Certamente que existe muito da politicagem baixa e da falta de eficiência características de nossos políticos e governantes neste ponto também, como aliás em quase tudo o que se faz no país. Mas também existe o problema eminentemente prático de se definir o que seria capacitação nos mais diversos setores, sendo que em muitos deles nem o governo nem os acadêmicos tem a menor capacidade de sequer começar a compreender o que seria esta capacitação.Marechal-do-ar escreveu:Sim, estão falando de coisas diferentes, mas não consigo engolir que seja acidente... Não é segredo pra ninguém que o ensino de uma forma geral é uma droga e que isso não serve para o mercado de trabalho, mesmo com o governo fingindo que não sabe disso não consigo acreditar que eles realmente não saibam.
E também, não acho que a "diferença de enfoque" faz o governo investir no lado errado, pro político médio a conta é simples, quantidade é mais fácil que qualidade, depois o foco é escolhido para justificar isso, não o contrário, se, por algum milagre, o próximo governo decide melhorar a qualidade do ensino não faltaria estudos para mostrar o quanto isso é importante e prioritário.
Imagine como alguém de fora poderá definir exatamente qual a capacitação necessária para um projetista, designer ou engenheiro desenvolverem os sapatos e sandálias de uma Grandene, os revestimentos cerâmicos de uma Portobello, as ferramentas de estampagem de uma Karmann Ghia, os brinquedos de uma Brinquedos Bandeirante, as embalagens de vidro de uma Cisper e por aí vai? E em todos os casos os engenheiros, designers e técnicos poderão em princípio sair de uma mesma escola, que tem formação generalista. Os critérios de capacitação profissional de cada uma destas empresas e seus respectivos setores (e obviamente de muitas e muitas outras) são totalmente diferentes, como definir um programa de formação para atender a todas igualmente sem que elas mesmas tenham que depois completar esta formação?
Uma solução possível em alguns poucos casos é ter escolas de formação dedicada, como por exemplo o ITA, que em princípio forma mão de obra especificamente para a Embraer e empresas do ramo aeronáutico. Mas não é possível ter isso para todos os setores em todas as regiões do país, e aí como as empresas fariam? Só poderiam se instalar onde houvessem escolas especializadas no seu ramo (caso exato da Embraer)? Ou os profissionais teriam que buscar empregos a até milhares de km de distância de suas origens? Como coordenar a demanda e a formação, em princípio defasadas pelo número de anos que demora um curso? A coisa começa a ficar complicada demais para qualquer governo resolver.
Mas no mundo todo é assim, porque só aqui seria diferente?Sobre a questão da experiência, sim empresários preferem empregos com experiência, o que nem sempre existe, mas isso não adianta jogar a culpa neles, o jovem perde 4 a 6 anos de vida numa faculdade que não ensina m**** nenhuma e depois o empresário tem que financiar os aprendizado real dele? Pro empresário qualificar a mão de obra não é um investimento brilhante, o cara aprende as custas da empresa e depois vai pro concorrente, é melhor tirar alguém da concorrência nessa situação, o papel do empresário não é esse.
Não é por outro motivo que no planeta inteiro as empresas mantém programas de estagiários e trainees, para formar a mão de obra que necessita de conhecimentos específicos que só existem mesmo dentro das empresas. E elas nem sonham em passar seus conhecimentos mais importantes para escolas e universidades, onde ficariam livremente à disposição da concorrência. Não tem outro jeito, as empresas sempre terão que formar os seus profissionais e depois garantir salários e benefícios que os façam permanecer em seus postos. Este é justamente um dos aspectos saudáveis de uma economia capitalista.
Eu mesmo trabalho em uma multinacional que tem escritórios em 12 países, e temos vagas em aberto no corpo técnico nos EUA, na China, na Itália e na Coréia, algumas já há mais de 2 anos. E no Japão os dois novos técnicos contratados são jovens recém saídos na universidade que não conseguem sequer se comunicar em inglês, o que seria fundamental! No nosso setor podemos aproveitar tanto técnicos projetistas de ferramentas quanto engenheiros, inclusive com pós-graduação, mas qualquer que seja a origem do profissional ele demora pelo menos 1 ano para começar a produzir, e pelo menos 4 ou 5 para ficar realmente bom (eu trabalho com o software a 12 anos). A única forma de conseguirmos profissionais "prontos" é roubá-los de nossos clientes, o que obviamente é algo que evitamos fazer.
Não existe ação direta que governo algum possa fazer para resolver este tipo de situação. Melhorar a qualidade dos formandos até ajuda, mas está muito longe de ser o suficiente. O papel deles é manter uma situação estrutural propícia para que as empresas possam trabalhar sempre em um ritmo razoável que as permita contratar seus profissionais e treiná-los com calma nas especificidades necessárias, e depois pagar-lhes salários suficientes. E é neste ponto que o governo brasileiro peca e muito, e por isso estamos vendo a situação que enfrentamos agora. E não é simplesmente investindo mais em educação que isso vai se resolver, pessoal bem formado é apenas uma das exigências para que as empresas nacionais possam prosperar, mas muitas outras se seguem a isso e nas últimas décadas nada tem sido feito. E sem isso é justamente a mão de obra mais bem formada (e portanto mais cara) a primeira a ser dispensada. Por isso a bola da decadência do setor industrial brasileiro já vinha sendo cantada há muito tempo, para quem é do ramo não é surpresa nenhuma que agora o setor não consiga decolar, por mais que o mercado cresça e o governo tente (canhestramente) incentivar.
Se amanhã nossas escolas técnicas e universidades por milagre se transformarem nas melhores do mundo vamos no máximo virar fornecedores de mão de obra especializada para outros países, e nossa indústria continuará definhando exatamente como acontece hoje.
Leandro G. Card