Programação da TV venezuelana é marcada por mandos e desmandos de Hugo Chávez
Plantão | Publicada em 18/04/2010 às 09h42m
Mariana Timóteo da Costa
CARACAS - Na TV, ele discursa, canta, conta muitas histórias e conversa com o povo. Apenas no ano passado, sua figura alcançou a incrível marca de 1.207 horas no ar. Estamos falando de uma celebridade? De um ídolo pop? Quase isso. Trata-se de Hugo Chávez, que, em seu tempo livre, também responde como presidente de uma nação sul-americana. Comandando com mãos de ferro os meios de comunicação da Venezuela - daquele jeito "sem querer querendo", só para usar o bordão do quase xará Chaves, famoso personagem mexicano -, ele transformou a produção televisiva de seu país, onde o domínio do poder estatal impõe censura, coíbe a criatividade e, consequentemente, empobrece o produto que chega ao espectador.
Chávez é protagonista. Aonde ele vai, uma equipe da Venezolana de Televisión (VTV) vai atrás. O mesmo acontece com os ministros de seu governo: na inauguração de qualquer monumento, de qualquer projeto, em qualquer manifestação chavista, lá está uma equipe de jornalistas para realizar a cobertura. São horas de discursos, conversas, parcialidade e oficialismo em frente às câmeras.
A rede estatal de TV, nascida nos anos 60, transmitia documentários, debates, boas novelas, jornalismo crítico e com enfoque internacional. Seu uso como mero veículo de propaganda do governo acentuou-se quando Chávez, um presidente extremamente midiático, assumiu o governo em 1999 e criou um programa dominical para chamar de seu, o talk show "Aló Presidente", transmitido a partir das 11h pela VTV e sem hora para acabar.
E Chávez é carismático, não dá para negar. Em seus programas, cada semana gravado num lugar diferente, ele seduz o público. Mas, para o especialista caraquenho Marcelino Bisbal, há uma clara busca chavista por uma "hegemonia dos meios de comunicação": além do domínio da VTV, investiu-se milhões (o governo não divulga cifras) na criação de outras emissoras estatais nas TVs aberta e fechada e em mais de 300 canais comunitários. Isso sem falar na perseguição e até censura aos meios de comunicação contrários ao poder.
- O fato é que este domínio chavista da TV aberta está alterando significativamente não apenas a programação, mas a forma como os venezuelanos veem TV - lembra a estudiosa de TV na Venezuela Carolina Acosta-Alzuru, que hoje mora nos EUA e dá aulas na Universidade da Geórgia.
Segundo Carolina, a situação piorou de 2004 para cá, quando foi aprovada a chamada Lei Resorte (Lei de Responsabilidade Social no Rádio e na Televisão). Por meio dela, Chávez tem o direito de entrar em cadeia nacional a qualquer hora do dia ou da noite, pelo tempo que achar necessário. Aquelas 1.200 horas que ele permaneceu no ar em 2009 (contagem feita pela consultoria Datanalisis) incluem o tempo do "Aló Presidente" e dessas cadeias. Guillermo Zuloaga, presidente da Globovisión, rede de oposição que transmite apenas notícias, chama a lei de "mordaça".
- Há fiscais vigiando nossa programação todo o tempo. Não podemos informar nada que possa incitar o caos público e precisamos interromper um entrevistado caso ele o faça. Ou seja, o objetivo é que constantemente nos autocesuremos e não tratemos de questões relevantes - diz Zuloaga, lembrando que, enquanto os jornalistas das redes do governo têm acesso a dados oficiais, entrevistas com ministros e eventos públicos, os repórteres da Globovisión ficam de fora.
O executivo sentiu o peso da lei na própria pele no mês passado. Ao voltar de uma conferência sobre liberdade de imprensa, foi preso acusado de dar declarações que "visavam a desestabilizar a ordem pública": durante o evento, Zuloaga criticou a perseguição aos meios de comunicação de oposição em seu país. Ele foi solto devido à pressão internacional, mas sua emissora - hoje o único canal da TV aberta na Venezuela crítico ao governo Chávez - é alvo de mais de 40 processos.
- Temos licença para operar até 2015, mas não sabemos o que vai acontecer até lá - declara Zuloaga, ressaltando que a mesma lei foi responsável por retirar do ar o canal mais assistido pelo povo venezuelano: a RCTV.
Além de jornalismo, muitas vezes crítico ao governo, a RCTV tinha em sua grade novelas e outros programas de entretenimento. Em 2007, não teve sua licença renovada para transmitir na TV aberta. Passou então para a TV paga, quando foi criada a RCTV Internacional, mas, em janeiro deste ano, sua concessão foi caçada novamente. Os espectadores não puderam assistir ao último capítulo da novela mais popular da época, "Libres como el viento", protagonizada pelo galã e ex-Menudo Jonathan Montenegro. Atores, diretores, jornalistas e produtores da RCTV Internacional vêm sendo demitidos e, de duas semanas para cá, a maioria já foi desligada da empresa.
Não há um equivalente ao Ibope para medir quais são os programas mais assistidos mas, de acordo com a Datanalisis, a Venevisión é hoje a rede com maior audiência na TV aberta, seguida por Televén e Globovisión. São as três únicas emissoras na TV aberta que não pertencem ao governo. As duas primeiras, cujo enfoque maior é entretenimento, resolveram não enfrentar Chávez e tiraram do ar programas e novelas "que poderiam lhes trazer problemas", como lembra Carolina Acosta-Alzuru. Os demais canais de TV aberta, todos estatais, são: VTV, TVes (que entrou no lugar da RCTV, transmitindo atrações culturais), ViVe (educativo) e Telesur. Essa última foi criada em 2005, para, segundo Chávez, "concorrer com a CNN", com foco em notícias relevantes para a América Latina e o Caribe. Financiada por Venezuela (principalmente), Cuba, Argentina e Bolívia, a Telesur traz um jornalismo com enfoque internacional, um pouco mais isento do que o da VTV, mas, ainda assim, sempre sob a ótica bolivariana.
Além do "Aló Presidente", Chávez também brilha no "La Hojilla", que vai ao ar de segunda a sexta, às 23h. Apresentado pelo gordinho Mário Silva, é o programa favorito do presidente na TV, como ele mesmo já admitiu várias vezes. Mário diz que seu objetivo é "rasgar o véu midiático" (já que "hojilla" quer dizer lâmina de barbear). E, enquanto nos meios de oposição ofender o chavismo pode dar cadeia, no "La Hojilla" Mário Silva e demais defensores de Chávez deitam e rolam contra seus adversários, chamados quase sempre de "esquálidos".
Já a presença de canais de governo na TV por assinatura ainda é reduzida. Há dois: a Vale TV (educativo e estatal) e a ANTV, que transmite diretamente as reuniões dos deputados da Assembléia Nacional dominada por chavistas. A TV fechada conta ainda com os canais privados Venevision Plus (de entretenimento) e Meridiano (esportivo).
Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/revista ... 358308.asp