#310
Mensagem
por Luiz Bastos » Sex Jul 16, 2010 1:21 am
Reparem no português da época. Relato da morte do ditador.
Não me pareceu muito heroica.
Francisco Solano López - 1870 -
"Quando o General Câmara parou o cavallo resfolegante na orla da pequena mata, avistou o Major José Simeão de Oliveira acompanhado por alguns soldados, que de longe lhe gritou:
- General, elle entrou por aqui.... por aqui!
E apontava um trilho estreito entre o arvoredo embastido.
O dia estava quente e lindo. No céo limpo, muito azul, o sol offuscava. E toda a vegetaçào virente e humida se banhava no oiro da luz. O caminho, de barro amarello, manchava-se de sombras sob a larga ramaria das arvores.
Câmara apeou-se rapido e foi entrando pelo mato adentro. José Simeão prevenio-o:
- Cuidado general, com um tiro de tocaia. Elle não ia so.
Camara deu de hombros. O major chamou os soldados - Vamos.
O general sempre tranquilo, pausado, silencioso, sentia bem a importancia dos acontecimentos que naquelle dia se desenrolavam. Punha-se o ponto final na guerra, na 'pequena guerra' que Caxias deprezara. Tudo devia terminar. Os idos de março eram contrarios aos Tyrannos.
Desde cedo, estava a cavallo, combatendo, governando o circulo de ferro de suas tropas que se constringia em volta dos ultimos defensores do lobo perseguido. E foi por deante, rompendo as lianas, apartando os arbustos, patinhando nas poças da ultima chuva, esmagando os folhiços, escoltado pelos soldados e o major, que exploravam o bosque em todas as direcçòes, de pistolas e clavinhas engatilhadas.
A luz amoedava-se no chão e pelos troncos viçosos, coada através das folhagens. Tranquilidade absoluta. Nem signal do lobo acosado.
As ultimas defesas do dictador paraguaio tinham sido atacadas pela columna de Joca Tavares no passo das Taquaras e na picada angusta de Chiriguelo. Pouco mais de mil homens fatigados e desmoralizados defendiam esses execellentes pontos estrategicos com algumas peças de artilharia.
O 9 de infantaria do major Floriano Peixoto e o 36 de voluntarios do tenente coronel Cunha Junior tirotearam algum tempo com os paraguaios. Quando o fogo do inimigo esmoreceu, o 19 e o 21 de cavallaria, a pesar da difficuldade da manobra na estreiteza das ladeiras, galgaram-nas a galope e foram lancear os artilheiros sobre o reparo de seus canhòes. Entào, os batalhões avançaram de baioneta calada. E os derradeiros defensores do supremo debandaram ou se renderam.
Um general, quatro coroneis, oito tenentes-coroneis, dez majores e perto de trezentos subalternos , inferiores e preças, entregaram as armas. Estava acabado aquelle exercito de leões que se abatera heroicamente durante cinco longos annos.
Victorioso, Joca Tavares corre com os seus gaúchos a toda a brida para o acampamento de Solano Lopez. Era precisso agarral-o houvesse o que houvesse. Ainda pela manha, promettera um punhado de oiro ao soldado que o preasse. E a cavallaria entra pelo meio das barracas , das carretas empilhadas e das cabanas de folhagem, agitando as lanças apendoadas de galhardetes rubros, aos sol, aos gritos de victoria.
No meio dos officiaes e soldados fieis, ainda a pé, avistaram o dictador. Correm para alli. Um indio semi-nu, de ma catadura, descoifado, barra-lhes o caminho, disparando a pistola. Crava depois a lança cruzetada, com ambas as mãos, no peito dum official brasileiro. Era o cabo Fernandez, ordenança do Lopez. Enfuriados, os gaúchos matam aquelle heroe obscuro como se mata um cão.
Circulam o grupo do dictador. Este, em camisa, cabeça descoberta, monta ligeiro o malacara, colhe as redeas com força e arranca a espada da bainha. Os lanceiros de Joca Tavares rodamoinham, derrubando a lançaços os dois ultimos ordenanças de Lopez e alguns officiaes. Tapezapeam as láminas de aço. Gritos enlouquecidos. Gemidos lancinantes. Uivos. Mas o supremo desvencilha-se dos atacantes, aproveita a confusão, o facto de estar sem farda, que o disfarça, esporeia raivoso o cavallo e corre pela picada que saía do acampamento pela direita.
Foi quando um cabo de lanceiros, ordenança de Joca Tavares, Xico Diabo, lhe atirou um lançaço que o colheou pela ilharga. O sangue mancha a gualdrapa da sella e a badana. Elle curva-se sobre o pescoço do animal, que, incitado, ferido pelas esporas, parte como uma flecha.
Jose Simeão, que precedia Camara, vae chegando com um piquete, reconhece o fugitivo que mais alguns paraguaios acompanham, e grita para um sargento:
- La vae o Lopez! atire! faça fogo!
O inferior leva a clavina Spencer à cara e puxa varias veces o gatilho. Um dos cavalleiros inimigos libertados do entrevero e que fugia com o dictador desaba no chão pesadamente, com a mioleira vazando. Era o ministro Caminos.
Jose Simeão, Xico Diabo, o sargento, mais alguns soldados, perseguem os fugitivos, enquanto Francisco Martins de Menezes toma a picada da direita, com seus lanceiros, no encalco de Elisa Lynch e de Panchito Lopez, que um prisionero informara terem fugido por alli na companhia de Isidoro Resquin.
À beira da mata, tomba o malacara estropeado e ferido. O Supremo apea-se e vara-a a pé. José Simeão apercebe-o ja se perdendo entre os troncos com os dois ultimos officiaes que lhe restam. É o tempo que Camara chega e segue-lhe o rasto.
Mais o sol rompe de repente o arvoredo alegre, clareando-o todo. Um sussurro de agua. E o general brasileiro, afastando galhos, ve-se na barranca do ribeiro Aquidaba-niguy, em cujo fundo lodoso se arrasta um fio liquido, peço e preguicento, que se vae despejar no Aquidaban.
Ajoelhado na margem fronteira, o Dictador caira, procurando galgar o barranco, ajudado pelos seus fieis companheiros. Camara disse:
-Marechal! Marechal!
Elle volta-se. Na face terrosa refulge um olhar de fereza e de odio, de desespero e de dor. É o lobo acuado, olhando a matilha e os monteiros que avançam para o seu derradeiro refugio, olhando a morte fatal, inilludivel: o fim! Os cabelos estão empastados de suor e sangue. Os braços nús, surgem nervosos e peludos, das mangas esfarrapdas da camisa. Uma das garras enclavinha-se no punho de tartaruga da espada armoriada.
A barranca, em volta de Camara, ja se povoa de officiaes, de cavallarianos a pé, de clavinoteiros do 9, vindos todos no piso do general.
- Marechal! continua Camara, sou o general brasileiro que comanda estas forças. Renda-se que lhe garanto a vida! Renda-se!
Salta no riacho e approxima-se do grupo.
A voz do Supremo, rouca, estertorante, ecoa pela derradeira vez na terra paraguaia, pronunciando uma frase de anthologia:
- Muero con mi patria y con mi espada en la mano!
E o seu braço, distendido como uma mola, procura acutilar o general, que se desvia e ordena:
- Desarmem este homem!
Então, um torbellino de officiaes e soldados invade a estreita sanga do corrego. Furiosos, atiram no grupo. É a matilha deçasaimada sobre o lobo. Os officiaes paraguaios tombam. Um clavinoteiro avança para Lopez, segura-o pelos pulsos, quer arrancar-lhe a espada. O dictador resiste, e, na luta, duas vezes a sua cabeça mergulha no ribeiro esverdinhado. Solta ao final sua arma, cuja ponta se partira, e que o soldado apanha. Um gaúcho, João Soares, encosta o cano da clavina nas suas espaduas possantes e da-lhe o tiro de misericordia.
Todos aquelles homes alli reunidos, depois que morreu o eco da detonação, soltam um suspiro de allivio como no fim dum drama atroz, dum pesadelo, e ficam parados, absortos quasi ante o corpo estendido na barranca, a boca e o nariz distillando sangue, a cabeça ferida, as botas n'agua.
Silencio profundo sob a luz ardente, tranquila do sol. Corta-o a voz energica de José Simeão:
- Arranjem uns paus e levem o corpo para o acampamento!
Entardecia. Pelo caminho empapado de humidade, quatro sapadores caminhavam a passo curto e cadenciado, carregando em dois varapaus o cadaver do derradeiro grande caudilho que as armas do Imperio varriam da America.
Não se acabara um povo à margem do Aquidaban; porém se finara um regimen que o fizera desgraçado e abusara do seu fanatico heroismo. Agora, livre da tyrannia, embora dessorado pela guerra fatal, o Paraguai poderia viver outra vida e preparar-se para melhores dias.
O passo cadenciado dos sapadores resoava no caminho lamacento. O corpo de Lopez oscillava, enorme, ao sacolejos da rustica padiola. Fios de sangue coagulavam-se nas mandibulas fortes. O vento brincaba nos cabellos revoltos e negros. As mãos pendiam lamentavelmente para o chào.
Era o enterro do caudilhismo que passava."
Copiado del libro "A guerra do Lopez" , de Gustavo Barroso, editora Valerio(?) , probablemente 1930