dizer inexplicável, timing do rebaixamento da nota brasileira é que ele acontece justamente num momento em que vários indicadores mostram uma economia mais aquecida.
Na vida real, a deterioração no conceito da agência sobre o Brasil não deve afetar a disposição dos empresários, ou mesmo dificultar a obtenção de financiamento externo. Na quinta-feira 27, o Tesouro Nacional captou € 1 bilhão no Exterior, com juros inferiores a 3% ao ano. “Essa emissão coroa uma boa semana para o Brasil”, disse Arno Augustin, secretário do Tesouro, destilando ironia em direção à S&P. No mesmo dia, o presidente e CEO mundial da gigante americana General Electric (GE), Jeffrey Immelt, que se encontrou com a presidenta Dilma, em Brasília, deu o tom da reação do capital produtivo internacional.
Immelt garantiu com todas as letras que a mudança na nota de crédito não altera os planos da empresa, que opera no País desde 1919. “Adotamos uma visão de longo prazo em relação ao Brasil”, disse Immelt a jornalistas após a audiência no Palácio do Planalto. Ele confirmou o investimento de US$ 1,3 bilhão no País entre 2011 e 2016, incluindo um centro de pesquisa no Rio de Janeiro, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Vemos o Brasil como um dos principais parceiros estratégicos na economia do futuro.” Para o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, o crédito às empresas só seria afetado pela redução de seus próprios ratings.
“É um sinal amarelo, mas não acredito que vai ter reflexos para as empresas”, afirmou Andrade. Além da reação dos empresários, uma série de indicadores também aponta para uma economia mais aquecida neste início de ano. A produção industrial cresceu 2,9% em janeiro em relação a dezembro, e a indústria conta com o dólar mais valorizado para aumentar sua participação no mercado doméstico. Emprego e renda continuam melhorando. O índice de desemprego de fevereiro ficou em 5,1%, o menor da série histórica para esse mês.
O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostra um saldo de 260,8 mil contratações com carteira assinada em fevereiro, 77% a mais do que no mesmo mês do ano passado. A renda real cresceu 3,1% em relação a fevereiro de 2013. Até mesmo Lisa Schineller, da S&P, que virou a personagem da semana, reconhece que o crescimento dos empréstimos concedidos pelos bancos públicos, que pressionaram as metas fiscais, é um item menos preocupante. “Percebemos uma desaceleração na concessão desses empréstimos pelo Banco do Brasil, pela Caixa e pelo BNDES, desde o segundo semestre do ano passado”, diz.
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Renda e consumo: o crescimento na geração de vagas formais, como no setor de call center (acima),
garante a expansão da renda e, consequentemente, das vendas no varejo
RISCOS NO HORIZONTE Os números positivos não significam, no entanto, que os riscos tenham desaparecido do horizonte. A inflação, que fechou em 5,91% no ano passado, deve ficar ainda mais elevada neste ano. Relatório do Banco Central divulgado na quinta-feira revela uma expectativa de alta de 6,1% no custo de vida em 2014. O crescimento do PIB estimado pelo BC é de 2%, inferior à previsão do Ministério da Fazenda, de 2,5%. No mercado, a média das projeções é de 1,7%.
O estudo do BC indica ainda a expectativa, para este ano, de uma expansão moderada do crédito, especialmente para o consumo, ganhos salariais mais tímidos e déficit nas transações correntes, financiado essencialmente por investimentos estrangeiros diretos. Em outras palavras: não dá para contar com a ajuda da balança comercial, que até o momento está no vermelho e, pelas projeções mais otimistas, não deverá repetir os superávits de dois dígitos registrados até 2012. Na política fiscal, as ressalvas da S&P não são de todo infundadas.
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Parceria estratégica: o presidente mundial da General Electric (GE), Jeffrey Immelt, avisou
a presidenta Dilma que sua empresa vai manter os investimentos programados para o Brasil
A equipe econômica sabe que o cumprimento da meta de superávit primário, sem truques contábeis, é fundamental para o resgate da credibilidade do País no Exterior e para a reversão das expectativas dos economistas. Os primeiros passos já foram dados com o anúncio de cortes no orçamento, que totalizam R$ 44 bilhões. Nos próximos meses, é preciso ainda mais empenho para evitar um crescimento desenfreado dos gastos públicos num ano eleitoral – e, nesse contexto, equacionar o problema energético é fundamental. Está nas mãos do governo, portanto, a oportunidade de agir como um experiente boxeador. Primeiro, se esquiva do ataque do adversário, que dá um soco no vazio. Em seguida, contra-ataca com jabs e hooks rumo ao nocaute.
Recorde de permanência
Guido Mantega completa oito anos no cargo e se torna o ministro da Fazenda mais longevo em governos democráticos
Por Denize Bacoccina
Em março de 2006, quando foi convidado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a assumir o Ministério da Fazenda, em meio à crise que resultou na demissão do ex-ministro Antonio Palocci, o economista Guido Mantega não poderia imaginar que a experiência duraria tanto. Ele não apenas ficou até o fim do segundo mandato de Lula como foi mantido no cargo, a pedido do ex-presidente, por sua sucessora Dilma Rousseff. Na quinta-feira 27, oito anos depois, o economista nascido em Gênova, na Itália, e criado em São Paulo, tornou-se o titular da Fazenda que ocupou o cargo por mais tempo em períodos democráticos.
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Só foi ultrapassado por Artur de Souza Costa, que foi ministro de Getúlio Vargas entre 1934 e 1945, com três períodos de ausência. Mantega bateu o recorde de Pedro Malan, que ocupou a cadeira durante todo o governo Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002. Embora sejam momentos históricos diferentes – e talvez não comparáveis –, Mantega exibe, na média, resultados melhores de inflação (5,2% ante 9,2% de Malan) e PIB (3,5% ante 2,3% de Malan). O ministro foi muito elogiado na crise de 2008, ao usar os bancos públicos para irrigar o mercado de crédito e incentivar o consumo de bens duráveis. Agora, no entanto, tem sido criticado pelo ritmo morno da economia e pelas recentes manobras contábeis fiscais. Goste o mercado financeiro ou não, o recorde é dele.
Entrevista: Otaviano Canuto, conselheiro-sênior para economias dos BRICS do Banco Mundial
“O Brasil não está à beira de uma crise fiscal”
Por Luís Artur Nogueira
Há 11 anos trabalhando em Washington, o economista sergipano Otaviano Canuto, de 58 anos, já ocupou diversos cargos no Banco Mundial e no Banco Interamericano de Desenvolvimento. Nesse período, teve o privilégio de acompanhar os desdobramentos econômicos no Brasil, sem se deixar contaminar pelo debate político-eleitoral. Além disso, conversa rotineiramente com empresários e investidores estrangeiros interessados em obter informações sobre o País. Em visita à Universidade de São Paulo, na quarta-feira 26, Canuto concedeu entrevista à DINHEIRO em meio às repercussões sobre o rebaixamento do Brasil pela Standard and Poor’s (S&P).
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Qual é a sua visão sobre a situação fiscal do Brasil?
Eu noto um certo descompasso entre a visão de fora, do Exterior, e a visão de dentro do País. Até porque a visão interna é um pouco impregnada por questões políticas, o que é normal numa democracia, ainda mais em ano de eleição.
Mas a visão externa, da S&P, também não é boa...
O que as agências de classificação de risco fazem não é dizer se o Brasil é bom ou ruim, nem se é um bom lugar para investir ou não. O rating dessas instituições é uma tentativa de opinar sobre a probabilidade de pagamento dos países. O importante, no caso da Standard & Poor’s, é que a redução da nota brasileira não foi acompanhada de algum tipo de “olha, teve essa redução e pode ter mais”. Aí, sim, a coisa complicaria, porque o mercado se anteciparia a possíveis rebaixamentos, o que colocaria o País numa zona perigosa.
Então, a perspectiva estável da nota traz tranquilidade ao País?
Sim, afinal de contas o País não está à beira de uma crise fiscal. E, não por acaso, o rebaixamento já estava meio “precificado” pelo mercado. O mais importante é que o Brasil continua sendo grau de investimento. Na hora de avaliar a relação dívida/PIB, é preciso levar em consideração o crescimento econômico, o tamanho do superávit primário e a visão do prêmio de risco que o mercado está exigindo. Dessas três variáveis, a única sobre a qual o governo tem poder imediato é o superávit. De fato, se nós compararmos o Brasil de hoje com o de quatro anos atrás, a dívida bruta piorou um pouco.
É um quadro preocupante?
Não se trata de uma situação de deterioração fiscal que esteja prenunciando uma crise. Porém, a evolução desse quadro vai depender do que acontecerá com a dívida pública no futuro. Do lado do crescimento, tudo o mais permanecendo constante, o sinal é para cima.
O que justifica, na sua avaliação, essa tendência de alta do PIB?
A mudança de postura do governo em relação a concessões, atraindo investimentos na área de infraestrutura. O que está segurando o crescimento no Brasil é a carência de investimentos em infraestrutura, que gera um ônus muito grande em vários setores da economia. O Banco Mundial fez um estudo, em 2006, que apontou uma perda de 30% na produção de soja por conta dos gargalos logísticos como armazenamento, transporte e portos. Eu duvido que esses problemas não se repitam em outros setores. O desperdício de recursos e os riscos associados à insegurança energética reduzem a produtividade da economia. Se o País conseguir deslanchar numa onda de investimentos em infraestrutura, os ganhos de produtividade serão generalizados.
Que outros fatores podem ajudar o PIB?
Sem dúvida, o ambiente de negócios no Brasil. A estrutura jurídico-institucional impõe um desperdício de materiais humanos, sem a contrapartida de valor. O tempo que se requer no Brasil para uma licença de construção é um absurdo, e há problemas em todos os níveis de governo. Para não falar no óbvio, que é o numero de homens-hora que uma empresa gasta para pagar impostos. Não estamos falando de carga tributária, mas o quanto se gasta para conseguir cumprir todas as normas. Isso é desperdício de gente qualificada e de recursos humanos. Além disso, creio que há uma margem de ganho por maior eficiência no gasto público.
De que forma?
Se o País adotasse uma maior transparência não apenas nas grandes obras, mas em todos os gastos, com licitações eletrônicas, certamente haveria menos desvios e mais competição, o que reduziria os gastos públicos. Essa agenda me parece tão óbvia que quem ganhar a eleição vai perceber o potencial de ganhos de produtividade que isso tem.
Quando o Banco Mundial discute o Brasil, qual é o ponto mais exaltado?
A redução da pobreza, nos últimos anos. Esse, aliás, era o ponto que nos dava mais vergonha.
O Bolsa Família é um símbolo disso?
É um símbolo, mas a redução da pobreza é explicada também pela melhora nos índices de escolaridade da população. Há muito o que avançar na qualidade da educação, mas a simples mudança no nível educacional básico já tem feito uma diferença enorme.
E o tema mais criticado?
O que me dá agonia é o ambiente de negócios, porque há coisas irracionais.
Se um investidor estrangeiro chega para o senhor e diz que é difícil fazer negócios no Brasil...
Não tenho o que falar para ele. É inexplicável. Com medo, o investidor arranja um sócio brasileiro e já calcula o custo que terá para contratar um exército de advogados e contadores. No final, é claro, coloca tudo isso no preço. Isso é um impedimento para pequenos e médios empresários estrangeiros que gostariam muito de ter negócios no Brasil. Além disso, esses advogados e contadores poderiam estar fazendo coisas mais úteis dentro da empresa do que enxugar gelo. Essa reclamação eu escuto sempre dos estrangeiros.
O Brasil precisa mudar a sua imagem no Exterior?
Trabalhar a imagem ajuda, mas não sem antes mudar a realidade. As pessoas olham para o País com um potencial enorme, muita riqueza natural, instituições democráticas e uma cultura que é muito amigável ao investimento externo. Tanto que, a despeito de todos esses empecilhos, continua sendo um polo de atração de investimento direto estrangeiro. Só que poderia ser muito mais, com greenfields, novas unidades produtivas.
Estamos comemorando 20 anos do Real. Por que a inflação ainda é manchete econômica no Brasil?
Porque ela está rodando acima do centro da meta. Acho que o ideal seria combinar a política monetária com uma política fiscal condizente. A política monetária é o instrumento principal, mas, evidentemente, sua eficácia seria maior se conseguisse convencer os agentes a alterar suas expectativas. Alterando expectativas, ela diminui o ritmo de repasses e, olhando para a frente, os ajustes de preços passam a ser menores. Mas isso precisa de uma sintonia com a política fiscal. A boa notícia é a clara percepção que o governo federal teve de ajustar a política fiscal, nesse contexto. No entanto, não se consegue isso da noite para o dia, porque parte dessa deterioração no problema fiscal diz respeito a gastos que são automáticos e que precisam de reformas estruturais para serem alterados.
Colaborou: Carolina Oms