Choque de interesses atrasa compra de caças
Governo tem dificuldade para conciliar requisitos da FAB, vantagens comerciais e desejos da indústria nacional
Ricardo Balthazar, Vanessa Adachi e
Sergio Leo De São Paulo e Brasília
Parecia uma barbada. No início do ano passado, tudo sugeria que a Embraer estava prestes a ser declarada vencedora da concorrência aberta pela Força Aérea Brasileira (FAB) em 2001 para comprar 12 caças novos. A empresa oferecia um bom avião, tinha contatos em Brasília e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se apresentava como seu aliado.
Passou mais de um ano e o processo de seleção dos caças continua emperrado. Lula mandou suspender a concorrência dois dias após a posse. Só em outubro os aviões oferecidos voltaram a ser avaliados. Uma comissão formada por oito ministérios apresentou um relatório em março. Para que Lula decida, ele precisa convocar uma reunião do Conselho de Defesa Nacional. Ninguém sabe quando ela ocorrerá.
Rumores de vários tipos têm proliferado por causa dessa indecisão. O boato mais insistente na semana passada garantia que a definição de Lula era iminente. Mas assessores do presidente e um integrante do conselho ouvidos pelo Valor manifestaram ceticismo. Segundo eles, não haveria tempo para convocar os dez integrantes do conselho antes do fim de semana, quando Lula inicia uma viagem para a China.
A disputa demora para chegar a um desfecho por vários motivos. Avaliado em US$ 700 milhões, o negócio é mais complicado do que Lula imaginava na campanha eleitoral, quando deu seguidas demonstrações de afeto pela Embraer. "A transferência da decisão para a esfera política ampliou as pressões sobre o governo", diz um brigadeiro da reserva que acompanhou de perto a fase inicial do processo de seleção.
A escolha depende de muitos critérios. Além das características técnicas e do poder de fogo dos aviões, têm sido avaliadas as tecnologias que os fabricantes prometem transferir ao país e as contrapartidas comerciais que eles oferecem para tornar suas propostas mais atraentes. Há também aspectos políticos. O governo se preocupa com a avaliação da opinião pública sobre o negócio e deseja que o projeto traga benefícios para a indústria nacional, e não só para os fabricantes estrangeiros dos caças.
Cada um dos concorrentes se destaca mais que os outros em algum critério e por isso ficou difícil escolher. Há simpatia na Aeronáutica pelo russo Sukhoi 35, o mais potente da disputa. Mas existem dúvidas sobre a capacidade dos seus fabricantes de garantir a manutenção dos aviões. O anglo-sueco Gripen também tem sido bem avaliado. Mas seu alcance é menor e há algumas incertezas sobre a transferência das tecnologias mais sensíveis.
A questão do controle dos sistemas e dos armamentos é tão importante para a FAB que parece ter empurrado para o fim da fila o americano F-16C, o caça mais vendido do mundo. Os Estados Unidos impõem restrições à transferência de códigos de computador e mísseis. Outro que é mal avaliado é o russo MiG-29, cujos patrocinadores só aparecem no Brasil de vez em quando.
O caça oferecido pela Embraer, em parceria com sua sócia francesa Dassault, está longe da predileção dos pilotos da FAB. O avião é a última versão de um modelo projetado há décadas. Sistemas e armamentos são de última geração, mas os militares desconfiam da disposição dos franceses de transferir seu controle. Para a Embraer, o pacote é o que oferece melhores condições de transferência de tecnologias.
Quarta maior fabricante de aviões do mundo, a Embraer é a empresa nacional mais bem aparelhada para absorver e adaptar as tecnologias que virão com os caças da FAB. Para ganhar a simpatia do governo, todos os consórcios estrangeiros prometem fazer parcerias com a Embraer se ela for desclassificada. A empresa tem desprezado esses acenos. Ela acha que seria tratada como simples coadjuvante pelos rivais.
Outros concorrentes também fizeram alianças com indústrias nacionais. Os russos do Sukhoi prometem construir um centro de manutenção com a Avibras. Mas a Avibras vive uma situação financeira frágil e sua experiência no ramo é muito menor. "Não há lugar para dois fabricantes de aviões num país como o Brasil", afirmou em março o vice-presidente de relações internacionais da Dassault para a área de defesa, Yves Robins, num debate sobre o assunto realizado em São Paulo.
Outro complicador é a importância que as compensações comerciais e outras contrapartidas ganharam na concorrência. Junto com os Sukhoi, os russos oferecem ajuda para tirar do chão o programa espacial brasileiro e prometem importar US$ 3 bilhões em produtos nacionais. "O acordo na área espacial já vinha sendo discutido, mas certamente avançará mais se o Brasil optar pelo Sukhoi", diz o consultor Luiz Mauro de Camargo, representante do governo russo na disputa.
Os suecos prometem milhões de dólares em investimentos de empresas do grupo Investor, que controla a Saab, fabricante do Gripen, e tem ações de indústrias estabelecidas no Brasil, como a Ericsson, a Electrolux e a Scania. "Reforçamos esse aspecto da proposta ao atualizá-la no ano passado", diz o vice-presidente da Gripen para o Brasil, Erik Hjelm.
A preocupação do governo com a opinião pública também contribui para emperrar o processo. Lula foi muito criticado no ano passado, quando aprovou um gasto de US$ 57 milhões para comprar um Airbus novo para a Presidência. Quando a concorrência da FAB foi suspensa em 2003, o governo disse que precisava do dinheiro para combater a fome, mas a desculpa foi esquecida assim que as propostas dos caças voltaram a ser analisadas.
A situação ficou tão complicada que começaram a aparecer idéias curiosas. Uma das sugestões levadas à Aeronáutica prevê que ela desista da concorrência, compre aviões usados que os fabricantes poderiam reformar em poucos meses e volte às compras em alguns anos. "Se a FAB esperar, logo ela poderá comprar caças melhores do que os oferecidos até aqui, por um preço parecido com o que se dispõe a pagar hoje", afirma o diretor da americana Lockheed, Richard Singer.
http://www.defesanet.com.br