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Moderador: Conselho de Moderação
Leandro G. CardPara escapar do pibinho, o caminho é a abertura’, diz Edmar Bacha
A integração às cadeias globais de produção levará ao choque de produtividade que o País precisa
Alexa Salomão e Vinicius Neder - O Estado de S. Paulo - 15 de março de 2014
RIO - No atual debate político econômico brasileiro, poucos têm posição tão clara como o economista Edmar Bacha. "Não é segredo para ninguém que sou tucano", diz ele. Um dos pais do Plano Real e hoje diretor da Casa das Garças, ponto de encontro carioca reservado às discussões de temas de interesse nacional, Bacha defende que o novo governo vai precisar impor um "desafazimento" da atual política macroeconômica e lançar as bases para uma abertura comercial de longo prazo.
Segundo Bacha, os "pibinhos" são frutos do isolamento nacional. "Estou convencido que para o Brasil crescer o caminho é a abertura para o comércio internacional", disse na entrevista que se segue.
No evento que marcou os 20 anos do Plano Real, na semana passada, o senhor disse que no primeiro dia do novo governo seria necessário retomar a reforma tributária. A agenda se resume à reforma?
Edmar Bacha: Não. Com certeza é mais ampla. Eu parto de um diagnóstico, com uma sequência de pontos. O primeiro ponto é a constatação que estamos presos na chamada armadilha da renda média. Desde 1981, o Brasil vem tendo um crescimento medíocre. Esse processo parecia ter se alterado a partir de 2004. Porém, fica muito claro hoje que o impulso adicional que a economia teve entre 2004 e 2011 foi fruto único e exclusivo da bonança externa. A alta dos preços das commodities (matérias-primas com cotação internacional) e a enorme entrada de capital nesse período propiciaram e financiaram um extraordinário aumento da demanda interna. Como havia no começo do período uma capacidade ociosa acentuada e um desemprego alto, isso permitiu, durante esse período da bonança até 2011, que o País crescesse mais do que vinha crescendo no período anterior. Com a reversão da bonança, os preços das commodities começaram a cair e o fluxo de capital, por circunstâncias diversas, se reverteu, e voltamos aos pibinhos. Associado a esses pibinhos vem algo peculiar. Se temos pibinhos, deveríamos ter inflação baixa. No entanto, ao contrário, estamos com inflação elevada para os padrões dos nossos vizinhos - com exceção de Argentina e de Venezuela, que ninguém mais leva em conta. Há também déficit externo, quando pibinhos são associados a superávits comerciais. Esse conjunto denota que a economia brasileira tem uma enfermidade. Estamos diante de uma doença brasileira, que se forma pela associação de baixo crescimento, alta inflação, déficit externo e, para compor o quadro, desindustrialização. O que se constata é que o pibinho não é produto do atual governo, não é cíclico. É uma característica da economia brasileira há 30 anos. Uma característica quase secular - o País tem limitações para fazer a transição para o primeiro mundo.
Qual o segundo ponto do diagnóstico?
Edmar Bacha: O segundo ponto é o que se vê quando listamos os países que, no pós-guerra, conseguiram fazer a transição da renda media para a renda elevada. Não foram muitos. Na minha conta, foram uns dez. Os Tigres Asiáticos e Israel fizeram a transição com base na indústria exportadora. Os países da periferia europeia - Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda - fizeram a transição com base em prestação de serviços, inclusive com a concessão de mão de obra para a comunidade europeia. O terceiro conjunto de países inclui Austrália, Nova Zelândia e eu também colocaria no grupo a Noruega. Até o final dos anos 1960, a Noruega era o mais pobre entre os nórdicos e agora é o mais rico. Esses três países fizeram a transição na base de produtos naturais. Cada um fez a transição a sua maneira, mas com uma característica comum: todos se integraram a um mercado maior e encontraram nichos a partir dos quais conseguiram se desenvolver. Isso é empírico. A transição ocorreu por meio da integração internacional. Analiticamente, parece claro - para transitar da renda média para a alta renda, o nome do jogo é produtividade. Para todos esses países havia acabado a fase fácil em que se conseguia aumentar a produtividade trazendo gente da cidade para o campo - a fase em que a China e a Índia ainda se encontram. Como o ambiente urbano é mais produtivo que o campo, a mera transição do campo para a cidade, num contexto frequentemente de substituição de importações, permite que se faça a transição da pobreza para a renda média.
O Brasil já fez essa transição no mercado de trabalho, não? Hoje, nem a demografia ajuda mais.
Edmar Bacha: Com certeza. É fato que acabou o excesso de mão de obra. Somos todos urbanos e não há mais crescimento da mão de obra. Mas nesse contexto temos que nos perguntar o que é produtividade. Em parte, é tecnologia. É preciso utilizar bens de capitais e insumos modernos. Produtividade também é escala. É preciso ter um mercado amplo para ter acesso aos benefícios da escala. Isso é uma característica da produção moderna. Terceiro, é preciso especialização. As empresas devem estar focadas naquilo em que são boas. Quarto, é preciso ter concorrência. Esse conjunto de fatores só se encontra quando um país se integra ao comércio internacional. Nisso está nosso problema. Quando comparamos o Brasil ao resto do mundo, para surpresa de muita gente, o País está em outra direção. Entre os 176 países para os quais os Banco Mundial tem dados, o Brasil é o que tem menor participação das importações no PIB - 13%. Contei isso para dois colegas da PUC-Rio num almoço e eles perguntaram: mas você tem certeza disso? Sim. O Brasil é o País mais fechado do mundo, sem considerar a Coreia do Norte, para a qual não há dados. E isso ocorre dos dois lados da balança. É assim tanto para importações quanto para exportações. O Brasil é um gigantinho em termos de PIB - é o sétimo do mundo. Mas é um anão em termos de exportações - o vigésimo quarto. Todos os outros seis que vêm antes do Brasil têm grandes PIBs e são grandes exportadores. A União Europeia, os Estados Unidos, a China, o Japão. Todos têm essas características. O Brasil é um grande que não exporta. Se ainda há alguma dúvida sobre a situação em que se encontra o Brasil, podemos fazer mais uma comparação. Nos anos 1960 e 70, a Coreia do Sul também crescia com base na substituição de importações, mas a partir do choque do petróleo, em 1974, houve uma total inversão na sua estratégia. O país passou a praticar uma forte política de promoção às exportações. Hoje, a Coreia exporta 58% do PIB. O Brasil exporta 12% do PIB. Há 40 anos, o PIB per capita da Coreia do Sul era praticamente igual ao do Brasil. Hoje, é três vezes maior do que o brasileiro. A Coreia tem grandes grupos empresariais exportadores, com tecnologia de ponta, educação de primeira. Se começarmos a fazer uma lista de requisitos para o desenvolvimento, não vamos parar mais. Volta e meia tem gente que faz uma lista de tudo que precisa ser consertado no Brasil e na hora que você vê a lista fica desesperado. Se é preciso consertar tantas coisas, não vamos chegar lá. Mas como Hirschman (Albert Hirschman, economista americano) nos ensinou: temos de pensar em termos de estratégia. Quais são os fatores críticos que, uma vez alterados, forçam o realinhamento do resto? Estou convencido, por todas as razões que acabo de falar, que para o Brasil crescer o caminho é a abertura para o comércio internacional.
Pela sua exposição, foi feito tudo ao contrário do que se deveria, então.
Edmar Bacha: Sim. Hoje temos uma economia improdutiva, de alto custo, que sobrevive com enormes níveis de proteção. Nossos altos preços são frutos de uma economia fechada. A resposta do governo para toda essa problemática, principalmente depois de 2007, foi fechar mais. Quando o governo viu a desindustrialização e a incapacidade de concorrência das nossas empresas, ele aumentou as tarifas de importação e reduziu o IPI para produtos como automóveis produzidos localmente. Houve uma generalização da política de conteúdo local, da ideia de adensamento produtivo e da percepção de que é preciso criar mais proteção. Vou usar uma analogia. Vocês são muito jovens e não vão lembrar, mas tudo bem. Nos bondes de Belo Horizonte, nos anos 1950, havia anúncios do Regulador Xavier, O Grande Amigo da Mulher. Número 1: excesso. Número 2: escassez. Nós temos escassez de exportação e, portanto, precisamos de Regulador Xavier número 2. Abertura. Mas o governo está usando como remédio o Regulador número 1, que é para excesso. Faz isso porque vê excesso de importações. E ainda tenta corrigir o problema setorialmente. Vai setor por setor, olhando qual é o déficit comercial. Na indústria da saúde - esse eu sei - o déficit é de US$ 11 bilhões. Na indústria de eletrônicos - esse eu também sei - US$ 16 bilhões. Em função dos déficits setoriais, o governo cria estratégias de proteção, via subsídios creditícios do BNDES e via requisitos de conteúdo local, exagerados. São excrescências. E há ainda uma terceira excrescência: os PPBs, Processos Produtivos Básicos. Se você quer se beneficiar dos subsídios e da proteção para produzir a tomada de três pontas - esse grande avanço tecnológico brasileiro (risos) - basta submeter um projeto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, apresentando especificações das diversas etapas do processo produtivo, e um burocrata do ministério vai dizer quanto você tem que comprar de produto local para produzir aquele bem. É a mesma coisa por todos os lados: para dar uma resposta à baixa produtividade o governo aumenta a improdutividade, criando e ampliando toda essa parafernalha. Vou dar um exemplo bem pequenininho. A Unesco está lançando um concurso de projetos, voltado a pesquisadores de universidades interessados em fazer um estudo analítico sobre como aprofundar a política de adensamento produtivo, de maneira a beneficiar os setores mais atingidos pela onda das importações. Veja você: é um projeto realmente encomendado e financiado por alguém do Brasil para a Unesco e a gente sabe que vai ter só uma proposta, de uma universidade do interior paulista. A gente precisa romper com essa combinação desastrosa que existe no Brasil de hoje.
O argumento usado em favor da proteção é de que o País precisa preservar empregos e setores mais frágeis da economia. A abertura será necessariamente traumática?
Edmar Bacha: Primeiro eu vou ter de convencer que a abertura é o caminho. Feito o convencimento, teremos de definir a estratégia - e essa estratégia precisa passar por dois testes. O teste de política econômica, que cumpra com requisitos básicos como eficiência, geração de emprego, desenvolvimento de tecnologias, e o teste do setor, porque é preciso levar em conta que a estratégia pretérita criou grupos de interesse e realidades subjetivas. As multinacionais vieram para o Brasil com o compromisso implícito do governo de que o nível de proteção não iria abaixar. Eu mesmo vi isso. Conversando com representantes de indústrias químicas interessadas em se expandir, eles só diziam uma coisa: "mas vocês garantem que não haverá redução das tarifas depois de a gente entrar? Daqui a gente não consegue exportar. Se houver redução das tarifas a seco, vamos à falência porque nossos concorrentes, que produzem lá fora a preços bem mais baixos, vão conseguir vender aqui com muito mais facilidade." Como fazer a transição é um problema e, para superá-lo, eu tenho uma proposta baseada em três pilares. O primeiro pilar é reduzir o Custo Brasil. Os empresários têm toda razão de reclamar do peso e da complexidade da carga tributária brasileira. Têm toda razão de reclamar da falta de logística, da precariedade de nossos portos, estradas e aeroportos. Portanto, o primeiro pilar é atender a esse reclamo. Por isso, eu disse que no primeiro ano do novo governo é importante dar uma limpada de área e fazer uma reforma tributária que ao menos simplifique o sistema. O Dornelles (Francisco Dornelles, senador) tem a proposta do VAT (termo em inglês para Imposto de Valor Adicionado, ou IVA) nacional, que teria impacto sobre toda a estrutura. O resultado seria extraordinário em termos de redução da complicação e do aparato de pessoas e processos administrativos e judiciários, contadores e advogados, que as empresas precisam manter para atender e muitas vezes se contraporem as exigências do fisco. Uma coisa que só aumenta a improdutividade da economia. Uma simplificação é essencial. Assim como é essencial entrar de corpo e alma no processo de concessões para termos portos, aeroportos e estradas com a mínima condição de escoar nossa produção. É um programa para sete anos - os três anos do primeiro, mais os quatro do segundo mandato...
É o que o sr. já chamou de Plano Real para a indústria?
Edmar Bacha: Dei esse nome lá atrás para chamar a atenção.
O sr. rebatizou?
Edmar Bacha: Com esse nome, ficava banalizado. O Real foi o que foi. Usei esse nome como uma maneira de chamar a atenção para o projeto - e funcionou. Fui chamado para falar na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, no Itamaraty, no Senado. As pessoas já estão atentas à substância do projeto.
Quais os outros pilares do plano?
Edmar Bacha: O segundo ponto, como dizia, é trocar todo o aparato protecionista - tarifas, preferência por compras governamentais, política de conteúdo nacional, o crédito subsidiado e outros - por câmbio. O câmbio não é de graça. Se fosse de graça, seria inflacionário. Mas no contexto em que você está reduzindo o custo dos importados, pode se dar ao luxo de elevar o preço das exportações. Ao substituir a proteção tarifária pela proteção cambial, já se faz seleção natural. Quem se beneficia da proteção cambial são as empresas e setores mais eficientes, com maior capacidade exportadora. Não será preciso manter um aparato de microgerenciamento, como há hoje. É claro que será preciso ter mecanismos indutores. O governo vai precisar ficar atento a quais são as vantagens naturais existentes, aos rumos da tecnologia mundial, a como se defender de concorrentes comerciais, onde é possível entrar mais facilmente. Esse é um enorme papel para o Estado dentro de uma política industrial voltada à integração da economia brasileira às cadeias internacionais de valor. Isso vai substituir a atual política de adensamento produtivo. A terceira perna são os acordos comerciais. Vamos abrir, sim, mas não vamos entrar no jogo de graça. A decisão de abrir é unilateral e progressiva. Precisa ficar claro para as multinacionais que estão aqui que o jogo mudou, mas que elas terão tempo de se adaptar. Poderão deixar de produzir tudo localmente e se integrar às suas filiais e subsidiárias internacionais. O comércio internacional de hoje não é igual ao que existia no tempo de David Ricardo (economista inglês, um dos pais da escola clássica no século XIX), quando Portugal exportava vinhos e importava tecidos da Inglaterra. Hoje o comercio é intrasetores e intrafirmas, dentro das indústrias, como a automobilística. Mais recentemente, ele se tornou intraprodutos. Onde o iPad é produzido? Depende de que nível estamos falando. Ele é concluído na China por uma empresa de Taiwan. O comércio internacional é feito por essas cadeias globais de valor - das quais o Brasil se isolou totalmente. Há um problema de fato geográfico - mas aí vou entrar no detalhe. Posso?
Claro. Mas aproveitamos para perguntar: como fica o Mercosul?
Edmar Bacha: A questão é justamente essa. As cadeias globais têm uma localização geográfica. Há uma na União Europeia. Outra na América do Norte, no entorno dos Estados Unidos. Há uma terceira Ásia. Nós ficamos isolados, mas podemos começar nossa cadeiazinha aqui. O fato é que com a atual política distorcida do Mercosul, como bem notou José Roberto (José Roberto Mendonça de Barros tratou do tema no evento sobre o Plano Real, na última quarta-feira), o projeto original da integração automobilística pretendia aproveitar a expansão regional, produzir tipos específicos de automóveis, que depois seriam exportados para o mundo. No entanto, virou esse meleiro geral. Como ele disse: vão entrar não sei mais quantas montadoras aqui no Brasil e vai sair carro pelos tubos, porque esse carro produzido aqui não pode ser exportado. Não tem preço. Então, temos que voltar ao projeto original de integração econômica, e física também, da América do Sul. Mas é uma integração regional com visão globalizada. Não é para fazer, o que era o projeto original da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, das Nações Unidas), a substituição de importações a nível regional. Não se trata disso. Temos que aproveitar a proximidade regional e as diferentes vocações dos países para fazer uma complementação produtiva, de tal forma que facilite, numa segunda etapa, a integração com o resto do mundo.
Em algum momento o sr. fez uma estimativa do quanto o País poderia crescer com esse processo de abertura?
Edmar Bacha: Dá para chegar em 2030, aonde Portugal está, e ter US$ 24 mil (de renda per capita). Esse é que é nosso objetivo para um horizonte de longo prazo. Isso envolve, basicamente, uma trajetória de crescimento de em torno de 5% ao ano.
Foram preciso décadas para implantar um plano de combate a inflação que funcionasse. Há espaço político para a implantação de um plano de abertura como esse?
Edmar Bacha: Você se lembrará que, em 1993, a equipe econômica foi muito relutantemente convocada a serviço do Plano Real, porque achava que não havia condições políticas para tal. Portanto, as condições políticas propícias para o Real foram após ele ter tido sucesso. Vistas "ex ante", as condições eram péssimas. Você tinha um governo de um vice-presidente (Itamar Franco, empossado após o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello), que não tinha legitimidade, não tinha maioria no Congresso, só tinha mais dois anos pela frente e havia demitido três ministros da Fazenda em sete meses. Que condições políticas eram essas? Era uma desgraça! Um plano desse tipo você implanta no primeiro ano de um governo recentemente eleito, com poder político e com capacidade de implementar todas as medidas que o plano exige. Por que a gente fez tanta ênfase em votar o Fundo Social de Emergência antes de introduzir a URV (Unidade Real de Valor, indexador que precedeu o lançamento do real)? Como você gera um processo de expectativas que se volte a seu favor? O Fernando Henrique anunciou o plano em três etapas. A primeira era mandar uma emenda constitucional para o Congresso. Se o Congresso aprovar, vamos implementar a unificação do sistema de indexação. Feita a indexação, vamos introduzir a nova moeda. Ou seja, estou dizendo para os políticos: "lá na frente, eu vou eleger vocês. Mas só vou eleger vocês se antes disso me derem o ajuste fiscal". Havia essa sequência. Era época de reforma constitucional, prevista na Constituição de 1988, e você sabe que outra reforma constitucional nós passamos em 1993? Além dessa, acabamos com a proibição para que professores estrangeiros lecionassem nas universidades públicas brasileiras. Eu fiz um pacote de reformas constitucionais para acompanhar o plano, junto com o Serra (José Serra, ex-ministro da Saúde) e com o Jobim (Nelson Jobim, ex-ministro da Justiça). Era um pacote desse tamanho de reformas. Alguma coisa foi aprovada? Não. Zero. Isso virou o programa do Fernando Henrique no primeiro mandato.
Como a proposta de abertura comercial tem sido recebida?
Edmar Bacha: Na verdade, me surpreendo com o quão favorável é a resposta. Os empresários raciocinam o seguinte: "eu jogo a regra do jogo". Se a regra do jogo é a proteção e o subsídio dentro desse contexto de manutenção do elevado Custo Brasil, o empresário passa boa parte do seu tempo em Brasília e na Avenida Chile (onde fica a sede do BNDES, no Rio), em vez de ficar trabalhando na fábrica. O empresário sabe que se ele não for, o concorrente vai. Ele tem que jogar o jogo que o governo está jogando. E ele joga insatisfeito. É clara a insatisfação dos empresários. Os bons empresários, que têm capacidade e eficiência, sabem que dentro dessas regras não há como sobreviver. Agora, ao anunciar que as regras serão alteradas, que tudo será transparente, que vai dar tempo para se ajustar, que as regras serão iguais para todos e ao mostrar que o governo tem poder político para fazer, o empresário topa a mudança.
E como fica o BNDES?
Edmar Bacha: O BNDES, depois da crise, foi totalmente desvirtuado. O mercado de capitais estava se desenvolvendo e o BNDES se voltando para duas grandes linhas - de complementação do financiamento privado e de especialização em nichos muito críticos, mas que o setor privado não vai atacar, como infraestrutura e alta tecnologia. Mas, de repente, o BNDES virou a mãe do todos os empresários brasileiros. Abriram o Tesouro para ele fazer tudo o que queria e o BNDES se tornou esse Golias - não, Golias não, isso seria uma homenagem. Tornou-se esse gigante balofo que está aí, que, na verdade, em vez de complementar, está substituindo o mercado financeiro, inibindo o desenvolvimento financeiro do País, distorcendo a alocação de recursos, criando um orçamento paralelo que não é votado pelo Congresso, que não é incluído nas contas públicas, tornando ainda menos transparentes as contas públicas brasileiras. O BNDES virou uma desgraça e certamente ele tem que voltar aos trilhos de antes dessa expansão extraordinária, propiciada por uma percepção equivocada das consequências da crise econômica financeira internacional de 2008 e 2009.
A sua proposta de abertura inclui eleger setores ou que sobreviva quem é eficiente apenas?
Edmar Bacha: Não, não é a volta de Joaquim Murtinho (ministro da Fazendo na virada do século XIX para o XX, que pregou a eliminação dos produtores ineficientes). É preciso, dentro de uma perspectiva de 30 anos, ter em mente vocações básicas. Onde já há promessas interessantes? A política industrial continua existindo. Mas não é eleição de setores. Os setores, de certa maneira, se auto elegem. O que pode ocorrer é a localização de nichos promissores, que ainda vão precisar de um tempo. Quando vejo o governo dizer que está fazendo no pré-sal a mesma coisa que a Noruega fez, é uma maluquice. A Noruega montou uma indústria ancilar ao petróleo. Tinha conteúdo nacional, tinha proteção, tinha mecanismos de subsídio até - mas olhava para os setores promissores, sob o a ótica de se construir uma indústria exportadora. Foi isso que a Noruega fez. Se no Brasil há setores promissores, que precisam de proteção localizada temporal, será dada, mas dentro dessa perspectiva. Uma hora acaba e o setor protegido vai ter de ser competitivo internacionalmente. O mercado interno não vai estar disponível para ele a um preço diferente do de seus competidores internacionais.
Em paralelo a isso, como será a política macroeconômica - a fiscal, a cambial?
Edmar Bacha: O que estou falando aqui é uma política de longo prazo. O projeto de longo prazo se estrutura em torno desse eixo da integração competitiva. Volta e meia vai bater um pouquinho de frente, ou de lado, com requisitos da política macroeconômica de curto prazo. Por exemplo: o câmbio. Como se coaduna a ideia de substituir tarifa de importação por câmbio, com a ideia de que o câmbio tem que flutuar livremente? Se coaduna mal. Digamos que o governo, no primeiro ano de mandato, anuncia que vai alterar de maneira fundamental a política industrial deste País. Doravante, todos nossos instrumentos de ação governamental estão voltados para reindustrializar o País na base da integração competitiva com o resto do mundo. Para isso, aqui está um programa, que vou implantar ao longo de certo número de anos. Ele inclui, por exemplo, que, no fim de sete anos, a tarifa média de importação vai ser de 5% e a máxima, de 10%. E inclui que essa política de conteúdo local, tal qual vem sendo aplicada agora, vai desaparecer. Não vamos mais determinar onde e quando proteger os setores com base em déficits comerciais setoriais. Se houver déficits, vamos tratar de resolvê-los por aumento de exportações e não por redução de importações. Número dois e não número um (referência à propaganda do remédio dos anos 50). Se houver determinação política e credibilidade, os agentes econômicos vão olhar e vão dizer: "vai haver uma inundação de importações". Se eu estou lá no mercado financeiro, penso: "caramba, daqui a dois anos vai começar a aumentar a quantidade de importações. Para importar, você precisa de dólar. Vai aumentar muito a demanda de dólares. Se a demanda por dólares vai aumentar, no ano que vem, o dólar, que está hoje R$ 2,30, vai a R$ 2,80. Cara, vou comprar o dólar hoje." O que acontece então? O dólar vai a R$ 2,80 hoje. Isso se você acredita na perfeita racionalidade dos mercados. Isso se forem pessoas que sabem o que estão fazendo, que vão fazer e que têm condições políticas para fazer. O que os agentes econômicos fazem? Antecipam. Por que o Plano Real deu tão certo? As pessoas disseram: "deixa eu entrar nessa jogada logo".
E a questão da inflação?
Edmar Bacha: Como já disse o Pérsio (Pérsio Arida, um dos formuladores do Plano Real), precisamos de um "desfazimento" de todas as distorções criadas nos últimos anos no contexto dessa "defunta nova matriz macroeconômica". Como parte da defunta, há um processo de segurar a inflação através do controle de preços básicos, especialmente energia e petróleo. Obviamente, isso vai ter que ser desfeito. Mas como faz se esse processo? É melhor fazer de uma vez ou por meio de um de ajuste?
O que o sr. acha mais adequado?
Edmar Bacha: Vai depender. Quem chegar lá terá de avaliar as condições macroeconômicas. Em um de seus livros, Inflação: gradualismo ou tratamento de choque, de 1970, Simonsen (Mario Henrique Simonsen, ex-ministro da Fazenda) queria o tratamento de choque. Bulhões (Otávio de Gouveia Bulhões, também ex- ministro da Fazenda), o gradualismo. Ganhou o gradualismo. Foi por isso que a gente não conseguiu baixar a inflação. Teria sido melhor fazer um tratamento de choque naquela época? Sim, diria hoje. Era melhor ter sofrido um ou dois anos, mas ter 20 à frente. É possível, politicamente, fazer isso? Sabemos que, se for um governo de oposição, o acirramento vai ser extraordinário. Como isso combina com mecanismos outros que o governo possa acionar para compensar esse agravamento dessa distorção de preços? O custo de vida vai subir. Como evitar que isso se transforme num ciclo inflacionário? Tudo isso vai depender um pouco da avaliação concreta de quais são as condições macroeconômicas e as condições políticas de implementação da uma política. O segredo todo é trazer o público com você. Quer dizer: "olha, nós vamos fazer isso". Agora, como você faz isso sem que haja antecipações negativas? Esse que é o problema de uma política econômica transparente. Você não anuncia que vai desvalorizar o câmbio amanhã, porque hoje o mercado desvaloriza em cima da sua cara. Você tem que entender o processo de formação de expectativas e tratar de usá-lo a seu favor - e não contra você.
Mas explique melhor como seria feito esse "desfazimento"?
Edmar Bacha: Será preciso colocar o tripé de novo de pé. Mas, ao lado disso, temos que considerar as questões levantadas pelo Armínio (Armínio Fraga, ex-presidente do BC). Uma vez que você reconstruiu o que foi abalado, no ponto em que estava, temos que continuar o processo de construção institucional nas áreas monetária e fiscal. Porque o tripé, como bem apontou o Pérsio, era manco. Ele funcionava com base numa taxa de juros absurda. E queremos um tripé que funcione com base numa taxa de juros internacional. Portanto, precisamos continuar construindo as instituições que apoiem a política monetária para que ela tenha uma maior potência e possa fazer com menos juros o mesmo trabalho sobre a inflação. Tenho ideias sobre isso, no meu "artiguinho" de 2011: "Além do tripé".
Qual seria a linha?
Edmar Bacha: Estabelecer teto para dívida líquida e bruta, meta inflacionária de longo prazo, com limite para o crescimento do gasto público. Tudo isso é parte do processo.
O sr. já apresentou essa proposta a algum candidato?
Edmar Bacha: Obviamente eu discuto essas ideias. Vocês devem querer saber sobre a minha relação com o Aécio (Aécio Neves, senador por Minas Gerais e provável candidato do PSDB à Presidência da República). Não é segredo para ninguém que sou tucano. Mas não estou na campanha. Quando o Aécio me pergunta alguma coisa, eu apenas digo o que eu acho.
Vocês têm conversado?
Edmar Bacha: Não. A última vez que conversei com o Aécio foi sobre o discurso dele. Esse discurso que ele fez sobre o Real.
Que cenário o sr. está vendo para a campanha?
Edmar Bacha: Do nosso lado houve o apaziguamento interno. Desde o Fernando Henrique, esta será a primeira eleição em que o partido vai estar íntegro, apoiando um candidato. O trabalho do Aécio foi feito todo em cima disso e foi conseguido. O partido está unificado. Agora, temos que conseguir os palanques regionais. É isso que o Aécio está falando atualmente. A etapa final é na hora em que a TV se abre, após o fim da Copa. Aí vamos para o debate público.
A economia vai ter um peso maior nessa eleição?
Edmar Bacha: Do jeito que as coisas estão indo, com certeza. A insatisfação existe. É uma insatisfação difusa. O emprego ainda está alto, mas, por outro lado, os preços estão saindo do controle. Existe medo do que o futuro promete. Há muita insatisfação com a qualidade dos serviços públicos. Existe o desejo de mudança. Isso está nas pesquisas de opinião pública. As pessoas estão insatisfeitas, estão querendo alguma coisa nova.
Um dos motivos que odeio usar a Coreia como exemplo é que eles receberam muito dinheiro para não cair nas mãos dos comunistas, não é bem o exemplo de uma democracia que deu certo por si só.A Coreia tem grandes grupos empresariais exportadores, com tecnologia de ponta, educação de primeira. Se começarmos a fazer uma lista de requisitos para o desenvolvimento, não vamos parar mais. Volta e meia tem gente que faz uma lista de tudo que precisa ser consertado no Brasil e na hora que você vê a lista fica desesperado. Se é preciso consertar tantas coisas, não vamos chegar lá. Mas como Hirschman (Albert Hirschman, economista americano) nos ensinou: temos de pensar em termos de estratégia. Quais são os fatores críticos que, uma vez alterados, forçam o realinhamento do resto? Estou convencido, por todas as razões que acabo de falar, que para o Brasil crescer o caminho é a abertura para o comércio internacional.
Otaviano Canuto: "Há uma armadilha no caminho do Brasil"
Um país passar de pobre a remediado é um feito importante que o Brasil já realizou. Mas passar de remediado a desenvolvido é um jogo bem mais difícil
MARCOS CORONATO
http://revistaepoca.globo.com/Brasil/no ... rasil.html#
O Brasil é considerado, pelo banco mundial, um país com renda por habitante de nível médio para alto. Esse status foi confirmado em 1987 e ameaçado pela última vez em 2002. Estamos na faixa de renda por habitante entre US$ 4 mil e US$ 12.500 por ano. Por esse critério, parecemos bem próximos dos cerca de 30 países ricos da mesma classificação. Mas há um obstáculo no caminho. A maioria das nações empaca nesse estágio do enriquecimento – elas ficam presas numa “armadilha de média renda”, com crescimento insuficiente para dar o salto seguinte. O brasileiro Otaviano Canuto, vice-presidente do Banco Mundial para combate à pobreza, vem estudando o tema. É natural que economias maiores e mais maduras cresçam menos, mas Canuto concluiu que o problema é outro. Para ele, a estratégia que serviu ao Brasil (e à maioria dos países da turma remediada) para escapar da pobreza simplesmente não funciona para escapar do nível de renda atual. O problema foi detalhado num artigo publicado em setembro, escrito em coautoria com Pierre-Richard Agénor, professor da Universidade de Manchester, no Reino Unido. O estudo dá ênfase à importância da educação e das telecomunicações, ajuda a entender por que o Brasil cresce menos do que precisa e como lidar com esse problema.
EFEITO EM CADEIA O economista Otaviano Canuto em visita a São Paulo. Ele crê que a combinação de boa educação e estrutura de telecomunicações tem consequências ainda melhores do que se imaginava (Foto: Silvia Costanti/Valor/Folhapress)
O economista Otaviano Canuto em visita a São Paulo. Ele crê que a combinação de boa educação e estrutura de telecomunicações tem consequências ainda melhores do que se imaginava
ÉPOCA – O Brasil corre hoje o risco de ficar preso numa armadilha de baixo crescimento?
Canuto – Acho que ele é baixo hoje, mas o Brasil corre esse risco se não avançar no ritmo necessário para a educação de qualidade. O país tem de fazer a transição para um sistema que premie o desempenho dos professores e em que os estudantes tenham melhores resultados em exames como o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos, organizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Além disso, precisa recuperar a capacidade de investir em infraestrutura, a tradicional – transportes, energia – e a avançada, de telecomunicações. Esse atraso, aliás, pode ser visto como problema e oportunidade. Se as deficiências de infraestrutura forem enfrentadas, o efeito em aumento de produtividade e redução dos gargalos será tamanho que abrirá oportunidade de o país continuar crescendo substancialmente. No caso da infraestrutura, quanto mais o Brasil perseguir a criação de campeões nacionais nessas áreas, maior é o risco de deixar para trás o usufruto e o potencial produtivo do acesso às novas tecnologias para todos os outros. Vimos isso na época da reserva de informática. O país pagou um preço. Ela não gerou os campeões nacionais e deixou os usuários atrasados. O custo para os usuários tem de ser levado em conta o tempo todo.
ÉPOCA – Mas o país foi bem-sucedido ao passar de economia de baixa renda para média renda. Por que o processo não continuaria?
Canuto – Aí é que está: isso não é um processo contínuo. É o que se conclui da observação dos países na história recente que fizeram a transição para a renda alta. Não são muitos. Pelas definições do Banco Mundial, quando você olha de 1960 para cá, apenas 13 territórios, entre 101 considerados com renda média naquela época, conseguiram passar para o patamar mais alto. Entre esses, há sete casos que servem mesmo como referência: Japão, Coreia do Sul, Cingapura, Israel e Ilhas Maurício, além de Hong Kong e Taiwan, que no Banco Mundial tratamos como parte da China.
ÉPOCA – Por que os outros seis casos não servem de exemplo?
Canuto – Não são casos ilustrativos. Um é o da Guiné Equatorial – um país na África, pequeno, com menos de 1 milhão de habitantes, extremamente bem-dotado de recursos naturais, renda muito elevada e muito mal distribuída. Outros cinco casos são muito peculiares: Porto Rico, parte dos Estados Unidos, e Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda, que se integraram ao espaço econômico europeu.
ÉPOCA – Como foi o primeiro salto dos países que passaram do nível de baixa renda para o de média renda?
Canuto – Podemos supor que nem a metade dos 101 países de renda média em 1960 estava nessa condição 50 anos antes. Há uma história em comum entre essas economias, a América Latina e outras partes do mundo em que aconteceu, no passado, a transição de baixa renda para média renda: durante um processo de urbanização, houve um crescimento elevado por um longo período. Isso refletiu a transferência da atividade dos setores de subsistência, de baixa produtividade, de baixo valor de mercado, em geral na área rural, para atividades mais modernas, com mais capital e tecnologia. Mas isso ocorreu sem grandes novos requisitos educacionais. Não é um processo automático, mas ele aconteceu e acontece com relativo êxito. Em geral, essa mudança vem acontecendo no mundo sem necessidade de grandes saltos educacionais e na capacitação técnica do país.
ÉPOCA – Para essa transição, basta um treinamento básico?
Canuto – É isso. São trabalhos que envolvem tecnologias já disponíveis, não tão sofisticadas. É a história do Brasil nos anos 1950, 1960, 1970, da Coreia do Sul nos anos 1970 e 1980, do Japão antes disso. Não há nenhum caso que eu conheça, dessa mudança de baixa renda para média renda, que não possa ser razoavelmente descrito por essa história. Como todo estereótipo, exige ajustes aqui e acolá. Na América Latina, o processo ocorreu no pós-guerra e a partir do mercado doméstico. Na Ásia, foi num momento mais recente, e usou o mercado externo como alavanca para aumentar a velocidade do processo. E lá houve muito mais ênfase na educação do que em nosso continente. A transição para a média renda foi muito mais sólida no caso da Ásia do que no da América Latina.
"Sete países servem de exemplo. Eles investiram em educação, infraestrutura, direitos de propriedade e flexibilidade das regras trabalhistas"
ÉPOCA – Como funciona o segundo salto, da média renda para a alta renda?
Canuto – O que caracteriza aqueles sete casos que mencionei que servem de exemplo? Em todos eles, a partir de certo momento, foi esgotado o filão da simples transferência de gente (entre setores e do campo para a cidade). Esses países foram para outro estágio, em que a mão de obra precisa ser muito educada. Mas não basta fazer o esforço educacional se não houver um escoadouro da mão de obra para atividades de maior conteúdo tecnológico. Houve a criação local de capacidade de gestão, de organização de processos de produção, em setores com alto valor de mercado na economia mundial. A transição da média renda para a renda alta acontece quando uma parcela crescente da população é ocupada com atividades no alto da escala de sofisticação tecnológica. Elas exigem manejo de tecnologia, a adaptação, a inovação em processos e produtos. No Brasil, você tem altas capacidades tecnológicas e gerenciais, como a que você encontra na Embraer, na Petrobras, na agricultura. Mas a proporção dessas atividades não é alta o suficiente para puxar para cima a renda média do país.
ÉPOCA – Como uma boa infraestrutura ajuda a alavancar um país para o grupo dos países de renda alta?
Canuto – A experiência dos asiáticos, de Israel e das Ilhas Maurício revela também que a infraestrutura adequada e no lugar certo é uma condição necessária para o sucesso. Refiro-me à infraestrutura básica, de transportes, energia, e a mais sofisticada, de telecomunicações, banda larga. Esse é um pilar necessário para a circulação de ideias e inovações. Em todos os países que deram o segundo salto também houve o fortalecimento dos direitos de propriedade e de auferir retornos com a introdução de inovações em produtos e processos. Esse é um ponto em que países como a China terão de adaptar seus sistemas se quiserem dar o salto no futuro. Nos casos em que houve o salto, há a percepção, por parte do investidor, de que quem introduzir inovações pode se apropriar do retorno obtido. Algumas sobrancelhas no Brasil vão se erguer com o que vou dizer, mas outro ponto que ajudou foi certa flexibilidade do mercado de trabalho. A contratação, num sistema rico em inovações, tem de ser mais flexível do que num sistema de produção em massa, porque os resultados são muito mais incertos. O fôlego da transição dependerá de haver uma estrutura física e institucional que a sustente e um ambiente amigável para a tomada de riscos.
ÉPOCA – Essa lógica inclui setores não tecnológicos, como entretenimento, moda e outros serviços sofisticados?
Canuto – Sim. Essas atividades têm valor extremamente alto, com conteúdo “tecnológico”, num sentido mais amplo, muito alto, desenvolvido localmente.
ÉPOCA – Por seu estudo, dar esse segundo salto é mais difícil. Que países parecem presos hoje na armadilha do baixo crescimento?
Canuto – A Argentina é um. A base educacional da população já foi muito elevada, talvez sem a proporção de ciência e engenharia que seria interessante, e o país chegou a desenvolver capacidade tecnológica em algumas áreas. Mas está patinando há décadas. A armadilha da média renda é caracterizada, normalmente, por baixo crescimento da produtividade e uma parcela relativamente baixa de profissionais de alta qualificação em atividades criativas.
ÉPOCA – Há países no rumo correto para continuar crescendo sem cair na armadilha?
Canuto – O Chile é um excelente caso e está numa trajetória dessa natureza. O desafio dele será ter uma parcela crescente da população ocupada em atividades superiores em sofisticação na cadeia de matérias-primas. O México também vai bem. Mas ainda precisa de um regime de direito à propriedade mais condizente com a inovação, precisa quebrar a rigidez em áreas como petróleo e telecomunicações.
Se você realmente ler o artigo do Bacha verá que ele também elenca uma lista grande de coisas que precisariam ser feitas antes da abertura comercial, e que esta seria um objetivo de médio/longo prazo. É muito diferente de se apegar a um único ponto, no caso a abertura comercial.Marechal-do-ar escreveu:E em negrito o que acho um erro (na verdade quase um crime) que muitos economistas fazem, escolher um único ponto como o responsável por tudo, sim, A Coreia exporta bastante, mas não é só isso, eles também investiram muito em educação, infraestrutura e tem uma estrutura de impostos racional.
Sim, a lista de coisas que precisam ser mudadas no Brasil é grande, e não, não acho que exista um único item que, se alterado vai magicamente consertar o resto (bem, o primeiro que precisa ser alterado é a corrupção porque trava todo o resto mas, ainda assim, o resto ainda exigiria muito esforço), o jeito para crescer 5% ao ano é pegar essa lista de coisas e consertar cada uma delas, algumas demoram um tempo para ficar pronta (ex: educação) e essas mais demoradas que acho que são as mais prejudicadas pelas soluções mágicas, porque, ao invés de parar com o papo furado e iniciar logo a solução de longo prazo ficam discutindo soluções mágicas que não funcionam e deixam as soluções reais para depois que as mágicas falham.
Segundo ele tem que mexer em algumas coisas para possibilitar a abertura, ainda assim, o que ele diz basicamente é que a abertura é a mágica que fará o país se desenvolver, não é.LeandroGCard escreveu:Se você realmente ler o artigo do Bacha verá que ele também elenca uma lista grande de coisas que precisariam ser feitas antes da abertura comercial, e que esta seria um objetivo de médio/longo prazo. É muito diferente de se apegar a um único ponto, no caso a abertura comercial.
A economia "estar bem" é algo abstrato.LeandroGCard escreveu:O Bacha não chegou a levantar esta questão da educação, mas isso é até porque ela só fará diferença se o restante da economia estiver andando bem.
Para um país ser desenvolvido é preciso ter engenheiros trabalhando como engenheiros, ter engenheiro vendendo sanduíche na praia não é coisa de país desenvolvido, ter analfabeto vendendo sanduíche na praia menos ainda.LeandroGCard escreveu:Caso contrário só o que se conseguirá será mais engenheiros vendendo sanduíches na praia. O caso argentino já mostrou que apenas ter um povo educado não é condição suficiente para um país se tornar desenvolvido.
Acho a inserção internacional extremamente importante... Para países como Uruguai ou Bélgica...LeandroGCard escreveu:E há de se concordar com ele de que no mundo de hoje uma economia fechada irá sempre estar distorcida e sujeita a problemas de alinhamento de preços e falta de inovação. A inserção internacional em algum nível bem maior do que o observado no Brasil é um requisito tão importante quanto educação melhor e mais disseminada para o desenvolvimento (e também muitos outros pontos, e infelizmente o Brasil está mal em todos).
Se o grupo da Bacha está vendendo a ideia de que a abertura comercial pura e simples é a solução para o crescimento saudável da economia brasileira então eles estão muito errados, e inclusive isso já foi testado antes ao tempo do Collor e os resultados foram nefastos. Mas não é isso que está descrito no artigo dele que eu coloquei.Bourne escreveu:Não.
O Bacha está vendendo uma solução mágica em cima de uma problema conhecido. Floreando e gastando a citação de muitos autores para vender o peixe. A proposta dele é de primarização da economia sim. Essa é a solução para o Brasil por que criar eficiência e bem estar social. Ele não fala na cara, mas os colegas da casa da garça dizem abertamente.
A solução que desenham é coisa de lobista ou ideólogo. Ninguém leva a sério desde os anos 1990s. Por ser insuficiente e irreal por ser mais que refutado na literatura (Dani Rodrik, Otaviano canuto, Saez, Pikketi) e políticas atuais ao redor mundo desenvolvimento e emergentes. Estão no escopo político tributária, políticas educacionais e de bem estar social, instituições favoráveis ao desenvolvimento, intervenção por regulação, direcionamento de esforços como política industrial, desonerações e estrutura de crédito público.
A reforma todos sabem que tem fazer. A integração produtiva e reformas são mais que conhecida. Não é abertura. É INTEGRAÇÃO. Não existe mágica. O poder do mercado interno e capacidade produtiva são uma grande vantagens e não pode serem ignorado.
Aliás, lembro da sua posição contrária contra reforma tributária pelo aumento do imposto de renda e riqueza em detrimento de onerar. Foi totalmente contrário. Se o brasileiro médio tem essa posição por ser achar bilionário. Imagine a dificuldade de aprovar uma reforma nesse sentido.
Economia
Análise / João Sicsú
20 anos depois: quem são os donos do plano Real?
A estabilização da inflação aconteceu ao custo da substituição de produtos nacionais por importados e o agravamento da situação fiscal. Por João Sicsú
por João Sicsú — publicado 17/03/2014 16:27, última modificação 18/03/2014 09:09
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/economia ... .html/view
Coube, sim, aos economistas do PSDB patrocinar o não aprofundamento da fase de sincronização dos preços, a promoção de uma enorme substituição de produtos nacionais por produtos importados durante a fase de estabilização e o agravamento da situação fiscal brasileira
O plano Real, lançado em 28 de fevereiro de 1994, foi um plano influenciado pelas ideias do economista inglês John Maynard Keynes e pelas experiências hiperinflacionárias europeias (da primeira metade do século XX), mas que contou com uma questionável administração de economistas brasileiros e com as (des)orientações do Fundo Monetário Internacional (FMI). Longe de ter sido “idealizado por Fernando Henrique Cardoso”, como afirmam O Globo e outros veículos assemelhados, o plano foi organizado e dirigido exclusivamente pelos economistas do PSDB.
Fernando Henrique Cardoso (FHC) era o ministro da Fazenda durante o período de lançamento do Plano. O presidente era Itamar Franco. Um mês após o lançamento do plano, FHC se desincompatibilizou do cargo para se candidatar à Presidência da República pelo PSDB. Rubens Ricupero assumiu o ministério da Fazenda. Ricupero deveria ser o responsável por toda a condução do plano.
Em um estúdio da TV Globo, antes de uma gravação, o ministro da Fazenda revelou reservadamente ao jornalista Carlos Monforte suas intenções, vontades e ideias sobre o plano Real. Não contava, contudo, que estava em canal aberto para algumas residências que possuíam antena parabólica. Sua conversa com o jornalista foi gravada e divulgada.
O ministro, falando informalmente sobre o plano Real, disse: “O que é bom a gente fatura. O que é ruim, esconde.” Além disso, afirmou que era o principal “cabo eleitoral” de FHC. Ele se considerava também um achado para a Rede Globo porque a emissora poderia fazer a campanha de FHC através das suas aparições - “o tempo todo no ar”, segundo palavras do próprio ministro da Fazenda.
Após a divulgação da sua conversa com o jornalista da Globo, não restou outra alternativa: ele pediu demissão do cargo em 6 de setembro para não contaminar a campanha tucana à Presidência. Contudo, o mais importante para entendimento da economia política do Real foi a proposta econômica que o ministro fez durante a conversa informal e que viria a se tornar o carro-chefe da fase de derrubada da inflação proposta no plano. À frente, este ponto será desenvolvido.
Antes do lançamento da nova moeda, o real, a inflação era elevada. Mais do que isso: existia um regime de alta inflação, isto é, havia uma dança de preços. Alguns preços subiam porque outros tinham subido. E estes subiam porque aqueles haviam subido. E assim os preços aumentavam de forma sucessiva. Havia uma corrida de preços, mas de forma dessincronizada: aumentavam em momentos diferenciados e com percentuais diferentes. Além disso, nenhum contrato era assinado com a moeda corrente, o cruzeiro real. Os contratos usavam moedas fictícias (referências) ou algum índice para indexar o seu valor à inflação e/ou aos desejos dos contratantes.
Muito foi acumulado em termos de discussões e experiências desde o Plano Cruzado de fevereiro de 1986 até o lançamento do Real. Nos meios acadêmicos fervilhavam artigos e debates sobre o assunto. O Plano Cruzado havia dado errado por um simples fato: o seu carro-chefe foi o congelamento de preços. O raciocínio era simples: se os preços sobem porque outros já subiram, então congelam-se os preços e não haverá mais motivos para reajustes. Errado: os preços estavam dessincronizados, então quem ficara “mal na foto” (isto é, ainda não tinha reajustado o seu preço) no momento em que houve o congelamento não aceitou aquela situação e reagiu, reajustando seus preços. Aí... os outros reagiram também. Assim, ruiu o congelamento e o Plano Cruzado. Utilizado eleitoralmente pelo PMDB, o congelamento de preços foi mantido (com a Polícia Federal e fiscais nas ruas) somente até as eleições de novembro de 1986. O resultado: o PMDB ganhou o governo dos estados de todas as unidades da federação, exceto Sergipe.
Além da experiência do Cruzado, havia mais uma lição muito importante na história econômica. Keynes, o economista inglês, foi convidado pelo governo alemão, em 1922, a apresentar um plano para derrubar a hiperinflação alemã.
Os pilares do Plano de Keynes eram os seguintes: (i) a derrubada da inflação deveria ser uma iniciativa do governo, já que desconfiava de qualquer tipo de ajuda externa, (ii) fixação da taxa de câmbio para promover a estabilização, já que os preços estavam perfeitamente indexados ao dólar (isto é, os preços subiam de forma sincronizada todos os dias) e (iii) os déficits públicos seriam curados posteriormente, depois da estabilização e como consequência do crescimento econômico (que possibilitaria aumento da arrecadação).
Estas lições eram bastante conhecidas entre os economistas brasileiros no início dos anos 1990. Minha dissertação de mestrado, defendida em 1993, intitulava-se “As lições do Plano Keynes para um projeto de estabilização”. Muitos economistas escreveram trabalhos acadêmicos relevantes relacionando as ideias de Keynes, os países que conviveram com a hiperinflação e um plano de estabilização para o Brasil. Destacavam-se Paulo Nogueira Batista Jr. e Gustavo Franco. Rudner Dornbusch, um professor americano do MIT – e que com frequência visitava o departamento de economia da PUC-Rio, ninho dos economistas do PSDB – republicou parte do Plano Keynes em 1987 em artigo de sua autoria.
Na primeira parte da década de 1990, havia uma grande lição já apreendida do Plano Keynes e do fracasso do Cruzado: era preciso sincronizar a dança dos preços com a variação diária do valor do dólar. Dado este passo, o próximo seria o lançamento de uma âncora cambial (cuja versão mais recomendada era o congelamento da taxa de câmbio em um patamar de equilíbrio, isto é, que estimulasse exportações e defendesse o mercado doméstico da invasão de produtos importados). O FMI aproveitou este ambiente para lançar mais uma de suas ideias: países “irresponsáveis” não poderiam ter sequer moeda, deveriam utilizar o dólar americano como moeda. O FMI foi o principal incentivador da radical dolarização argentina, que quase extinguiu o peso durante a década de 1990, e do fim da moeda nacional (o sucre) no Equador, que até hoje está sem sua própria moeda – apesar de ser governado pelo antineoliberal Rafael Correa.
Os economistas do PSDB inventaram uma dolarização disfarçada para a economia brasileira. Uma boa invenção, originária nas proposições de André Lara Rezende e Pérsio Arida (proposição conhecida à época por “Larida”). Lançaram no dia 1º de março de 1994 a Unidade Real de Valor (URV), que valia 1 dólar americano e tentaram por 4 meses (de março a junho) URVerizar todos os preços. Em outras palavras, estimularam que os preços subissem todos os dias de forma sincronizada e referenciada na URV que valia 1 dólar – e que variava de valor todos os dias.
A tentativa de dolarização/sincronização de preços à brasileira foi um fiasco. Somente os contratos públicos (energia elétricas e outros) aderiram, de fato, à URV. Existem trabalhos científicos (nunca contestados) publicados na Revista de Economia Política que demonstram esta afirmação. Na época, surgiu um racha entre os economistas do PSDB. Uns avaliavam que seria necessário que o período de dolarização/sincronização tivesse pelo menos um ano para que todos os preços aderissem à URV. Outros, não. O motivo para o tiro curto de apenas quatros meses foi essencialmente eleitoral.
Óbvio que uma boa sincronização seria desejada para que a fase seguinte, a da estabilização, fosse bem sucedida – afinal, a lição do Cruzado estava viva na memória dos economistas. Mas a parte vencedora argumentou que tal fase deveria ser curta (não havia tempo, diziam). A fase de estabilização deveria chegar logo, deveria ocorrer pelo menos quatro meses antes das eleições de novembro de 1994. Caso contrário, perderiam as eleições, já que Lula estava bem na frente de FHC – em maio, as pesquisas apontavam a vitória do petista no primeiro turno (43% contra 17% de FHC) – a reviravolta eleitoral somente ocorreu depois de 1º de julho, quando entrou em cena a nova moeda, o real, em substituição à velha, o cruzeiro real.
A fase de sincronização da dança de preços via URV foi um fiasco econômico. Então, alguns céticos do plano Real pensaram que tudo daria errado porque os preços voltariam a dançar e subir, tal como no Plano Cruzado. Os economistas do PSDB sabiam que isto, de fato, poderia ocorrer. Lançaram mão de uma “âncora” inovadora: câmbio megavalorizado e abertura comercial. A âncora lançada em 1º julho não foi a do câmbio fixo e equilibrado, tal como estava no Plano Keynes, mas sim a do câmbio flutuante (para baixo) e do câmbio megavalorizado (inicialmente com R$ 1 comprava-se US$ 1,mas logo em seguida com 84 centavos de real comprava-se 1 dólar americano). Com esse câmbio e com a abertura comercial, as pressões por reajuste foram dissolvidas de forma truculenta com uma invasão avassaladora de produtos importados.
O caminho foi exatamente aquele anunciado pelo ministro Ricupero na conversa reservada que foi capitada pelas antenas parabólicas. Ele considerava que quem desejava fazer reajustes eram “bandidos” e que ele daria uma “pancada” promovendo importações. Disse:
- Eu vou fazer um troço firme.
- É pra tudo quanto é bem de consumo e tal. Importação de tudo. ... Bens duráveis também.
- Vou fazer uma coisa grande.
- É tudo bandido.
O que manteve os preços estabilizados, após o lançamento da nova moeda em 1º de julho de 1994, foi a concorrência desleal de produtos importados – essa foi a principal “âncora” do plano Real – não existiu qualquer âncora cambial, tal como sugerida por Keynes ou aplicada em diversas experiências. Não houve acomodação de preços, mas sim o deslocamento de produtos nacionais e a introdução de produtos importados no mercado doméstico brasileiro. O valor das importações de bens de consumo era, em 1993, US$ 3,2 bilhões; em 1998, alcançou US$ 10,8 bilhões – mais que triplicou!
Dessa forma, os preços foram controlados e as pressões foram, dissolvidas pela exclusão de produtos domésticos do mercado brasileiro. Logo em seguida, para fazer crer que o que estava funcionando era a âncora cambial, foi permitida a concessão de crédito bancário em dólares – a operação era feita em real, mas era convertida de acordo com a taxa de câmbio do dia. Também a dívida pública interna foi, em boa parte, dolarizada para fazer crer que até o governo não aceitaria uma desvalorização.
Embora vendessem a fantasia do câmbio fixo, o crucial para os economistas do PSDB, à época, não era se o câmbio estava congelado, mas sim se ele estava megavalorizado para ser combinado com uma estratégia de abertura comercial. As importações cresceram, o saldo negativo com o exterior aumentou e os preços foram estabilizados, mas com taxas de juros estratosféricas com o objetivo de atrair dólares para o país. Essas taxas de juros bancavam a avalanche de importações de bens de consumo. Em 1994, a taxa de juros Selic média foi superior a 70% ao ano; em 1995, superior a 54%. No período que vigorou o plano Real, entre 1º de julho de 1994 a meados de 1999 (quando foi implantado o regime de metas de inflação), a taxa de juros Selic média foi de 38% ao ano.
Em 1998, a taxa de câmbio super-hiper-megavalorizada já não era mais suportável. Houve muitos debates internos entre economistas do PSDB e foi decidido pelo presidente-candidato à reeleição que a desvalorização somente ocorreria após as eleições de novembro. Vitorioso nas urnas com a promessa que não haveria desvalorização (veja a capa de O Globo de 31 de agosto de 1998: FH GARANTE QUE NÃO MEXE NOS JUROS NEM NO CÂMBIO). Mas em janeiro de 1999, FHC substituiu o presidente do Banco Central, que estava provavelmente entre aqueles que não queriam a desvalorização, e autorizou o desmonte da farsa eleitoral e econômica: o câmbio foi desvalorizado.
Os céticos erraram novamente. Pensaram: “agora a coisa afunda”. Não percebiam que a âncora do Real era outra. Apesar da desvalorização ocorrida dentro de uma “banda diagonal transversa”, segundo os termos quase ininteligíveis do novo presidente do Banco Central, o dólar continuava muito barato.
Esta foi a história do Plano Real. Entre 1999 e 2003/4 houve somente o aprofundamento dos fundamentos macroeconômicos ditados pelos economistas liberais do PSDB e pelo FMI. Os resultados dos anos de Plano Real foram dramáticos em termos de criação de empregos formais, de crescimento e concentração de renda.
A “responsabilidade” fiscal apregoada (pelo FMI e os economistas do PSDB) foi transformada em elevação da carga tributária e da dívida líquida pública como proporção do PIB. Os resultados fiscais somente viriam a melhorar (e muito) com o crescimento econômico da era Lula – tal como sugeria o Plano Keynes. Cabe lembrar que a primeira fase do Real, anterior à suposta sincronização de preços e à estabilização da inflação, era a fase da busca do equilíbrio das contas públicas. Neste ponto talvez resida o maior desastre do plano Real. A dívida líquida do setor público em relação ao PIB, de 38,2% em 1993, saltou para 48,7% em 1999.
A maior herança benigna do Plano Real foi a consciência antiinflacionária absorvida pela sociedade (para a qual o plano Cruzado também contribuiu). Sim, a inflação foi controlada, mas isso não isenta os organizadores e condutores do plano Real de seus graves equívocos. Por outras vias, mais aderentes ao plano Keynes, a inflação também teria sido debelada – é o que mostram inúmeras experiências. Não foi somente o Brasil que enfrentava um regime de alta inflação e não foi somente o Brasil que conseguiu superá-lo. Por exemplo, na Argentina, nos cinco primeiros anos pós-estabilização, a economia cresceu em média 7,8% ao ano – em seguida as orientações do FMI levaram a Argentina para uma crise profunda. Mas, no Brasil, o crescimento foi medíocre e, em decorrência, os custos sociais foram altos demais.
A primeira fase do Real promoveria um ajuste fiscal e melhoraria os resultados das contas públicas. Ocorreu o inverso. A segunda fase, a da sincronização do reajuste de preços, foi apenas “para inglês ver”. E a terceira fase, a da estabilização, obteve êxito, mas alcançou seu objetivo à custa de juros altos para conter a perda de reservas, desnacionalização da economia, geração de poucos empregos formais, baixo crescimento e concentração de renda. Poderia ter sido bem sucedida sem estes custos.
Ainda sobre a última fase do Real, a fase de estabilização, que foi de julho de 1993 a meados de 1999, vale uma observação muito importante: a inflação média desse período foi superior a 12% ao ano – uma inflação muito superior à inflação dos últimos dez anos, que é inferior a metade daquela registrada nos anos que são hoje comemorados pelo PSDB. Portanto, o que o plano Real fez, de fato, foi lançar as bases da estabilização consagrada apenas no último decênio – é o que está provado pelos números. Mas cabe uma observação: a sociedade brasileira precisa de muito mais do que uma economia com inflação controlada – e tudo o que vai além disso não foi sequer iniciado nos governos do PSDB.
Vale o exame de alguns outros números. A concentração de renda foi extraordinária nos anos do plano Real: a participação dos salários no PIB caiu de 45,1% em 1993 para 38,2% em 1999. A carga tributária aumentou 11% entre 1993 e 1999. A taxa média de crescimento econômico foi de 2% (a mesma taxa de crescimento do governo Dilma). No primeiro mandato de FHC, que corresponde à aproximadamente ao período do plano Real, foram criados apenas 824 mil empregos formais (em 4 anos), um número ridículo se comparado à média da última década, que tem sido a criação de mais de 1 milhão de empregos formais por ano.
A concepção original do Plano Real era excepcional e tinha base teórica e histórica – contudo, não foi uma invenção de economistas brasileiros. Coube, sim, aos economistas do PSDB patrocinar o não aprofundamento da fase de sincronização dos preços, a promoção de uma enorme substituição de produtos nacionais por produtos importados durante a fase de estabilização e o agravamento da situação fiscal brasileira. Mas hoje, 20 anos depois, somente lembram do que chamam de derrubada da inflação. Não possuem sequer a honestidade intelectual para reconhecer os erros e os custos sociais pagos em nome de estratégias eleitorais e crenças neoliberais.
O grupo do bacha, casa da garça e PUC-Rio que estão agregados ao PSDB se dividem em dois grupos. Um formado técnicos muito bons na área deles. Daqueles que tu solta da coleira e diz "vai lá e negocia a reestruturação da divida do uruguai". Depois põe na coleira e mede a extensão e impactos do parecer para ver se vale a pena. Porém, não entendem nada de competitividade e desenvolvimento, menos ainda sobre como pensar um país. Outro de gente que defendem interesses descarados que douram a pilula para não chocar os eleitores.LeandroGCard escreveu:Se o grupo da Bacha está vendendo a ideia de que a abertura comercial pura e simples é a solução para o crescimento saudável da economia brasileira então eles estão muito errados, e inclusive isso já foi testado antes ao tempo do Collor e os resultados foram nefastos. Mas não é isso que está descrito no artigo dele que eu coloquei.
E isso não muda o fato de que sem um grau muito maior de abertura do que existe hoje vamos continuar presos na armadilha de fabricar apenas produtos defasados, prática de preços abusivos e baixíssimo investimento em inovação. O simples fato do mercado interno ser grande não resolve estes pontos, principalmente no caso específico brasileiro em que a maioria absoluta das empresas de maior porte instaladas aqui são filiais de companhias estrangeiras que já tem acesso a projetos prontos e em produção que foram desenvolvidos no exterior. Com o mercado fechado é muito mais simples e prático simplesmente trazer estes projetos para cá (quando não a fábrica inteira, que está sendo desativada lá fora) para produção e venda no mercado local de tranqueiras que ninguém mais no mundo quer. E o resultado disso já é conhecido por todos, nem é preciso perder tempo explicando o que acontece.
Agora, para que o país possa praticar uma abertura comercial responsável (e novamente, principalmente na nossa condição de termos o grosso das indústrias sendo companhias estrangeiras), é preciso no mínimo igualar as condições de competitividade do Brasil com a dos demais países do mundo. E para isso a quantidade de coisas a corrigir é tão imensa que chega de fato a desanimar. Mas quanto mais tempo demorarmos para começar a corrigir as distorções pior a situação vai ficar e mais difícil será alcançarmos o resto do mundo. E infelizmente os últimos governos (desde FHC) parecem ter decidido deixar como está e ir empurrando com a barriga esperando que as coisas se resolvam sozinhas. E o resultado é a situação que vemos hoje, de crescimento estagnado, segmentos industriais inteiros ficando obsoletos e perdendo toda a capacidade de competir e um sentimento de frustração crescente na sociedade, só esperando para explodir por qualquer motivo como vimos no ano passado e pode acontecer de novo a qualquer momento. E isso tudo mesmo com a melhoria dos rendimentos das classes mais baixas observadas nos últimos anos, melhoria esta que aliás não está realmente segura devido aos problemas que restringem o nosso crescimento.
Leandro G. Card
Leandro G. CardExecutivo brasileiro lidera em pessimismo
Expectativa dos diretores financeiros com o desempenho da economia é ruim
O Estado de S.Paulo - 19 de março de 2014
A percepção dos executivos brasileiros com a economia piorou no primeiro trimestre deste ano. Numa escala de 0 a 100, o otimismo dos diretores financeiros (CFOs) ficou em 52,6 pontos, abaixo dos 53,3 pontos verificados no último levantamento realizado em dezembro de 2013.
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Os números apontados pela pesquisa Panorama Global de Negócios conduzida pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Duke University e CFO Magazine relevam que o executivo brasileiro se tornou um dos mais pessimistas do mundo. Na Ásia, o otimismo está em 63,6 pontos. Na sequência aparecem, os Estados Unidos (60), seguido pela América Latina (59,2), e Europa (58,5).
O otimismo do Brasil vem caindo consistentemente ao longo das últimas pesquisas - no primeiro trimestre de 2013, chegou a ser de 63,5 pontos - e a expectativa ruim com o desempenho da economia brasileira ajudou a derrubar a média da América da Latina. Se os executivos brasileiros não tivessem participado do levantamento, por exemplo, o índice médio da região seria de 64,3 pontos. Para efeito de comparação, o indicador no Peru é de 69,8 pontos, e no Chile de 66,2 pontos.
"O Brasil está se descolando de outro países porque o resto do mundo está melhorando", afirma Klenio Barbosa, professor de economia da FGV e codiretor da pesquisa. O estudo também teve a direção do professor de finanças da FGV Antonio Gledson de Carvalho. "O otimismo do empresário brasileiro está caindo mesmo na comparação com outros países da América Latina. Isso nos leva a crer que o maior pessimismo seja motivado por fatores internos e não externos", afirma Barbosa.
O desânimo dos empresários brasileiros também pode ser medido por outro indicador. Segundo o levantamento, 68,3% dos CFOs se tornaram mais pessimistas do que no trimestre anterior, enquanto apenas 9,5% ficaram mais otimistas. Na Europa, esse indicador está em 63%, na Ásia fica em 47%, e nos Estados Unidos é de 40%.
"Esse resultado corrobora os fracos indicadores de atividade econômica do País e sinaliza que os próximos meses não devem ser positivos para a economia brasileira", diz Barbosa. No ano passado, o Produto Interno do Bruto (PIB) do Brasil cresceu 2,3%. Para 2014, a expectativa do mercado, segundo o Boletim Focus, é que a economia brasileira avance apenas 1,7%. Há quatro semanas, a expectativa de crescimento era de 1,79%.
Razões. Parte do maior pessimismo dos empresários pode ser medido pela expectativa de desaceleração no crescimento do emprego. O estudo apontou uma tendência mais fraca na contratação de trabalhadores efetivos com crescimento de 2,2%, abaixo dos 2,6% do levantamento anterior e de uma redução de 0,4% na de temporário (ante 0,7%).
Os CFOs também estão enxergando uma dificuldade para o gerenciamento do capital de giro das empresas. De acordo com a pesquisa, a taxa projetada de crescimento de gastos de capital nos últimos seis meses caiu de 7,4% para 4%. "Esse tipo de preocupação aparece quando há dificuldade de fazer um financiamento, seja porque os fornecedores não estão dispostos a emprestar para as empresas, seja porque há uma expectativa de aumento dos juros", diz Barbosa. Desde abril de 2013, o Banco Central tem elevado a taxa básica de juros. De lá para cá, a Selic aumentou de 7,25% ao ano para 10,75% ao ano.
A pesquisa Panorama Global de Negócios é trimestral e foi concluída em 5 de março. Foram entrevistados 907 diretores financeiros no mundo, sendo 379 dos Estados Unidos, 205 da Ásia, 138 da Europa e 144 da América Latina - desses, 63 do Brasil.
Artigo:Luiz Guilherme Gerbelli
Inflação que a população sente no bolso é maior que a oficial
fonte: http://noticias.uol.com.br/opiniao/colu ... e-vida.htm
A inflação de 2013, de acordo com o IPCA, foi de 5,91%. Ou, de maneira mais simples, quem não teve seu salário reajustado ficou quase 6% mais pobre. A inflação mede a evolução do custo de vida, e uma inflação alta sinaliza dificuldade na manutenção do padrão de consumo.
Toda vez que a inflação, medida pelo IPCA, é anunciada, sempre aparece um velhinho (ou uma dona de casa) dizendo que o índice é mentira, e que os preços estão subindo bem mais. Será que ele tem razão?
Sim, na maior parte dos casos o velhinho do parágrafo acima tem razão. A inflação costuma ser diferente para diferentes segmentos da população. Populações mais idosas costumam ter grande parte de seu orçamento doméstico comprometida com gastos em saúde. Quando os gastos com saúde aumentam, essa população sente isso diretamente no bolso. De maneira equivalente, donas de casa costumam sentir a inflação do supermercado, que muitas vezes é bem superior a inflação oficial.
Até agora nenhuma novidade. Então agora vou dizer algo novo: o que antes era apenas uma curiosidade, passou a ser uma dura realidade. Se, no passado, o velhinho e a dona de casa eram exemplos caricaturais, hoje parecem ser a regra. Explico: o governo passou a manipular abertamente os índices de inflação, logo tais índices deixaram de refletir a verdadeira evolução do custo de vida. Dois exemplos ilustram meu ponto: as desonerações tributárias que maquiam a inflação e o controle (beirando a um congelamento explícito) dos preços administrados.
Suponha que uma lapiseira custe R$ 5. Imagine que destes R$ 5, R$ 1 é devido em imposto. Quando um consumidor compra a lapiseira ele não comprou apenas a lapiseira. Ele comprou a lapiseira e R$ 1 em serviços do governo. Afinal, aquele R$ 1 de impostos será convertido em algum bem público.
Pois bem, suponha agora que o preço da lapiseira subiu para R$ 6. Ou seja, ficou mais caro comprar a lapiseira. Então, o governo desonera a lapiseira de impostos. Em outras palavras, não é mais necessário pagar o R$ 1 de impostos, isto faz com que o preço da lapiseira retorne aos R$ 5 originais. Um índice de preços que olhasse apenas para a lapiseira diria que não ocorreu inflação.
No entanto, no exemplo original, seus R$ 5 compravam a lapiseira e mais R$ 1 de serviços do governo. Agora, seus R$ 5 compram apenas a lapiseira. Isto é, ocorreu sim inflação, mas o governo maquiou esse índice.
De maneira geral, é isso que ocorre quando o governo faz uso de desonerações tributárias para combater a inflação. Essa manobra apenas ilude o índice de inflação, mas não altera o fato básico de que ficou mais caro manter o padrão de consumo.
Note que no caso dos bens administrados o governo faz uso de manobras similares. Seja na redução do preço da energia elétrica, seja mantendo o preço dos combustíveis artificialmente baixos, no fundo o que o governo tenta é ludibriar os índices de inflação. O governo tenta iludir a população dizendo que o custo de vida não aumentou, quando de fato esse custo aumentou muito.
Hoje existe um hiato entre o que você sente no bolso e o que o governo divulga como sendo a inflação oficial. Esse hiato decorre de manobras que o governo faz para tentar maquiar os índices de inflação. Inflação se combate com austeridade monetária e fiscal. Tentar controlar a inflação por manobras diferentes apenas resulta em varrer a sujeira para debaixo do tapete.
ADOLFO SACHSIDA
É doutor e pós-doutor em economia, e autor dos livros: "Fatores Determinantes da Riqueza de uma Nação", e "A Crise de 2007-09: Uma Explicação Liberal". Mantém o Blog: Adolfo Sachsida - Opiniões (bdadolfo.blogspot.com)
o que me deixa embasbacado, é como essas agencias ainda tem esse poder depois daquela merda enorme em 2008.24/03/2014 18h33 - Atualizado em 24/03/2014 21h48
Agência de risco Standard & Poor's rebaixa nota do Brasil
Nota de crédito da dívida foi revisada de 'BBB' para 'BBB-'.
Apesar do rebaixamento, Brasil ainda mantém 'grau de investimento'.
fonte: http://g1.globo.com/economia/noticia/20 ... rasil.html
A agência de classificação de risco Standard & Poor's rebaixou nesta segunda-feira (24) a nota de crédito soberano do Brasil, que reflete a confiança de investir no país, de "BBB" para "BBB-". A S&P também mudou a perspectiva do rating de negativa para estável.
A classificação de "BBB-" ainda mantém o país com grau de investimento, que recomenda o país como destino de aplicações, mas é o último degrau para perder esse posto. O fato de ter mudado a perspectiva para estável indica que a S&P não deve fazer novos rebaixamentos no curto prazo.
A Standard & Poor's apontou em sua justificativa sinais pouco claros da política econômica do governo da presidente Dilma Rousseff, que enfrenta um frágil quadro fiscal, e também a desaceleração do crescimento do país.
Em comunicado, a S&P disse que o rebaixamento do rating reflete a combinação de "derrapagem orçamentária" em meio às perspectivas de "crescimento moderado nos próximos anos", baixo volume de investimentos, "capacidade restrita" a ajustar a política antes das eleições presidenciais de outubro e "algum enfraquecimento das contas externas do país".
Sinalizações mistas de políticas pelo governo, com implicações negativas para a credibilidade das contas fiscais e da política econômica, além de perspectiva fraca para o crescimento nos próximos dois anos, continuam pesando sobre a flexibilidade das políticas e do perfil de desempenho do país, destacou a agência.
Em nota, o Ministério da Fazenda classificou a decisão da S&P de "contraditória com a solidez e os fundamentos do Brasil" e "inconsistente com as condições da economia brasileira".
O revés para o governo acontece duas semanas após o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ter recebido a visita de uma representação da agência de classificação, que veio ao país colher dados sobre a situação econômica brasileira e contas públicas.
Apesar de o governo ter anunciado cortes de gastos recentemente, a S&P aponta que o Brasil pode ter dificuldades em alcançar sua meta de superávit primário (economia para pagar os juros da dívida pública) de 1,9% do PIB.
Primeira revisão para baixo desde 2002
Esta é a primeira vez desde 2002 que uma das três principais agências de rating piora a classificação do país, destaca a Reuters.
A S&P foi a primeira agência que qualificou o Brasil como país com grau de investimento "BBB-", em 2008, e chegou a elevar sua qualificação para "BBB" em novembro de 2011, mas, no ano passado, tinha colocado a nota em perspectiva negativa, em decorrência do crescimento fraco e dos gastos do governo.
A agência também é a primeira a rebaixar a nota do Brasil para o primeiro degrau do grau de investimento. Pela Moody´s e Fitch, o rating do Brasil permanece no segundo degrau desde 2011.
O Brasil atingiu grau de investimento peça primeira vez em abril de 2008, durante o governo Lula. Na ocasião, o petista comemorou o marco, afirmando que o grau de investimento significa que o Brasil é um país sério e mundialmente respeitado.
Rebaixamento era esperado por parte do mercado
Embora a expectativa de parte do mercado fosse de que a mudança só viesse depois das eleições de outubro, o economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) e ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Júlio Gomes de Almeida, destaca que o rebaixamento da nota do Brasil "já era esperado".
“O que assustou muito o mercado internacional foi a redução do superávit primário de 3,1%, há alguns anos, para 1,5% do PIB, se não levarmos em conta receitas extraordinárias", disse ao G1. “A solução é dupla: tem que conter despesa e o Brasil precisa encontrar o seu ritmo maior de crescimento, que facilita o ajuste fiscal”, completou.
"O que eles estão dizendo é faça a lição de casa para não perder o outra nota e perder o grau de investimento. O alerta é esse. O governo acabou tomando medidas e decisões que colocaram em suspeita a condução da política fiscal", disse à Reuters o economista-chefe do Espirito Santo Investment Bank, Jankiel Santos.
Como o rebaixamento já era esperado, apesar de ter ocorrido antes do que se imaginava, não deve trazer muita volatilidade aos mercados, na avaliação de economistas.
Grau de investimento significa que país é seguro
A nota "BBB-" ainda significa que o país é considerado seguro para investir, mas aponta para um aumento do risco.
Quanto maior o rating de um país, melhor ele é sob o ponto de vista de atração de investimentos. A nova nota representa o primeiro degrau na escala considerada "grau de investimento", dada a países avaliados como investimento seguro pelas agências.
No mercado financeiro, o rating de um país funciona como um "certificado de segurança" que as agências de classificação dão a países que elas consideram que são bom pagadores de seus compromissos.
Confira abaixo a íntegra da nota da agência em inglês:
On March 24, 2014, Standard & Poor's Ratings Services lowered its long-term foreign currency sovereign credit rating on Brazil to 'BBB-' from 'BBB' and its long-term local currency rating to 'BBB+' from 'A-'. The outlook on our long-term credit ratings is stable.
We lowered the short-term foreign currency credit rating to 'A-3' from 'A-2', while the short-term local currency rating is unchanged at 'A-2'. The transfer and convertibility assessment was lowered to 'BBB+' from 'A-'.
Our 'brAAA' national scale rating on Brazil remains unchanged, and the outlook on the national scale rating remains stable.
RATIONALE
The downgrade reflects the combination of fiscal slippage, the prospect that fiscal execution will remain weak amid subdued growth in the coming years, a constrained ability to adjust policy ahead of the October presidential elections, and some weakening in Brazil's external accounts. Low growth prospects reflect both cyclical and structural factors, including investment as a share of GDP of only 18% in 2013 and a slowdown in growth in the labor
force. Combined, these factors underscore the government's diminished room for maneuver in the face of external shocks.
The credit ratings on Brazil reflect its well-established political institutions, broad commitment to policies that maintain economic stability, and its large and diversified economy. Following deterioration in the current account deficit and some moderation in foreign direct investment (FDI) inflows, net external debt levels are rising but remain manageable. Brazil's general government debt burden is high, but its composition remains solid (denominated overwhelmingly in local currency and mostly at fixed- or inflation-linked rates). These factors underpin the low-investment-grade ratings.
Brazil's fiscal deterioration during the past several years includes somewhat higher deficits as a result of a lower primary (or non-interest) fiscal surplus and ongoing off-budget activities. Credibility around the conduct of fiscal policy systematically weakened as the government exempted various spending and revenue items from the fiscal target, in addition to lowering the target itself over time. Persistent use of state-owned banks, financed by "below the line" funding from the Treasury, also undermined policy credibility and transparency. Fiscal execution, such as that in 2013, has become more reliant on receiving "non-current" or one-off revenues and adjusting the timing of spending outlays to meet official fiscal targets.
Policy signs ahead of the October presidential election to stem the fiscal slippage this year are mixed. In addition, so are prospects for adjustment after the election, in our view. Despite the recent budgetary reprogramming effort that cuts some spending from the 2014 budget passed by Congress, it will be difficult to achieve the formal 1.9% of GDP primary surplus target
without recourse to "one-off adjustments," in our view, given low growth and the continuation of some tax exemptions. The implementation of the recently announced measures to manage losses in the electricity sector (given low rainfall and reliance on high cost thermal energy) with a limited increase in electricity tariffs in an election year may be challenging. Whereas these
measures are in line with recent history of quasi-fiscal activity, the government appears to be reducing the pace of lending from state-owned banks, and with it "below the line" financing for them from the Treasury; if that remains on track, over time it could be supportive for the rating. However, other downside fiscal risks stem from the performance of state and local governments (whose shortfalls are no longer compensated for by the federal government) and the impending ruling from the Supreme Court regarding savings accounts (that may result in the federal government having to fund losses in the banking sector). Combined these factors could put additional pressure on Brazil's future fiscal performance.
We expect low growth in Brazil to persist over the next several years with real GDP expanding by 1.8% in 2014 and 2% in 2015. This outlook reflects some modest improvement in exports this year, and an expected stronger contribution in 2015, from lagged effects of real depreciation. Following many delays, the government's important concession program is slowly advancing and should provide some support for investment. That said, we still expect overall private-sector investment to remain lackluster given persistent negative business sentiment and a wait-and-see attitude associated with the election, the risk of energy rationing, and the lagged effects of the 350-basis-point rise in the monetary policy rate since April 2013. We expect the pace of household spending to be constrained by higher consumer indebtedness and more moderate job creation and real wage gains. The prospect for at least some additional fiscal and monetary tightening after the elections (assuming some
electricity and energy prices increases) is likely to keep growth little changed next year, in our view. We expect general government debt, net of liquid assets (not including international reserves), to rise somewhat in 2014 and 2015 to around 44% to 45% of GDP. We project that the general government deficit will rise toward 3.9% of GDP, from 3.2% in 2013, on a lower primary surplus result relative to 2013 and the government's target, and higher interest rates, with interest as a percent of revenues over 13%. We expect some decline in the deficit
beginning 2015 reflecting prospects for a somewhat tighter fiscal policy following the election. However, there is uncertainty on its size and scope. The larger change in general government debt to GDP vis-à-vis the deficit incorporates "below the line" fiscal spending, besides some fluctuations in central bank repo operations.
We expect Brazil's external vulnerability will rise somewhat over the next several years. In 2013, FDI did not fully cover Brazil's current account deficit; we expect this trend to continue, with narrow net external debt set to rise to over 20% of current account receipts from an average 10% over the past five years. Our estimates of external debt are calculated on a residency basis. They include nonresident holdings of locally issued Brazilian real-denominated government debt estimated at about US$139 billion (47% of current account receipts) in 2013. They do not include, however, debt raised offshore by Petrobras and upstreamed in the form of FDI to the head office. That said, despite the wider current account deficit, more than 3.5% of GDP, Brazil has comparatively low external financing needs vis-à-vis some peer issuers owing in large part to its high level of international reserves.
Our higher local currency rating on Brazil reflects the credibility of its monetary policy, its floating exchange-rate regime, and the depth of its capital markets.
OUTLOOK
The stable outlook reflects our view that Brazil's institutional and policy framework coupled with its fiscal and external balance sheet strengths afford it sufficient room for maneuver and the ability to withstand external shocks consistent with a low-investment-grade rating.
We could raise the ratings following more consistent policy initiatives to strengthen the fiscal accounts or outline a more proactive reform agenda to put medium-term growth on stronger trajectory. This would likely generate greater private-sector confidence and higher investment and afford the government more fiscal and monetary flexibility.
We could lower the ratings following a sharp deterioration in Brazil's external and fiscal indicators that is coupled with an unraveling of Brazil's past commitment to pragmatic policy. Notwithstanding the downgrade, we see Brazil's broad macroeconomic policy framework as supportive of its investment-grade ratings.