Enviado: Qui Set 06, 2007 10:30 am
06/09/2007 - 08h00 - Atualizado em 06/09/2007 - 08h18
Capelão brasileiro 'dribla' foguetes no Iraque diariamente
Em entrevista ao G1, ele fala como é a vida no sul do Iraque.
‘Parece ser um vale de lágrimas’, diz Carlos Tomé da Silva.
Daniel Buarque
Do G1, em São Paulo
Alvo indireto de mais de 450 foguetes desde que chegou ao Iraque, no final de maio deste ano, o capelão brasileiro Carlos Tomé da Silva diz que, mesmo com todos os riscos que enfrenta em Basra, no sul do país, onde serve ao Exército britânico, ainda se sente mais seguro por lá de que em grandes cidades do Brasil.
Em entrevista exclusiva ao G1, por e-mail, o capelão fala do cotidiano de trabalho duro, temperaturas acima dos 50ºC, bombardeios e tensão. Ele conta que tem contato com iraquianos, e que assistiu com eles à vitória do Iraque na Copa da Ásia de futebol.
Diferentemente do que se esperava, o capelão não foi ao país junto com o príncipe Harry, já que o membro da família real acabou sendo poupado. Mas o brasileiro relata como tem apoiado os demais soldados britânicos, que encaram o deserto, a tensão, o medo, a tristeza e as saudades de suas famílias.
G1 - Qual foi a sua primeira impressão do Iraque?
Carlos Tomé da Silva - O Iraque parece ser um vale de lágrimas. Nunca tinha estado num deserto, e minha impressão é de ser um lugar de muito sofrimento. Parece que voltei no tempo e não estou mais no século XXI. Apesar de o Iraque ser um país rico com grandes reservas de petróleo, a maioria do seu povo não tem compartilhado dessa riqueza. Há muita pobreza absoluta aqui. Tive uma oportunidade de fazer uma viagem de helicóptero pelo sul do país, que me deu uma visão dessa pobreza. É um lugar praticamente sem vegetação, com uma temperatura altíssima, que chega aos 57ºC, muita areia e poeira.
No Brasil nós temos a região do sertão nordestino que não pode ser comparada com essa região daqui. No sertão, quando chove, dá de tudo e fartura tem de montão, como cantava Luis Gonzaga. Aqui há um período de chuva que, apesar de fazer ate frio à noite, não muda a vegetação, mas produz muita lama.
G1 - O sr. já se sentiu em risco desde que saiu do Reino Unido?
Tomé da Silva - Mesmo antes de aterrissarmos no aeroporto internacional de Basra, nós já corríamos o risco de sermos atingidos pelos ataques das milícias extremistas locais. Por isso foi um vôo muito distinto dos convencionais. Pela aterrissagem, percebi que estava chegando a um lugar perigoso. No mesmo dia, à tarde, já tive que conviver com um ataque de morteiros e foguetes lançados contra nós na base. A partir daí, todos os dias e noites temos sido atacados. Na segunda noite, um morteiro atingiu uma tenda a cerca de 50 metros da minha. Não há nenhum momento em que possamos nos sentir seguros.
Algumas bombas já caíram bem próximas a mim, mas, graças a Deus, tenho saído ileso desses ataques. Sempre vou ao hospital na base visitar os feridos. Temos tido vários feridos e alguns mortos, sem falar nos ataques quando as tropas saem às ruas em patrulhas. Estive em uma delas numa noite e fomos atacados com bombas à beira de estradas. Já perdemos 20 soldados desde que chegamos aqui. Durante esses três meses que estou aqui nessa base militar foram lançados mais de 450 foguetes contra nós. Diante de tudo isso ainda me sinto mais seguro por aqui do que andando sozinho nas ruas da grandes cidades brasileiras.
G1 - Que problemas os soldados apresentam para um capelão durante uma guerra?
Tomé da Silva - Apesar do alto nível de profissionalismo e treinamento que os soldados britânicos recebem antes de participar de uma missão dessa natureza, não podemos negar que, uma vez vivendo nesse ambiente, alguns problemas são inevitáveis.
Os problemas mais comuns aqui são os relacionados à família: saudades, problemas no casamento ou relacionamento, doenças dos filhos, mortes de pais e avós, dívidas, traição no relacionamento, aborto não provocado... Os problemas relacionados ao local onde estamos: o grande choque cultural, o perigo real de morte, o combate travado com as milícias locais, os feridos por balas ou bombas quando saem em operações fora da base militar, as mortes tanto fora como dentro da base, a constante tensão da iminência de um ataque com foguetes à base, as doenças relacionadas ao clima. Muitos reagem de forma positiva e têm a maturidade para encarar esses problemas ou essas experiências sem que isso venha a afetar o seu desempenho. Já outros são afetados emocionalmente por essas experiências aqui e precisam de um apoio maior para lidar com essas questões.
G1 - Que tipo de contato o sr. teve com a população iraquiana?
Tomé da Silva - Tenho tido um contato freqüente com os intérpretes iraquianos que trabalham conosco, tanto aqui em Basra como na cidade portuária de Umm Qasr. A tenda dos intérpretes daqui fica em frente à nossa capela e isso facilita esse nosso contato. Alguns são estudantes universitários e outros são profissionais em diversas áreas. O povo iraquiano é muito hospitaleiro e amigo. Conversamos bastante sobre a vida, a religião e a cultura iraquiana. Temos nos tornado amigos e sei que vou sentir saudade deles quando eu partir desse lugar.
Assistimos a alguns jogos de futebol juntos durante a Copa de Futebol da Ásia, da qual foram campeões. A partida final foi muito emocionante para os iraquianos. Estávamos na tenda deles, onde há uma televisão com canais locais. Eles ficavam de pé, xingavam os jogadores quando perdiam um gol. Era muita tensão e emoção, todos falando em árabe. Na vitória final, comemoraram com muitos abraços, beijos e lágrimas de alegria.
Tenho tido a oportunidade de sair dessa base em algumas ocasiões. Também fui a Bagdá recentemente para participar de uma Conferencia dos Capelães das Forças de Coalizão. Visitei um dos palácios de Saddam Hussein, o Palácio Al Faw. Lá, conheci o general David Petraeus, que comanda toda essa coalizão no Iraque. Depois dessa conferencia fui passar um dia na "Zona Verde", onde há alguns soldados britânicos. O ponto alto dessa visita foi sobrevoar Bagdá de helicóptero à tarde e ter uma visão geral da cidade.
G1 - Como a realidade iraquiana se compara ao que o sr. esperava do país?
Tomé da Silva - A impressão que tenho é que nunca podemos obter uma visão equilibrada de um pais apenas assistindo aos noticiários. Nunca assisti a algo nos noticiários sobre as cidades e regiões onde as pessoas vivem uma vida normal, sem sofrerem nenhum tipo de atentado. Por isso, tudo o que ouvimos, lemos ou assistimos sobre o Iraque é a realidade nas duas maiores cidades, a capital Bagdá e Basra. Mas o Iraque não é formado apenas por duas cidades. A mídia tem mostrado a realidade do que está realmente acontecendo. Eu não tinha uma expectativa de Bagdá e Basra diferente da realidade apresentada pela mídia. Há violência diariamente, principalmente em Bagdá.
G1 - Em que situação o sr. se encontra? Como é o local onde está fixado, a estrutura de local para dormir, comer, trabalhar?
Tomé da Silva - Encontro-me numa base militar britânica que fica em torno do aeroporto de cidade de Basra, segunda maior cidade do Iraque. É uma grande base. A acomodação é em tendas compartilhadas que têm um tipo de ventilação que ameniza um pouco o calor. Eu tenho uma acomodação só para mim com uma cama de solteiro, um armário de zinco e uma mesa com duas cadeiras. Também trouxe meu café brasileiro! Tenho uma capela onde fazemos celebrações todos os domingos e onde funciona meu escritório durante a semana.
G1 - O que comem? Têm algum tipo de lazer?
Tomé da Silva - A comida é bastante saudável e variada. Temos todos os tipos de carnes, frango e peru. Uma boa variedade de verduras e frutas como também batatas, arroz, macarrão e massas. Somos bem alimentados. Temos alguma estrutura de lazer aqui na base militar. Há um centro educacional onde os soldados podem continuar sua educação formal durante esse tempo aqui. Temos acesso a internet e telefones para entrar em contato com familiares e amigos. Contamos com uma pequena área onde podemos fazer um lanche ou comprar alguma coisa. Nos "campos" (camps) dentro da base, há sempre uma tenda chamada "Welfare Centre" onde há uma televisão e uma mesa de sinuca. Muitos soldados têm seus próprios laptops onde podem assistir a filmes, ouvir musica ou jogar. Não temos dias de folga, isto é, dia livre. Trabalhamos todos os dias por longas horas.
http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,M ... 02,00.html
Capelão brasileiro 'dribla' foguetes no Iraque diariamente
Em entrevista ao G1, ele fala como é a vida no sul do Iraque.
‘Parece ser um vale de lágrimas’, diz Carlos Tomé da Silva.
Daniel Buarque
Do G1, em São Paulo
Alvo indireto de mais de 450 foguetes desde que chegou ao Iraque, no final de maio deste ano, o capelão brasileiro Carlos Tomé da Silva diz que, mesmo com todos os riscos que enfrenta em Basra, no sul do país, onde serve ao Exército britânico, ainda se sente mais seguro por lá de que em grandes cidades do Brasil.
Em entrevista exclusiva ao G1, por e-mail, o capelão fala do cotidiano de trabalho duro, temperaturas acima dos 50ºC, bombardeios e tensão. Ele conta que tem contato com iraquianos, e que assistiu com eles à vitória do Iraque na Copa da Ásia de futebol.
Diferentemente do que se esperava, o capelão não foi ao país junto com o príncipe Harry, já que o membro da família real acabou sendo poupado. Mas o brasileiro relata como tem apoiado os demais soldados britânicos, que encaram o deserto, a tensão, o medo, a tristeza e as saudades de suas famílias.
G1 - Qual foi a sua primeira impressão do Iraque?
Carlos Tomé da Silva - O Iraque parece ser um vale de lágrimas. Nunca tinha estado num deserto, e minha impressão é de ser um lugar de muito sofrimento. Parece que voltei no tempo e não estou mais no século XXI. Apesar de o Iraque ser um país rico com grandes reservas de petróleo, a maioria do seu povo não tem compartilhado dessa riqueza. Há muita pobreza absoluta aqui. Tive uma oportunidade de fazer uma viagem de helicóptero pelo sul do país, que me deu uma visão dessa pobreza. É um lugar praticamente sem vegetação, com uma temperatura altíssima, que chega aos 57ºC, muita areia e poeira.
No Brasil nós temos a região do sertão nordestino que não pode ser comparada com essa região daqui. No sertão, quando chove, dá de tudo e fartura tem de montão, como cantava Luis Gonzaga. Aqui há um período de chuva que, apesar de fazer ate frio à noite, não muda a vegetação, mas produz muita lama.
G1 - O sr. já se sentiu em risco desde que saiu do Reino Unido?
Tomé da Silva - Mesmo antes de aterrissarmos no aeroporto internacional de Basra, nós já corríamos o risco de sermos atingidos pelos ataques das milícias extremistas locais. Por isso foi um vôo muito distinto dos convencionais. Pela aterrissagem, percebi que estava chegando a um lugar perigoso. No mesmo dia, à tarde, já tive que conviver com um ataque de morteiros e foguetes lançados contra nós na base. A partir daí, todos os dias e noites temos sido atacados. Na segunda noite, um morteiro atingiu uma tenda a cerca de 50 metros da minha. Não há nenhum momento em que possamos nos sentir seguros.
Algumas bombas já caíram bem próximas a mim, mas, graças a Deus, tenho saído ileso desses ataques. Sempre vou ao hospital na base visitar os feridos. Temos tido vários feridos e alguns mortos, sem falar nos ataques quando as tropas saem às ruas em patrulhas. Estive em uma delas numa noite e fomos atacados com bombas à beira de estradas. Já perdemos 20 soldados desde que chegamos aqui. Durante esses três meses que estou aqui nessa base militar foram lançados mais de 450 foguetes contra nós. Diante de tudo isso ainda me sinto mais seguro por aqui do que andando sozinho nas ruas da grandes cidades brasileiras.
G1 - Que problemas os soldados apresentam para um capelão durante uma guerra?
Tomé da Silva - Apesar do alto nível de profissionalismo e treinamento que os soldados britânicos recebem antes de participar de uma missão dessa natureza, não podemos negar que, uma vez vivendo nesse ambiente, alguns problemas são inevitáveis.
Os problemas mais comuns aqui são os relacionados à família: saudades, problemas no casamento ou relacionamento, doenças dos filhos, mortes de pais e avós, dívidas, traição no relacionamento, aborto não provocado... Os problemas relacionados ao local onde estamos: o grande choque cultural, o perigo real de morte, o combate travado com as milícias locais, os feridos por balas ou bombas quando saem em operações fora da base militar, as mortes tanto fora como dentro da base, a constante tensão da iminência de um ataque com foguetes à base, as doenças relacionadas ao clima. Muitos reagem de forma positiva e têm a maturidade para encarar esses problemas ou essas experiências sem que isso venha a afetar o seu desempenho. Já outros são afetados emocionalmente por essas experiências aqui e precisam de um apoio maior para lidar com essas questões.
G1 - Que tipo de contato o sr. teve com a população iraquiana?
Tomé da Silva - Tenho tido um contato freqüente com os intérpretes iraquianos que trabalham conosco, tanto aqui em Basra como na cidade portuária de Umm Qasr. A tenda dos intérpretes daqui fica em frente à nossa capela e isso facilita esse nosso contato. Alguns são estudantes universitários e outros são profissionais em diversas áreas. O povo iraquiano é muito hospitaleiro e amigo. Conversamos bastante sobre a vida, a religião e a cultura iraquiana. Temos nos tornado amigos e sei que vou sentir saudade deles quando eu partir desse lugar.
Assistimos a alguns jogos de futebol juntos durante a Copa de Futebol da Ásia, da qual foram campeões. A partida final foi muito emocionante para os iraquianos. Estávamos na tenda deles, onde há uma televisão com canais locais. Eles ficavam de pé, xingavam os jogadores quando perdiam um gol. Era muita tensão e emoção, todos falando em árabe. Na vitória final, comemoraram com muitos abraços, beijos e lágrimas de alegria.
Tenho tido a oportunidade de sair dessa base em algumas ocasiões. Também fui a Bagdá recentemente para participar de uma Conferencia dos Capelães das Forças de Coalizão. Visitei um dos palácios de Saddam Hussein, o Palácio Al Faw. Lá, conheci o general David Petraeus, que comanda toda essa coalizão no Iraque. Depois dessa conferencia fui passar um dia na "Zona Verde", onde há alguns soldados britânicos. O ponto alto dessa visita foi sobrevoar Bagdá de helicóptero à tarde e ter uma visão geral da cidade.
G1 - Como a realidade iraquiana se compara ao que o sr. esperava do país?
Tomé da Silva - A impressão que tenho é que nunca podemos obter uma visão equilibrada de um pais apenas assistindo aos noticiários. Nunca assisti a algo nos noticiários sobre as cidades e regiões onde as pessoas vivem uma vida normal, sem sofrerem nenhum tipo de atentado. Por isso, tudo o que ouvimos, lemos ou assistimos sobre o Iraque é a realidade nas duas maiores cidades, a capital Bagdá e Basra. Mas o Iraque não é formado apenas por duas cidades. A mídia tem mostrado a realidade do que está realmente acontecendo. Eu não tinha uma expectativa de Bagdá e Basra diferente da realidade apresentada pela mídia. Há violência diariamente, principalmente em Bagdá.
G1 - Em que situação o sr. se encontra? Como é o local onde está fixado, a estrutura de local para dormir, comer, trabalhar?
Tomé da Silva - Encontro-me numa base militar britânica que fica em torno do aeroporto de cidade de Basra, segunda maior cidade do Iraque. É uma grande base. A acomodação é em tendas compartilhadas que têm um tipo de ventilação que ameniza um pouco o calor. Eu tenho uma acomodação só para mim com uma cama de solteiro, um armário de zinco e uma mesa com duas cadeiras. Também trouxe meu café brasileiro! Tenho uma capela onde fazemos celebrações todos os domingos e onde funciona meu escritório durante a semana.
G1 - O que comem? Têm algum tipo de lazer?
Tomé da Silva - A comida é bastante saudável e variada. Temos todos os tipos de carnes, frango e peru. Uma boa variedade de verduras e frutas como também batatas, arroz, macarrão e massas. Somos bem alimentados. Temos alguma estrutura de lazer aqui na base militar. Há um centro educacional onde os soldados podem continuar sua educação formal durante esse tempo aqui. Temos acesso a internet e telefones para entrar em contato com familiares e amigos. Contamos com uma pequena área onde podemos fazer um lanche ou comprar alguma coisa. Nos "campos" (camps) dentro da base, há sempre uma tenda chamada "Welfare Centre" onde há uma televisão e uma mesa de sinuca. Muitos soldados têm seus próprios laptops onde podem assistir a filmes, ouvir musica ou jogar. Não temos dias de folga, isto é, dia livre. Trabalhamos todos os dias por longas horas.
http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,M ... 02,00.html