A culpa não é da Rússia
Ao suspender a retaliação diplomática contra os EUA, anunciada pelo seu ministro Sergei Lavrov, Putin revela que as leis da cinemática, aplicadas nas artes marciais, também servem na política internacional. Obama decidiu expulsar 35 diplomatas russos por alegada interferência nas eleições presidenciais norte-americanas. Ao não aplicar o clássico princípio da reciprocidade, que levaria à expulsão de 35 diplomatas norte-americanos, Putin agiu como se estivesse num combate de karaté, fazendo que o ainda presidente americano se estatelasse no chão, desequilibrado pelo facto de o seu próprio impulso não ter encontrado resistência.
Se é verdade que Trump é o mais atípico presidente-eleito da história norte-americana, Obama parece destinado a uma das mais desastradas saídas de cena. A sua russofobia é um sinal de profunda fraqueza. Primeiro, um estadista não confunde a política eleitoral e partidária com a política externa. Admitir que os russos podem ter mudado a trajetória eleitoral em novembro de 2016, é uma confissão pública de fragilidade da democracia americana, inadmissível em alguém que já ensinou direito constitucional. Segundo, se é verdade que os russos, ou quaisquer outros serviços estrangeiros, têm acesso a informações domésticas delicadas, um verdadeiro estadista faz rolar cabeças nos serviços de segurança, como já deveria ter sido o caso quando a chanceler Merkel descobriu que os aliados de Washington gostavam tanto de si que não se cansavam de lhe escutar todas as conversas telefónicas. Terceiro, a inação de Putin, acentuou a situação de lame duck (pato manco) em que Obama se encontra. Putin mostrou não querer perder tempo com quem vai sair de jogo no dia 20 de janeiro.
Mas o modo como a Rússia está a ser objeto daquilo que em psicologia se denomina "atribuição causal externa" não se limita aos EUA. A próxima vaga de eleições decisivas para o futuro europeu (Holanda, França e Alemanha) arrisca-se a ser marcada pela sombra da "interferência russa". Mais uma vez trata-se de um claro sintoma de fraqueza. Não foi a Rússia que conduziu a UE para a agonia lenta de uma união monetária onde uma parte significativa dos Estados integrantes se sente como num avião capturado por piratas do ar. Um sítio muito desagradável, mas do qual não se pode sair sob pena de morte certa. Não foi a Rússia que armou fundamentalistas islâmicos no Afeganistão e na Bósnia, as escolas dos terroristas que hoje flagelam o Ocidente. Não foi a Rússia que iniciou esta vaga ingovernável de sofrimento humano, traduzida nas multidões rompendo as fronteiras da Europa em 2015, forçando a UE a acordos com Ancara que nos envergonham. Foram G.W. Bush e Blair com a ignóbil invasão do Iraque, em 2003. Foram Sarkozy e Cameron, com a cumplicidade de uma NATO que há muito entrou em roda livre, derrubando e assassinando Kadafi (com quem a UE tinha assinado em 2010 um positivo acordo sobre refugiados). Foi o próprio Obama, deixando Hillary Clinton ensarilhar-se, ao lado de Hollande e Cameron, no caos da Líbia e no inferno da Síria.
Putin, olhando no espelho dos czares, representa os interesses permanentes de uma Rússia determinada a quebrar um longo ciclo de declínio. Mas a Rússia, além do seu arsenal nuclear, só vale 10% do PIB da UE e tem pouco mais de um quarto da população dos 28! A Rússia só mete medo a uma Europa à deriva, governada por líderes imaturos, que não sabem quem são, quem representam, nem para onde devem ir.
04 DE JANEIRO DE 2017
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Viriato Soromenho Marques
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